Há pouco, enquanto redigia um texto para um jornal, lembrei-me de uma história, que tinha esquecida na minha memória. Ela aí vai.
Estávamos em julho de 2011. O novo governo português havia tomado posse há cerca de duas semanas. O "memorando de entendimento" com a "troika" estava no início do seu processo de implementação. As agências de notação, reagindo ao anúncio das primeiras medidas, haviam, umas após as outras, e para surpresa de muitos, levado a cabo um "downgrading" de Portugal.
Um dia, na minha qualidade de embaixador em Paris, "puxei da pena" e decidi publicar no mais importante diário económico francês, o "Les Echos", um artigo (leia aqui a versão original e aqui a tradução) em que contestava as agências e procurava, entre outras coisas, sublinhar o que me parecia ser a contradição entre o início do processo de ajustamento e a sua decisão de, nesse momento, baixar a classificação do país, precisamente na véspera de uma ida aos mercados para "reciclar" a nossa dívida. Era uma época algo angustiante, em que eu ia dizendo mais ou menos o mesmo a todas as televisões e rádios a que conseguia fazer chegar a voz oficial portuguesa em França. Sem pedir quaisquer instruções a Lisboa, diga-se.
Num desses dias, fui desafiado a debater numa importante rádio e televisão noticiosa - já não sei se foi a BFM ou a LCI - com um representante da "Standards & Poor's". Por um instante, hesitei em aceitar o convite, dada a dúvida de estar à altura da tecnicidade do debate. Mas aceitei o risco, porque temia que a "falta de comparência" deixasse o homem da agência sem contraditório. O debate acabou por ser sereno e civilizado. A certo passo, confrontado por mim com a questão do facto de Portugal estar a cumprir precisamente aquilo que a comunidade internacional lhe pedira e a estranha atitude das agências de notação, o meu interlocutor foi muito claro: "É evidente que nós achamos positivo que Portugal esteja a corresponder, desde a primeira hora, àquilo que o memorando exige. Mas não nos compete avaliar a vossa vontade política e mesmo os eventuais efeitos, a prazo, da "receita" que vai ser aplicada ao longo dos próximos três anos. Nós avaliamos as consequências imediatas das medidas que agora vão ser postas em prática na vossa economia. E essas medidas, indo ou não no caminho certo, têm agora um efeito recessivo, porque contraem o mercado interno e afetam o crescimento económico. Esse é o mercado que avaliamos".
A partir desse dia, passei a perceber melhor as agências de notação e a fazer uma leitura um pouco mais sofisticada dos seus "humores".