segunda-feira, abril 16, 2012

Guiné-Bissau

Hoje à tarde, na UNESCO, na terceira das jornadas "Vamos falar português", estava previsto como tema a abordagem da cooperação com a Guiné-Bissau, assunto que fora proposto pelo Brasil, bem antes dos tristes acontecimentos que ocorreram naquele país.

Porque todos acreditamos que, cedo ou tarde, as coisas se normalizarão, foi decidido, apesar de tudo, manter a agenda e dar conta de um interessante programa de ajuda educativa levado a cabo por uma ONG, também com forte empenhamento brasileiro.

Coube-me abrir a sessão e falar um pouco do modo como víamos o desenrolar dos acontecimentos em Bissau, lembrando a firme tomada de posição da CPLP e a inequívoca rejeição da ação militar por parte de instituições internacionais - como as Nações Unidas, a CEDAO e a União Europeia. 

Esta dia em que, de forma particular, se falou português na UNESCO esteve longe de ser, contudo, um dia feliz para os países que falam a nossa língua. 

domingo, abril 15, 2012

La Lys

Fomos algumas dezenas, neste sábado, entre portugueses e franceses, como todos os anos acontece, a saudar a memória de quantos combateram na batalha de La Lys, em abril de 1918. No cemitério militar português, em Richebourg, e no monumento aos soldados portugueses mortos, em La Couture, todos cumprimos um simples dever de gratidão e de respeito.

Faz muito bem, em particular em tempos difíceis, revisitar estes lugares, que nos ajudam a melhor entender o que significa ser português no mundo.


sábado, abril 14, 2012

O bacalhau e a política

Entre os políticos portugueses, os períodos de campanha eleitoral são conhecidos pelos "circuitos da carne assada", esse infindável périplo por mesas de restaurantes e pavilhões gimno-desportivos, com comida portuguesa, quase sempre mais em força do que em jeito.

Aqui em França, presumo que as coisas não devam ser muito diferentes. Mas, para além do predomínio da comida do seu país, o proselitismo de conjuntura obriga a que os políticos franceses em campanha não se eximam a provar a gastronomia típica das comunidades cujo voto pretendem conquistar. Já me contaram histórias deliciosas dos tempos de Jacques Chirac, ao tempo em que se interessava pelo voto dos portugueses.

Na campanha presidencial em curso, um determinado restaurante português ganhou foros de alguma fama, ao ter-se convertido numa espécie de cantina diária informal da candidata Marine Le Pen e da sua equipa. Há dias, foi a vez do presidente candidato Nicolas Sarkozy ter organizado um almoço, na periferia de Paris, num restaurante com cozinha portuguesa. Na passada semana, a "Academia do Bacalhau" de Paris, uma convivial agremiação de portugueses, convidou representantes das candidaturas de François Hollande e de Nicolas Sarkozy para, à volta do "fiel amigo", explicarem de que modo os interesses de afirmação cultural e linguística da comunidade de origem lusitana seria protegidos, em caso de vitória do seu candidato.

Nunca se saberá qual o sentido político maioritário dos cidadãos de origem portuguesa que dispõem de direito de voto nas eleições presidenciais que se concluirão em 6 de maio. Pelo que todos ficaremos sempre sem saber se o esforço de simpatia dos candidatos pela cozinha portuguesa teve algum efeito nessa opção. Mas, enfim, a verdade é que alguns tentaram...

sexta-feira, abril 13, 2012

Margarida Figueiredo

Só hoje me chamaram a atenção para a magnífica entrevista que a minha amiga e colega (do MNE e da mesa do "Procópio"), também embaixadora, Margarida Figueiredo concedeu à revista do "Público", no último domingo, muito bem conduzida por Anabela Mota Ribeiro.

Ficou ali um retrato muito livre e a quente de alguém que está de bem com a vida que teve e tem, contada de forma divertida, saudavelmente irónica e sem baias. Nela soube traduzir, em linguagem colorida e inteligente, aquele que foi o tempo da entrada das primeiras mulheres na carreira diplomática, tudo isso somado a flashs curiosos sobre a burguesia portuense de onde emanou e que, desde sempre, cuidou em abalar e provocar. Para quem conhece bem a Margarida - e eu faço parte desses eleitos -, imagina-se o tom divertido com que aquelas palavras foram ditas, envolvidas pelo fumo de muitos cigarros e com imenso chá à mistura, sempre longe da preocupação do "politicamente correto", porque esse nunca foi o seu estilo - ou melhor, essa é muita da sua graça.

Retenho o seu delicioso "filme" do MNE, ao tempo de início de funções de Mário Soares, como ministro, logo após o 25 de abril: "No dia em que Soares chegou, em menos de dois minutos, estava o MNE inteiro no átrio. Tudo a tirar o brasão do dedo e a descobrir a lavadeira na árvore genealógica".

Bravo, Margarida! 

quinta-feira, abril 12, 2012

Norte

Foi hoje sublinhada em Paris, por representantes de Guimarães 2012 - Capital europeia da cultura, a crescente presença de visitantes franceses nos seus eventos. Julgo que esse é resultado concreto do excelente trabalho que, desde há vários anos, tem sido feito pela delegação do Turismo de Portugal que funciona junto da embaixada, com vista a tornar a França num mercado emissor de turistas cada vez mais importante para o nosso país.

Hoje à tarde, nos espaços da Embaixada, juntámos cerca de uma centena de operadores turísticos e jornalistas para uma ação de promoção, não apenas de Guimarães 2012, mas igualmente do nosso magnífico Turismo de Habitação, tudo com a colaboração da Associação do Turismo do Porto e Norte de Portugal.

quarta-feira, abril 11, 2012

Marxismo turístico

Há muito quem considere que o marxismo faz hoje parte do "caixote do lixo da História", para utilizar uma formulação do próprio Marx.

Porém, verifiquei, há dias, que Karl Marx mantém uma pujante popularidade na sua terra natal, a cidade alemã de Trier (que, em outros tempos e com outra soberania, se chamava Trèves), próxima do Luxemburgo, onde a sua casa-museu é o principal motivo turístico da cidade.

Poderá assim dizer-se que os habitantes de Trier são, à sua maneira, "marxistas"?

terça-feira, abril 10, 2012

Inadimplência

Uma utilíssima "newsletter" luso-brasileira, que continuo a ler com regularidade, titula hoje "Inadimplência em Portugal continua a aumentar". Recordo-me de ter avançado para um dicionário (de Portugal) quando, há uns anos, li, pela primeira vez, a expressão na imprensa brasileira. E da minha grande surpresa por nele não encontrar a palavra e o seu significado.

A Academia Brasileira de Letras, embora reconhecendo-o, não aprecia o termo, preferindo-lhe a expressão "inadimplimento", há muito já usada na ordem jurídica portuguesa (mas não na nossa linguagem corrente, como acontece no Brasil com "inadimplência").

Seja "inadimplência" ou "inadimplimento", a verdade é que se trata de um conceito preciso e sintético, que é pena não ser mais utilizado. E que também é pena que seja uma realidade cada vez mais frequente entre nós, nos dias que correm.

segunda-feira, abril 09, 2012

Feriado

Hoje, segunda-feira depois da Páscoa, foi observado em França um feriado nacional. O blogue observa, com rigor, esse feriado.

Deixo-os com uma fotografia de hoje. Onde será?

sábado, abril 07, 2012

O atracão

Os diplomatas em postos distantes acabam por tornar-se, por vezes, figuras algo solitárias. Trocam impressões com os colaboradores, mas o afastamento da capital faz-lhes, frequentemente, perder alguma influência na "casa". Alguns tentam compensar essa distância com o cultivo de redes pessoais de contacto telefónico, agora que o Skipe e uma rede interna gratuita tornaram tudo mais fácil. Mas, apesar disso, um posto no estrangeiro longínquo acaba por ser sempre uma espécie de satélite desprotegido da "secretaria de Estado" - o nome que damos à nossa "sede", ao MNE em Lisboa.

