Portugal é um país frágil. Tem uma história antiga, existe no imaginário internacional como um país simpático, de gente cordial e modesta, que o mundo se habituou a encontrar espalhada por esse mesmo mundo, como se isso fosse a sua sina. A glória do seu império passado sublinha hoje ainda mais a modéstia desta nação que, há séculos, segue como a mais pobre de toda a Europa ocidental. Às vezes, nuns assomos, consegue concitar alguma atenção: é uma revolução quase sem sangue, é uma exposição universal conseguida, é um escritor que ganha um Nobel e outro que desassossega as consciências, é a boa coreografia de uma presidência europeia ou de uma performance internacional, é o ser a pátria de um desportista ou de um treinador de nomeada, é o seu sol agradável, é a canção nacional que rima connosco. Esses e outros arroubos, prestigiantes, rapidamente são abafados pelo regresso ao retrato que, aparentemente, nos define: um país que declinou sem remissão desde a perda do Brasil, incapaz de sustentar o sucesso, com defeitos comportamentais endémicos.
A Europa trouxe um dia um sopro de esperança a este país frágil, recém-orfão das suas colónias. Pareceu que tudo ia mudar, da paisagem às mentalidades. Na frase que melhor nos define, os portugueses pensaram, em uníssono: "agora é que é!". Não foi. Nessa maratona de obstáculos, ficámos para trás e, à primeira borrasca, revelou-se a nossa impreparação para as exigências da prova.
Teve de vir a "troika" dos credores, com a qual um governo de saída mal negociou. Com ela, vieram as exigências do ajustamento, perante as quais um outro governo, mais subserviente, se ajoelhou. O país humilhou-se, a dívida aumentou, o governo fez peito para a foto sincrónica do défice, ajudado pela emigração e pelo desenrascanço das empresas. Os mercados, que não são parvos, rapidamente perceberam que se tratava apenas de uma cosmética leve, que as estruturas e as mentalidades não tinham mudado, que nada de fundo estava resolvido, que Portugal era basicamente o mesmo, de Soares a Cavaco, de Sócrates a Passos. Nem é necessário recorrer ao dito escatológico de Brito Camacho.
Graças a Draghi, o país estava assim em precário sossego financeiro. Um dia, numa hecatombe anunciada, cai o grupo financeiro mais estruturante do sistema, num novelo de fraudes. De seguida, a gloriosa empresa nacional de telecomunicações, metida em cavalarias baixas com emergentes em crise, cai em maus lençóis. Surge uma rede criminosa de corrupção, em que parece estarem envolvidas altas figuras da administração. Na sequência, um ministro cai. Nem uma semana era passada e é detido um antigo primeiro-ministro, acusado de várias malfeitorias.
Se, apesar do efeito reputacional destes eventos, o país não se afundar perante o mundo, só uma conclusão é legítimo tirar: já não somos nós que nos sustentamos perante o mundo, é apenas a nossa irrelevância no jogo global que nem sequer nos permite sermos sujeitos da nossa própria crise. Porventura, é melhor assim.
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"
14 comentários:
Caro Francisco
Já tinha lido no "Expresso" e aplaudido! Agora vem aqui no blogue de que mais gosto, tal como o nosso Sporting!
Na verdade, já o tenho escrito, reescrito, dito, "redito", mas volto a fazê-lo: nós, os Portugueses não prestamos
Temos boas excepções porque todas as têm. Não preciso de exaustivamente as enunciar, basta só dizer que tivemos um prémio e meio Nobel; que temos um Cristiano Ronaldo e uma Paula Rêgo, um Mourinho e o casal Damásio. E muitos mais, porém já chega.
Neste momento a encenação do caso Sócrates ainda só começou; o mau é que ele já está condenado. Não lhe perdoaram e não perdoam o muito de bom que fez para o país.
