Na essência
do governo formado há uns meses por António Costa estava um compromisso
delicado. Os socialistas obrigavam-se a respeitar o essencial das regras europeias, no quadro do equilíbrio
macro-económico exigido pelos tratados, e, ao mesmo tempo, procuravam encontrar alguma
margem de manobra, nesse muito estreito caminho, para acomodar exigências
colocadas pelos partidos à sua esquerda, que lhe garantiam o suporte
parlamentar. Essa pressão confortava a ala esquerda do PS, que assim pensava
poder fidelizar algum eleitorado que, com o tempo, se fora deslocando para a “esquerda
da esquerda”.
Nesta
difícil equação, Mário Centeno partiu de uma constante que eram as políticas do BCE,
cavalgou a conjuntural quebra dos custos energéticos e desenhou um orçamento
impulsionado pela procura interna – com medidas que, em si mesmas, configuravam
uma reversão da austeridade que afetara setores importantes da sociedade
portuguesa. Na negociação desse orçamento, no “semestre europeu” com que a
União disfarça o seu real “diktat” sobre as finanças nacionais, a Comissão
rejeitou muitos desses estímulos, o que debilitou parte daquilo que era a
estratégia de Lisboa para induzir crescimento através do consumo.
No plano
europeu, as coisas nunca foram muito róseas para António Costa. Para a ideologia
que comanda económica e politicamente Bruxelas, a fórmula de governo da Lisboa
representa algo de provocatório. A última coisa que a máquina europeia deseja é
o menor sucesso deste governo. Se acaso a “quadratura do círculo” por ele
desenhada viesse a revelar-se exequível, estaria aberta a porta à heterodoxia,
através de modelos diversos, noutros Estados com outros problemas na observância da regras dos tratados.
O episódio
das sanções é bem sintomático do isolamento a que a fragilidade económica
condena Portugal. Já se percebeu que a política de aliança “dos fracos” é um
mito, com a Espanha a
dizer “não somos Portugal”. Nesta guerra de nervos, é absolutamente essencial não perdê-los. O
que quero dizer com isto?
Quero dizer, com clareza, que o governo português tem de
evitar a tentação de cavalgar a onda de indignação que detetou na opinião
pública nacional por virtude das sanções e não pode enveredar por uma denúncia
exaltada, mas vã, das políticas europeias, do Tratado orçamental às práticas
consagradas de apresentação dos orçamentos, numa atitude que alguns lerão como
traduzindo radicalização ou desespero. Da mesma maneira que “Portugal não é a
Grécia”, os socialistas não são os partidos à sua esquerda. No dia em que o
“compromisso delicado” de que falei na primeira linha deste texto se romper,
está o caldo entornado, como se diz na minha terra.