Quase todos os postos vivem com maiores ou menores dificuldades, com problemas logísticos e de pessoal a resolver. Não raramente, o envio de comunicações oficiais ou algumas chamadas telefónicas para amigos e conhecidos não são suficientes para ultrapassar os problemas. A capital vive assoberbada de pedidos de ordem material ou em matéria de recursos humanos os quais, cumulativamente, representam sempre muito mais do que aquilo que manifestamente pode dar. E hierarquizar esses pedidos é muito complexo.

Quando os embaixadores ou os cônsules percebem que as coisas chegaram a um ponto em que não conseguem ter uma resposta satisfatória de Lisboa, e se acaso a ocasião se proporciona, recorrem a um método já clássico: o "atracão" aos políticos de passagem, o aproveitamento "intenso" de episódicos contactos com o ministro ou com os secretários de Estado.

Uma sala de aeroporto ou os carros são, em geral, os cenários deste tipo de abordagens, quase sempre detestadas por todos os membros do Governo.

A tática é vetusta. O governante, por simpatia, pergunta ao embaixador: "Então como vai por cá?". Mal ele sabe a porta que abriu... Com maior ou menor subtileza, o homem avança: "Sabe, é muito difícil trabalhar com pouco pessoal. Estou à espera de um colaborador, há meses. O secretário-geral já mo prometeu, mas nada! Se, no regresso a Lisboa, pudesse dar um jeito, ficava-lhe gratíssimo".

O segundo nível é mais móvel, é o próprio carro. Um rúido de motor ou um qualquer percalço técnico, dá logo aso a um pedido: "Peço-lhe desculpa pelo estado desta viatura, mas ando há meses a insistir com Lisboa para a substituir. Este carro está no limite. Espero mesmo que, hoje, não nos deixe ficar mal. Acha que o seu gabinete poderia dar uma palavra ao 4º andar sobre isto?", sendo o "4º andar" a área administrativa do MNE.

Finalmente, o mais clássico: a casa. Um "tour du propriétaire" por zonas degradadas da residência é um "must" para tentar convencer os governantes da necessidade (muitas vezes, bem verdadeira e evidente) de se fazerem obras, de se comparem uns sofás ou de se proceder uma mudança: "Julgo que já se deu conta que esta casa não está em condições para receber ninguém. Estes sofás estão velhos e continuo sem ter resposta aos pedidos que fiz para pinturas e para o telhado. Quer ver o estado do telhado?". O governante não quer, claro. O que quer, desesperadamente, é deixar de ouvir as lamúrias. Os colegas mais ousados invocam mesmo, em despero de causa, o orgulho nacional: "Estou cansado de dizer a Lisboa que esta casa não está à altura da imagem de Portugal neste país. Olho para os meus colegas europeus e é uma vergonha! Temos de mudar de casa. Temos perdido ótimas oportunidades, não é que eu não avise!, mas dizem-me que as Finanças se opõem. Não poderia dar-me uma ajuda?".

Os ministros e secretários de Estado, muito frequentemente, até reconhecem que os diplomatas têm razão, que as coisas são difíceis em muitos postos, que a casa ou o carro ou os móveis não estão, de facto, em condições. E que falta pessoal. Só que as coisas são o que são, os orçamentos também, "as Finanças" são impiedosas. E, as mais das vezes, nessas visitas às capitais, têm a cabeça noutro lado, estão preocupados com outras coisas, não têm tempo nem paciência para o exercício de preocupação em "micromanagement" que os diplomatas deles esperariam.

Não é fácil a vida no MNE. Para todos!

A sogra

E aquele diplomata, cujo nível de conhecimentos em matéria de línguas se exauria na travessia do Caia, explicava pelo telefone, perante o embaraço da pessoa francesa que o convidara para jantar, da necessidade de levar também a sogra, chegada de surpresa: "J'irais avec ma femme et la mère d'elle".

Esta historieta (verdadeira, como todas as que publico por aqui), que prova que a língua francesa também pode ser muito traiçoeira, foi-me recordada, na passada semana, por um estimado colega.

Deixo-a com votos de boa Páscoa para todos.

quarta-feira, abril 04, 2012

"Encarnados"


Uma tarde, há muitos anos, numa sala de um serviço do MNE na Visconde Valmor, anunciei a um colega, sportinguista como eu, que tinha decidido ir nessa noite apoiar o Benfica, à Luz, num jogo internacional qualquer. Ele olhou-me, grave, e, em voz baixa, esclareceu-me, definitivo e alvaladicamente crítico: "um verdadeiro sportinguista nunca deseja uma vitória do Benfica, seja contra quem for". 

Imaginei ontem esse colega, cofiando o bigode, consolado, lá no Luxemburgo, com o golo (portista?) de Raul Meireles, que colocou um ponto na ambição europeia dos encarnados. (Sabiam que, por assim ter sido determinado pela censura, no tempo de Salazar, nunca ninguém mais ousou dizer ou escrever "vermelhos", referindo-se ao Benfica, embora não se hesite fazê-lo quando se fala dos cartões?). Esse amigo, no entanto, terá de convir que, para além do resultado, o Benfica fez um grande jogo, lutou com imensa dignidade e foi fortemente prejudicado por uma arbitragem tendenciosa.

Talvez seja por ser um "mau" sportinguista, mas confesso a minha incapacidade em não desejar a vitória de qualquer equipa portuguesa que dispute competições internacionais. 

Zé Guilherme

A "manga" do aeroporto de Orly que, no passado fim de semana, ligava ao avião da TAP para o Porto, fazia um cotovelo, o que permitia aos passageiros ler, com facilidade, o nome do aparelho: "Francisco d'Hollanda". À minha frente, dois "letrados", um tanto ajavardados, comentavam: "estes tipos até põem nomes de holandeses aos aviões da TAP, vê lá tu!". Ao que, quiçá premonitório, o outro respondeu: "daqui a uns tempos vão ter nomes chineses, ai vão, vão!"

Entendi não valer a pena explicar que Francisco d'Hollanda foi uma das figuras mais proeminentes da arte portuguesa no século XVI. Lembro-me bem de, no momento, ter pensado que o meu amigo e embaixador José Guilherme Stichini Vilela havia escrito um pequeno livro sobre Francisco d'Hollanda - coisa que eu descobri por acaso, um dia, numa livraria, e a que ele, para minha surpresa, nunca atribuiu grande importância.

Prestes a regressar a Paris, dois dias depois, já no aeroporto do Porto, recebi um telefonema, a dar-me conta da morte do Zé Guilherme.

Coincidimos em posto, em Luanda, nos anos 80, nesse tempo inesquecível em que, com António Pinto da França e Fernando Andresen Guimarães, todos juntos, conseguimos transformar um período profissional tenso e potencialmente abafante numa divertida aventura de vida - também com o Miguel Chalbert, a Ana Poppe, o António Vallera, a Élia Rodrigues, o Fernando Valpaços, os "Guedais" (Vasco, Sérgio e Zé Tó), a Bá e o Pedro, a Lena e o Bo Backstrom, a Alzira e o João Sobral Costa e tantos e tantos outros.

Até então, eu conhecia mal o Zé Guilherme. Desde aí, ficámos, para sempre, muito amigos e pelo mundo nos fomos encontrando, às vezes com alguma regularidade, outras vezes nem tanto - em Argel e em Londres, no Rio de Janeiro ou em Istambul. Fizemos magníficas férias juntos (lembras-te, Alda?) e, para sempre, o Zé Guilherme passou a ser um membro da nossa família. Era, para nós, como que um irmão mais velho, que às vezes parecia até bem mais novo. Era um congregador de afetos, generoso sem limites, dedicado aos outros, mesmo a alguns que o não mereceram. Muito culto, com um imenso bom gosto, tinha uma grande abertura ao novo e ao diferente, criando, com naturalidade e sem esforço, novos amigos e conhecidos, quase sempre gente muito diversa e interessante. E, às vezes, não.

Falámos pelo telefone, há muito pouco tempo. Desafiei-o a vir visitar-nos a Paris, onde tinha vivido, por duas vezes, no início da sua carreira. Respondeu-me com um discurso cansado e algo desiludido. Mas, depois, na ciclotimia de ânimo que era muito sua, mandou-nos um belo texto de ficção, que escreveu e que hesitava se devia ou não em publicar em livro. E, dias mais tarde, inscreveu-se como "amigo" no Facebook, com uma foto onde exibia um chapéu de palhinha, ao jeito da vida bem informal que agora levava.

