sábado, outubro 07, 2017

A Catalunha entre nós

Há meia dúzia de meses, entre nós, a questão catalã não era conversa fora dos círculos especializados. Mobilizar a abertura para o tema, junto do público ou mesmo da academia, era uma tarefa complexa, a que pacientemente se ia dedicando, num esforço de notável empenhamento, esse grande "embaixador" informal da Catalunha em Portugal que dá pelo nome de Ramon Font.

Não posso precisar a data, mas foi algures em 2015 que recebi uma chamada telefónica de um amigo inglês. Tinha acabado de chegar a Lisboa e queria almoçar comigo. Durante o repasto, explicou-me que fazia parte de uma empresa de lóbi, paga por entidades catalãs, que preparava a independência da região. Ironizei, perguntando por que não tinham sido contratados pelos escoceses. Imagino que tenha desviado a conversa. Esse amigo voltaria a Lisboa, meses mais tarde. O seu trabalho continuava: medir o "sentimento" internacional sobre o processo pró-independentista catalão era o seu caderno de encargos. 

Recordo-me muito bem do que lhe disse. Por um lado, que não esperasse - nunca! - uma postura de qualquer governo português favorável ao secessionismo catalão. Lisboa, dependendo do "mood" que conjunturalmente prevalecesse na chefia da sua diplomacia, oscilaria entre uma postura favorável ao unionismo madrileno e uma espécie de "neutralidade colaborante" com o governo espanhol. Nada mais. 

Coisa diferente, porém, seria o sentimento da opinião pública. A meu ver, se e quando a questão acaso viesse a agudizar-se, estava seguro de que iria emergir em Portugal um sentimento popular de simpatia pela causa catalã: por uma atitude sincera face a uma vontade de auto-determinação, somada a um endémico anti-espanholismo (melhor, uma tradicional síndrome anti-Castela). 

Não me enganei. Emocionalmente, a causa catalã ganhou muitos adeptos entre nós, nas últimas semanas. E, nos dias de hoje, criou-se na opinião pública portuguesa, mesmo em parte da que não despreza a legitimidade de uma Espanha democraticamente unida, uma avaliação negativa do modo como se processou a tentativa de boicote físico do processo referendário e, igualmente, do tempo e do modo da posterior reação de Filipe VI. 

Dependendo embora da evolução do processo no terreno, e não contando com efeitos de eventuais futuros erros independentistas, fica a sensação de que a posição oficial espanhola tem mais condições de poder vir a degradar-se no juízo popular português do que a causa independentista. Contudo, isso não não deve afetar a preservação da postura do executivo de Lisboa, pelo que não é de excluir que esta se possa vir a tornar crescentemente impopular no país. Mas, repito, antevejo que a atitude oficial de Lisboa continue a ser sempre a mesma, até ao fim, qualquer que venha a ser esse fim.

(Artigo no “Público” hoje)

