quinta-feira, janeiro 10, 2019

Crise protocolar


Às vezes, sinto-me tentado a contar por aqui algumas histórias “proibidas”. Tenho mesmo uma lista de algumas. Parte delas são, porém, eternamente interditas à partilha. Ou porque poderiam pôr em causa pessoas que o não merecem (e não fazê-lo é uma regra que nunca infringirei) ou porque relevam da confidencialidade devida às funções oficiais que ocupei ou, muito simplesmente, porque fazê-lo trairia a confiança daqueles com quem partilhei certas ocasiões. Há ainda aquelas historietas que ficam numa espécie de “zona cinzenta”. Esta é uma delas.

A que hoje vou contar, e que só a mim compromete, foi perdendo o seu caráter sensível com a passagem do tempo. E hoje, creio, já pode ser revelada.

Estávamos no mês de janeiro de 2008. O Cônsul-Geral de Portugal no Rio havia decidido organizar um jantar de gala, com fins de beneficência, no Palácio de São Clemente, a sua bela moradia no Botafogo, que já foi embaixada de Portugal, quando a capital era no Rio de Janeiro.

Havíamos conseguido fazer deslocar propositadamente de Brasília para o evento, que envolvia uma imensidão de gente, o vice-presidente da República e a sua mulher, José Alencar, uma pessoa com quem eu teria, até à sua morte, uma boa relação de amizade. O jantar seria co-presidido por ele e por mim.

Fomos de Brasília para o Rio na manhã do dia do jantar. Para não sermos “pesados” numa casa que estava numa polvorosa organizativa, decidimos hospedarmo-nos por uma noite no hotel Pestana do Rio. Passei uma bela tarde a ler na varanda, com vista sobre a Avenida Atlântica e, já bastante em cima da hora do jantar, e apenas por um mero acaso, deitei um olhar pelo elaborado convite que havia sido desenhado para a ocasião... e entrei em choque!

O convite dizia que o jantar era de “smoking” e eu só tinha trazido um fato escuro. Era absolutamente inadequado (Álvaro Cunhal fazia-o sempre nos jantares da Ajuda, mas eu não era Cunhal) ocupar um lugar de honra com o vice-presidente do Brasil, com este vestido a preceito e comigo a envergar um traje “um furo abaixo” daquele que a ocasião exigia. Estávamos em cima da hora: já não havia tempo para alugar um “smoking”. Que fazer?

Só havia uma solução: “adoecer”. Pretextando uma grave crise digestiva, faltei ao jantar, pedindo ao Cônsul-Geral, não só que me substituísse, mas que pedisse por mim desculpa à importante figura de Estado presente. E, à hora em que a “fina flor” do Rio dava entrada na festa para a qual tinha pago uma boa quantia, porque destinada a uma instituição de caridade, estava eu, com a maior discrição, a jantar num ignoto restaurante nas imediações do Pestana, esperando que ninguém me reconhecesse.

A minha “doença” iria ter uma outra consequência negativa, também de vulto. Para o dia seguinte, eu tinha comprado um bilhete para ir ver, no Maracanã, um Fla-Flu, um jogo do Flamengo contra o Fluminense, uma histórica partida de futebol, a que sempre tinha sonhado assistir. Ora, “doente” como eu estava, tendo mesmo nessa manhã havido um simpático telefonema da mulher de José de Alencar para a minha, a inteirar-se do meu estado de saúde, estava fora de causa poder vir a assistir ao prélio na “catedral” brasileira do futebol. E lá regressei ao final da tarde a Brasília, cabisbaixo, onde, nas horas e dias seguintes, recebi vários simpáticos telefonemas de gente da comunidade portuguesa e do “social” carioca a enviar-me votos de melhoras. 

Devo dizer que, a partir deste incidente, passei a ter uma maior atenção com os cartões de convite. Mentir socialmente é uma arte que todos aprendemos na vida diplomática, mas há ocasiões em que, de facto, mesmo sem estarmos doentes, nos sentimos bem mal. Foi o caso.

O Brexit que aí vem


Nada indica que a votação que, daqui a dias, terá lugar no parlamento britânico, para tentar ratificar o acordo entre Londres e os “vinte e sete”, para uma saída negociada do Reino Unido da União Europeia, venha a ter um resultado favorável a tal acordo. Pelo contrário, todos os sinais apontam em sentido inverso. Uma surpresa seria, contudo, muito bem vinda.