O Zé Guilherme fazia parte daquelas pessoas de quem nos sentimos muitos próximos e que, porque não "frequentadas" com a regularidade que desejaríamos, em especial durante a nossa última década de permanência contínua no estrangeiro, tínhamos "reservado" para um convívio futuro mais assíduo, nos tempos mais calmos de ocupações que estão aí para vir. Mas não, já não vai ser possível usufruir do seu sorriso delicado e algo triste, das conversas serenas que alimentava, da sua imensa paciência para os erros dos amigos e, também, da sua crescente impaciência para as posturas dos idiotas. As amizades, como tenho vindo a aprender, não podem ter férias. Assumo a minha quota-parte de culpa nalguma solidão em que ele se foi fechando e em que acabou os dias.

Um imenso abraço, Zé Guilherme, até sempre. 

terça-feira, abril 03, 2012

Cante alentejano



Nos últimos dias, suscitou alguma polémica a decisão governamental de não apresentar à UNESCO, no corrente ano, a candidatura do Cante Alentejano ao estatuto de património cultural imaterial da Humanidade. A comissão promotora da iniciativa, ecoando o sentimento de outros apoiantes da mesma, manifestou o seu desagrado por esta tomada de posição.

É compreensível o desapontamento que atravessa as comunidades alentejanas que estiveram envolvidas na preparação do projeto, às quais tinha sido criada uma expetativa temporal para a conclusão do mesmo. Devo dizer, porém, que entendo menos bem algumas despropositadas e menos elegantes acusações personalizadas que surgiram neste contexto, que apenas posso levar à conta de exagerada emoção entretanto suscitada. 

Desde o primeiro momento que os interlocutores que, no quadro do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa e em Paris, dialogaram com os representantes da candidatura deixaram muito claro serem amplamente favoráveis à iniciativa, a qual, aliás, desde o início estimularam. Esse terá sido também o sentimento das altas autoridades do Estado e outras personalidades que expressaram o seu apoio à mesma. Toda essa solidariedade para com o projeto era dada, naturalmente, no pressuposto de que a candidatura seria apresentada com condições de pleno sucesso, tanto mais que, no caso de uma eventual rejeição, o processo teria de esperar cerca de cinco anos antes de poder ser repetido, com o incontornável efeito negativo que tal decisão não deixaria de ter na memória interna da própria UNESCO.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros não tem, no seu seio, uma "expertise" própria, pelo que, como em casos análogos, teria sempre que se apoiar, para a formulação do seu juízo sobre a oportunidade de apresentação da candidatura, em opiniões técnicas abalizadas, nomeadamente as que se projetam na comissão científica que a própria organização criou.

A comissão científica da candidatura foi presidida pelo professor Rui Vieira Nery, que já exercera idênticas funções na recente e bem sucedida candidatura do Fado ao estatuto agora pretendido pelo Cante Alentejano. O professor Vieira Nery pediu, entretanto, demissão do cargo e, ao fazê-lo, deixou algumas críticas àquilo que entendia serem alguns pontos menos consistentes desta candidatura. Sem desprimor para os restantes membros, a pessoa que, de forma unânime, era considerada como imediatamente mais qualificada, no seio da comissão científica, era a professora Salwa Castelo-Branco, a quem, aliás,os promotores da candidatura haviam solicitado a revisão final do respetivo processo. Ora também esta eminente especialista, conjuntamente com outro membro da comissão, considerou que, no seu estado atual de preparação, a candidatura teria fragilidades que poderiam conduzir à sua rejeição.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros - e não apenas a Comissão Nacional da UNESCO, como erradamente é sugerido - entendeu que, perante estas abalizadas opiniões e em tais condições, constituiria um elevado risco propor a candidatura este ano. Nada do trabalho já feito, na laboriosa preparação do dossiê que foi desenvolvida, se perderá. Apenas se pretende que, no tempo que agora temos pela frente, possam vir a ser colmatadas as deficiências e os problemas entretando detetados.

Todos temos interesse em que ao Cante Alentejano seja dado um estatuto internacional à altura da indiscutível qualidade que esta manifestação popular tem, como fator identitário de uma região e como património cultural de prestígio do próprio país. Por isso, com serenidade e redobrado rigor, vamos trabalhar para que, num prazo que esperamos curto, possamos apresentar na UNESCO uma candidatura de sucesso do Cante Alentejano.

(Artigo que hoje publico no "Diário de Notícias")

"Diplomatas exigem promoções"

É este, hoje, o título de uma "notícia" no diário delas. O leitor, com naturalidade, pensará: a diplomacia está em polvorosa, os embaixadores planeiam greves, vem aí uma contestação forte e quase inédita, numa classe profissional tida por tradicionalmente serena.

Vai-se a ver e o que diz o texto?: "o Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas exigiu ontem que o governo proceda ao descongelamento das promoções nos serviços externos do MNE". Se o jornal tivesse procurado informar-se um pouco mais teria sabido que se trata de um sindicato que agrupa, precisamente, o pessoal que não é diplomático.

Mas que interessa isso, garantida que está a atenção do leitor, ao "jornalista" que fez o corta-e-cola do "take" da agência, encimando-o com um título simplista, "à maneira" a que o mau jornalismo português nos está a habituar?

segunda-feira, abril 02, 2012

O vinho do Porto e a economia

Hoje, numa conversa a propósito da promoção do vinho do Porto, falávamos da relação "cerimoniosa" que os portugueses tradicionalmente têm com aquele que é o seu produto vinícola mais prestigiado. A meu ver, o vinho do Porto teve, durante muitos anos, o caráter de uma bebida "engravatada", consumida em momentos solenes e formais, mas que nunca foi - até pelo seu preço - uma bebida popular. As coisas estão agora a mudar, a tipologia dos Portos está a alargar-se, há já, pelos bares, imaginativas combinações que têm a bebida no seu centro e, como é natural, isso está a trazer um novo tipo de consumidores e a fazer ganhar àquele vinho faixas diferentes no mercado nacional.

Em França, há também um longo caminho a percorrer na promoção do vinho do Porto. Os franceses são, nos dias de hoje, os principais consumidores internacionais de Porto, tendo já ultrapassado o tradicional mercado inglês, que se deixou ficar para trás. Porém, o vinho do Porto que surge nos escaparates deste país, sendo quantitativamente relevante, é, em regra, qualitatativamente bastante pobre. Várias vezes tenho mostrado o meu desagrado em restaurantes franceses de renome porque, lado a lado a cognacs, whiskies ou vodkas da melhor qualidade, nos são propostos vinhos do Porto verdadeiramente medíocres. Embora procurando sempre não afirmar, em público, que um produto nacional que nos está a ser servido tem escassa qualidade, vou encontrando maneiras hábeis de explicar que a apresentação aos clientes de outro tipo de Porto estaria mais à altura do prestígio da "casa"...

Com o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, bem como com alguns produtores, a Embaixada e a sua delegação da AICEP, tem em curso um conjunto de operações promocionais destinadas a fazer ganhar espaço a Portos de muito maior qualidade, que aqui continuam a não ser consumidos, apenas porque são desconhecidos do mercado. E, nesse esforço, procuramos frequentemente promover os vinhos de mesa do Douro e o turismo da região, ligando a isso o núcleo do Turismo de Portugal que conosco trabalha.

Esta manhã, numa escola hoteleira de Paris, concluiu-se um ano de trabalho que envolveu 50 escolas hoteleiras, com sensibilização de cerca de 1500 alunos, permitindo um melhor conhecimento das diversas categorias de Porto existentes e fazendo a sua ligação criativa a produtos alimentares franceses. Os alunos e as escolas, com o apoio de companhias vinícolas portuguesas, apresentaram criativas propostas de harmonização. O projeto vai continuar para o ano, com o apoio do Ministério francês da Educação, com mais escolas, mais alunos e com estímulos vários, que incluem prémios de viagem à zona vinícola do Douro. Este é um trabalho de sensibilização que tem efeitos a prazo - isto é, apostando no tempo em que esses alunos virão a ser os novos profissionais da hotelaria.