sexta-feira, outubro 06, 2017

O sol

Chamada telefónica de S. Bento: “O senhor primeiro-ministro pede para passar por cá, ainda hoje, com urgência, por favor”. Saiu à pressa do Ministério. No carro, calou logo o início da conversa do motorista sobre o trânsito (agora que o Medina foi eleito, o homem já se permitia dizer mal) e pôs-se a imaginar o que lhe ia ser dito: a compreensão para a necessidade de um “refrescamento” no ministério, o início de um “novo ciclo”, depois das autárquicas, a caminho das legislativas, a lembrança das “condições particularmente difíceis” em que o “excelente trabalho” foi executado, o “profundo agradecimento” que lhe era devido mas, também, o “inevitável desgaste”, a imprensa, os lóbis. Telefonou ao cônjuge: “Olha! seja o que deus quiser!”. É isso, afinal as coisas não são para sempre, a experiência até fora interessante, mas talvez fosse mesmo a hora de regressar à base de onde partira. Era preciso serenidade, não mostrar agaste, muito menos desilusão. Era preciso, afinal, saber “sair bem”. No fundo, caramba!, quantas vezes já pensara que isto iria, mais dia menos dias, acontecer. Talvez fosse mesmo melhor assim, partir num momento “alto” do governo”, bem preferível a um tempo de crise, marcado pelo acossamento mediático. Pensando bem, o cansaço já se acumulava, desde há tempos. De certo modo, ia ser uma “libertação”. Lembrou a metáfora do “pássaro a sair da gaiola”, de Soares, quando foi “despedido” por Eanes. A ideia, por um segundo, trouxe-lhe um “blue”: feitas as contas, o que lhe ia acontecer era uma espécie de “despedimento”! No cimo da escadaria, em cujas paredes ainda andavam a colocar os últimos quadros que os tipos da Cultura trouxeram de Serralves, procurou, num segundo, interpretar o leve sorriso da Sãozinha, mas ela, esfíngica, apenas lhe abriu a porta da salinha, com um “olá, como vai?”. Da Rita, barómetro seguro do sentido das coisas da casa, nem rasto. Já o David, que cruzara no páteo, lhe parecera algo estranho, quase translúcido. “Vamo-nos sentar”, disse o primeiro-ministro. “Achei que era bom falarmos pessoalmente sobre a viagem da semana que vem. Vão ser muitos quilómetros em dois dias. Afinal, que encontros é que vamos ter? Temos de os preparar muito bem”. Entendia, finalmente e com alívio, a razão da convocatória. E, a partir daí, a voz do chefe do governo pareceu-lhe como que a esvair-se pela sala, orquestrada com uma melopeia de fundo, num harmonia de violinos. Do sofá azul, já num recosto quase lânguido, espraiou o olhar para fora, pela janela, em direção à calçada. O sol brilhava. Caramba, como a vida é bela!

O Porto e o poder



Salazar não gostava do Porto. Nos lugares cimeiros da governação da ditadura, durante várias décadas, os portuenses não chegam aos dedos de uma mão. Seria o republicanismo remanescente do 31 de janeiro que o irritava? Ou o fechamento quase maçónico das famílias, a impenetrável discrição dos clãs do "Portuense", o jeito reivindicativo do empresariado que o encanitava?

Sá Carneiro conseguiu trazer o Porto para a ribalta da democracia. Com ele, a cidade voltou a ter um "share" de poder em Lisboa, o qual, no entanto, se foi esvaindo ao longo do cavaquismo, que progressivamente se confinou a algum tecnocratismo lisboeta, às vezes universitário, outras com um toque de “social” Lapa-Linha, complementado pelos fiéis de aparelho, muitos de extração provinciana. Antes, o soarismo só havia feito “os mínimos" na promoção do Porto. Depois, PS (Guterres e Sócrates) e PSD (Barroso e Passos) também não foram muito mais longe. Fica mesmo a ideia de que, quando se forma um governo, à esquerda ou à direita, chega um momento em que alguém faz pergunta: "e do Porto, quem é que se põe?". Parece não haver consciência de se estar perante um fator de deslegitimação: a importância relativa do Porto, em termos económicos, culturais ou societais justificaria uma muito maior presença de figuras da cidade nos lugares de topo do poder nacional. O fenómeno Rui Moreira, a meu ver, é uma direta consequência desse sentimento de injustiça.

A tese é discutível, e é só minha: na política portuguesa, em regra, só têm sucesso pleno as figuras do Porto que, de tanto andarem por Lisboa, já são vistas como "quase lisboetas". Alguém que traga o "letreiro"'do Porto colado à imagem, por muito competente que possa ser, sofre, não raramente, de uma rejeição, expressa ou subliminar, nos corredores lisboetas, agravada pela falta de um "networking" capaz na capital (e, às vezes, também, por erros próprios, claro). Querem exemplos flagrantes? À esquerda, Fernando Gomes, à direita, Miguel Cadilhe. E alguém duvida que figuras com a dimensão e a competência de Valente de Oliveira ou Silva Peneda, de um lado, ou de Elisa Ferreira ou Teixeira dos Santos, do outro, não teriam tido já outro percurso, à escala nacional, se não trouxessem consigo o rótulo portuense?

Tudo o que escrevi teve como objetivo olhar, prospetivamente, para a sorte que pode vir a ter uma liderança do PSD titulada por Rui Rio ou Paulo Rangel. Sem querer parecer Cassandra, sou de opinião de que a imagem do Porto que está gravada no perfil dessas figuras pode vir a limitar o seu êxito nas ambições nacionais que visivelmente alimentam. Cá estaremos para ver.

quinta-feira, outubro 05, 2017

Coincidências

Há pouco, coloquei por aqui a imagem do menu de um frustrado jantar que o rei dom Manuel ("segundo e último", como diz um amigo jacobino) deveria ter tido no dia 5 de outubro de 1910, na Quinta da Raposeira, em Vila Real. Herdei do meu pai esse precioso documento, que lhe foi oferecido por alguém. 

