quinta-feira, abril 16, 2020
De culto
Há dias, passando de carro por um bairro de Campo de Ourique quase deserto, olhei o lugar onde, durante muitos anos, existiu aquele que foi um restaurante “de culto” de Lisboa: o “Stop do Bairro”.
O “Stop” mudou-se, já há uns tempos, para um novo espaço, em Campolide, por onde também já passei e onde, a bem dizer, comi assim-assim.
É, com certeza, defeito meu nunca ter engraçado muito com o “Stop” e com o que ali nos era servido. Não era mau, mas nunca me recordo de nada de muito especial que por lá houvesse alguma vez comido. Mas havia sempre quem fizesse comentários superlativos, que, infelizmente, nunca encontrei razões para subscrever.
Tenho amigos que se mantinham verdadeiros fãs daquele espaço acanhado, onde estávamos todos em cima uns dos outros, em mesas coladas, sem a menor privacidade nas conversas. Era típico por isso, o que, num certo sentido, podia ser considerado simpático.
Pelas paredes do “Stop”, havia camisolas de jogadores de futebol, onde as referências ao Belenenses, clube da predileção do dono, tendiam a ser dominantes. A simpatia de quem servia às mesas era, aliás, a compensação pelo carão que o patrão sempre fazia questão de exibir, no que parecia ser uma apreciada marca da casa.
Se o “distanciamento social”, essa praga anticomunitária que por aí se instalou por via do vírus, acabar por vir a ser a matriz futura dos locais comerciais de convívio coletivo, não sei o que virá a acontecer a tanto espaços esconsos que existem por esse país fora, como era o “Stop do Bairro” (ou o “Baralto”, quem ainda se lembra?).
Esse mundo vai mesmo mudar? O importante é continuar a andar por cá, com o pretexto de assim poder constatar se isso acontecerá ou não. O resto é conversa fiada.
quarta-feira, abril 15, 2020
A carta de Rio
Rui Rui escreveu uma carta aos militantes do PSD. Nela se diz, por exemplo:
“Dada a gravidade da situação - seja na vertente da saúde pública, da economia ou nos aspetos de ordem social que dentro em breve se irão agravar - temos todos de estar unidos e solidários, de molde a que o nosso País consiga enfrentar este combate com o menor número de vítimas e o menor desconforto possível.
Lamentavelmente, na vida política nem sempre essa união contra o inimigo comum acontece, pois, não raras vezes, aparecem os que não resistem à tentação de agravar os ataques aos governos em funções, aproveitando-se partidariamente das fragilidades políticas que a gestão de uma tão complexa realidade sempre acarreta.
Em minha opinião, essa não é, neste momento, uma postura eticamente correta. E não é, acima de tudo, uma posição patriótica. O que as pessoas querem (e bem!) é eliminar o vírus o mais depressa possível, dispensando uma instabilidade política que só dificulta o que já, de si, não é fácil de resolver.”
Parece que muitos não estão a gostar daquilo que um líder que mostra ter sentido de Estado recomenda àqueles a quem falta isso e muito mais.
Extraordinário!
A inveja é uma “qualidade” que não me assiste, como dizia o outro. Até ver isto! A genialidade de quem organizou esta estante devia merecer um prémio!
Rubem Fonseca
Detestava aparecer. Era uma das figuras mais geniais da escrita brasileira. No dia das mentiras de 1964, declarou-se ao lado dos “milicos”. Depois, com a censura por estes imposta, sofreu alguns dissabores. Morreu agora, com 95 anos. Chamava-se Rubem Fonseca.
Talvez Bolsonaro, se acaso soubesse quem ele foi, pudesse, em sua homenagem, enviar Mandrake para o lugar do Supremo por que Moro anseia. Afinal, já quase só falta dar uma oportunidade ao sub-mundo.
Um abraço a dois amigos
José Ferreira Fernandes e Catarina Carvalho demitiram-se de diretores do “Diário de Notícias”, como consequência da decisão da administração da empresa de efetuar alguns cortes drásticos, com efeitos no funcionamento do jornal.
Deixo aqui um abraço solidário a esses dois bons amigos, dois excelentes jornalistas, que tiveram a coragem de “agarrar” o jornal num tempo muito complexo. Logo que possível, Zé e Catarina, voltaremos ao nosso almoço no “Galito”.
O DN vai agora continuar, sob a direção de Leonídio Paulo Ferreira. Só lhe posso desejar muitas felicidades, bem como para o futuro do DN.
Um “nabo” em quarentena
Não tenho “stock” de lâmpadas. E fundiram-se já duas. Haverá por aí lojas de material elétrico abertas? Ou um “take-away” de eletricistas? O rebordo de madeira de uma janela abriu um buraco. Está tudo podre por dentro. Por onde andais, carpinteiros do meu país? Hoje, de manhã (vamos ser honestos, ao fim da manhã, porque os fusos mudaram muito, cá por casa), interroguei-me: e se o comando automático dos estores das portas/janelas para o jardim, que abro da cama (já tenho idade para ter estes luxos, não acham) para ver se está sol ou se faz chuva, se avariam? O “senhor dos estores”, como diria a minha empregada (que já não vejo há um mês e que só espero que esteja bem), estará disponível para cá vir, em caso desse desastre ocorrer? Até temo que falhe a pilha (deve dizer-se bateria?) da balança? Esta, no entanto, seria a única “tragédia” sem drama: não constataria o que tenho engordado, nesta quarentena, sem dieta pascal, como acontece aos ímpios.
Quando vivi na Noruega, tinha um amigo (que será feito de ti, Erik? E da Marta?) que construiu, ele próprio, a sua casa. Construiu? Sim, de cima abaixo, das fundações ao telhado. Uma moradia, que recordo bem confortável. Deve ser uma sensação muito boa, viver na casa que é produto do nosso esforço pessoal. Lembro-me bem de que, quando ele me contava, com o orgulho contido dos nórdicos, os pormenores dessa árdua tarefa, que lhe levou largos meses, muitos fins-de-semana completos, eu me sentia bem “pequeno”. Hoje, quando, apenas por premente necessidade, entro a medo num AKI, quando vejo alguns amigos dedicados, com amesquinhante êxito, às tarefas caseiras de “bricolage”, quando constato que “rebento” com um parafuso (acontece-me muito) porque usei, com a brutalidade dos nabos, uma chave de fendas (na minha terra, dizia-se “desandador”) inadequada, sinto um princípio de vergonha. Mas é só um princípio, porque passa-me logo: cada um é para o que nasce, não é? Se não é, eu faço de conta que é.