O governo de Theresa May, criado para “pilotar” o Brexit, não terá sido capaz de sustentar uma frente que lhe permita agora validar internamente o esforço negocial. Com isso, fica a ideia de que vai também para o lixo todo o excelente trabalho conduzido pela equipa chefiada por Michel Barnier, que obteve aquilo que seria um magnífico resultado ... se o Reino Unido viesse a aprovar o acordo.

Todo o esforço negocial terá sido, assim, em vão? Não creio. Voltemos um pouco atrás, ao tempo que sucedeu ao referendo que desencadeou o Brexit. Lembremo-nos do sentimento de quase pânico que atravessou então a Europa, levando a histéricas e pouco prudentes declarações de vários responsáveis, colando a vontade democrática de Londres a uma espécie de traição, adjetivada ao absurdo e ao quase insultuoso. Os mercados, interpretando esse desvario, deram então sinais de forte instabilidade e de tensão. Depois, acalmaram. Com o tempo, o trabalho da equipa de Barnier terá sido capaz de decompor a nova realidade, segmentá-la e, na medida do humanamente possível, medir o essencial do que estava em causa “nos papéis do divórcio”. E os mercados sabem isso.

Hoje, perante a perspetiva de um Brexit sem acordo, embora seja inevitável que algum nervosismo possa vir a atravessar de novo os meios económicos, parece que ninguém acredita que isso possa ser o fator desencadeador de um pânico em cadeia, de consequências catastróficas. O trabalho negocial terá tido o interessante mérito de permitir antecipar certos efeitos, pelo menos no que toca aos “vinte e sete”. Muito menos claro parece ser o cenário para o próprio Reino Unido, que inevitavelmente vai entrar num mundo novo e imprevisível. 

A gestão do que aí virá não vai ser fácil. O bom senso aponta para que, a um eventual vazio negocial, não venha a somar-se uma acrimónia irresponsável, de ambos os lados. É do interesse comum que, perante um provável impasse, se recomece de imediato o trabalho entre as partes, tentando criar pontes onde for possível estabelecê-las. Os vizinhos não saem do sítio e, com ou sem Brexit, o Reino Unido é um vizinho próximo com que teremos de nos entender.

quarta-feira, janeiro 09, 2019

Chirac e os “embaixadores da Europa”

Há dias, li uma notícia que dava conta de que o representante diplomático da União Europeia junto dos Estados Unidos tinha sido “downgraded” no protocolo de Washington: a partir dos últimos meses do ano passado deixou de ser convidado para certas cerimónias e o seu lugar na ordem protocolar foi “baixado” para o fundo da tabela, colocado em conjunto com algumas estruturas multilaterais de nível muito inferior.

Depois do Tratado de Lisboa, com o surgimento da “personalidade jurídica” internacional da União Europeia, os seus delegados, oriundos do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), passaram a ter o estatuto de chefes de missão diplomática, exatamente a par com os embaixadores dos Estados membros. A sua aceitação está hoje generalizada um pouco por todo o mundo e é vista como incontroversa, pelo que esta atitude americana foi interpretada como uma óbvia provocação, fruto da acrimónia existente na administração Trump face à UE.

A representação externa da União, que passou a congregar no SEAE quadros oriundos da Comissão Europeia, do Secretariado-Geral do Conselho e dos Estados membros, alterou significativamente o modelo de representação externa da União, anteriormente limitado às delegações técnicas da Comissão. Estas últimas tinham um estatuto algo híbrido, mas de nível diplomático formalmente baixo. Não obstante, em especial em Estados muito dependentes da ajuda comunitária (e não são tão poucos como isso), a importância local do delegado da Comissão, por quem passavam muitas das ajudas financeiras, era imensa. Não raramente, eram tratados como “embaixadores” e, embora não o sendo, nunca dei conta de que algum recusasse ser considerado como tal...

O que agora se passa. em Washington trouxe-me à memória um episódio, ocorrido em 2000. Eu tinha ido a Paris com António Guterres, no quadro da presidência portuguesa da UE, para um almoço de trabalho no Eliseu, com o presidente Jacques Chirac. Era amplamente sabido que, para Chirac, a Comissão Europeia era uma espécie de “bête noire” europeia: a sua autonomia, os seus poderes e a liberdade de atuação que crescentemente assumia nos assuntos comunitários eram algo a que uma certa França, sempre muito ciosa da sua soberania, e que Chirac bem representava, tinha horror.