A Revolução Republicana havia nascido na véspera, em Lisboa, embora, aqui por Vila Real, os conjurados se tivessem já reunido no dia 3 de outubro de 1910, no n° 44 da rua Avelino Patena. 

Por ocasião dos 100 anos da República, foi aí colocada uma placa comemorativa e foi-me pedido, pelo município, que evocasse, numa sessão no meio da rua, a herança republicana. Assim fiz, aproveitando para notar algo que ninguém sabia (nem tinha de saber): é que seria nessa mesma casa que eu iria nascer, algumas décadas depois...

Mas há mais um coincidência. Fui hoje almoçar a um novo restaurante, na rua Teixeira de Sousa, em Vila Real. Isso fez-me lembrar a razão pela qual o rei dom Manuel tinha decidido vir a Trás-os-Montes, antes da República lhe ter estragado os planos e enviado, via Ericeira, para a Inglaterra, onde morreria 25 anos depois.

O rei veio ao Norte para inaugurar o Hotel Palace, no Vidago. Quem era o proprietário do novo hotel? O primeiro-ministro de então, Teixeira de Sousa! 

Podemos imaginar o escândalo que seria, nos dias de hoje, um chefe de Estado ir inaugurar um hotel propriedade de um primeiro-ministro em exercício! Seria mesmo caso para uma revolução ou, num registo menor, para um post indignado de algum auto-proclamado justiceiro.

Viva a nossa República!

O povo saiu à rua, o rei não jantou e a República ficou para sempre.



Testemunhas

Desde a infância, ouvia o meu pai dizer uma fase cujo sentido, durante anos, me intrigou: "testemunhas para isso não há!". Usava essa expressão para significar, perante uma determinada situação em que era necessário alguém se "chegar à frente", para a execução voluntária de qualquer tarefa, se constatar a indisponibilidade de todos os presentes.

Um dia, perguntei ao meu pai a razão de ser do dito. E ele explicou-me que, desde a sua infância, a minha avó usava a expressão nesse sentido, bem distante do original. Mas de onde é que ela provinha?

A história não deixava de ser curiosa. No início do século XX, havia em Viana do Castelo um fulano, “habitué” dos tribunais, cuja função consistia em arregimentar testemunhas falsas para os julgamentos, a pedido dos advogados. O homem tinha artes de recrutamento muito apuradas, fazendo o "casting" de acordo com o perfil dos acusados e do tipo de delito, mantendo dezenas de potenciais testemunhas em agenda. Naturalmente que a coisa tinha o seu preço e os valores cobrados eram divididos entre o homem e as testemunhas, sendo tanto maiores quanto a complexidade do processo. Havia sido o meu avô, que morreu muito novo e muito cedo, em 1925, quem um dia trouxe para casa, dos seus dias de trabalho nos tribunais, essa expressão, que lhe havia sido contada por um advogado. Ao que parece, em face de um processo "impossível", em que era muito arriscada para as testemunhas praticarem um perjúrio, o experiente recrutador terá dito ao causídico: "Testemunhas para isso não há, senhor doutor!"

Porque é que me lembrei disto agora? Sei lá! Mas, como dizem os franceses", "j'en passe"!

quarta-feira, outubro 04, 2017

Audição na Assembleia da República


Embora este seja um blogue pessoal, não desejo convertê-lo num espaço excessivamente dedicado àquilo que me respeita. Porém, alguns amigos mostraram curiosidade em saber o que se passou na audição a que ontem estive presente na Assembleia da República. Aqui fica o video dessa audição.

terça-feira, outubro 03, 2017

Ter opinião

Durante mais de uma hora, estive hoje na Comissão Parlamentar que, nomeadamente, se ocupa das questões da Comunicação Social. Este era o último passo antes de ingressar no Conselho Geral Independente (CGI) da RTP.

Relembro que compete ao CGI nomear e exonerar a administração da empresa e, em termos gerais, velar pelo cumprimento do serviço público de televisão e radiodifusão.