Com os atuais profissionais estamos também a trabalhar. Daqui a semanas, a Embaixada em Paris receberá os convidados do "Masters of Port", no termo de um processo de eleição dos "sommeliers" franceses que se revelem mais conhecedores do nosso vinho do Porto. É ainda pouco? É o que se pode e deve fazer, utilizando com muito critério os recursos financeiros disponíveis e os meios que nos é dado poder utilizar.

Nas relações económicas externas, é o somatório de muitos destes esforços pontuais que pode conduzir a resultados comerciais globais positivos, que tentamos que sejam sustentados. As empresas portuguesas - que é quem faz os negócios, entenda-se! - revelam uma fácil ligação ao mercado francês, muitas vezes mobilizadas por setores empresariais complementares da nossa comunidade, nomeadamente os que se juntam na operativa Câmara de Comércio o Indústria Franco-Portuguesa. No ano de 2011, creio que pela primeira vez desde há muito e muito tempo, a balança comercial portuguesa com a França apresentou um saldo a nosso favor. O turismo de origem francesa tem vindo a ganhar espaço no mercado português, tendo mostrado, em anos recentes em que os mais tradicionais emissores decaíram, uma tendência crescente. E, "last but not least", a França converteu-se hoje no principal país investidor estrangeiro em Portugal. 

domingo, abril 01, 2012

O dia das verdades

Por razões que julgo óbvias, não me agrada muito a utilização do termo "resgate", aplicado ao acordo de ajuda internacional de que Portugal beneficia. Porém, segundo o léxico jornalístico, é essa a figura a que o nosso país se viu obrigado a recorrer, há cerca de um ano, no auge de uma complexa situação financeira, num cenário de tensão social e política interna, que conduziu a eleições legislativas antecipadas. 

O jornal "Público" tenta, na sua edição de hoje, fazer a história possível desse período político, desenhando, pela coleta de testemunhos e pela produção de inferências, o que terão sido esses agitados dias no seio das nossas instituições e contactos externos.

O interesse em explorar a história imediata é sempre muito grande e compreensível. Mas porque não existe uma suficiente distância no tempo, porque haverá atores e figurantes que ainda guardam as suas cartas junto ao peito, porque as versões dos factos não são neutrais face ao jogo político, esse esforço de leitura corre sempre o imenso risco de ser parcelar e lacunar e, por essa via, de ficar aquém do rigor descritivo e interpretativo que seria, não só desejável, mas eventualmente mais próximo da realidade dos factos. Essa é a sina eterna do jornalismo e dos jornalistas, que alguém já qualificou como os "impacientes da História". No entanto, essa limitação não desvaloriza a recolha de dados feita, bem como a mostra do confronto de perspetivas.

Daqui a alguns anos, a história diplomática portuguesa, recolhida em capitais por onde passaram algumas das decisões que também ajudaram a formatar o saldo desses dias, poderá vir a dar a sua contribuição para tornar bastante mais nítido esse mesmo retrato, quiçá conferindo-lhe inesperadas cores e fazendo surgir, sobre a paisagem de fundo, novos matizes em eventos e factos que, por ora, estão apenas desenhados a traços grossos. Esse dia, porém, está ainda bastante longe de ter chegado.

sábado, março 31, 2012

Sonhos

Na parede de uma paragem de autocarros na aldeia de Lixa do Alvão, ontem, ao final da tarde.

quinta-feira, março 29, 2012

Protocolo

O meu colega e amigo embaixador José Bouza Serrano publicou, há poucas semanas, o "Livro do Protocolo".

Muitos de quantos se interrogam, por vezes de forma irónica, sobre a "liturgia" do cerimonial oficial teriam vantagem em visitar esse volume, como forma de entenderem melhor a importância do protocolo na vida dos Estados e nas relações internacionais. E também para aprenderem algumas coisas básicas, que ajudam à convivência, permitem superar equívocos e facilitam as relações, dando indicações preciosas sobre comportamentos e práticas adequadas.

De Gaulle, bem atento aos símbolos, dizia que o protocolo era a "ordem da República". Na minha vida profissional, sendo embora muito atreito a olhar as coisas da forma mais simples e desformalizada que for possível, aprendi a ter um grande respeito pelas regras protocolares, porque elas são, imensas vezes, o esqueleto que permite manter - de forma muito distante do caráter fútil que se lhes atribui - um equilíbrio saudável na vida oficial. Também me dei conta, em muitas ocasiões, que essas regras são, muito para além disso, um modo discreto de suprir faltas de educação de muita (dita boa) gente.

Para olhares menos atentos, o protocolo surge uma atividade marcada pela "ligeireza", pelo "maneirismo", pelo snobismo impositivo. Não é nada disso. Nas relações internacionais, não damos conta do protocolo até ao momento em que uma falha nesse âmbito tenha lugar. Quanto tal acontece, é um "aqui d'el rei!" geral, um mal estar das personalidades políticas, comentários jocosos da imprensa, olhares enviezados de colegas menos atentos, por vezes com sensíveis efeitos na substância das relações políticas. Desde há muito que criei um profundo respeito pelos diplomatas e técnicos que se encarregam do protocolo de Estado português. E eles sabem-no.

Quando entrei para o serviço diplomático, a nossa "bíblia" protocolar era "o Serres", o "Manuel pratique du protocole", uma obra de Jean Serres, de 1965. Mais tarde, na tradição francesa que fez muita escola em Portugal, tornou-se-me útil (e mais divertido, pela sua escrita solta) o "Guide du protocole et des usages", de Jacques Gandouin, que até já tem uma "édition de poche". Mas, devo dizer, até porque tem uma vertente importante em matéria de Direito internacional, que continuo a ser um incondicional fã do britânico "Satow's guide for diplomatic practice", que já vai em muitas e renovadas edições, desde a original de 1917. Tenho, além disso, umas boas dezenas de outras obras sobre protocolo diplomático, em outras línguas - para além das que já encomendei, à luz da bibliografia citada neste novo "Livro do protocolo".

Havendo regras internacionais que enquadram as práticas protocolares, a verdade é que cada país cria também o seu próprio protocolo, pelo que as "liturgias" variam de Estado para Estado, para além de, naturalmente, evoluírem com os tempos. Em Portugal, o livro "Regras do cerimonial português", do embaixador Hélder Mendonça e Cunha, foi, durante muito tempo, a obra referencial. Todos tínhamos "o Hélder" nas nossas estantes, para resolver questões de precedências, colocação e ordem de condecorações, regras para os lugares à mesa em cerimónias, cartões e tipo de convites, etc. Mais tarde, o embaixador José Calvet de Magalhães, com o seu magnífico "Manuel diplomático" (uma espécie de "Satow's" em português), trouxe uma atualização sensata ao "Hélder", para além de ser uma obra com outro fôlego e justificada ambição.

Agora, o José Bouza Serrano, com cultura, inteligência e um insuperável bom-gosto e elegância, transpõe para livro o caldo da sua longa (e muito bem sucedida) experiência como diplomata e, em especial, como chefe do Protocolo do Estado. Por isso, este seu livro passa a ser uma nova "bíblia", embora talvez não tão laica e plebeia como eu gostaria que fosse (e ele sabe porque digo isto...). Mas trata-se, sem a menos sombra de dúvida, de uma obra muito importante, uma incontornável (como agora se diz) referência na matéria, cuja consulta - mesmo para gente fora "dos Estrangeiros" - fortemente recomendo.

Termino com uma frase significativa de Jaime Gama, no prefácio deste trabalho: "Vencer o preconceito em torno do protocolo é um ato de maturidade que aperfeiçoa as sociedades e lhes confere um acrescido grau de liberdade, porque lhes acrescenta civilização".

Humor

Há dias, foi-se o Chico Anísio. Agora, desaparece o Millôr Fernandes.

Deixa-nos tristes gente que nos punha alegres.

quarta-feira, março 28, 2012

Proibições

Recordação que, há semanas, trouxe de Sloane Street, em Londres

(Declaração de interesses: não fumo nem nunca fumei)

segunda-feira, março 26, 2012

O adido

MNE, há mais de 30 anos. 