Num certo momento da conversa, Chirac contou a Guterres que tinha ido um dia a um país africano e que, na “receiving line” das personalidades que o esperavam à saída do avião, ouviu a certa altura alguém apresentar-se: “Eu sou o embaixador da Europa”. Chirac, contou-nos o próprio, estacou, olhou o homem do alto do seu 1,90 m, e retorquiu-lhe, em voz bem forte e sonante, por forma a ser bem ouvido em redor: “Você não é embaixador de nada! Você é apenas um funcionário nosso”. O efeito sobre o delegado da Comissão deve ter sido grande, pelo seguinte comentário de Chirac: “Nem imaginas, António, como o homem ficou! Estava tão pálido que eu receei que desmaiasse...”

Quando li a notícia sobre a “bofetada” protocolar dada agora pelos americanos ao representante diplomático europeu, não consegui deixar de pensar que, se acaso o estado de saúde de Jacques Chirac o não impedisse hoje de estar a par do que quer que se passe pelo mundo, seguramente que sorriria imenso perante estes revés da política centralizada em Bruxelas, que nunca lhe agradou.

O Brexit que aí vem


Pode ler aqui, o texto que hoje publico no JN.

terça-feira, janeiro 08, 2019

As gravatas de Sobel


Ontem, num site americano, li que Clifford Sobel foi nomeado como consultor de Trump para a área dos serviços secretos. Pensei para mim: o nome “rings a bell”. Fui ver ao Google e lá estava: tinha sido antigo embaixador no Brasil.

Um dia de 2008, em Brasília, o novo embaixador americano, que acabara de chegar e eu ainda não conhecia, pediu para me ver. Chamava-se Clifford Sobel. Na prática diplomática, os embaixadores que arribam aos postos fazem uma visita de cortesia a alguns dos seus colegas. Não a todos, como é óbvio, mas àqueles que podem ter maior importância para o seu país ou para o país onde estão acreditados. Portugal, no Brasil, é um desses países.

Mandei dizer que, ao invés de uma reunião no escritório, tinha muito gosto em convidá-lo para almoçar. Na volta, mandou perguntar se podia trazer a mulher, ao que naturalmente anuí. Era um homem simpático, um “businessman” feito diplomata (já o tinha sido na Holanda), com um sentido de conversa muito prático. A senhora era também muito agradável, parecendo-me quase tão profissional como o marido. (Vim depois a apurar que ela fora uma importante “fundraiser” da campanha de George W. Bush). Para a mesa, para minha grande surpresa, o embaixador levou um caderno. Mas a surpresa ia ser ainda maior: a mulher levava outro caderno. O almoço teve alguma graça. Fui sujeito a uma bateria de perguntas, com base de notas que traziam, por parte de ambos os membros do casal, essencialmente sobre a vida política brasileira: se A era mais importante do que B, quem mandava aqui ou acolá, quem seria corrupto ou honesto, a orientação política de vários importantes jornalistas, etc. 

“Disseram-me que você sabe tudo sobre a vida política deste país”, justificou ele, elogioso. Lembro-me de lhe ter dito que, como todo o diplomata num posto no exterior, eu estava de facto a chegar ao ponto em que começava a achar que já sabia bastante da realidade local - momento perigoso que passava a recomendar a minha mudança de posto, porque, quando estamos convencidos de que sabemos quase tudo, deixamos de ver o que chega de “novo”. Não é por acaso que, em regra, todos os diplomatas mudam ao final de quatro ou cinco anos. Eu próprio iria sair meses depois.

Porque pensava que a conversa com o meu novo colega americano e a sua mulher ia ser social, tinha convidado para o almoço a jornalista Maria João Avillez, que estava de passagem por Brasília, e que me recordo ficou siderada pelo verdadeiro “exame” político a que fui sujeito.

A saída, preguei a Clifford Sobel um leve “susto”: perguntei-lhe se gostava de gravatas. Tendo ele dito que sim, que gostava muito, aconselhei-o a não dizer o seu nome se entrasse numa loja brasileira para comprar gravatas. Perplexo, perguntou-me porquê. Expliquei-lhe que o mais importante rabi brasileiro também se chamava Sobel e, cerca de um ano antes, fizera capa de todos os jornais brasileiros, com fotografia, por ter sido preso por roubar cinco gravatas na Louis Vuitton... precisamente nos Estados Unidos, tendo sido obrigado a demitir-se das suas funções religiosas. 