Apresentei a minha leitura dos principais desafios que, na perspetiva de quem ainda não assumiu funções, a empresa enfrenta, destacando várias dimensões que entendo prioritárias do respetivo serviço público, dando especial ênfase às questões que se prendem com os canais internacional e para a África, da RTP e da RDP. Sublinhei, neste contexto, a importância que atribuo à radio pública e à sua missão à escala global.

Falei igualmente da necessidade da RTP se posicionar perante as novas plataformas tecnológicas de informação, do binómio exigências do serviço público/audiências, dos desafios provocados pela evolução do perfil etário dos atuais telespetadores, dos equilíbros no triângulo informação / cultura / entretenimento, dos interesses das comunidades portuguesas e do mundo da língua portuguesa em geral, da especifidade da dimensão regional, da abertura da RTP à sociedade civil organizada, da importância do serviço público de televisão e rádio na atenção às minorias e às comunidades estrangeiras residentes em Portugal, bem como à generalidade das culturas que se exprimem em português. A questão da valorização e formação dos quadros da RTP/RDP foi também abordada.

Durante o construtivo diálogo que mantive com os diversos representantes partidários na Comissão, tive ocasião de esclarecer sobre o que entendo ser a completa irrelevância das minhas atividades profissionais atuais relativamente às funções no CGI. Expliquei ainda que, aquando da minha audição na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), tinha deixado bem claro que a aceitação do convite que me fora feito para integrar o CGI - no pressuposto de, com isso, não ter direito a qualquer remuneração -, tinha também implícita a minha indisponibilidade para cessar a colaboração que atualmente mantenho em alguns órgãos de comunicação social, ou mesmo a atividade que desenvolvo nestas redes sociais. Essa fora, aliás, a única questão suscitada perante mim pela ERC. Não prescindia, em absoluto, do direito a ter uma opinião e dela dar conta pública, quando e da forma como o entendesse.

segunda-feira, outubro 02, 2017

Listopad


Há dias, falei por aqui de Jorge Listopad, referindo ter sido seu aluno em aulas de russo, no final dos anos 60. Perdi-o pessoalmente de vista desde então, apenas o cruzando, esporadicamente, no barbeiro comum de quem éramos clientes e amigos.

Foi hoje anunciada a morte de Jorge Listopad, aos 95 anos. Era checo, adotou o atual nome depois de vir viver para Portugal, onde, nomeadamente, trabalhou em teatro e na comunicação social. 

Para sempre ficará a sua secção "O Coelhinho", no JL, onde Listopad se consagrou como um "dos nossos". É que só se consegue fazer humor capaz numa língua que amamos e na qual nos sentimos plenamente "em casa". E a casa de Jorge Listopad, para nosso bem (e, pelos vistos, também dele) era Portugal.

Álvaro Mendonça e Moura


Hoje é um dia feliz para o Palácio das Necessidades. Tomou posse como secretário-geral da "casa" o embaixador Álvaro Mendonça e Moura. 

Entrámos no mesmo dia para o MNE, sendo desde então bons amigos, quase só divididos pelo futebol: o Álvaro é um portista fanático. Há que estar atento, não vá ele ter a tentação de pintar de azul as paredes das Necessidades...

Trata-se de um dos mais qualificados diplomatas portugueses, com uma carreira ímpar, uma experiência bilateral e multilateral riquíssima. Inteligente, preparado, sabedor e com trato humano excecional, é uma ótima e consensual escolha. Melhor era impossível! 

As esperanças da Carreira estão agora nele colocadas, na superação das dificuldades e das insuficiências que, com leal frontalidade, elencou no seu discurso de posse.

Augusto Santos Silva, ao apresentar a "carta de missão" do novo nomeado, referiu querer contar com ele, para além do registo funcional tradicional (muito voltado para as tarefas de gestão), também para um papel de aconselhamento político. Trata-se de uma atribuição que tem escola naquela função, mas que estava distante daquilo que, nas últimas décadas, vinha sendo pedido aos secretários-gerais do MNE. Mas Santos Silva tem razão: muito poucos diplomatas, sendo o novo secretário-geral um deles, poderiam assegurar com êxito essa tarefa. Por isso, a escolha não podia ser mais adequada.

Parabéns e felicidades, Álvaro!

Catalunha

O modo infeliz como as coisas correram na Catalunha afetou a autoridade do governo central espanhol e estimulou a causa independentista.