O diretor-geral, à secretária, de óculos na ponta do nariz, lia lentamente a informação de serviço que o adido de embaixada tinha preparado. De pé, o chefe de repartição e o jovem autor do texto mantinham-se num reverente silêncio, esperando o veredito.

Acabada a leitura, o diretor-geral levantou os olhos, deu um leve suspiro, olhou para o adido e disse: "Deixe ficar o papel", com uma implícita indicação de que o funcionário poderia retirar-se. 

Quando ficou a sós com o chefe de repartição, este último, pressentindo algum desagrado no modo como o seu superior tinha acolhido o texto, perguntou: "Não gostou da informação? Posso mandar refazê-la...".

O diretor-geral não respondeu logo. Levantou-se, caminhou para a janela e ficou a ver a ponte sobre o Tejo. Segundos depois, voltou-se, encarou o chefe de repartição, deu um suspiro ainda mais longo e inquiriu: "Você sabe quando é que este tipo entrou na carreira?". 

- Julgo que foi no concurso de há cerca de dois anos. Porquê?

- Por nada. Ele não tem culpa nenhuma, é apenas um incompetente que não sabe escrever português e que vai demorar alguns anos até se tornar num funcionário sofrível. Até lá, quem sofre é o Estado. O que eu gostava de saber é quem foram os cretinos dos membros do júri de admissão que o não chumbaram...

domingo, março 25, 2012

Classes

Encontrei-o há dias. Careca, mais gordo, mais velho, reformado, mas sempre com aquele sorriso jovial, o mesmo que tinha quando andávamos envolvidos nas "guerras" políticas radicais dos anos 70. Falámos do país e dos dramas caseiros.

- Felizmente que pertencemos a uma geração realizada, comentou. Lembras-te quando lutávamos por uma sociedade sem classes?

Eu lembrava-me, mas não percebia onde ele queria chegar.

- Pois bem. Conseguimos o que queríamos: temos por aqui uma sociedade sem classe nenhuma...

Continua um exagerado.

sábado, março 24, 2012

Isolados

Sporting "isola-se" (!), provisoriamente (!) no 4º (!) lugar, depois de bater o ameaçado de descida de divisão Feirense (!), por 1-0 (!), de penalti (!)- leio num site qualquer, que também regista os "bocejos dos adeptos, uma contradição de emoções, felizes por ganharem, mas cansados com a monotonia".

Caramba! Que alegria deve ser, a julgar pela imagem junta! Porque será que, embora assumido "leão", não me apetece comemorar (muito)?

O norte e a diplomacia

Era a minha primeira viagem a Portugal, como embaixador em França. Estava na sala de executiva de Orly e, a certo ponto, perguntei à simpática senhora da TAP se não era já hora do meu voo. Sossegou-me, dizendo que ainda tinha muito tempo. Minutos depois, com um vago pressentimento, levantei-me e fui ver o quadro eletrónico na parede: o voo já estava em "dernier appel". Agarrei as minhas coisas e, de forma apressada, encaminhei-me para a porta. A senhora da TAP interrompeu-me:

- Mas olhe que ainda tem muito tempo! Ainda não chamaram para o embarque.

- Essa agora! Está ali bem claro, no voo para o Porto, que já é a última chamada.

- Ah! mas vai para o Porto!? É que o embaixadores portugueses vão sempre para Lisboa...

A senhora ficou a saber que a regra tinha algumas exceções: também há embaixadores do norte.

sexta-feira, março 23, 2012

Clubites

O Futebol Clube do Porto apresentou uma queixa contra uma professora que, nas suas aulas, divulgou uma corruptela do "Atirei c'o pau ao gato", a qual acaba dizendo: "“vai-te embora pulga maldita/batata frita/viva o Benfica". Azul de indignação, o pai de uma criança "violentada" por esta terrível distorsão educativa, terá mobilizado a atenção da agremiação nortenha para o que se considerou serem os novos "fascistas do gosto". Para o clube, em severa declaração pública, "mais grave é que a adulteração da letra é prática diária e repetida três vezes ao dia, não só no jardim-infância da Ericeira, mas também em todas as escolas do pré-escolar do agrupamento e noutras de Lisboa e Cascais".

Sendo este blogue - por insuperável e endémico "lagartismo" - totalmente insuspeito da mais leve simpatia por ambas as partes envolvidas neste decisivo conflito - desde os "lampiões" do Colombo aos "andrades" do Pérola Negra -, apetece deixar aqui uma imensa gargalhada informática face a estes sintomas de ridícula clubite, só possíveis num país que ainda se permite levar a sério uns maduros que, com ar grave e espaço mediático, transformam um divertido espetáculo, em que uma maioria de estrangeiros dá uns pontapés e umas cabeçadas numa bola, vestidos com camisolas atulhadas de publicidade e com "patrióticos" emblemas que a maioria dos "artistas" só traz no coração porque andam junto ao peito, num severo "casus belli" educativo. Só espero que ninguém, dos lados de Alvalade, venha a lembrar-se de subscrever este protesto contra o "outro lado da segunda circular".

Serei eu que estou a ver mal as coisas ou anda tudo doido? 

quinta-feira, março 22, 2012

Argélia

É muito interessante acompanhar o modo como a França de hoje, 50 anos depois da independência da Argélia, reflete sobre esse passado relativamente recente, feito de uma guerra sangrenta e de grandes sacrifícios humanos, de parte a parte.

A guerra da Argélia mudou a França e colocou-a, a partir de então, sob uma herança histórica muito particular. Pode dizer-se que, durante muitos anos, houve por aqui como que um esforço, nunca abertamente assumido, de afastar o país desse tempo, talvez numa consciência subliminar de que a sua evocação arriscaria acordar velhos fantasmas. Curiosamente, terá sido o agravamento das tensões político-religiosas dentro da própria Argélia, a partir dos anos 90, que provocou, na França, o início de um surto de reflexão sobre aquela que foi a mais traumática das independências dos territórios sob sua administração. Dezenas de livros e muitos filmes passaram a trazer a um melhor conhecimento pelas novas gerações desse período convulso. Ouvindo testemunhos do período de confrontação, de ambos os lados do Mediterrâneo, fica uma clara sensação de que ainda há feridas bem abertas que, quem sabe?, talvez só possam ter a ganhar com este exorcismo de memória. É que a vida também prova que meter o passado sob o tapete só aumenta o risco de, um dia, nele tropeçarmos.

quarta-feira, março 21, 2012

Sondagens

Amigos e conhecidos (alguns bem conhecidos...) interrogam-me, algo perplexos, sobre o caráter algo errático das sondagens em torno das eleições presidenciais francesas. Umas contrariam as outras e as suas linhas tendenciais não são claras. Além disso, se tivermos em conta as margens técnicas de erro, então as coisas ficam ainda mais confusas.

Para quem quiser acompanhar, com algum rigor, essa estranha dança das sondagens, aqui deixo um precioso "link".

Crise académica de 1962


Comemoram-se, por estes dias, os 50 anos do movimento de agitação universitária que ficou conhecido, entre nós, pela “crise académica de 1962”. No ano anterior, a ditadura tinha passado pelo seu “annus horribilis”, desde o início da guerra em Angola até à perda da soberania sobre a possessões na costa da Índia, passando por diversos outros episódios que abalaram o regime, como o “golpe de Beja” ou o assalto ao paquete Santa Maria. No meio de tudo isto, Salazar conseguiu sobreviver ao “golpe Botelho Moniz”, uma tentativa de “pronunciamento” palaciano, cujo fracasso pode ter sido responsável pelos 13 anos de guerra colonial que se seguiram - uma triste aventura nacional contra a História.

Em Lisboa, nesse início de 1962, o mundo universitário iniciou um ciclo de inquietação que, com surtos irregulares, nunca mais iria parar, até ao 25 de Abril. Era essa a juventude que o regime ia utilizar como tropa de choque nas guerras coloniais, inicialmente em Angola (1961), depois em Moçambique e na Guiné (1964). Atravessada pelos ventos de liberdade que haviam soprado forte aquando da candidatura de Humberto Delgado (1958), com o “putchismo” militar a espreitar nas Revoltas da Sé (1959) e de Beja (fim de 1961), a “crise" de 1962 demonstrou também que o episódio Botelho Moniz não havia esgotado as tensões dentro do próprio regime: a demissão de Marcelo Caetano, de reitor da universidade de Lisboa, em solidariedade com os estudantes, fazia transparecer algum mal-estar e revelava que alguns preparavam já o pós-salazarismo.