Os embaixadores americanos saíram de minha casa algo pensativos...

segunda-feira, janeiro 07, 2019

Soares


Ainda vamos a tempo de lembrar que, faz hoje dois anos, ficámos sem Mário Soares.

domingo, janeiro 06, 2019

Nancy Pelosi


Como previsto, Nancy Pelosi foi eleita presidente da câmara dos deputados nos EUA. Hoje com 78 anos, havia sido, em 2007, a primeira mulher a exercer aquele cargo. A partir de agora, ela vai comandar de novo a maioria democrática na chamada Câmara dos Representantes, tornando-se assim na principal figura da oposição a Donald Trump.

Há cerca de duas décadas, um destacado político português teve um encontro com Pelosi, numa audiência na Câmara dos Representantes. Numa conversa, perguntei-lhe a impressão que ela lhe causara: “Muito inteligente. E rápida, no raciocínio. Pode ir longe!”. Quando eu pensara que o perfil daquela figura política estava desenhado, fui surpreendido: “E muito bonita! Você não imagina o charme dela!”. O nosso político vinha deslumbrado.

sábado, janeiro 05, 2019

Parabéns, Ministro !


Meu Caro João

Dignifica-o, e dignifica muito o governo a que pertence, ter tido a atitude de cidadania de vir a terreiro denunciar a gravidade daquilo que a TVI fez - e que aquele canal assume ser uma deliberada opção editorial -, dando espaço à voz de um sujeito inqualificável, oferecendo-lhe um palco para promover miseráveis ideias que, quanto mais não fosse, flagrantemente contrariam a ordem constitucional em que livremente vivemos.

Os democratas não devem nunca retrair-se de promover a saudável denúncia de tudo quanto possa pôr em causa a liberdade das suas sociedades. Isto torna-se especialmente importante nestes tempos em que algum primarismo argumentativo, que sempre nos tínhamos habituado a ouvir apenas na boca de alguns marginais da política, surge, em várias partes do mundo, titulado por culturas de medo, ódio e preconceito. É que, por cá, como por aí se observa numa fauna que escrevinha em elegantes colunas ou em javárdicas redes sociais, essas mesmas teses fazem também o seu caminho, com loas mais ou menos subliminares aos “ontens que cantaram”. Denunciá-las a tempo é uma obrigação.

Que nunca as mãos lhe doam, meu caro João e nosso ministro da Defesa - que também é a defesa da democracia. Fez muito bem em vir a jogo! Quem não se sente não é filho de boa gente - e você é-o.

Com um solidário abraço do 

Francisco

sexta-feira, janeiro 04, 2019

Vai dormir bem, Joana Marques Vidal?


Há mais de três anos, publiquei aqui um post onde, a certo passo, dizia isto:

Ontem, porém, abriu-se um capítulo novo e a coscuvilhice sobre processos envolvendo figuras mais ou menos famosas foi bastante mais longe, ao termos assistido às incríveis imagens televisivas de Miguel Macedo e Manuel Palos a serem interrogados por uma procuradora. Por mim, ao ver aquilo, senti-me enojado e triste, com um sentimento de vergonha pela justiça do meu país - e não é por acaso que hoje não uso maiúscula para a qualificar. Não conheço nem nunca falei com Miguel Macedo, figura política que, tanto quanto sei, não suscitará uma polarização pública de simpatia/antipatia como é o caso de José Sócrates. Quero com isto dizer que, salvo a menina do CMTV que logo cuidou de avisar que se tratava de imagens "de interesse público", o país não vai acordar amanhã com grupos de cidadãos a defender os autores destes novos "leaks", talvez apenas alguns "jornalistas" amigalhaços, à espera de também serem usufrutuários futuros destes comportamentos miseráveis. Por isso me pergunto se isto ficará "assim", uma vez mais.”

A pergunta que coloquei teve uma resposta: que se saiba, ninguém da Procuradoria-Geral da República, onde o processo estava em segredo de justiça, foi punido por aquela quebra do mesmo. Como é costume.

