quinta-feira, novembro 20, 2014

"... e viva Portugal! "

Foi assim que Carlos do Carmo terminou ontem o seu agradecimento público, ao receber o "Grammy" latino, no Estados Unidos. Por cá, o galardão foi recebido por alguns com sobranceiro desdém (não é nessa pessoa que estou a pensar, palavra!), numa reação por onde perpassou um sectarismo político pouco disfarçado.

Carlos do Carmo é um homem de esquerda. Nunca o escondeu. Não sei, porém, se os mais trauliteiros e "talassas" amantes do fado alguma vez já lhe agradeceram aquilo que ele, no auge da Revolução de abril, fez pela nossa canção. 

O ambiente radical da época levou alguma gente a identificar o fado com a ditadura e a ver, nas letras melancólicas e no "choradinho" da lua a rimar com a rua, um Portugal que era necessário arquivar definitivamente no passado. Na altura, o "nacional-cançonetismo" foi na enxurrada (a democracia trouxe, entretanto, o "pimba" e não ficámos a ganhar) e tudo o que não fosse baladismo contestatário e com "mensagem" estava fora do tom. O fado passou então as passas do Algarve, ridicularizado por uns, acusado por outros. Era qualificado como a canção do SNI, um saudosismo patético acompanhado à guitarra, um bolor musical do Estado Novo. Eu, que sempre gostei daqueles fados de fazer chorar as pedras da calçada, com letras simplórias, machistas e bem popularuchas, vi-me à época "gozado" por amigos que me olhavam com piedade, sem perceberem como é que eu compatibilizava o meu esquerdismo como o gosto pelo "Não venhas tarde" do Carlos Ramos. Como diz um amigo meu, bem "reaça", nessa altura só se salvava o "Nem às paredes confesso", porque parecia evocar os interrogatórios da PIDE, então muito no "l'air du temps"...

E foi então gente como Carlos do Carmo, foram pessoas como José Carlos Ary dos Santos, ambos tributários de uma forte imagem de esquerda, quem acabou por dar "legitimidade" política ao fado, que ajudou a tirá-lo do gueto em que o extremismo revolucionário o tinha procurado acantonar. Só um cantor e um poeta de esquerda o poderiam ter feito. É claro que o fado, cedo ou tarde, viria aí de novo, mas Carlos do Carmo é "culpado" por lhe ter dado a mão quando ele passou pelas ruas da amargura...

Convém lembrar isto neste momento, importa saudar Carlos do Carmo, o seu fantástico percurso, a grande dignidade da sua carreira. Como ele disse sobre o país que tão bem representa... e viva Carlos do Carmo!

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Francisco

Subscrevo na totalidade o seu texto que é mais do justo, justíssimo.

O Carlos que conheço bem, desde os tempos do PREC que nos aproximámos, é realmente um Homem de bem, um Homem da Esquerda e um Patriota.

Herdou da mãe Lucília a vontade e jeito de cantar, amar, honrar e promover o nosso Fado.

Mando-lhe um abração e os parabéns por ter recasado em terra de divórcios... E espero por ele para o abraçar de cara na cara.

Abç

Não sei se sabe, caro Francisco, que até aos meus 17/18 anos cantei fado e até o fiz na "Toca" do Carlos Ramos, outro Homem excepcional... Mas, depois os meus Pais, especialmente a mãe Glória, tiraram-me o pio. Foi lamentável, pois talvez estivesse a nascer uma grande carreira... Quem sabe? rsrsrsrs

iseixas disse...

Também fiquei toda contente.
Viva Carlos do Carmo, viva Portugal e viva o fado.

Portugalredecouvertes disse...


sim, que o fado continue vivo e com muita paixão!
o Sr. Carlos do Carmo acreditou que podemos

Alvaro silva disse...

Esta imagem "cochena"(esquerda) do Carlos do Carmo dá-me vontade de rir e mostra-me como os conceitos vão mudando com os tempos e com a cor de quem governa. Eu assisti em 1972 ao 1º concerto no Sá da Bandeira no Porto do Chico Buarque de Holanda e claro nesse tempo só lá estava o pessoal da esquerda. O espectáculo dividia-se em duas partes a 1ª com O dito Carlinhos do Carmo e a 2ª com o Chico. Ninguém nesse tempo e nesse lugar o aplaudiu por estarem convencidos que foi a D.G.S. que o impingiu para contrabalançar o show do chico ou seria que o Carlos nesse tempo estava verde? Ou então era como os da L.P. (para quem não saiba Legião Portuguesa) Que arranjava muitos empregos na altura e de quem se dizia que eram como a melancia: -Verdes por fora e vermelhos por dentro. Entretanto o homem foi-se amadurando e convertendo. Mas eu estive no Sá da Bandeira e toda a gente que lá estava pateou o "facho" e mais nada. E esta agora?

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