domingo, junho 28, 2015

Ver-se grego

A língua portuguesa cunhou, desde há muito, a expressão "ver-se grego" para significar "encontrar-se numa situação difícil".

Há pouco, ao ver as caras dos cidadãos de Atenas em fila para os bancos, atazanados pelas meninas das televisões à cata de uma frase para comporem a reportagem, senti uma imensa solidariedade com a silenciosa dignidade de toda aquela gente anónima, nestes dias e horas atravessados por uma imensa incerteza face ao seu destino. Gente comum que foi apanhada em jogos políticos que tem muito escassos meios de influenciar.

Tenho alguns bons amigos gregos. Posso imaginar como se sentirão nestes momentos de grande dificuldade, em que o desespero deve estar a marcar a sua vida e das suas famílias. Não tenho sequer coragem para lhes falar, porque, francamente, não sei bem o que lhes dizer.

Entre nós, nos últimos meses, transformámo-nos numa espécie de aproveitadores oportunistas da situação grega para finalidades políticas próprias. Num imenso "prós e contras", Portugal dividiu-se entre os adoradores do Syriza e quantos o diabolizam. Pelas conversas, jornais e televisões, todos acabámos por "syrizar" o nosso quotidiano, num "achismo" de bitaites pseudo-informados, no fundo, utilizando o caso grego para sublinhar as nossas próprias clivagens internas e expressar o nosso sentimento face à Europa. Foi assim que nos transformámos num país de "voyeurs" da tragédia alheia, fazendo, à distância, as apostas sobre como as coisas vão acabar na Grécia.

O que me parece que talvez não tenhamos interiorizado verdadeiramente - embora eu saiba que pensar assim não é cómodo nem popular - é que um certo destino da Grécia acelera bastante a possibilidade de que, um destes dias, à nossa medida, também nos possamos "ver gregos".

14 comentários:

Bartolomeu disse...

Existe uma diferença profunda entre Gregos e Portugueses: Eles vêem-se gregos, porque o são. Nós vimo-nos gregos porque somos invejosos, xicos-espertos, bacocos, labregos e sempre prontos a rasteirar o parceiro, fazendo ao mesmo tempo um cínico sorriso de amizade. Eles vêem-se gregos porque sempre foram o povo natural de mais de uma centena de ilhas pedregosas, localizada entre o Oriente e o Ocidente, sempre alvos da cobiça e da conquista, retando-lhes sempre o recurso à arte de negociar para garantir a subsistência. Nós, madraços e calaceiros, optámos pela conquista a que chamamos pomposamente, diáspora, explorámos e escravizámos povos de todos os continentes, gastámos as imensas fortunas em nada e ainda espalhámos pelas gerações o sentimento de culpa colonialista que nos tolhe e nos inquina o orgulho de termos dado "novos mundos ao mundo". Se os mercados e as agências de rating nos vierem lixar a vidinha, não temos moral para nos olharmo ao espelho e considerar-nos gregos.

ARD disse...

Todos?