A bolsa e a vida
“Governar é escolher, por muito difíceis que sejam as escolhas”, disse Pierre Mendès-France. Lembrei-me da frase do antigo primeiro-ministro francês ao imaginar o que poderá ser, por estes dias, o dilema de quem nos governa, quanto ao tempo e ao modo de retoma da atividade do país, sem que tal ponha em causa a travagem da epidemia que a todos nos traz sob temor.
Uma decisão precipitada, forçada por quantos desesperam por ver a sua vida estiolada e a economia a degradar-se, poderia ter consequências trágicas, como o reacelerar da propagação do vírus, deitando a perder o esforço feito. A clausura cautelar feita doutrina, que seria realmente a única receita infalível para prevenir a disseminação, teria como consequência pôr o país num insustentável “coma induzido”. Conseguir encontrar o ponto de equilíbrio razoável entre ambas as perspetivas, garantindo que o estado da bolsa de cada um não se deteriora a extremos, sem pôr em causa a sua própria vida, é a decisão que hoje se pede a quem dirige o país.
Há muito que uma classe política se não via confrontada com um desafio desta dimensão, porque nunca, na existência coletiva dos portugueses de hoje, tinha ocorrido algo de tão dramático.
Num tempo como este, exigir-se-ia uma extrema racionalidade nas decisões, baseada em pareceres técnicos irrefutáveis. Se a racionalidade é sempre um bem escasso num ambiente emocional, com muitos mortos e vidas em risco, o rigor científico incontestável tem visivelmente escasseado. É assim um pouco por todo o mundo, o que justifica que as políticas seguidas estejam longe de ser uniformes. É que os especialistas em quem se apoiam os decisores políticos vivem, eles próprios, numa navegação à vista, lendo os sinais que retiram de exemplos alheios, aprendendo com as más e as boas práticas, incorrendo, aqui ou ali, em inevitáveis contradições, que a cruel memória da informação se compraz em relembrar.
Esse é o pasto ideal para a chicana política, ansiosa por escapar da “quarentena” de relativo silêncio a que um mínimo artificial de decência a confinou, e que hoje vive à cata de hipotéticas faltas à verdade. É também disso que alimentam os adeptos do “não é por acaso que”, que têm as suas horas de glória nos antros de “bitaitismo” que são as redes sociais.
Não invejo o papel do presidente ou do primeiro-ministro. A ambos deixo outra definição, também de um politico francês, desta vez François Mitterrand: “Governar não é agradar“. É ter a coragem de fazer o que acham certo, digo eu.
terça-feira, abril 14, 2020
Maria de Sousa (1939-2020)
Morreu hoje, vítima do vírus que por aí anda, a cientista Maria de Sousa, uma grande figura da investigação portuguesa, com projeção internacional.
Conheci-a há uns anos, quando ambos fizemos parte do júri do Prémio Universidade de Coimbra. Cruzámo-nos depois algumas vezes mais, guardando dela uma imagem de fina inteligência e um humor delicado.
segunda-feira, abril 13, 2020
Notas da rotina
Desde que me reformei, isto é, desde que passei a ”ex-reformado”, a minha vida profissional deixou de ser “from-nine-to-five”, como até então fora, por décadas.
Os dias da semana passaram a ser sempre atípicos: em alguns, com reuniões de manhã bem cedo, outras vezes da parte da tarde. Numas ocasiões, torna-se essencial usar gravata, mesmo fato completo, às vezes chega um traje mais leve, até jeans. Muitas vezes havia viagens, “lá fora” ou pelo país.
Quando dava aulas em universidades, havia horários a cumprir - uns matutinos, outros ao final da tarde, outros noturnos, alguns até bem tarde. Um dia, cansei-me de dar aulas. Ponto final, de vez. O mesmo aconteceu com um programa que regularmente fazia na RTP. No termo de uma gravação, uma tarde, saiu-me: “Foi o último! Não me apetece fazer isto mais!” E, desde então, não fiz.
Já tentei assumir uma atitude idêntica face outras atividades que me tomam muito tempo e paciência, mas fui dissuadido, com amiga insistência, de ir avante com a minha decisão de parar com elas.
Há ainda, é claro, as palestras, as conferências, as aulas esparsas - mas essas são isso mesmo, esparsas, “quando o rei faz anos”. Isso, às vezes, até pode ter alguma graça, outras vezes implicam um trabalho prévio pesado. Estou a começar a aprender a dizer que não. Até nas idas às televisões, para comentários; só vou quando (julgo que) possa ter alguma coisa a dizer.
As tertúlias, essas, variavam: cheguei a ter uma às nove e meia da manhã, as restantes eram (e voltarão a a ser, ora essa!) à mesa, ao almoço ou ao jantar. Mas, com duas exceções, era tudo aperiódico. Por isso, cada dia meu era diferente do outro. O facto de, de quando em quando, eu almoçar em casa acabava por ser tão raro que se chegava a abrir um vinho, só para celebrar essa raridade. Talvez só a escrita no blogue (e, por tabela, no Facebook e no Twitter) e nos jornais se aproximasse de uma rotina - mas, mesmo essa, sem horas marcadas.
Neste mês que passou, percebi, finalmente, o que podia ser ter uma rotina de vida. É claro que há teleconferências, relatórios a ler, textos a produzir, pareceres a dar. Há ainda telefonemas, que nos caem no meio de tudo (como caíram enquanto escrevia este texto), como se o tempo tivesse parado e eu tivesse de estar “on call”, em permanência.
Mas, no essencial, por estes dias, vivo, cada vez mais, com rotinas simplórias. Até no uso alternado das dependências da casa, no regar do jardim (quando a chuva não faz isso por mim), no pôr comida à passarada (só agora percebi que os melros não deixam comer os pardais, há por ali uma “luta de classes”), na ajuda em algumas tarefas da casa, no (demasiado lento) destruir dos papéis antigos. Ando com uma vida muito mais arrumada. Mais calma? É. Mas, acreditem, estou mais do que “morto” por desarrumá-la!
Os portugueses
Os portugueses gostam muito de falar dos portugueses. Dizia um certo aristocrata, há dois séculos: “Os portugueses hão-de ser sempre os mesmos, até porque não há outros...”
domingo, abril 12, 2020
Esta outra Páscoa
O cabrito não era, como costuma ser, da dona Rosa, ali à beira da Tosta Fina, lá por Vila Real. Desta vez, não houve folar da Seramota, que se ia buscar a Mirandela. As únicas contribuições da região foram uns sólidos contributos líquidos: um extraordinário “Abandonado”, oferta muito antiga do meu amigo, dono e senhor da Quinta da Gaivosa, Domingos Alves de Sousa. E um “shot” de um “late harvest” Grandjó, para ir com o “foie-gras”. A família, desta vez, não esteve à volta da mesa, mas à distância de uma video-conversa. A Páscoa, nestes tempos de confinamento, é em Lisboa, como um homem e uma mulher quiserem. Ou puderem!