Miguel Macedo e Manuel Palos, tal como outros, foram hoje considerados inocentes dos crimes que lhes eram imputados. Passaram, entretanto, eles e as suas famílias, quatro anos de humilhações públicas, com o primeiro a ser politicamente afetado de forma quase irreversível e o segundo, uma pessoa que conheci na minha vida oficial e que sempre tive na melhor conta, a ter de atravessar uma situação profissional terrível, depois de ser afastado de um cargo público importante a que tinha ascendido por mérito próprio. A vida de ambos mudou para sempre, nestes quatro anos, e não para melhor.

A pergunta que agora faço também tem a ver com responsabilização: ninguém paga pelo que fizeram a estes dois cidadãos? Quem os acusou, pelos vistos sem o menor fundamento, quem pôs o seu nome (e a sua cara, em fotografias e dias inteiros de imagens televisivas) na lama, sai disto sem ter de responder perante ninguém? Será por este tipo de coisas que o Ministério Público quer ter uma maioria de pessoas da corporação no seu Conselho Superior? Joana Marques Vidal vai dormir bem esta noite?

Acordem!

A revista “Sábado” anunciou ontem que decidiu passar a utilizar o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, tal como a sua concorrente “Visão” já vinha a fazer há muito. Também o Jornal de Negócios, a Máxima e a TV Guia irão adotar essa grafia.

Perante o mar de publicações que hoje já seguem a mesma prática, o jornal “Público” mantém-se como o exemplo mais notório de “resistência”, uma espécie de “aldeia de Asterix”.

Isto passa-se num país com um ensino público onde o Acordo já é obrigatório, tal como nas instituições e diplomas oficiais.

Percebo e respeito que haja quem não goste e continue a rejeitar utilizar o AO. Está no seu pleno direito, embora seja triste ver alguns a insultar quem segue a nova grafia, adjetivada depreciativamente num evidente ato de desespero.

Com toda a simpatia que essas pessoas me merecem, espero que tenham percebido que estão a disputar uma guerra que já está perdida.

Os acordos em torno de uma forma de ortografia destinam-se essencialmente às gerações seguintes, sendo, em geral, rejeitados por aquela que lhe é contemporânea - naturalmente avessa a fazer o esforço para mudar a forma como escreve. Foi sempre assim e assim será neste caso.

E, agora, “fogo à peça”...

Ele há cada injustiça!


24 horas depois de ver o Benfica marcar dois excelentes golos no campo do Portimonense, sou surpreendido com a notícia de que o treinador Rui Vitória está “de malas aviadas”.

Há coisas incompreensíveis! Até eu, que sou sportinguista, tenho a opinião de que Rui Vitória devia continuar no Benfica!

quinta-feira, janeiro 03, 2019

Diplomacia brasileira



A diplomacia brasileira, ao longo dos anos, sob lideranças políticas muito diversas, tem sabido garantir ao país um lugar importante no sistema internacional. 

Encontrei frequentemente, nos colegas brasileiros com quem me cruzei, alguns excelentes profissionais, conhecedores profundos do seu “métier”, capazes de cruzar os interesses - permanentes ou conjunturais - do seu país, com a evolução da sociedade global, na tentativa de nela preservar ao Brasil um papel de prestígio.

Ontem, ao ouvir o discurso do novo chefe da diplomacia brasileira, ele próprio um diplomata, confirmei a consabida regra de que não há regra sem exceção.

A lei da vida democrática


A greve é um incontestável direito democrático. Não se espere encontrar, depois desta afirmação, nenhuma adversativa a tentar atenuar o seu caráter imperativo. O 25 de abril fez-se para permitir aos trabalhadores mostrarem o seu desagrado com as condições laborais que lhe são oferecidas, no setor público ou privado. Desde que observado tudo quanto a lei impõe, seja em matéria de avisos de greve, seja, quando aplicável, no que respeita a serviços mínimos, é dever de cada um respeitar o direito dos outros à greve. 

Algumas greves prejudicam gravemente interesses individuais e coletivos? É da lei da vida democrática que assim possa ser, mesmo com a “injustiça” de poder haver setores laborais que, pela sua maior capacidade reivindicativa, por se situarem em áreas mais sensíveis, acabam por conseguir mais vantagens. Para os casos limite, em que o interesse público possa estar em risco, os poderes democráticos podem recorrer à requisição civil. A lei tudo prevê e a justiça existe para a proteger e aplicar.