Porém basta o que hoje (ontem) se passou: em nome da "justiça" (com caixa baixa)o despacho dum juiz super-homem, marcado para as 18:00 só foi comunicado à comunicação social portuguesa e internacional quatro horas depois da data anunciada.
Somos agora e mais uma vez, com Troika ou sem Troika motivo das gargalhadas mundiais. Nós, os Portugueses não prestamos. Sublinho nós. Eu também sou Português. Até quando?
Abç
É um texto que ficará em antologia sobre a identidade nacional, a juntar, sem modéstia a António Sérgio ou a Cortesão.
Há uma mágoa que confesso: a de nunca ter podido aprender com o embaixador Seixas da Costa.
A segunda, a de o meu Pai ter razão e a de Portugal tratar mal as pessoas e de ser mesmo preferível trabalhar no estrangeiro.
Senhor Embaixador,
Infelizmente, nós os portugueses, somos uns sobem e descem na história....
Tanto estamos na glória como na decadência. A história da expansão sumiu-se e não tardará entrar no rol do esquecimento das novas gerações.
Saudações de Banguecoque
Boa noite Sr.Francisco e também Sr.Henrique, esta é para os dois:
Compreendo perfeitamente os "estados de alma" que trespassam os meus caros nesta altura. Pergunto-me também se isto não será mau de mais para ser verdade, mas a questão é que é mesmo verdade, não há como fugir, temos de encará-la e de frente! Portugal sempre teve um grande problema: "interesses instalados". São eles que nos fazem pensar se quem gere este País é incompetente ou apenas idiota...mas não, não somos mais ou menos incompetentes ou idiotas que qualquer outro povo neste mundo, somos é liderados por gente que vê em primeiro lugar o seu próprio interesse e nem quer saber do País! "O País e as pessoas? Que se amanhem, que eu também faço por isso"! E isso acompanha-nos desde a nossa primeira hora como Nação (Crise de 1383-1385, período dos Filipes de 1580-1640, Inquisição, Liberalismo, República). E foram sempre estes "interesses" que nunca permitiram que este País fosse o que podia ter sido (e acho que ainda pode): alguma coisa de decente. Outra questão é a terrível falta de auto-estima deste povo, que é uma pescadinha de rabo-na-boca, e estas notícias não ajudam. A falta de auto-estima está espelhada no comentário do nosso amigo Henrique...eu não concordo nada com a ideia que nós não prestamos, tanto assim é que, enquadrados num sistema a sério, os Portugueses são do melhor que há!
Publicamos
http://aquitailandia.blogspot.com/2014/11/embaixador-seixas-da-costa-escreveu.html
Será de pensar em tanta gente que neste país ganha salários de miséria e que são verdeiros heróis para chegar ao fim do mês com esses poucos euros e ainda por cima criar a sua família,
penso que heróis não nos faltam!
Caro Francisco, em horas confusas o seu bom senso traz-nos a esperança e a famosa luz…...
Não Portugal não se afundará porque nós
Portugueses não queremos nem deixaremos!
Um abraço
Alain
Se no medirmos pela bitola do dinheiro e seguirmos as leis do mercado financeiro, moralmente podres, pouco humanas e ontologicamente ilegais, continuaremos a ser escravos de um sistema que deixou de prestar e nunca prestou.
Foi a banca que deu cabo da Europa.
"...muito de bom que fez para o país."
Só se foi a si. Mas quando tiver tempo diga lá o que ele de bom fez que ainda não consegui vislumbrar. Apenas vejo milhões de euros em dívidas à conta do dinheiro dos outros. Eu, com o dinheiro dos outros, também sou bom a governar.
Não me diga, que também defende, à semelhança dele, que as dívidas dos países são para ser geridas eternamente?
Sr.Ferreira:
Por favor,fique lá pela 1ª pessoa da conjugação! Fale por si! Nada mudou em mim,de há dias para cá,para entrar em auto-flagelação. O síndrome de Estocolmo tem que suar até me inundar as meninges! Então não está a vêr que espírito soprou sobre Portugal para que tudo isto aconteça? Não foi por certo a alma de Salgueiro Maia!