E esta?
E a imprensa que traz anúncios de prostituição, como se estivéssemos em tempos de “business as usual”?
PAN ?
Começo a estranhar não ver protestos do PAN, ao ter sido já amplamente anunciado que, nos testes para a descoberta da vacina contra este vírus, estão a ser usadas cobaias. Ou há coerência...
O caminho de Moss
A rua, que depois passa a estrada, chamava-se, e chama-se, Mosseveien. Significa, literalmente, “caminho de Moss”, sendo que Moss é uma localidade a sul de Oslo.
Estávamos na Noruega, em 1981. Eu conduzia o meu carro. Comigo ia o vila-realense Álvaro Magalhães dos Santos, que desde há muito tinha migrado para Lisboa, ali de visita. Quando lhe disse que estávamos no “caminho de Moss”, esse meu amigo reagiu: “Quem não deve gostar desta estrada é o Behra!”. As nossas “respetivas” ficaram a olhar para nós, sem perceber. Nós sorrimos, crípticos.
Em 1958, Stirling Moss venceu o circuito internacional de Vila Real. Jean Berha ficou no segundo lugar no pódio.
Moss era uma estrela da Fórmula Um, sendo que a história da competição automóvel o consagrou como o grande campeão que nunca conseguiu ter um título mundial. Behra, comparado com ele, como “corredor de automóveis”, estava a grande distância.
As “corridas” de Vila Real, por esse tempo, trazendo à cidade algumas figuras relevantes do automobilismo mundial, não contavam para qualquer prova. Eram apenas exibições, embora magníficas.
Só muitos anos mais tarde vim a saber que esse resultado, em 1958, tinha sido combinado, que a vitória de Moss sobre Behra já estava decidida à partida. Senti-me frustrado. Não sei se cheguei a comentar isso com o Álvaro, que já se foi há muito.
Repito aqui a fotografia, a cores!, de Moss e Behra, em Vila Real. Moss à frente, Behra já atrás, como combinado.
Stirling Moss morreu hoje, aos 90 anos. Behra morreu, num acidente numa prova, em 1959, no ano seguinte à sua presença em Vila Real.
sábado, abril 11, 2020
Regiões?
Em escassas semanas, certos comportamentos que por aí se têm visto contribuiram para me convencer, julgo que em definitivo, de que alguma simpatia que eu tinha vindo a criar face à ideia da regionalização era uma atitude errada.
Votos de saúde
Percebo o desespero de alguns autarcas, pela situação que se vive nos seus concelhos. Mas passa a ideia de tentarem cavalgar a crise com fins políticos, ao entrarem numa “guerra” com o Ministério da Saúde, que só contribui para a instabilidade psicológica dos seus cidadãos.
Proteção de dados
Parece estar a ser aceite acriticamente, neste ambiente de crise, à escala global, o rastreamento individual e a coleta informações pessoais. Não deveria estar já a haver uma atenção paralela sobre a questão da proteção de dados? Não podemos esquecer a “saúde” da democracia.
Viva a República!
Havia de ser o bom e o bonito se alguém se lembrasse de colocar no Rossio uma fotografia com uma frase de confiança do chefe do Estado português!
Distância
Já se percebeu que, este ano, a Volta a Portugal em bicicleta só vai ter contra-relógios, para assegurar a manutenção da distância social.
Reforçar a cooperação? Com quem?
(Dedicado ao Tiago Moreira de Sá)
Por ocasião das negociações dos tratados de Amesterdão e de Nice, regressou ao debate europeu a questão das chamadas “cooperações reforçadas”, também chamada de “integração diferenciada” ou de “Europa a várias velocidades”. O tema já andava nas conversas há vários anos. Alguns lembrar-se-ão também da tese dos “círculos concêntricos”. Por que surgiu e, depois, ressurgiu?
Na lógica comunitária original, todos os países deviam avançar ao mesmo tempo, com a Comissão Europeia no centro, como impulsionadora das políticas comuns e das propostas para o seu aprofundamento, que teriam de passar depois pelo Conselho (isto é, pelos governos nacionais) para aprovação.
A Europa original, dos “seis”, tinha, além de um corpo modesto e pouco ambicioso de políticas, uma relativa homogeneidade em termos de desenvolvimento. Em todos os membros desse “clube de ricos” (comparado com o resto do continente) havia regiões mais pobres, para cuja tentativa de “ratrappage” da média de desenvolvimento das restantes regiões foi criada a “política regional”, no fundo, medidas de discriminação positiva para as favorecer, através da alocação de fundos. E, claro, havia também a “Política agrícola comum”, a famosa PAC, que levava quase metade do orçamento comunitário, mas que era considerada “identitária” pelos que “mandavam” nas Comunidades Europeias (leia-se, Alemanha e França).
Os alargamentos significaram a entrada no “clube” de sócios com diferentes ideossincrasias. O Reino Unido, que tinha decidido inicialmente permanecer fora do projeto, para proteger a sua identidade e autonomia decisória, percebeu, durante o período áureo das “trente glorieuses” (“années”, os trinta anos iniciais de grande sucesso do projeto), que, por razões estritamente económicas, não podia ficar de fora. A França, o mais vitorioso de todos os derrotados na Segunda Guerra, que percebia que tinha a “inferioridade” alemã nas suas mãos, resistiu quanto pôde a que Londres aderisse. Mas o mercado britânico, importante para os alemães, acabou por se impor.
Viria a entrar também a Dinamarca, embora sempre muito desconfiada do imenso vizinho germânico do Sul. Depois, pela sua imbricação inescapável com o Reino Unido, a Irlanda integrou o grupo. Trazia consigo a primeira exceção: era o único não-membro da Nato. O fim da ditadura na Grécia dos coronéis levou a que um segundo país pobre (depois da Irlanda) entrasse no ”clube dos ricos”. O preço era, contudo, barato: a densidade das políticas, por esse tempo, era muito limitada, pelo que os custos desses alargamentos eram marginais.
O fim das ditaduras ibéricas levou a um novo esforço. Tal como no caso grego, havia que apoiar essas duas novas democracias, reforçar a sua estabilidade, o que era também um interesse geral da paz europeia. Mas eram, igualmente, novos mercados não despiciendos para os produtos da Europa desenvolvida - 50 milhões de habitantes. Portugal, pela primeira vez, ficava num corpo de alianças comum com a Espanha, mas poucos por cá notaram isso.