Nada que não fosse expectável.

América

Deve haver algo de doentio na sociedade americana que conduz à regular ocorrência de atos de violência indiscriminada.

De comum, tais ocorrências têm sempre o "espetáculo", as imagens da cobertura televisiva. Será esta (inevitável) visibilidade uma das razões que motiva os criminosos? Ou o culto nacional das armas terá também alguma coisa a ver com isto?

Poluição visual

Deveria começar a contar hoje o período (digamos, de uma semana) para a retirada completa da propaganda eleitoral, findo o qual passaria automaticamente a haver uma multa diária, deduzida da subvenção pública que o Estado dá aos partidos. 

Porém, o conluio existente entre todas as forças políticas, que conduz à paisagem terceiro-mundista de cartazes a apodrecerem e a degradarem o cenário quotidiano, parece impedir que se legisle e regulamente sobre isto. É que são juízes em causa própria.

Em oito pontos

Desde que comecei a deixar algumas coisas escritas, nas redes sociais e nos jornais, quando me meto a falar sobre o futuro, dou-me conta de que, nas coisas da política, me engano bastante. É que a realidade é muito mais imaginativa do que as pessoas e prega-nos imensas surpresas. O resultado das eleições autárquicas levou-me a tirar algumas conclusões. Pelo que atrás disse, elas valem o que valem, mas aí ficam:

1. Fiquei surpreendido com a dimensão da vitória socialista. Não esperava este resultado, obtida "pró-ciclo". Mas o país está "bem disposto" com o governo e quis dar a António Costa um "sorriso" eleitoral. Espero que o PS não embandeire em arco, num triunfalismo que leve parte do seu aparelho a tentar "explorar o sucesso". António Costa e, em especial, Ana Catarina Mendes (mas também Vieira da Silva e outros "powers that be") devem ter o maior cuidado na travagem de algumas tentações que possam vir a surgir.

2. Acho importante refletir no discurso de Jerónimo de Sousa, na noite eleitoral. O PCP "nunca perde" eleições, arranja forma de as "ganhar sempre". Mas, desta vez, o seu líder pôs uma iniludível cara de enterro, percebendo uma coisa muito simples: muito do seu eleitorado, satisfeito com as políticas do governo, deu o crédito delas ao... governo, isto é, ao PS. Quer isto significar que os socialistas capitalizaram para si os efeitos da "geringonça", não dando os votantes ao PCP os louros (verdadeiros, aliás) de ter sido ele a forçar o governo do PS a tomar algumas medidas que os beneficiou. O PCP terá constatado nesta ocasião os efeitos nefastos da "geringonça" sobre a estabilidade do seu eleitorado. Perder Almada é um terramoto que deve ter sido sentido na Soeiro Pereira Gomes em registo de tragédia. Irá o PCP tender a abalar a "geringonça"? Talvez o não faça imediatamente, mas as negociaçōes do Orçamento vão já ser um inferno. Por mim, não acredito que o PCP possa aceitar ir até ao fim da legislatura. Entretanto, irá pôr na rua as suas "tropas" sindicais, como anda a fazer.

3. O PSD perdeu ainda mais do que aquilo que se pensava possível. O resultado em Lisboa revela que Miguel Relvas tinha razão quando falava da "ruralização" do partido. Nunca pensei, contudo, que uma certa base urbana (que deveria andar nos 15 a 20%) abandonasse o PSD, nem que fosse apenas por "clubite" (há um certo PSD que encanita com o CDS). Os social-democratas apenas reagiram bem nos escassos locais onde tinham presidentes fortes (Braga, Cascais, Guarda), isto é, onde o trabalho, visto como positivo, dos seus autarcas conseguiu não ser poluído pela imagem nacional de declínio que o PSD de Passos Coelho hoje projeta.

4. Acho que Passos Coelho se vai embora. Vai, contudo, tentar gerir a transição, para evitar que o partido caia na mão dos seus inimigos internos. Procurará talvez deixar no seu lugar Luis Montenegro, para travar Rui Rio. Mas não será candidato a um congresso, que talvez tenha de ser antecipado - caso contrário o seu "phasing-out" será devastador. Mas não subestimemos em absoluto a sua teimosia...

