O "meu" JN, simpático diário do Porto onde publico uma coluna semanal, cometeu ontem um deslize grave, que acabou por criar uma "notícia" especulativa sobre Luís Castro Mendes, o novo ministro da Cultura. No essencial, o jornal titulou, em parangonas de primeira página, que o ministro teria usado indevidamente o título de embaixador.
O jornal errou duas vezes. Porém, antes de provar isso, quero contextualizar o caso, com uma explicação, tão simples quanto possível, sobre a carreira diplomática (que passarei a referir como a "carreira").
A carreira tem várias categorias, através das quais transitam, ao longo do tempo (por modelos diversos e sucessivos de promoção), os diplomatas: adido, secretário, conselheiro, ministro plenipotenciário e embaixador. A partir do acesso à categoria de ministro plenipotenciário, a penúltima da carreira, um diplomata está qualificado para chefiar uma embaixada, "com credenciais de embaixador". Para todos os efeitos, é-lhe atribuído o título de embaixador, que não só pode como deve usar, numa prática que é corrente em muitas outras carreiras. Também é regra habitual, em Portugal e noutros países, neste caso seguindo uma tradição de cortesia que nunca vi contestada durante as minhas quase quatro décadas de carreira, que um diplomata que haja exercido as funções de embaixador continue a ser designado como tal, mesmo fora desse exercício. Luís Castro Mendes chefiou sucessivamente as embaixadas na Hungria e na Índia, a que se seguiram a Unesco e o Conselho da Europa.
Este foi o primeiro erro do JN: o novo ministro da Cultura exerce as funções de embaixador desde 2003, isto é, foi embaixador por 13 anos consecutivos. Há mais de uma década que tem pleno direito ao uso do título.
Mas há mais. Com efeitos a partir de finais de 2009, o Ministério dos Negócios Estrangeiros decidiu promover Luis Castro Mendes da categoria de ministro plenipotenciário à categoria de "embaixador". Eu sei que isto pode parecer confuso a não iniciados, mas, como terão notado na listagem de categorias que antes fiz, há uma última categoria acima da de ministro plenipotenciário, que tem precisamente como título "embaixador". É o topo da carreira, compõe-se hoje apenas de 34 vagas. Na linguagem das Necessidades, chama-se a este núcleo de embaixadores, para os distinguir dos outros, os "embaixadores de número". Os britânicos chamam-lhe "full rank ambassadors". O agora ministro da Cultura está, há sete anos, nesta última categoria, através de um decreto assinado pelo presidente da República.
Entretanto, como ocorre muitas vezes nas carreiras profissionais, um determinado ministro plenipotenciário, que não foi escolhido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros para integrar os "embaixadores de número", interpôs um processo contra esse mesmo ministério, reclamando dessa decisão. Em causa ficavam, indiretamente, as promoções dos vários diplomatas que o haviam ultrapassado, entre os quais figura Luis Castro Mendes. Refira-se que alguns desses diplomatas ocuparam, neste longo período de tempo, determinados cargos a que só podiam ter acedido desde que fossem "embaixadores de número", tendo entretanto circularo entre postos, sempre preservando essa categoria. O MNE tem em curso uma contestação administrativa à pretensão daquele ministro plenipotenciário e, até ao seu desfecho, mantém, como deve manter, Luís Castro Mendes e os outros diplomatas no grupo dos 34 "embaixadores de número". O novo ministro nada tem a ver com a reclamação do seu colega: ela dirige-se ao MNE e este não lhe retirou, em nenhum momento, o acesso à categoria de "embaixador de número".
Portanto, o JN equivoca-se uma segunda vez: também por este segundo critério, o novo ministro - que já antes podia e devia usar o título de embaixador - reforça esse direito, tanto mais que, repito, nenhuma decisão do MNE reverteu até hoje a sua integração nesta categoria.
Aqui chegados, resta uma pergunta: por que luas foi o JN desencantar esta história, esta "não notícia", no momento da posse do novo ministro? Que relevância tem o anterior estatuto profissional do novo governante - questão em que o JN se equivoca duas vezes, caramba! - para o exercício das funções que vai ocupar.
Eu tenho uma resposta para estas perguntas, mas não a dou - ou melhor, deixo que a intuam -, pelo respeito que o "meu" JN me merece.
