Vi lembrado, há pouco, o excelente conceito de "östalgie", uma "trouvaille" vocabular que simboliza o sentimento de nostalgia que atravessa alguns setores minoritários alemães pelos tempos da Alemanha de Leste, a RDA. Espero que a televisão, neste dia de celebração da queda do Muro de Berlim, se lembre de repor o magnífico "Goodbye Lenin", o filme onde isso é retratado de forma magistral.
Em casa do meu avô materno, que terá ficado marcado pela tensão berlinense e pela forçada divisão da cidade, era preservada, desde essa altura, uma garrafa (cujo conteúdo desconheci por muito tempo) que apenas deveria ser aberta quando o "muro de Berlim" caísse. O meu avô morreu poucos anos depois e a garrafa andou, desde então, em bolandas, tendo ido parar a casa dos meus pais. Quando, em 1980, atravessei pela primeira vez o "checkpoint Charlie", para ir a Berlim Leste, lembrei-me da "garrafa do Muro", perguntando-me se algum dia a veria finalmente aberta.
O muro caiu, faz agora 25 anos. Tenho bem viva uma conversa telefónica com o meu pai nesse mesmo dia. Não me pareceu então excessivamente feliz com a unificação alemã, não porque tivesse a menor simpatia pelo regime de Leste (longe disso!), mas porque, como "aliadófilo" ferrenho que havia sido e como eterno desconfiado da bondade do poder europeu da Alemanha que continuava a ser, brincava por vezes com o dito atribuído a Mitterrand: "gosto tanto da Alemanha que prefiro ter duas..." Tenho, contudo, a certeza que, lá no fundo, se congratulava com a reconciliação europeia. Mas morreu sem a menor simpatia pela senhora Merkel...
Nesse Natal de 1989, por iniciativa minha, fomos à procura da garrafa. Era, afinal, um "riesling", um vinho branco alemão facilmente perecível, que só o otimismo do meu avô havia considerado poder manter-se degustável, talvez porque o muro se manteve de pé muito mais tempo do que ele esperava. Abrimos a garrafa e o vinho estava, como era de esperar, uma zurrapa intocável.
Na memória, podemos guardar, como na "östalgie", apenas o melhor do passado. Na prática, o tempo, inexoravelmente, faz-nos perder as pessoas e tudo transforma. Às vezes, embora nem sempre, para pior.
4 comentários:
Talvez nostalgia, mas também memórias de orgulho e admiração. Gostei tanto.
"gosto tanto da Alemanha que prefiro ter duas..."
Também é atribuído, em data anterior, a Giulio Andreotti. É uma opinião generalizada e, provavelmente, correcta.
Apenas três notas, caro Embaixador:
1) Sou, e sempre fui, contra muros e divisões de cidades, mas reconheço que a queda do muro de Berlim e a desagregação do bloco soviético são largamente responsáveis pela investida do neo-liberalismo económico e pelo combate ao Estado Social que afecta a Europa e o mundo;
2) Após terem perdido duas guerras, os alemães, pela determinação de Angela Merkel, apoiada, ou instigada, por Wolfgang Schäuble, procuram agora dominar a Europa por meios financeiros, excluída que está, pelo menos por enquanto, a via militar;
3) Sendo abstémio, Adolf Hitler, das raras vezes que bebia alcoól, preferia sempre Riesling.
O "dito" não é de Miterrand, mas de Mauriac. Valentim Alexandre
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