5. O Bloco de Esquerda tive um dia mauzote. Salvaterra voltou a escapar-lhe, não elegeu o seu excelente candidato no Porto e apenas um lugar em Lisboa e alguns fogachos irrelevantes pelo país não chegam para dar um mínimo de corpo a uma, ainda que mínima, ambição autárquica. Assim, encarando as coisas com um ar mais alegre do que o PCP, o Bloco também terá percebido que a "geringonça" lhe traz um certo desgaste: parte do seu eleitorado, habituado a olhar para o PS como uma "direita da esquerda", terá sido entretanto seduzida por António Costa e por este "novo PS". E começa a votar PS...

6. O CDS fez a festa em Lisboa. Cristas legitimou a sua liderança, num CDS onde as contas pós-Portas não estavam ainda fechadas. O PSD não lhe vai perdoar tão cedo a humilhação, mas o seu estilo truculento começa a render. O CDS só pode crescer à custa dos votantes flutuantes entre ele e o PSD. A luta, portanto, vai ser sobre a liderança retórica da direita, a partir do momento em que o substituto de Passos Coelho surja. Vai ter graça.

7. Uma nota para o Porto. Um estranho candidato do PSD levou uma monumental "abada", por uma razão bem simples: a direita no Porto vota Rui Moreira, que é visto como uma figura conservadora, com a vantagem de não ser ligado à governação Coelho-Portas. O PS, não obstante um crescimento notável de Manuel Pizarro (atenção a ele!), ficou à porta da Câmara, mas o futuro anda por ali.

8. Em Oeiras, um certo país provou que pertencer a um nível social com elevada educação académica e de rendimentos não significa necessariamente ter padrões morais e cívicos recomendáveis, na hora de votar. O que, felizmente, não aconteceu em Gondomar. E em Loures provou-se que não vale tudo e que, se os candidatos não têm escrúpulos, os eleitores ainda parecem tê-los. Este Portugal dos candidatos marginais tem de ser estudado e prevenido. Como? Com uma forte exigência de decência.

sábado, setembro 30, 2017

É isto!

Uma excelente entrevista do ministro Augusto Santos Silva a Teresa de Sousa, no "Público". Esta posição de Portugal no debate europeu, naturalmente consonante com aquilo que António Costa disse há dias em Bruges, é, na minha opinião, a atitude mais responsável e em sintonia com os reais interesses nacionais. Trata-se de uma política que se nota que tem vindo a ser maturada no seio do governo e que apresenta, para quem acompanha com atenção estas coisas, algumas novas (e muitos corretas) "nuances".

Imagino que PCP e BE continuem a não se rever nesta perspetiva europeia. Outros setores soberanistas também não. Nada que espante. Contudo, posso crer que - politiquices conjunturais à parte - esta posição não cause dificuldades programáticas significativas a áreas responsáveis do PSD e do CDS. E, com imensa certeza também, ao presidente da República.

A política europeia, tal como desejavelmente a política externa em geral, deve projetar uma vontade maioritária do país, o que só ajuda a reforças a posição de Portugal na ordem internacional. Infelizmente, este não será nunca um tema comum no seio da "geringonça". É a vida!

Uma Graciosa surpresa


A quem interessar, aqui deixo o link para o meu blogue Ponto Come, onde insiro uma "crítica gastrófila" à Marisqueira José João, texto que ontem publiquei na revista "Evasões", distribuída com o "Diário de Notícias"e o "Jornal de Notícias".

sexta-feira, setembro 29, 2017

"Global Challenges"


Um belo debate, ao final da tarde de hoje, com Marina Costa Lobo e Jaime Nogueira Pinto, sobre o tema "The European Union between integration and nationalism", no âmbito de mais um curso anual "Global Challenges", do ISCTE. Alunos de mais de uma dezena de países, com troca de opiniões muito animada com a audiência, no final. 

A síntese deste debate ficou registada pelo engenhoso desenho de Daniel Perdigão, que a imagem mostra.

Os partidos e o poder autárquico

A democracia criada pelo 25 de abril entregou grande parte do exercício do poder político aos partidos. No pós-Revolução, as « internacionais » inundaram de dinheiro, através de disfarçadas fundações ou por outras vias, os seus protegidos no espetro político português, com isso vindo a fixar o essencial do leque partidário que aí está. Depois, o condomínio partidário encarregou-se de colocar o orçamento do Estado a financiá-lo, atento o monopólio consagrado na Assembleia da República. E assim chegámos aos dias de hoje.