A crise académica de 1962 é já vivida num interessante compósito ideológico que, a partir daí, vai passar a marcar o mundo associativo universitário. Do cultivo dos valores do republicanismo tradicional, que até então estivera sempre no eixo de toda a luta oposicionista, os novos tempos mostravam a prevalência de uma agenda cada vez mais socializante, com uma forte e tendencialmente hegemónica presença do PCP, mesclada com um catolicismo radical emergente e até alguma sedução pelo modelo castrista (bem presente na LUAR). Só a partir de 1962, com a cisão marxista-leninista protagonizada por Francisco Martins Rodrigues, é que os grupos maoístas viriam a imiscuir-se nessa luta.

Basta olhar para as lideranças académicas de 1962 para podermos entender o que aí vinha. Ao lado de Jorge Sampaio, de uma esquerda marxista não-alinhada, apareciam nomes como Vítor Wengorovius, ligado à nova “inquietação” católica (nascida, organizativamente, depois da “carta do Bispo do Porto” e do "documento dos 101”), Eurico Figueiredo, importante quadro do PCP, ou José Medeiros Ferreira, que seria candidato da "oposição democrática" às "eleições" legislativas de 1965, em cujo perfil político se projetava já o socialismo democrático, que haveria de dar origem ao PS, mais de uma década mais tarde. Com exceção dos maoístas, pode dizer-se que na crise de 1962 estão presentes as linhas fundamentais da movimentação política oposicionista dos anos seguintes, que iriam ter expressão organizada (e dividida) nas "eleições" legislativas de 1969 e, de uma forma singularmente bastante unitária, no exercício idêntico em 1973.

A crise académica de 1962 não se ter ficou por Lisboa, alastrando também às comunidades académicas de Coimbra e do Porto, onde, a partir de então, nas associações ou nas "pró-associações", as movimentações políticas entraram num crescendo. Todo o mundo universitário português, a partir desse ano charneira de 1962, se tornou num palco fundamental para a luta política contra o regime.  

terça-feira, março 20, 2012

Arbitragens

Não faço parte de quantos acham que há por aí uma permanente conspiração no mundo da arbitragem. Nem de quantos, por regra, consideram que as derrotas (ou as vitórias) se devem essencialmente aos árbitros.

Mas há uma coisa que nunca entendi: por que razão um jogador, um treinador ou um dirigente não têm o direito, no final de um jogo, de considerar que a arbitragem foi péssima ou que o árbitro e os seus auxiliares foram, pura e simplesmente, incompetentes ou profissionalmente incapazes? Percebo que, sem provas, não devam acusá-los de desonestos ou corruptos, mas nunca entendi por que diabo um ator do jogo não pode manifestar, abertamente, a sua livre opinião sobre o trabalho desenvolvido por uma equipa de arbitagem, sem ser, de imediato, alvo dessa coisa patusca a que chamam "justiça desportiva".

De tudo isto resulta a sensação de que o futebol é uma espécie de um Estado dentro do Estado... a que isto chegou.

segunda-feira, março 19, 2012

Paris, março de 1973

Naquele mês de março de 1973, vim a Paris, por cerca de uma quinzena de dias, para "ver" as eleições legislativas desse ano. Eu entrava no serviço militar obrigatório no final desse mês, por um período de tempo que poderia vir a ser superior a três anos, pelo que havia decidido oferecer a mim mesmo umas curtas "férias políticas", tiradas no banco onde então trabalhava.

Paris fervilhava. A "rive gauche" aparecia, a essa nossa geração lusitana de então, como o centro de um mundo do futuro, do qual a ida para a "tropa" nos iria afastar, por muito tempo. O dinheiro disponível era escasso, os livros eram a nossa principal perdição, com a "Joie de Lire", a que sempre chamávamos "a Maspero", a surgir como a principal "meca", embora, para um familiar maoísta que me acompanhava, o destino de eleição fosse então a livraria Fenix, no boulevard Sebastopol (que hoje ainda existe, contrariamente à primeira). Para além dos comícios políticos, na "Mutualité" e em certos teatros de bairro, ia-se obsessivamente (e quase por "obrigação" cultural) a algum cinema que não passava em Portugal, frequentava-se espetáculos musicais ou teatrais gratuitos, comprava-se o "Le Monde" como uma espécie de ritual vespertino, ia-se pelas universidades onde tínhamos amigos como estudantes. Verdade seja que, para além da muita conversa e do flanar, pouco mais se fazia, mas, por algum mistério, os dias estavam sempre bem cheios.  

Na Cité Universitaire, por onde dormi uns dias na "Maison de Norvège", graças ao Joaquim Pais de Brito, cruzavamo-nos com cambodjanos entrapados, por aí recém-envolvidos numa trágica confrontação, fruto da deslocalização da sua guerra civil, com mortos e feridos em Paris.

Uma tarde, na universidade de Vincennes, fui ouvir uma aula de Nicos Poulantzas. O seu "Fascismo e ditadura" era então uma "bíblia" laica, muito em voga entre nós. A certa altura, e para minha grande admiração, vejo-o interpelado por uma figura de bigode farfalhudo, que lembrava o "pai dos povos": "Cher Nicos, je suis tout à fait en désaccord avec toi...". Alguém me esclareceu: o interpelante era português e chamava-se Silva Marques. Não o conhecia, mas logo me recordei da famosa "carta aberta" que, anos antes, Silva Marques enviara aos militantes do PCP, demitindo-se, com fragor ideológico, do lugar de principal responsável do partido na margem sul. (Mais tarde, vim a reencontrá-lo como deputado do PSD, nos anos 90). Nessa mesma tarde de Vincennes, depois da aula, fui-lhe apresentado. Na conversa, perguntei-lhe por um amigo, que presumia comum e que sabia estar por Paris. Grave, retorquiu-me: "Você é da PIDE?". Fiquei supreendido com a reação. E indignado. E disse-lho, logo apoiado por quem mo apresentara. Silva Marques, didático, explicou: "Só os provocadores é que costumam perguntar assim por alguém que está na clandestinidade". Fiquei a saber. Mas imaginava lá eu que o meu amigo andava clandestino...

Num outro dia, também em Vincennes, o José Carlos Serras Gago, com quem muito andávamos nesses dias de Paris, começou a afastar-se de nós num corredor, dizendo que ia a ver uma outra aula: "de quem?", já que aquilo parecia uma parada de vedetas da cultura. "Bachelard", foi a resposta. E lá desapareceu, numa esquina. Uáu! O Bachelard! O homem da epistemologia, de quem eu tinha folheado alguns textos, nesse tempo em que julgávamos poder "ir a todas". Mas logo me surgiu a dúvida: o Bachelard ainda seria vivo? Não havia ainda o Google à mão para tirar teimas mas, tinha quase a certeza!, o Bachelard, com a sua patriarcal barba branca, já deixara este mundo há uns anos. O Serras Gago levara-nos, "à certa". Horas depois, à saída, confrontei-o: "Com que então, o Bachelard!? Foste à campa?". O José Carlos, sereno, esclareceu que ele nunca tinha dito que era "o" Bachelard. Ele fora à aula de filosofia de Suzanne Bachelard, filha do filósofo e, também ela, filósofa (morreu em 2007). E, comigo mais calado, partimos, de metro, de volta à Cité universitaire, onde o Zé Carlos pousava na "Maison du Danemark".

Sem surpresas, a política continuava a andar à nossa volta, muito para além da campanha eleitoral. Através do João Fatela e do António Gomes, por indicação do António Massano, fomos uma noite a um apartamento a Colombes, conhecer outros "amigos de amigos". À volta de umas garrafas de vinho, falámos por algumas horas do Portugal distante de que se haviam exilado e de que sentiam evidentes saudades. O tempo dessas pessoas era contado: não havia noitadas, porque começavam a trabalhar de madrugada. Sem que isso desse origem a perguntas, recordo que havia lá por casa pilhas de documentos da LUAR (Liga de União e de Ação Revolucionária), que então tinha Palma Inácio, preso em Portugal, como figura cimeira. Onde estará hoje toda essa gente dessa noite de Colombes? 