Nesta fase do texto, o leitor perguntar-se-á: por que diabo é que aqui se sublinha o óbvio? Porque nem sempre o que é óbvio é facilmente aceite. E isso vê-se na irritada reação pública face a algumas greves. Devem os enfermeiros “pôr a mão na consciência” e reconhecer que a sua greve coloca em causa a vida dos doentes? Esse é um problema dessa classe profissional e do modo como valorizam, ou não, o modo como os outros os olham. Mas isso não deve colocar nunca em causa o seu direito à greve. Estariam os trabalhadores do porto de Setúbal prestes a arruinar um investimento com a natureza estratégica da Auto-Europa? Uma greve na área dos transportes ou do serviço de fronteiras poderá colocar em causa o turismo de que o país muito tem beneficiado? Sem essa “chantagem”, os direitos dos trabalhadores nunca teriam progredido na História.

Todas estas greves não terão uma coincidência temporal estranha, não suscitam legítimas dúvidas sobre se, por detrás da sua natureza laboral, não haverá propósitos políticos de outra ordem? O forte desgaste que se tenta provocar ao governo, à entrada do ano das eleições legislativas, não terá por objetivo procurar evitar que o PS possa ser o único usufrutuário, no momento do voto, das vantagens concedidas ao longo do seu mandato, garantindo ao PCP e ao BE, no próximo quadriénio, que a ausência de uma maioria absoluta socialista lhes preserva o seu atual poder de influência? A resposta parece óbvia, mas também isso é da lei da vida democrática.

(Publicado no Jornal de Notícias em 2.1.19)

quarta-feira, janeiro 02, 2019

A guinada


Fiquei com a impressão de que o carro, vindo lá do fundo, na minha direção, tinha acelerado um pouco, quando o condutor me viu. Eu ia a caminhar pela berma e, por um instante, tive um sobressalto e refugiei-me na parte lateral, mais interior, da avenida que acompanha o Jardim da Carreira. Patetice minha! O condutor ia apenas aproveitar a momentânea e muito rara ocasião em que por ali não havia uma fila de automóveis, para ganhar algum tempo. Mas a minha reação também era compreensível, no subconsciente da minha memória urbana.

É que, há muitos anos, por ali mesmo, junto à zona que a fotografia mostra, teve lugar um estranho episódio. Uma senhora caminhava pelo mesmo passeio em que eu hoje ia quando, de súbito, numa inesperada guinada, um automóvel galgou a margem da avenida, que então até era um pouco mais larga, e a abalroou, por pouco não a esmagando contra o muro. Um desagradável acidente? Sim e não. Com a passagem das horas, veio a constatar-se a estranha “coincidência” da condutora do veículo “desgovernado” ser mulher de um conhecido industrial de Vila Real, que toda a gente sabia (pelos vistos, também a própria mulher...) que andava “metido” com a senhora que seguia pelo passeio. Foi o que se pode chamar uma guinada de ciúme...

A lei da vida democrática


Não há nada que me dê mais prazer, para abrir o ano, do que ver hoje atribuído à autoria de Manuel Serrão (um abraço, meu caro!), no “online” do JN (espero que não no papel, o que seria o máximo!), o meu artigo “A lei da vida democrática”. Se lerem o texto, o que podem fazer aqui, perceberão.

Artigos


A partir de hoje, abandonarei a prática de colocar aqui os textos dos artigos que tiver publicado, nesse dia, em órgãos de imprensa, em papel ou online. 

Tomei esta decisão porque concluí que essa prática pode contribuir para desestimular os meus eventuais leitores a comprarem esses mesmos jornais ou revistas, neste tempo em que a sobrevivência da imprensa, em papel ou paga no online, se converteu já numa questão essencial das nossas sociedades democráticas.

Na altura da publicação, chamarei aqui a atenção para tal, fornecendo, nos casos em que isso for possível, o link para acesso.

Os textos completos desses artigos só surgirão, na página deste blogue e no Facebook, numa data que considere adequada, sempre posterior à da respetiva publicação.

Espero que os leitores compreendam estas minhas razões.

terça-feira, janeiro 01, 2019

Marcelo

É evidente que o presidente português esteve muito bem ao tomar a decisão de estar presente na posse do presidente da República Federativa do Brasil.