Não sei se houve alguma racionalidade subjacente a esta opção, que aliás não se afasta muito de modelos congéneres lá de fora. É normal que, atenta a diabolização a que a ditadura sujeitara as forças políticas clandestinas, estas, logo que estruturadas em liberdade, quisessem garantir-se como os principais mediadores da vontade cívica dos cidadãos. E também pode ser compreensível que, tendo sido aprendida a lição da fulanização caciquista da I República, as forças políticas tivessem adotados mecanismos de proteção centralista, que evitassem o “rapto” da representação política por personalidades capazes de controlar os “sindicatos de voto”. A experiência, contudo, veio a provar que esse meritório objetivo nem sempre foi conseguido.

Uma coisa é certa: o monopólio parlamentar pelos partidos, no eixo de quem gera e gere os governos, criou entidades fechadas, sujeitas a regras próprias, feitas de mecanismos de cooptação que, como não podia deixar de ser, estruturaram aparelhos de capilaridade política. Nos partidos com ambições de governo, as “jotas”, as assessorias de governantes e a mão-cheia de lugares nas empresas públicas e no aparelho de Estado deram pasto às ambições carreiristas e aos “jobs for the boys”, e cada vez mais, “girls”.

Podia ter sido de forma diferente? A democracia não existe sem partidos e, com todas as suas disfunções, e contrariamente à opinião de alguns, acho até que o modelo funciona basicamente bem, desde que permaneça sujeito a “accountability” e a um forte e transparente escrutínio, nomeadamente mediático.

Domingo, vamos ter a possibilidade de escolher os nossos autarcas, um dos mais notáveis factores de democraticidade e proximidade política que o 25 de abril nos trouxe. Sei que não é simpático para ouvidos partidários ouvirem isto, mas entendo saudável que esta dimensão do Estado envolva, cada vez mais, cidadãos vindos de fora dos partidos – embora não necessariamente os trânsfugas deles. Olhando para a campanha que aí anda, não me agrada esta visível acaparação da vida autárquica pelas máquinas partidárias, numa espécie de “remake” daquilo que é uma eleição legislativa. Há mais vida cívica para além dos partidos.

quinta-feira, setembro 28, 2017

Clubite

Na história da democracia portuguesa, o envolvimento dos líderes partidários nas eleições autárquicas varia sempre na razão direta da expetativa que os protagonistas locais possam ter do efeito potenciador de voto desses mesmos líderes. Isso é válido para quem está no poder ou fora dele. E esse raciocínio é também relevante no que toca à convocação dos "barões" dos partidos, quase sempre chamados a "dar uma mão" na retas finais de campanha. 

Mas, neste caso, a pergunta pode fazer-se: Passos Coelho, com uma imagem de liderança fraca na oposição, será mesmo um "trunfo" para os autarcas do PSD? E Portas? Que sentido tem chamá-lo "a los tercios", agora que está num percurso empresarial que suscita reticências a muitos? 

A explicação parece óbvia. Passos ou Portas carreiam para os respetivos partidos muito poucos votos oriundos de fora desse seu universo partidário. Mas podem contribuir, num tempo de contagem desesperada de "espingardas", para mobilizar os votantes tradicionais dessas mesmas formações, gente que, por desânimo, poderia ter a tentação cómoda de ficar em casa. É o apelo à "clubite", à "camisola", ao "emblema", à fidelidade ao partido. 

Ontem, ao ouvir o desesperado e triste apelo aos "militantes e simpatizantes do PSD" por parte dessa figura patética de anti-carisma que é o seu candidato à Câmara do Porto, percebeu-se isso muito bem. Como se entende o esforço feito por Passos Coelho em apoio à sua candidata em Lisboa (aliás, sua escolha pessoal), a qual, já não conseguindo evitar a "banhada" histórica que irá ter no domingo, tentará (e é plausível que o possa conseguir, atenta a diferença abissal de implantação dos respetivos partidos) não sofrer a humilhação suprema de ser ultrapassada pela lider do CDS. E cada voto de cada militante "de carteirinha" conta para isso.

É que não é só no futebol que a "clubite" funciona.

Pivot

Morreu Bernard Pivot. Tinha 89 anos. Há hoje uma França (e não só) de luto. Não terá chegado a receber a chamada telefónica que mais temia: ...