Majo disse...

~~~
~ Gregos já andamos nós, FSC,
com máscara de obtusa normalidade...

~ Com a economia estagnada,
poderemos vir a andar mais gregos do que os gregos,
se necessitarmos de algo parecido ao «siryza», com o
regresso do independentismo das regiões autónomas ...
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Anónimo disse...

Caro Embaixador, neste momento não há motivos para que Portugal e os Portugueses acabem por ver-se Gregos. O caminho que vem sendo trilhado tem dado resultados positivos tal como, aliás, estavam a aparecer na Grécia em 2014. Ainda se lembra de terem conseguido fazer uma emissão pequenina destinada a testar os mercados em Abril de 2014 e que teve uma procura 4x superior à oferta? O maior risco para a estabilidade e continuação dos progressos que está a haver em Portugal é um risco político. Nomeadamente que o partido que V. Exa. apoia ganhe as eleições. Fora isso, com a bancarrota da Grécia, haverá uns dias de turbulência que rapidamente acalmarão. Se o processo for bem gerido, em menos de um mês será um assunto esquecido e sem qualquer influência no resto da eurozona.

O único risco para a continuação dos progressos que Portugal está a ter é uma vitória do Partido Socialista nas próximas eleições legislativas!

opjj disse...

Ver no blogue Delito de opinião o boletim de voto para o referendo grego.

Defreitas disse...

O Senhor Bartolomeu disse tudo. E bem. O Senhor Zuricher deturpa a história e esquece as condições nas quais se encontrava a Grécia quando foram a eleições. Um povo que pensa estar no bom caminho não muda de direcção como fizeram os Gregos. O senhor Zuricher seria um nostálgico doutros tempos nos quais o povo deve gemer até ao fim?

Receio que o Senhor Embaixador tenha razão: Os Portugueses são capazes de continuar na posição de "voyeur". Já o fazem hã tantos anos.

Anónimo disse...

É curioso ver os comentários de jornais ingleses como o FT ou o direitista Daily Telegraph a sublinhar o bom senso e viabilidade de algumas das propostas gregas. Propostas que depararam com a parede das "regras". Como se política não fosse justamente adapta-las as soluções mais convenientes. O objectivo do eurogrupo não e resolver o problema europeu, e impor o seu modelo, para glória pessoal dos seus autores, apesar de ser claro que falhou totalmente em todos os países onde foi aplicado. O Sr. Shauble não vai abdicar da sua vaidade por causa de gregos, portugueses ou outros pretos. Quanto ao resto, como diz M. Mathias nas "Memórias da Abuxarda", "um eurocrata e um burocrata que não gosta do povo". Viva Orban abaixo Tsipras.
Fernando Neves

Defreitas disse...

O cúmulo da indecência e ver C.Lagarde, Directora do FMI, ganhar 32 000 euros por mês, isentos de impostos, insurgir-se contra os Gregos que ganham 500.

Aquela que, quando foi ministro das finanças de Sarkozy, aconselhava os desempregados a ir procurar empregos mesmo noutras regiões em bicicleta se não tinham dinheiro para o carburante!

Expoente máximo da burguesia dos funcionários internacionais, faz parte do grupo mais ignóbil da finança, com o presidente J.C.Juncker , que presidiu um governo dum paraíso fiscal onde os capitalistas enterram o tesouro que roubaram aos trabalhadores.

Esta camarilha admira-se que o populismo ganhe terreno e ameace as liberdades fundamentais, e não vêem que são eles mesmos que desesperam os povos com as políticas que implementam.

E Frau Merkel que quer modelar a Europa como ontem Hitler quis modelar o Grande Reich Alemão, na submissão absoluta.

Pensava nesse povo ontem, ao visitar os abrigos dos famigerados submarinos U boat que espalharam a destruição e a morte nos comboios marítimos aliados durante a guerra. Aqui , em Saint Nazair, ao lado do meu hotel, outro símbolo dos cinco anos de cavalgada da tirania nazi: o cemitério militar alemão. Os alemães espalharam os cemitérios na Europa. E agora cavam a fossa da UE.

Pensar que são os mesmos que fazem sofrer hoje os Gregos, depois de tudo o que lhes fizeram ha 60 anos, me enfurece.

Anónimo disse...

Eêsqueci-me de acrescentar: na véspera do conselho europeu os líderes disseram que era o eurogrupo que ia decidir! Como se Churcill e De Gaulle obedecessem aos seus técnicos.
Fernando Neves

Carlos Fonseca disse...

Ao ver "toda aquela gente anónima" que as tvs nos mostraram, tentei, numa espécie de exercício para o que nos espera se a Grécia for mesmo empurrada para fora do Euro, colocar-me numa daquelas filas para o Multibanco. E, confesso, senti-me muito mal. Por eles, por nós, e pela aversão causada por todos aqueles que nos estão a arrastar para o abismo.

P.S. - Alguns comentadores habituais deste blogue, fazem lembrar as "triunfantes" conferências de imprensa do ministro da Informação iraquiana.

Eduardo Saraiva disse...

Post oportuno e para uma reflexão, séria, da parte do portugueses.

Anónimo disse...

Documentário de 2011! Dá que pensar

https://youtu.be/GYHMC_itckg

Maria

Anónimo disse...

Eu sei que foi em 1975 depois do 11 de Março mas nós já tivemos isto em Portugal. Ainda não havia Caixas automáticos mas não se podia levantar, por cheque, mais do que uma certa quantia. Foram tempos dificeis também naquela altura.

Anónimo disse...

A Grécia está onde está devido aos seus políticos, com especial destaque para Tsipras e companhia. Na última campanha eleitoral Tsipras e os seus comparsas prometeram o que sabiam que não podiam dar, mas foram bons demagogos.
A seguir, iniciaram uma pseudo negociação com a Troika, apesar de não lhe quererem dar esse nome, e nunca actuaram de boa fé, transmitindo as propostas que lhe eram apresentadas à imprensa, por vezes deturpadas.
Os actuais senhores de Atenas deram provas de uma total irresponsabilidade e estão a levar um país à ruína e são eles os únicos culpados.
Tenho pena do povo, que se deixou levar por ilusões.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...