18 comentários:
E isto só vai piorar.
O que só revela os interesses poderosos por trás da direita que nos desgovernava.
António Nunes
Em vez de duas inocentes e saudáveis bofetadas duas insidiosas notícias malevolas a procurarem ensombrar a imagem do Govrrno e seus membros e criar mais um dos ridículos cssos de que a comunicação social se alimenta. Repugnante é bem mais grave que as retóricas e literatas bofetadas.
Fernando Neves
Tal como o Expresso de hoje faz uma ligação dos "Panama Papers" a Sócrates (haverá alguma manigância neste país em que Sócrates não esteja "envolvido"?), por portas travessas, também o JN quis aumentar as vendas usando de manha semelhante. E com a inerente má-fé à mistura, claro.
Além do que o Francisco refere, houve outra história sinistra há quase trinta anos que prejudicou injustamente em termos de progressão na carreira Luís Castro Mendes e vários colegas do MNE.
JPGarcia
Tu quoque, JN?
Raio de atracção que os métodos informativos(?)do "manholas" exercem sobre a concorrência.
Valha-nos, estou em crer, que não será por muito tempo.
Está tudo bem, mas todos sabemos especialmente os da casa, que as promoções a embaixador "full rank"se norteiam essencialmente por critérios políticos e elas variam quando a direita está no poder(PSD) ou a esquerda (PS). Não é verdade? Não vale a pena escamotear a realidade
E já agora e o que dizer do titulo de "inginheiro" do Sócrates e do "dotor" do Relvas? Infelizmente neste país, falo deste porque é o meu, os outros que cuidem deles próprios, mas dizia infelizmente neste país enriqueceu e guindou-se na vida quem mais.........
Não me parece que a "coisa" tenha vindo da direitalha porque até o Dr. Paulo Rangel propõe que sejam retirados os titulos profissionais transversalmente, seguindo uma linha esquerdalha (expressa, claro...)
É certo que muita gente usa o título indevidamente mas é consuetudinário e, esta notícia e respetivas reações, só vêm demonstrar que todos sem exceção procuram o "titulozinho" atrás...
Um "não assunto", sem interesse ou relevância. Como diz um amigo meu, que é jornalista, a silly season agora restringe-se aos meses entre janeiro e dezembro.
Embora não me custe concordar consigo, já não concordo com a sua postura relativamente à posição do colega que interpôs recurso e através do qual veio a criar problemas a outros colegas, entre os quais, o actual Ministro da Cultura, um excelente profissional, bom colega e intelectual de respeito, como é o caso do L.F. Castro Mendes. É que fica a impressão, aliás já expressa relativamente de outros casos que aqui noutra ocasião invocou, de que sempre que um colega que contesta uma colocação em Posto, ou uma promoção, o não deve fazer recorrendo ao Tribunal - mas dentro da “instituição”. Ora bem sabemos o que é o MNE! Basta olhar para o Departamento de Serviços Jurídicos, o tal DAJ, para percebermos que aquilo serve, apenas e tão só, os interesses da Hierarquia da Casa e da Tutela, qualquer que ela seja, nunca em momento nenhum, tomando posição ou tendo em atenção as queixas de um diplomata perante as diatribes, ou abusos da tal Hierarquia do MNE sobre ele. Aliás, basta ver o que se passa na Inspecção Diplomática, onde sempre se procura limitar os “danos” cometidos por funcionários dos escalões mais altos. Assim sendo, Falcão Machado, o ilustre diplomata Embaixador (exerceu essas funções ou cargos, mais do que uma vez) que interpôs recurso sobre aquelas promoções, onde não foi abrangido, tenha toda a razão para as contestar e pedir que lhe seja feita Justiça. O que é lamentável é que a imprensa já há muito sabia deste caso, já o tinha noticiado e agora volta ao ataque, por meros motivos políticos, para atacar o governo de António Costa. Mas, já sabemos que a Direita tem actualmente uns tantos trauliteiros de serviço nos “media”, para lhe fazerem os fretes que desejam.
E, 'the last but not the least', penso que não é obrigatório ser Embaixador para ser ministro da cultura...