Caiu, entretanto, o muro de Berlim. E alguns Estados neutrais que, nunca tendo estado sob a tutela de Moscovo (alguma doutrina divide-se quanto ao caso da Finlândia), pediram a adesão, para ficarem sob o chapéu tutelar da Europa das liberdades e da economia de um mercado que, centrado em Bruxelas, parecia caminhar para vir a ser uma grande potência autónoma, quiçá mesmo política, no termo da Guerra Fria. Não eram membros da Nato, para a qual a Espanha fora já cooptada? Isso contava menos, num tempo em que se pensava que a Rússia ia ser “outra”, pelo que não impedia que, com a Irlanda, viessem a dar força a uma ala “neutralista” dentro daquilo a que se passou a chamar-se, entretanto, União Europeia. Aliás, vendo bem as coisas, funcionavam já numa espécie de “neutralidade colaborante” para utilizar a designação hipócrita cunhada pelo oportunismo de Salazar, durante o conflito de 1939/1945.
Por essa altura, e regresso à questão inicial, começou a constatar-se que alguns parceiros pareciam não estariam disponíveis para avançarem à velocidade dos outros. O corpo de políticas comunitárias ia-se aprofundando e aquilo que passou a decidir-se em Bruxelas era cada vez mais relevante. E um órgão proto-parlamentar, inicialmente meramente retórico, como era o Parlamento Europeu, passou a reclamar poderes e a decidir, cada vez mais, com base na representatividade demográfica dos Estados. Ora isso afetava o equilíbrio original dentro do “diretório”, que tinha voto igual no Conselho e o direito a indicar dois comissários europeus, ao contrário dos restantes Estados. A “décrochage” entre as potências que, na Europa, fazem o papel de grandes desagradava a Londres, mas também a Paris.
O Reino Unido, claro, mostrou-se logo à frente de todos os relutantes. Embora fosse um dos vencedores da Guerra Fria, como potência subsidiária do “amigo americano”, a ideia de uma “Europa-potência”, que, com razão, pressentia ir ser tutelada pelo “eixo franco-alemão”, que o Tratado de Maastricht prenunciava, não lhe agradava, tanto mais que o via como desafiador desse poder que era a sua “special relationship” com o outro lado do Atlântico. A sua vontade de promover, com rapidez, um imenso alargamento aos Estados saídos da anterior tutela soviética demonstrava bem o que desejava que a futura Europa viesse a ser. E os seus “opt-out”, garantidos em Maastricht, tidos como vitórias da soberania de Westminster sobre a tendência centralista da rue de la Loi, lá por Bruxelas, faziam pressentir a sua resistência ao aprofundamento do projeto. A sua auto-exclusão do chamado “protocolo social” havia, aliás, representado a sua verdadeira primeira “fuga” ao “template” comum. O Brexit, anos mais tarde, representaria o “opt out” final.
Já antes disso, também o acordo de Schengen, que (recordo) não era comunitário, causara engulhos a Londres. Se o Mercado Interno, que o Ato Único Europeu consagrara, era do seu pleno interesse, a “quarta liberdade”, que era a livre circulação de pessoas (depois das mercadorias, dos capitais e dos serviços - terrenos onde só tinha a ganhar), contrariava o seu perfil orgulhoso e controlador de ilha soberana. Relutantemente, porque a geografia é o que é, a Irlanda teve então de ir pelo mesmo caminho. Outros países ficaram também de fora, menos por vontade própria e mais pelo facto dos outros não confiarem na sua capacidade de controlarem a porosidade das suas fronteiras. Foi o caso da Itália e da Grécia - e sei do que falo, porque presidi a longas reuniões em que foi fixado o “road map” que viria a permitir a sua posterior entrada.
E, depois, claro, temos o caso do euro. Alguns países entenderam que a adesão a uma moeda única europeia feria uma sua marca de soberania tida por essencial. Reino Unido, Dinamarca e Suécia, dentro da Europa “a quinze”, decidiram não fazer parte do projeto. Outros, dos futuros alargamentos, pensaram de forma diferente e juntaram-se à moeda comum.
Na realidade, por muito que se fale hoje de ”cooperações reforçadas”, e tendo embora havido casos posteriores de agregação de países em torno de certas políticas, a realidade é que Schengen e o euro ainda são, na prática, aquelas que realmente contam. Teremos, de futuro, outros modelos na defesa, mas os seus contornos efetivos estão ainda por definir. Os mecanismos das “cooperações reforçadas” que os tratados de Nice e de Lisboa prevêm distinguem-se, aliás, destes modelos, que o linguarejar europeu crismou como “cooperações reforçadas pré-determinadas”. Sempre fui de opinião de que as “cooperações reforçadas” funcionavam mais como uma espécie de “ameaça” para forçar alguns a seguirem o caminho dos outros, acenando com os riscos decorrentes da sua não inclusão.
Vale a pena lembrar que Portugal esteve, desde o primeiro momento, em todos os modelos de integração diferenciada. Foi sempre, da nossa parte, uma decisão essencialmente política. Sendo um país geográfica e economicamente periférico, um juízo de razoabilidade levou diferentes executivos portugueses a considerarem que “falhar” a essa “chamada”, logo no momento inicial, seria um erro histórico, porque poderia configurar oportunidades perdidas. Ficar fora do “comboio” da integração plena, para um país muito frágil, em todos os domínios, como Portugal sempre foi e continua a ser, poderia ser um “suicídio” irresponsável. Não tenho hoje a menor dúvida de que estivemos certos ao tomar essas decisões.
A Europa vive hoje sob pulsões de desagregação, quiçá sob tentações de agregação “separatista”, de raiz voluntarista, motivadas por um ambiente raro de crise e acrimónia. Não tenhamos ilusões: por muito que proclamemos o nosso europeísmo “à outrance”, por muito “beneluxenses” que nos queiramos mostrar, o original valerá sempre mais do que a cópia... Mas quem é que mede isso, perguntarão alguns, de “peito feito”? A Alemanha. Berlim é o proprietário da “árvore genealógica” da família europeia. E a França? A França é dona dos castelos de uma aristocracia arruinada e tomara Macron conseguir controlar os seus “gilets”, que têm a cor do sorriso com que hoje enfrenta Angela Merkel nos Conselhos Europeus.
Façamos todo o “barulho” que entendamos dever fazer, coloquemos todas as nossas cartas de responsabilidade sobre a mesa, mas, neste tempo sem futebol, lembremo-nos sempre da frase histórica de Gary Liniker: “O futebol é um jogo de 11 contra 11 em que, no final, ganha sempre a Alemanha”. E é ela que, nas últimas décadas, escolhe os jogadores, nunca o esqueçamos também!