Caro Senhor Henrique Antunes Ferreira
Leio sempre atentamente os seus comentários neste blogue que constato que apreciamos.
Permita que discorde da afirmação que os Portugueses não prestam. Os Portugueses , mas quais Portugueses?
Num contexto que eu qualifico de normal, no qual os Portugueses podem aceder a uma formação intelectual e profissional idêntica, numa sociedade livre, os Portugueses demonstram qualidades pelo menos iguais às de outros cidadãos de outras nacionalidades.
Constatei-o pessoalmente quando , no exercício das minhas funções de dirigente de empresa , estabeleci contratos de trabalho para Portugueses imigrantes.
Com níveis de formação similares, os Portugueses executam o seu trabalho de maneira correcta , absolutamente comparável ao trabalho dos outros.
No nível de quadros da industria, conheço centenas de Portugueses responsáveis de grandes empresas , em França, que se impuseram pelas suas qualidades intrínsecas. E existem certamente os mesmos noutros países. E existem também noutros sectores da economia.
Tendo, durante anos, visitado dezenas de industrias em Portugal, como responsável exportação, pude entretanto constatar certas diferenças entre aqueles que eu conhecia cá, em empresas francesas, e aqueles que trabalhavam em Portugal, em empresas portuguesas. Talvez seja nesse aspecto que os portugueses, com algum grau de responsabilidade hierárquico, agem de maneira diferente.
Um certo complexo de superioridade , visível já no "tratamento" de que usufruem ( o senhor "engenheiro", o senhor "doutor" , só em Portugal !), só é possível porque os subalternos vieram de longe para a democracia, o que os incita a uma certa humildade ou mesmo um sentimento de submissão, onde deveria haver um melhor conhecimento dos direitos ou mesmo uma certa formação política que lhe mostre o seu justo lugar na sociedade.
No nível do mundo do trabalho laboral, os Portugueses beneficiam duma grande cota de popularidade, e são apreciados por toda a parte. Ordeiros, trabalhadores, disciplinados, capazes de adaptação em toda a parte, os Portugueses conservam, é verdade, aquele "maneirismo" que os caracteriza , porque mesmo sem grande instrução são geralmente bem educados.
Resta a elite . Vamos lá considerar que os políticos e os financeiros são a elite! Os primeiros, são como todos os outros , por toda a parte. Um grande número, são mais interessados pelos seus próprios interesses, que pelos interesses dos cidadãos que representam. A classe social mais representada é a dos homens da lei, lei que se permitem de utilizar em seu beneficio. Se quiseram ser advogados foi para obter um certo nível de vida. A politica ajuda. Isto diz tudo sobre o perigo de lhes conceder o nosso voto .
Os políticos ? Há o que eles dizem, e há o que eles fazem : os homens políticos não conseguem assumir as relações que têm com o dinheiro. Quando não procuram simplesmente roubar, evadir , mentir . Mas o que é imperdoável é que sejam os mesmos que falam de justiça social e de ideologia ao serviço do povo. Isso é o pior , porque mata a esperança.
Quanto aos banqueiros, vemos bem que são "tão bons" como os outros! Mesmo os níveis de "desvio" estão na boa média mundial. Para estes só existe um remédio : A destruição do sistema no qual evoluem, sugam, assassinam o futuro dos povos.
Mas para lá chegar é preciso também mudar o povo!
Admirável síntese do país em que nos tornamos (ou as nossas elites nos tornaram?) nestes dois últimos séculos.
Os portugueses até são bons, muito bons, o problema é que temos muita gente "PEQUENINA" que só destrói!!
É desta gente "PEQUENINA" que eu tenho vergonha.
Cel Mai
É "fácil" esquecer o "25 de Novembro de 1975".
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