O comunicado do MNE erra.O chefe de missão junto de um organismo internacional,como o Conselho da Europa,não é "embaixador"
mas sim "representante permanente".Vejam-se as nomeações publicadas em Diário da República
O valente Anonimo das 23,29 está enganado. O Embaixador Falcão Machado e Embaixador de categoria, promovido no tempo do Ministro Amado. O que aliás diz tudo sobre as ressabiadas críticas de partidarismo, que aliás nunca foi dominante nas promoções do MNE
Fernando Neves
O Fernando Neves acha que aquilo que o anónimo das 23:29 está enganado? Então, discorda que dentro do MNE aconteça um chavascal de cunhas político-partidárias?
Relativamente ao autor desta publicação, é lamentável que não se concentre no essencial: o MNE não acatou decisão do STA resultante da acção de Fernando Machado (e não Falcão Machado, como por aí têm escrito), um Cidadão com C maiúsculo, que naturalmente invocou as suas razões por ter sido ultrapassado sem fundamentação. O STA deu razão a Fernando Machado e o processo transitou em julgado a 4 de janeiro de 2013. Como é que uma pessoa com os conhecimentos de Francisco Seixas Costa tem a lata de omitir este pormenor?
Ao Anonimo das 02:10
Sim, discordo. Pegue no anuário e veja as promoções a Embaixador e verá que de um modo geral sempre foram sendo promovidos funcionários não conotados com o Governo. Talvez possa haver uma ou outra excepção de interferência mais pessoal que política no governo Passos Coelho. Quanto às outras promoções, a minha bastante longa experiência no Conselho Diplomstico leva-me a concluir que, para além dos ridículos criterios peludo objectivos e transparentes dos regulamentos, o que, como é humano é inevitável, os membros do Conselho reflectem as opiniões boas ou más que tem dos candidatos pela sua experiência, e a sua ligação positiva ou negativa aos mesmos. O que não são cunhas, são avaliações próprias que podem ser motivadas por melhores ou piores razões, mas são tambem o motivo pelo qual se atribui o processo a um colégio de superiores hierárquicos o sistem de promoções. Devo dizer que considero que em todos os sistemas de decisão se tem que atribui um lugar ao critério discricionário de quem neles participa. Sem se ter isso em consideração, sexcluindo seres humanos do processo. É bom que se reponha confiança nas pessoas e não se pense que todos os outros estão apostados em fazer mal e nós somos a excepção.
Fernando Neves
É pena deixarem de lado o essencial! Apromoção a embaixador de número é suposta ser a consagração de uma carreira e a recompensa decidida pelo "representante" dos diplomatas- o secretario-geral- que sendo normalmente um dos mais antigos embaixadores- cnhece suficientemente os perfis, a experiencia e os desempenhos da totalidade dos Ministros plenipotenciários promoviveis. O Sec. Geral propõe ao Mi nistro, que normalmente segue o que lhe é sugerido.
Naturalmente que quando há vagas, fervem intrigas e movem-se influencias.Mas,é raro não haver um consenso final sobre a bondade das promoções,sabendo-se à partida que algumas funções arrastam consigo a promoção (no gabinete do PM,no do PR,ou os lugares de Director-geral.
Na carreira diplomática,como em todas as hierarquias,há uma espécie de elevador que se encarrega de fazer subir até ao patamar de Ministro plenipotenciario quem nunca fez grandes as neiras, nem levantou grandes ondas.Em suma, funcionarios medianos,que lá chegaram à sua embaixadazinha e conquistaram o titulo de embaixador.Mas, atenção, apenas pelo exercício de uma chefia de missão diplomática,não por terem sido promovidos ao grau supremo da Carreira.
Ora estes tais funcionarios medianos ganham na confusão entre embaixador/chefe de missão e embaixador/de numero, eagitam-se,quantas vezes penosamente, para conquistar a última promoção com fundamento num currciculum...fraquinho,coisa que o Secretario-geral e/ou o Ministro estão fartíssimos de saber.
O não provimento destas modestas ambições desperta nestas modestas pessoas um sentimento de injustiça que o STA na sua ignorancia e insensatez está pronto a acolher
Pelos vistos, neste regime, o MNE dá-se melhor com as cunhas, o compadrio, etc. do que com o direito. A Lei é uma chatice para esta gente...
O MNE e o TOO (Todos Os Outros)!
Enviar um comentário