Essa é que é essa!
A brincar, a brincar, a verdade é que o Sporting já não sofre um golo há um ror de semanas.
Essa é que é essa, embrulhem!
Felizes são os donos da verdade!
Há quem tenha tido a sorte de, um dia, ter descoberto a verdade. Matutou muito e concluiu, depois dessa longa reflexão, que o mundo é assim: os maus estão de um lado e os bons estão do outro. E sabe, de ciência certa, quem são uns e quem são outros, tudo já sem a menor sombra de dúvida. Deve ser bem confortável viver assim.
Há muitos anos, recordo-me de que havia na “Seara Nova”, já no pós-25 de abril, uma figura que, todos os meses, como arauto desse maniqueísmo limite, teclava uns exercícios de estilo em que explorava o género, numa linguagem muito adjetivada. O nome desse escriba não vem aqui ao caso. Havia lutado contra a ditadura, mas o saldo de Abril não era bem aquilo que ele tinha desejado, e, por ter tido entretanto a “revelação” da tal verdade, sentia-se autorizado, do alto do seu mal-estar, a zurzir meio mundo. Elegera, em particular, alguns inimigos de estimação. Porque isso lhe seria incómodo, à luz de algumas cumplicidades passadas, não lhes referia o nome, andava por ali à volta, tudo “à bon entendeur”.
Esses detentores da verdade voltam a cirandar por aí, imagina-se que com o mau génio agora potenciado pelo confinamento. São invariavelmente ácidos, sempre irados, detetando conspirações, na eterna lógica do confortável “não é por acaso que”. Aliam-se ao diabo, se necessário for, para defenderem a sua dama. Sendo os donos da verdade, não deveriam andar felizes? Mas, pelos vistos, não andam. Que se há-de fazer?
sexta-feira, abril 10, 2020
Europa
Apontas para o rosto sarcástico do sol de Inverno
E disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, só sabes disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.
Não é contra o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
Nem sequer contra o insólito, contra o desespero.
Tu disparas contra a luz.
Podes atirar-nos tudo à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de contas.
Podes até atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.
Há tantos meses que não chove – reparaste?
A terra está seca. Nem abraçados à terra conseguimos dormir.
Enquanto te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro.
Os teus filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vás adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me o futuro e o dos meus irmãos.
Se estamos calados, Europa, é apenas porque, contrários ao teu gesto,
Nós não queremos disparar.
E disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, só sabes disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.
Não é contra o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
Nem sequer contra o insólito, contra o desespero.
Tu disparas contra a luz.
Podes atirar-nos tudo à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de contas.
Podes até atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.
Há tantos meses que não chove – reparaste?
A terra está seca. Nem abraçados à terra conseguimos dormir.
Enquanto te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro.
Os teus filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vás adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me o futuro e o dos meus irmãos.
Se estamos calados, Europa, é apenas porque, contrários ao teu gesto,
Nós não queremos disparar.
Filipa Leal
José Augusto Duarte
As estruturas diplomáticas tendem a ser os bodes expiatórios prioritários da má vontade que, ciclicamente, se abate sobre o serviço público. Por isso, fiquei muito satisfeito por ter visto reconhecido na imprensa o magnífico trabalho desenvolvido, nesta crise, pela nossa embaixada na China.
O embaixador José Augusto Duarte, que dirige aquela missão diplomática, é um experiente profissional, com brilhantes provas dadas em todos os postos onde esteve colocado, de que a embaixada em Maputo foi um exemplo notório, mas igualmente nas funções de assessoria que exerceu junto do presidente da República.
O seu desempenho, neste momento complexo, honra o serviço diplomático, prestigia a carreira de que faz parte e é um belo exemplo da excelência do serviço do Estado.
Um forte abraço de felicitações, José Augusto! “And take care!”
“Indemissível”
A crise pandémica criou uma situação caricata no Brasil. O presidente, que refuta a bondade das teses do isolamento das pessoas e, temente das consequências políticas da quebras económicas da conjuntura, quer flexibilizar rapidamente algumas restrições impostas, acaba de perceber que não tem condições - leia-se, poder - para demitir o seu ministro da Saúde. É que, em escassas semanas, o governante, de seu nome Mandetta, de obscura figura política passou a vedeta nacional - pela serenidade que projeta, pelo bom senso que demonstra, pela segurança que as suas intervenções públicas transmitem. E como defende teses em tudo opostas às orientações de Bolsonaro, a questão acabou por se transformar num braço de ferro entre os dois. O presidente, em sucessivos comentários públicos, ameaçou “usar a caneta”. Mas a ausência de tinta política suficiente impede, pelos vistos, que a sua vontade de demitir o subordinado passe a letra de forma. As lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado, repercutindo o sentimento prevalecente em ambos os órgãos, tal como figuras cimeiras do Supremo Tribunal Federal (que os anos têm vindo a converter numa instituição com interferência regular nos atos do executivo, situação muito bizarra aos olhos europeus), acompanhados por 20 dos 27 governadores de Estados, defendem abertamente o ministro contra Bolsonaro. Ao que consta, muitos militares seguem a mesma linha. E o ministro, de cuja estratosférica popularidade o presidente tem inveja, tornou-se assim “indemissível”, pelo menos até ver, para usar uma expressão curiosa criada pelos brasileiros, que, no entanto, ainda não arranjaram qualquer outra para substituir o qualificativo de inimputável, que, esse, já ninguém com dois dedos de testa recusa atribuir a Bolsonaro.
O Holandês Voador
Pessoa escreveu o Mostrengo. Os tormentas do nosso cabo europeu ficam aqui neste poema de conjuntura do meu amigo e poeta Luís Castro Mendes, sobre este “Flying Dutchman” que agora nos saiu em rifa:
O Holandês Voador
O holandês que o dinheiro está a contar
na noite de breu ergueu-se a voar.
À volta da Europa rodou três vezes,
rodou três vezes a chiar. E disse:
Quem é que ousou vir tentar
fugir à Morte com os meus fundos
sem os juros me vir pagar,
sem meus conselhos profundos?
De quem é a preguiça por que me roço,
a ligeireza que vejo e ouço,
disse o holandês e rodou três vezes,
como o outro rodou, imundo e grosso.
E o homem do leme tremeu e disse:
eu sou do cabo do mundo.