Foi também assim esse meu mês de Março, em Paris, em 1973. Há 39 anos, quase dia por dia.

Ramos Horta

O presidente de Timor-Leste, José Ramos Horta, que se candidatava a um novo mandato, foi ontem eliminado, pelo voto popular, da segunda volta das eleições.

Conheci Ramos Horta em 1992, em Londres, apresentado (por quem havia de ser?) por Ana Gomes, desde sempre a "alma" da mobilização diplomática portuguesa em favor da autodeterminação timorense. José Ramos Horta era então o infatigável promotor internacional da causa timorense, tecendo uma importante rede de contactos - junto de diplomatas, de políticos, da imprensa e das ONG's - que foi essencial para manter acesa a chama da luta contra a Indonésia. Jovem ministro dos Negócios Estrangeiros do governo auto-proclamado pela Fretilin, em 1975, exilou-se desde então, voltando a assumir esse cargo no novo governo criado em 2002, sendo, tempos mais parte, nomeado primeiro-ministro e, depois, eleito presidente da nova República.

aqui contei como, em 1999, com o bispo Ximenes Belo e com José Ramos-Horta, conseguimos ajudar à condenação da Indonésia na Comissão dos Direitos Humanos, em Genebra, depois dos trágicos acontecimentos posteriores ao referendo em Timor-Leste e já depois do comité Nobel lhe ter atribuído, em Oslo, o prémio Nobel da paz. E também como, meses depois, fui testemunha, em Nova Iorque, do trabalho diplomático de Jorge Sampaio e de Ramos Horta, com vista a consolidar a mudança de atitude da administração Clinton face ao processo timorense, num almoço com Richard Holbrooke.

Tempos mais tarde, quando representei Portugal nas Nações Unidas, tive ocasião de, por várias vezes, conversar longamente, também em Nova Iorque, com José Ramos Horta, e com ele articular, em estreita ligação com Sérgio Vieira de Melo, algumas iniciativas no âmbito da ONU, em especial com vista a manter a atenção da comunidade internacional para a necessidade de preservar a sua presença militar, num Timor-Leste ainda tocado por sérias ameaças à sua segurança. Voltei depois a encontrá-lo em Brasília, em 2008, num simpático almoço, a convite do presidente Lula, já na sua qualidade de presidente timorense.

José Ramos Horta é uma personalidade cuja ação não deixou de ser objeto de alguma controvérsia. Ao longo do complexo processo de luta internacional pela libertação de Timor, nem sempre as  posições portuguesas coincidiram, em absoluto, com as suas, não obstante o objetivo final da nossa comum atividade ter permanecido precisamente o mesmo. Parte dos seus amigos ficou também muito desapontada com o apoio público que, em 2003, concedeu à invasão angolo-americana do Iraque.

Mas, tudo somado, quero dizer que sempre mantive uma grande admiração pela figura de José Ramos Horta, pelo seu perfil de patriota e pela coerência global que, ao longo de décadas, sempre demonstrou, na perseverança numa luta justa em que, desde muito cedo, se empenhou. A independência de Timor deve-lhe imenso e a diplomacia portuguesa é disso uma das melhores testemunhas. A sua serena saída de cena, no auge deste novo processo eleitoral, expressa a maturidade do processo democrático pelo qual Ramos Horta sempre lutou.

Aqui deixo um abraço amigo a José Ramos Horta.  

domingo, março 18, 2012

Britannica

Durante muitos anos, tive como sonho ser possuidor da famosa Encyclopaedia Britannica. Realizei o sonho na Noruega, onde adquiri, numa intocada "segunda mão", aqueles belos volumes em papel bíblia. 

Ano após ano, complementava-os com a aquisição das atualizacoes anuais, uns fantásticos repositórios dos novos textos e do ano anterior, escritos com rigor e sobriedade, como os anglo-saxónicos fazem as coisas, quando as querem fazer bem. 

Nos últimos tempos, para além dos problemas de espaço e de alguma desatenção, já havia deixado de comprar esses deliciosos "yearbooks". Mas a Britannica por lá anda, pelas minhas estantes lisboetas.

Leio agora que a Encyclopaedia Britannica vai deixar de se publicar em papel, passando apenas a existir nestas virtuais ondas da net. Não sei se gosto...

sábado, março 17, 2012

Interpretação


Foi numa cidade onde funcionava uma agência das Nações Unidas. Nela se iniciava uma reunião internacional, que demoraria algumas semanas. 

A delegação portuguesa tinha vários membros, diplomatas e técnicos, idos de Lisboa, competindo a cada um de nós assegurar a representação nos trabalhos dos diversos comités especializados. Haveria debates e teríamos de neles intervir.

Na tarde do primeiro dia de trabalhos, porque as nossas tarefas se iniciavam mais tarde, eu e outro membro da delegação havíamos decidido passar por um determinado comité, onde um colega nosso, tido como um "barra" na temática em causa, ia iniciar a sua participação. Sentámo-nos atrás dele. A reunião iniciava-se e vimo-lo debruçado sobre o pequeno aparelho que permite escolher a língua em que se pretende ouvir as intervenções dos outros delegados. Nem sempre os aparelhos de interpretação funcionam bem, pelo que não estranhámos o esforço de sintonização que ele fazia. Mas as coisas não deviam estar a correr bem, porque, a certo ponto, se voltou para trás e, vendo-nos confortáveis, a seguir o debate com os nossos auriculares, perguntou: "Qual é o número para se ouvir em português?".

O português não é, pelo menos por ora, língua oficial das Nações Unidas e suas agências. Porque os nossos conhecimentos de árabe, chinês e russo são, em geral, fracos, todos optamos pelo inglês ou pelo francês, tendo o espanhol como alternativa pouco comum. Em poucas palavras, esclarecemos disso o nosso colega. Que logo nos disse, um pouco perturbado: "Não posso continuar aqui. Não vou chefiar a delegação neste comité. Eu não falo nem entendo línguas estrangeiras. Ninguém me disse, em Lisboa, que não se podia intervir e ouvir os debates em português".

A confissão do homem era tocante. Era oriundo de uma profissão técnica e tinha vivido grande parte da vida em África, tendo sido dos quadros do antigo Ministério do Ultramar. Geracionalmente, teria, pelo menos, obrigação de falar francês. Mas, pelos vistos, nem isso. Tinha ido ao engano...

Ao final da tarde, o problema foi colocado, de forma discreta, ao chefe da delegação portuguesa, um embaixador sereno e bem humorado. Sem dramas, logo se fez um rearranjo das delegações e esse técnico ficou a trabalhar com um de nós, que passou a assumir a titularidade do comité.

Durante a conversa em que se procedeu às mudanças, o técnico, funcionário honesto e responsável, ainda retorquiu para o chefe da missão: "Mas não seria melhor eu regressar a Lisboa? É que, de qualquer forma, vou ter dificuldade em acompanhar os debates...".

Foi então que o chefe da delegação, um coimbrão, lhe retorquiu, com um sorriso: "Você não é alentejano? Ora um alentejano, lá no fundo, é já um bocado espanhol, lá com essa coisa de Barrancos que vocês têm... Siga a reunião em espanhol, homem!".

Não me pareceu que o técnico tivesse gostado da graça, mas a fragilidade da sua posição não lhe permitiu uma réplica. E tudo se passou bem, nas semanas seguintes.

sexta-feira, março 16, 2012

Marcas

A singular iniciativa do município de Santa Comba de lançar a "marca Salazar" constitui a prova provada de que estes nossos dias de sobrevida em tempos de "troika", para além de refletirem um estado objetivo de pobreza material do país, revelam a existência de um imenso défice de pobreza de espírito, para a qual nenhum empréstimo de ética ou vergonha está por aí disponível.

quinta-feira, março 15, 2012

Pois...