Era só o que faltava que não tivesse ido! Os interesses permanentes de Estado estão sempre acima das agendas ideológicas de conjuntura.

2019

Creio que não é costume assumir-se isto, pode até parecer excesso de modéstia, mas devo dizer que, no que me toca, não vivo angustiado a que este ano venha a ser melhor do que 2018. Se for igual, já ficarei satisfeito. Se for melhor, melhor.

Palhaçada

Hoje, lembrei-me de um nome já muito pouco conhecido: Plínio Salgado. Se ele tivesse assistido a este patético espetáculo, teria ficado siderado. 

Marx, afinal, não tinha razão: a História não acontece um momento como tragédia, repetindo-se depois como farsa. Ficou hoje provado que pode ter o seu momento de palhaçada.

Mistérios de Vila Real


Foi já no ano passado, isto é, ontem, junto à porta da Farmácia Baptista, na Rua Direita, em Vila Real. Chegou ao pé de mim um homem de cara fechada, nervoso, de idade incerta. Estávamos, talvez não por acaso, ao lado do mais misterioso relógio da cidade, que praticamente ninguém conhece, na parte lateral da Capela Nova (deixo a imagem possível). Relógio de sol onde o sol não bate e que, dessa forma, para nada serve. Só em Vila Real há relógios sem tempo.

O nosso homem, que eu nunca tinha visto, olhou para os lados antes de me atirar, acusador, com voz cava: “Por que é que nunca escreveu sobre o túnel da Gomes?” Fiquei siderado. O túnel da Gomes? Eu nunca tinha ouvido falar que a Gomes tivesse um túnel! Para onde é que esse túnel da Gomes conduz? “Para a Gomes!”, respondeu-me. Mau, mestre! O tipo só podia estar a gozar comigo. Da Gomes para a Gomes? “Sim”, diz o homem, já irritado, “da Gomes “velha” para a Gomes “nova”!”.

A Pastelaria Gomes tem, de facto, dois edifícios. Um mais antigo, onde foi criada, e outro mais “recente” (mas já com quase 70 anos), do outro lado do Largo do Pelourinho. Que estivessem ligados por um túnel era uma completa novidade para mim.

O meu interlocutor decidiu ser pedagógico. Explicou-me que o túnel teria sido criado, originalmente, para facilitar o transporte, em perfeitas condições de temperatura, dos dois produtos mais marcantes do fabrico da casa: os covilhetes e a bôla de carne. Um dia - “já alguém se perguntou porquê?”, intrigou-me ele - esse tráfego terá sido interrompido e, desde então, essas preciosidades, faça chuva, sol ou neve, atravessam, em tabuleiros cobertos, da Gomes “velha” para a “nova”. “É uma desgraça, virem assim sujeitos ao clima do dia!”, clamou, apelando talvez à minha consciência gastronómica. “Já se perguntou por que não usam o túnel? Valia a pena perguntar...”

Embora curioso, eu tentava apressar a conversa, até porque vi que se aproximavam uns amigos - o Lelo Sampaio, o Albertino Ribeiro e o Agostinho Rodrigues - e que o nosso homem não devia estar disposto a partilhar as suas confidências. “Pergunte ao Elísio, que ele sabe tudo!”, referindo-se ao Elísio Neves, o insuperável “vilarrealógrafo” (se há ulissipógrafos...) que, de facto, tudo sabe sobre Vila Real. “Ele que lhe conte a confusão que foi quando descobriram o túnel, quando o pelourinho regressou ao largo. Até meteu polícia! Abafaram tudo! Pergunte-lhe!”. Na verdade, o pelourinho, que dera o nome ao largo, havia sido deslocado para outro local por algumas décadas, tendo aí retornado, creio que nos anos 90.

O sujeito fez menção de ir-se embora, deixando-me todas as dúvidas sobre a história do túnel. À despedida, com a samarra pelos ombros (homem que é homem, em Vila Real, não veste a samarra, coloca-a sobre os ombros, displicente), deixou-me com a seguinte mensagem: “E amanhã, não se esqueça, é dia um!”. Claro que eu não me esquecia, mas ele precisou: “De abril, claro!” E abalou.

Os meus amigos aproximaram-se. Perguntei-lhes se conheciam o homem, que, entretanto, tinha desaparecido pela Rua Central. “Que homem?”, foi o que ouvi deles.

Depois de amanhã!