Três vezes ao écran as mãos ergueu,
três vezes no teclado se reconheceu
e disse no fim de tremer três vezes:
Aqui na videoconferência sou mais do que eu.
Sou a Europa que quer o dinheiro que é seu.
E mais que o holandês que a conferência teme
e esconde o seu ouro todo no fundo
manda a vontade que me segura o leme
para resistirmos ao pavor do mundo.
É feriado?
Alguém me sabe dizer se sexta-feira santa é feriado? É que, se não é, pelo pouco movimento que por aí se vê, até parece! Mas já ontem...
Contra o vento, claro!
Não conheço Fernando Tordo. Ou melhor, conheço muito bem a música com que Fernando Tordo me ajudou a suportar anos sombrios, em que ainda não tinham nascido alguns que agora, surfando o ar cáustico do tempo e aproveitando a liberdade que a luta de Tordo e de alguns mais hoje lhes proporciona, vêm a terreiro vilipendiá-lo. Para esses, ali bem retratados, fica a letra da “Tourada”, em que Ary dos Santos desenhou a cores um certo país que, afinal, deixou por aí uma triste descendência:
“Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
esperas.
Entram guizos, chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.
Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.
Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.
Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.
Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...
Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.
E diz o inteligente
que acabaram as canções.“
O vírus no mundo
Recomendo este interessante serviço da Google, que faz uma agregação atualizada dos dados sobre a expansão do vírus em grande parte dos países do mundo: https://google.com/covid19-map/?hl=en
quinta-feira, abril 09, 2020
Eurogrupo
Agora que, finalmente, o Eurogrupo chegou a uma decisão sobre as ajudas à conjuntura de crise, vamos esperar pela análise serena e competente de quem, de facto, sabe tecnicamente destes assuntos. Até lá, convém evitar ouvir os tudólogos. Ah! E dar os parabéns a Mário Centeno.
Então?!
Costa esqueceu-se das regras e apertou a mão a um ministro. Não devem tardar os pedidos para que se demita ou, no mínimo, o apelo a que se crie uma comissão parlamentar de inquérito. Ou isto já não é o que era!
A verdade a que eles têm direito
Dado o modo displicente como a Bielorrússia está a tratar a questão do vírus, pode dizer-se que prevalece por ali uma espécie de “laxismo-leninismo”.
Casa
Gosto imenso de estar em casa, tenho mesmo muito prazer em passar dias inteiros sem sair. Mas, nestas últimas semanas, dei-me conta de que só gosto disso quando sei que posso ir à rua quando me apetecer.
Cuidados
Boris Johnson saiu dos cuidados intensivos. A União Europeia, a acreditar no que nos chega do Eurogrupo, ainda não.
Salsa, coentros & muita simpatia
Não, não vou enveredar por qualquer receita culinária! Sou um perfeito incapaz em matéria de confeção gastronómica, pelo que me limito, modestamente e no fim da linha, a degustar aquilo que quem sabe me proporciona.
Nestes dias de confinamento, de quando em vez, recorremos ao “take away”, mas apenas e exclusivamente, aos que nos trazem as coisas a casa. E com antecipada (quase) garantia de qualidade.
Já aqui falei de excelentes refeições que nos foram proporcionadas pela Marta Bártolo (965 080 839) e pela Tasca da Esquina (919 837 255).
Hoje, falo do Duarte, um bom amigo que conheci na Charcutaria, primeiro na Coelho da Rocha, depois no Alecrim, e que, desde há bem mais de uma década, criou esse pouso de boa comida que é o “Salsa & Coentros”, num improvável lugar de Alvalade, não muito longe dos bombeiros e do LNEC.
Para ontem e hoje, encomendei-lhe uma perdiz de escabeche, um magnífico arroz de pato, uma encharcada (espero que ao meu médico escape este post) e uma tarte de requeijão. Ah! e, claro, tudo antecedido de umas empadas que fazem parte da imagem de marca da casa.
Para evitar que tudo se perdesse numa sinfonia sem direção, fiz acompanhar as vitualhas de um Chryseia de 2015, que tinha há muito “arquivado” e que esteve bem à altura do repasto, ou vice-versa.
O vírus, se formos descuidados e inconscientes, pode tirar-nos a vida. Mas, antes disso, ao menos, que nos não tire o apetite.
Querem comemorar bem esta Páscoa? Telefonem ao Duarte (218 410 900 ou 960 000 381) e peçam uma refeição ao “Salsa & Coentros”. Vem tudo impecavelmente embalado e pagam com o cartão, à chegada. E verão que o preço é bem “em conta”!
Saudades do Pacto de Estabilidade
Dizer que tenho saudades do Pacto de Estabilidade é sacrilégio? Há dias, quando a presidente da Comissão anunciou a suspensão do Pacto, tive um sentimento ambivalente. De facto, com as despesas estatais a dispararem em todos os Estados, que outra decisão poderia ela tomar? É como se passássemos a andar a 180 km/h nas auto-estradas e a GNR dissesse que não nos ia multar a todos! Nessa “generosidade”, vi um presente envenenado.
O Pacto de Estabilidade é o “código da estrada” do euro. As suas regras, que viriam a revelar-se insuficientes, foi aquilo que o ministro das Finanças alemão, Theo Waigel, nesse tempo em que era ainda Bona e não Berlim, aceitou prescindir do Marco, considerou o mínimo indispensável para os países poderem fazer parte do euro.
Tinha regras fixas, outras tendenciais, e, pouco tempo depois da sua entrada em vigor, logo se constatou uma realidade não escrita: o Pacto era para ser cumprido com rigor pelas economias mais fracas mas tinha uma “elasticidade” maior quando os prevaricadores fossem dos “powers that be” europeus. Ou, como um dia disse Jean-Claude Juncker, quando perguntado por que não era sancionada a França: “parce que c’est la France!”. Depois do Pacto, o Tratado Orçamental e algumas outras regras viriam a somar-se aos requisitos para os membros do euro.
Por que tenho saudades do Pacto de Estabilidade? Porque foi graças ao cumprimento escrupuloso da sua regra do défice máximo que Portugal, apesar de ter uma dívida monstra, pôde começar a ir aos mercados para a “reciclar” a taxas cada vez mais baixas. Por isso Centeno preside ao Eurogrupo. A geringonça é, no fundo, um filho “bastardo” do Pacto de Estabilidade. Os “compagnons de route” do PS mantiveram a sua retórica irresponsável contra o Pacto, mas foram “comprados” com a recuperação de rendimentos e uma limitada reversão nas privatizações, que financia a máquina sindical comunista.