Cônsul

Um cidadão português residente no Brasil, empresário sem anterior passado criminal conhecido, foi indigitado para cônsul honorário de Portugal, numa determinada cidade brasileira. Essa indigitação foi formalizada num despacho oficial, em Portugal. Porém, tal decisão só teria efeitos se e quando as autoridades brasileiras tivessem dado o seu assentimento (concessão do "exequatur") àquela nomeação, passo a partir do qual o referido cidadão poderia vir a exercer as suas funções. Instruído para apresentar às autoridades brasileiras o pedido de autorização, o embaixador português no Brasil entendeu, por razões que cabiam no âmbito das suas competências e que se comportavam no quadro do processo de conclusão da decisão interna portuguesa, suster a conclusão dessa diligência. Alguns meses depois, o referido cidadão foi detido pela polícia, sob pesadas acusações. Hoje, a imprensa anuncia que, na sequência desse processo, ele foi condenado a mais de 40 anos de prisão. Essa imprensa chama-lhe "ex-cônsul português no Brasil". É falso. Esse senhor nunca foi investido de tais funções. Sei do que falo: fui o embaixador que tomou a decisão de não dar sequência ao processo da sua nomeação.

quarta-feira, março 14, 2012

Memória diplomática

Foi um jantar bem agradável, num restaurante à beira-mar, no Pireu. O embaixador português, a pretexto da minha passagem por Atenas, tivera a simpatia de convidar alguns colegas.

A meu lado ficou um embaixador de um país amigo, mas cujo nome agora me escapa, o qual, durante todo o jantar, me falou imenso das ilhas e das praias, dos armadores milionários que conhecia, dos cruzeiros para que era convidado e outros temas com idêntica intensidade lúdica. Estava em Atenas há mais de dois anos, mas a sua vocação para assuntos mais profundos parecia limitada, a julgar pela escassa sequência que dava às questões políticas que eu lhe colocava - como as "guerras" entre o PASOK e a Nova Democracia, a questão da Macedónia, o problema negocial em Chipre ou a dimensão orçamental do esforço militar grego, fruto das tensões com a Turquia. 

A certa altura do jantar, levantei-me e, ao passar por uma mesa, pareceu-me vislumbrar nela a figura de Konstatinos Mitsotakis, que havia sido primeiro ministro por mais de três anos, depois de ter assumido vários cargos governamentais. Só o conhecia de fotografia, pelo que fiquei na dúvida se era mesmo ele. Regressado à mesa, referi o facto ao tal embaixador que tinha a meu lado, que logo retorquiu:

- Mistotakis? Quem é?

- Não se lembra? Foi primeiro ministro antes de Andreas Papandreou...

- Não tenho ideia... já não é do meu tempo.

Tive a tentação de lhe responder: "Ora essa! Também a Acrópole não é!". Há gente que devia ter escolhido outra profissão...

O futuro da Europa


terça-feira, março 13, 2012

Comentários políticos

Com a campanha eleitoral francesa a passar por novos e interessantes cambiantes, torna-se cada vez mais importante assistir a análises televisivas elaboradas por especialistas independentes, conhecedores dos temas, e não necessariamente vinculados a qualquer partido político. Jornalistas, politólogos, académicos ou técnicos sectoriais dão-nos a sua leitura dos factos, num contraditório enriquecedor e esclarecedor.

No nosso país, salvo exceções, prevalece uma realidade que, a meu ver, passa quase desapercebida: somos dos raros países em que a comunicação social está permanentemente ocupada por figuras do mundo dos eleitos da política, que diariamente nos debitam, com maior ou menor criatividade, as expectáveis posições das formações partidárias de que dependem.

Em todos os países democráticos em que vivi - como a Noruega, o Reino Unido, os Estados Unidos, a Áustria, o Brasil ou a França - nunca vi nenhum colunista de jornal ou comentador regular de televisão que exercesse, simultaneamente, um cargo parlamentar ou de eleito público. Essas figuras podem ser convidados esporádicos de um programa, mas nunca são debatedores regulares nesses espaços.

Aliás, volto também a lembrar que não recordo, dentre as democracias cujo funcionamento conheço, nenhuma onde os jornais televisivos, a propósito de qualquer tema, sejam obrigados a auscultar a opinião de todos - mas todos - os partidos políticos com assento parlamentar.

Percebo que, após o 25 de abril, tenha sido necessário conferir espaços de prestígio às formações partidárias, que a ditadura havia diabolizado. Mas a verdade é que, com o decorrer dos tempos, parece que caímos no outro extremo e vemos a sociedade mediática refém de regulares "tempos de antena" partidários, que se pretendem fazer passar por formas indispensáveis de expressão democrática.

Para quantos defendem o modelo em vigor em Portugal, de uma coisa podem estar seguros: somos uma espécie rara.

O défice dos futebóis

Este ano, ninguém desce da divisão principal do nosso futebol, a qual, no próximo ano, passa a ter 18 clubes. em lugar dos atuais 16.

Esta foi uma decisão há pouco anunciada pela Liga de Clubes, que tem uma nova direção, recém-eleita, quase que aposto que com os votos dos clubes que agora não descem.

É apenas Portugal no seu melhor!

domingo, março 11, 2012

Diplomacia democrática

Exatamente há um ano, num contexto político bem diferente do atual, publiquei neste blogue o post "Diplomacia democrática" que agora vou repetir, porque me parece não ter perdido a menor atualidade:

"É nestes tempos em que o nome de Portugal e da situação político-económica portuguesa anda nas bocas do mundo que será talvez oportuno recordar as obrigações de uma diplomacia democrática.

Tenho para mim que uma das menos edificantes e mais indignas atitudes que um diplomata pode assumir, perante interlocutores estrangeiros, é enveredar pela crítica às autoridades do país que representa. Mas, devo dizer, torna-se igualmente triste ouvi-los criticar, em público, as forças da oposição que, com toda a legitimidade democrática, são adversários dos poderes instituídos.

Ambas as atitudes relevam, pura e simplesmente, de uma grave falta de sentido profissional. O interlocutor estrangeiro respeita o diplomata que, independentemente das suas ideias pessoais, sabe assumir uma atitude equilibrada na análise da situação política interna existente no seu país, que é capaz de expor, com rigor, equilíbrio e equanimidade, os sucessos ou insucessos do Estado que lhe cabe representar, que defende com empenhamento os interesses deste mas não camufla conflitualidades ou dificuldades existentes no seu mundo político interno, que não edulcora, ao absurdo, o que de negativo possa existir na sociedade que lhe cabe representar.

Já me confrontei, no meu percurso profissional, com colegas estrangeiros de todo o tipo. Convivi com os cegos militantes, para quem os respetivos dirigentes são o máximo existente à face da terra, os quais, no seu parecer sectário, são obrigados a sofrer os custos de uma oposição cuja ação quase ilegitimam, apenas porque esta não cai no seu goto pessoal. Conheci os mal-dizentes crónicos, que remoem em público, dia-após-dia, críticas ou ironias, quando as autoridades eleitas não são da sua cor política, acusando-as de todos os malefícios pátrios, suspirando por uma reviravolta que ponha os do "outro lado" no poder. Num registo mais corporativo, dei às vezes de caras com aqueles que acham que a política externa do seu país é apenas um lamentável desastre, que estão condenados a representar "malgré eux", atitude muitas vezes mobilizada por ódios acumulados ou por queixas profissionais.

Assisti a muitas conversas com todo este tipo de gente e - garanto! -  sempre pude observar a pena que a sua atitude provoca nos interlocutores, em especial em colegas de países onde a diplomacia democrática se pratica e se vive, com naturalidade e sentido de Estado. Onde esses colegas procuram exibir, de forma  mais ou menos espalhafatosa, o que pretendem ser uma hiperfranqueza crítica - face a instituições, forças políticas ou figuras do quadro democrático do seu país -, os estrangeiros que os ouvem apenas nisso vêm deslealdade e ausência de um espírito profissional. Às vezes sorriem, mas, por detrás desse sorriso, está sempre um esgar de desprezo.

A diplomacia democrática é o estado supremo do profissionalismo em matéria de representação externa. Vale a pena recordar isto, nos dias que correm."

Pivot

Morreu Bernard Pivot. Tinha 89 anos. Há hoje uma França (e não só) de luto. Não terá chegado a receber a chamada telefónica que mais temia: ...