O nosso futuro, na sua extrema complexidade, vai agora ser muito simples. Portugal, bem como os outros países com dívida alta que os mercados olham com desconfiança, está num dilema. Ou consegue assegurar que tudo quanto vier a gastar acima das taxas máximas de défice previstas no Pacto será coberto por um qualquer modelo de raiz europeia que, a curto ou médio prazo, não impacte no seu serviço de dívida ou, na ausência desse suporte, se a dívida soberana portuguesa vier a ter de acumular mais esses astronómicos montantes, as taxas de juro que pagamos nos mercados vão disparar, a nossa dívida dá um salto gigantesco e a permanência no euro fica em sério risco.
Os mercados não são nem europeístas nem solidários. De momento, estão relativamente quietos, porque todos os Estados estão ainda no mesmo barco. Quando uns passarem para iates e outros para cascas de noz, os efeitos da tempestade serão muito diferentes para cada um. Por isso, seria essencial que o nosso défice regular regressasse ao conforto do Pacto de Estabilidade e que o défice excedentário passasse a ser coberto por mecanismos europeus – chamem-se coronabonds, moratórias ou seja lá o que for.
quarta-feira, abril 08, 2020
Fundos para gatunos, já!
Um amigo, que reside em Lisboa, teve a sua casa assaltada, num destes dias de confinamento. Os ladrões forçaram a porta de entrada e fizeram uma “limpeza”, embora apenas no hall, provavelmente por sentirem que o resto do apartamento estava ocupado.
Sabendo do facto, telefonei-lhe. Estava sereno e construtivo: “Deve tratar-se de rapaziada que ficou sem ocupação, pelo fim da atividade no 28, onde “aliviava” turistas”. Referia-se ao pessoal que, esforçado, desde manhã cedo, se dedicava a operar no elétrico 28, que parte dos Prazeres para outros locais mais animados.
Pensando bem, a culpa não é dos larápios, é do governo. Porquê? Porque as nossas autoridades, que tenha sido anunciado, ainda não criaram uma linha de financiamento compensatório da suspensão da atividade dos carteiristas, pequenos gatunos e ofícios correlativos. Dir-se-á que não é admissível apoiar atividades ilícitas. É verdade. Mas nada impede - pelo contrário, tudo o recomenda! - que o governo financie os potenciais delinquentes. Financiar delinquentes? Leu mal. Eu não proponho que se financiem pessoas que cometam ilícitos, sugiro que se subsidiem essas pessoas a montante da execução do delito. Um carteirista, impossibilitado de subtrair uma bolsa a uma americana de passagem, nunca poderia beneficiar de uma compensação financeira se o tivesse feito. Seria imoral! Mas se receber uma ajuda financeira antes de cometer o delito, não apenas isso ajudaria a economia como, muito provavelmente, evitaria a consumação do delito (a verdade é que a americana já “desandou” de cá). Era “dois em um”! De uma coisa tenho (sempre) a certeza: a culpa de tudo isto é do governo!
Pense nisto, leitor, enquanto eu me delicio com uns gambozinos preparados de escabeche pelo Alain Ducasse, que encontrei, de máscara à Zorro, na fila para o pão no Gleba, ali em Alcântara.
O desabafo do Eugénio
Eugénio Lisboa é, de há muito, um amigo. Escritor, crítico e homem desassombrado, tem sobre a vida, e sobre as coisas que ela nos traz, opiniões sempre claras. Não se esconde por detrás das palavras, usa-as como armas da crítica, na fórmula de um clássico. Diz o que pensa, o que é muito evidente nas memórias com que, desde há alguns anos, nos tem recordado tempos e pessoas do seu passado rico e diverso.
Nestes dias de chumbo, em que a poesia e a graça fazem parte do quotidiano de todos nós, mandou-me este curto exercício de estilo.
Ele aqui fica, com um abraço para ele e votos de muita saúde, para que o sol, que não tardará, o possa fazer voltar a sentar, com conforto, nos únicos bancos em que sempre podemos manter confiança.
VERSINHOS DE UM POETA COM ALGUMAS DIFICULDADE DE CONJUGAÇÃO
O Trump, fodido, irá-se
embora se a peste vá-se.
Que chatice se ele ficasse
no governo e nos lixasse!
Que bom se ele se fixasse
na sua Torre e se calasse!
Se o Almada ainda falasse,
diria que o Trump, sem classe,
cheira mal da boca – hélas!
Eugénio Lisboa,
Com um muito humilde pedido de desculpas
por isto não ser tão bom como, digamos, os Lusíadas!
Os dias da imprensa
Há uns tempos, em Vila Real, observei um jovem, na casa dos 20 anos, a comprar dois jornais. Porque ver alguém daquela idade sobraçar imprensa em papel é, por estes dias, uma imagem quase de ficção, ousei perguntar-lhe se ia ler aquilo que acabava de comprar. Olhou-me com alguma estranheza e explicou que os jornais eram para o avô. Nem sequer eram para o pai, dei comigo a imaginar.
Esse avô, tal como eu, era, com certeza, alguém que gostava de folhear a imprensa, de perceber, pelo lugar onde a notícia “sai”, a sua importância relativa. Olharia primeiro, como toda a gente, a página de rosto, depois talvez a terceira ou a última e, tal como a psicologia tradicional aponta, daria, provavelmente, mais importância àquilo que vem nas páginas ímpares do que nas páginas pares - numa das quais, no entanto, o leitor está a fazer o favor de me ler, neste momento, porque quem gosta da opinião sabe onde procurá-la.
No bairro onde vivo, em Lisboa, conseguir comprar um jornal é uma tarefa que exige já uma certa “expertise” – e falo dos tempos de vida normal, não deste confinamento, que nos faz perceber melhor o que deve ser estar com “residência fixa” ou de pulseira eletrónica. As escassas tabacarias, quase já só nos bairros adjacentes, fecham cedo, em algumas certos jornais ou revistas esgotam-se rapidamente, em outras há títulos (como este JN) que nunca surgem à venda. Repito: começa a dar já algum trabalho comprar imprensa em papel.
Não quero parecer catastrofista, mas, ainda antes desta crise, era óbvio que a imprensa escrita estava a perder popularidade - imagino que com exceção da que alimenta o sectarismo desportivo ou a especializada no “voyeurisme” do crime, na vida social dos “famosos”, nos desastres e em tudo o que “corre mal”. E, mesmo essa, ao que consta, estará também a declinar, substituída pelo comodismo da imagem televisiva repetida à exaustão. Irá esta crise ser-lhe fatal?
Sinto-me um utente viciado em plataformas de informação em declínio. Comecei já a migrar para o “on-line”, embora não deva ser exemplo maioritário nas pessoas da minha faixa etária. Uso iPad e iPhone e percebo o truque dos títulos preparados para os “clickbaits”, que dão aos jornais números para encantar os anunciantes. Não tenho hoje falta de notícias, tenho mesmo notícias a mais, o que é diferente de ter melhor informação. A informação são as notícias trabalhadas por alguém que nos dá plena garantia de isenção. Nos dias que correm, estou a perder esses mediadores de confiança.
terça-feira, abril 07, 2020
Hume
Havia lá por casa, em Vila Real, um livro com o título “Tratado da Natureza Humana”. Era uma tradução francesa de uma obra de David Hume, um importante filósofo do século XVIII. Nunca li o livro, confesso, embora, muitos anos mais tarde, tivesse vindo a conhecer a essência do pensamento do autor. O meu pai tinha-o herdado do meu avô, mas também nunca me pareceu muito interessado nele.
Um dia, tinha eu aí uns oito ou nove anos, perguntei-lhe: “Este livro é sobre quê? Quem o escreveu?” O meu pai, sem que eu lhe tivesse detetado a ironia, disse: “É de um filósofo. Foi o homem que inventou a pedra Hume...” E passou adiante. Eu registei.
A pedra Hume era uma massa translúcida que via numa prateleira da casa de banho e que o meu pai usava para estancar o sangue, em caso de pequenas feridas na feitura da barba.
Muitos anos mais tarde, numa ida a Vila Real, ao ver o livro numa estante, quando já sabia bem quem era David Hume, confrontei o meu pai com a resposta que me tinha dado. Já não se lembrava. Os miúdos fixam estas coisas, os adultos não. Rimo-nos.
Hoje de manhã, alguém me ouviu dizer, irritado com um inesperado corte na pele, ao fazer a barba: “Onde é que anda a pedra Hume?”. “A pedra quê?”, foi a resposta. Cá em casa não há nem nunca houve pedra Hume. Há uns sticks envolvidos num papel vermelho, com um nome comercial qualquer. E, como é típico destas coisas de utilização rara, para emergências, nunca estão num sítio visível quando delas necessitamos.
Enfim, coisas do quotidiano, em dias de confinamento. Prometo solenemente duas coisas: não escrever um diário deste tempo do vírus e, em absoluto, não comprar nenhum livro inspirado no tema. Já basta o que basta, e não é pouco!
A outra quarentena
Bem pode Rui Rio tentar que o seu PSD mantenha atitudes de Estado! Alguns dos seus parceiros de partido, em especial no Twitter e Facebook, esforçam-se em encontrar nichos de polémica com o governo, para não “perderem a mão”, aguardando ansiosos o fim da quarentena da unidade.
segunda-feira, abril 06, 2020
A vida de um amigo
Manuel Domingos Augusto é, desde há muitos anos, um amigo muito próximo. Conhecemo-nos em Luanda, em 1982. Era, à época, o meu contraparte angolano no Ministério da Cooperação. Com ele, num tempo muito difícil das relações bilaterais, estabeleci um entendimento que, sem pôr em causa a defesa que cada um de nós fazia do interesse de cada um dos nossos países, tinha uma componente pessoal, que começou marcada pela cordialidade e acabou numa sólida amizade. Desde então, celebrámo-la pelo mundo, onde, a espaços e nos mais variados locais, nos íamos encontrando. Ele fez uma carreira brilhante, primeiro na diplomacia, depois na política, onde desempenhou vários cargos, o último dos quais o de Ministro das Relações Exteriores, posto que ocupou até hoje. Há umas semanas, aqui em Lisboa, tivemos mais um longo e agradável almoço a dois, num lugar com a vista que a imagem mostra. Outros haverá no futuro, como já combinámos! Já escolhi o vinho, Manel!
Apoio à imprensa
Eu também gosto da ideia de se apoiar o jornalismo, isto é, ajudar quem relata os factos com rigor, quem ouve sempre de forma equilibrada ambos os lados de uma polémica, quem não confunde notícias com opinião.
Não me importo de ajudar, com os meus impostos, aqueles jornais, televisões ou rádios onde a regra é o pluralismo equilibrado das vozes (e não o facto de ter por lá um ou dois do “outro lado”, para fingir diversidade), que são algo mais do que veículos disfarçados para a propagação de projetos ideológicos ou partidários.
Mas só esses!
domingo, abril 05, 2020
Saúde
Gostei muito da entrevista dada pela ministra da Saúde, Marta Temido, à RTP. Confirmou-me a excelente impressão que, desde o primeiro momento, tenho desta ministra.
Há uma realidade muito simples, que nunca vi dita ou escrita: nenhuma pessoa morreu em Portugal, por virtude deste vírus, por ausência de assistência adequada no SNS, nomeadamente por falta de ventiladores.
O discurso da rainha
Vi, há minutos, o discurso da rainha Isabel II ao país. Estava lá o essencial. Quem escreveu o texto fê-lo com uma grande atenção aos pormenores, sem gongorismos e numa linguagem escorreita e muito adequada. A mensagem tinha um tom muito profissional, bem à altura da grande profissional da representação simbólica do poder que aquela senhora é. Pela primeira vez num seu discurso real - e lembro-me de todos os anteriores, desde aquele que ela mencionou, nos anos 40 - houve um “editing” de imagem, intercalando neste caso cenas do combate ao vírus. O Reino (“so far”) Unido do futuro deve ter gostado: modernidade qb e tradição com conta peso e medida. Como gostou, com certeza, daquela imensa serenidade, a roçar, como sempre, uma aparente frieza - menos “blood, sweat and tears” e mais “we shall overcome”. Até nisso, o discurso foi britânico. Enfim, foi uma boa peça, de alguém que falou com a autoridade da muita História que já passou por ela, onde não faltou a inevitável referência à Commonwealth, embora, neste caso, a diversidade da dita impeça qualquer juízo valorativo de eficácia sobre o modo como aí terá sido sentida a mensagem. Há ainda algo que me marcou: a pompa com que todas as televisões marcaram a entrada em cena da soberana. Persiste por ali um respeito, que faz parte da coreografia que sustenta a monarquia, e que uma vez mais ficou bem visível. Mas quando esta senhora morrer, e ela “já não vai para nova”, ou há uma imensa inteligência e bom senso da parte de quem lhe suceder, ou esta “magia” dificilmente sobreviverá por muito tempo.
Mais um livro?
Há dias em que sinto a tentação de comprar mais um livro. Mas há por aí tantos! E a bom preço, caramba! Mas eu só compro quando confio no autor. E, neste caso, não sei...
Subscrever:
Mensagens (Atom)