O que se passou na noite de ontem, com a transmissão pela CMTV de parte do interrogatório do ex-ministro Miguel Macedo e do ex-diretor do SEF Manuel Palos, pode representar um teste muito importante para o futuro do nosso regime democrático e da determinação do governo que acaba de tomar posse em defendê-lo. Estou a exagerar? Acho que não.
Vou ser muito claro. O caso Sócrates vem a demonstrar, desde há muito, a existência de um ambiente de conivência entre setores do sistema judicial e alguns órgãos de comunicação social. Com razão ou sem ela, está instalada a ideia de que a acusação terá procurado garantir junto da opinião pública um apoio para o "peso" que significava ter um antigo primeiro-ministro detido. O método escolhido terá sido "alambicar" informação sobre o andamento do respetivo processo, credibilizando progressivamente as suspeitas, dessa forma garantindo que o vasto setor da opinião pública portuguesa que detesta José Sócrates acabaria por constituir um espécie de "clube de fãs" que iria servir de escudo protetor do procurador e do juíz que têm o caso a seu cargo. Com o país dividido entre os que detestam José Sócrates, e que acham que tudo o que dele se diz de mal - do curso ao "Freeport", da corrupção à fraude fiscal e "tutti quanti" - é pura verdade, e os que juram a pés juntos que este processo mais não é uma vil cabala inventada pelos seus inimigos de A a Z, está instalado à volta do processo do antigo primeiro-ministro uma espécie de "empate" técnico.
A propósito da responsabilidade criminal sobre os "leaks" que regularmente continuam a sair para a imprensa sobre o processo Sócrates, terá já havido inquéritos - "rigorosos" como é de bom tom dizer-se - mas os respetivos resultados parecem manter-se por detrás dos sorrisos esfíngicos da senhora Procuradora-Geral da República quando, com estranha raridade, algumas perguntas lhe são colocadas sobre o assunto. O país parece mesmo conviver com isto com curiosa naturalidade, sendo que a menor das surpresas ainda será assistir ao silêncio de chumbo que Belém preserva sobre estes atentados à integridade do sistema judicial pelo qual, recorde-se, também lhe compete velar.
Ontem, porém, abriu-se um capítulo novo e a cuscuvilhice sobre processos envolvendo figuras mais ou menos famosas foi bastante mais longe, ao termos assistido às incríveis imagens televisivas de Miguel Macedo e Manuel Palos a serem interrogados por uma procuradora. Por mim, ao ver àquilo, senti-me enojado e triste, com um sentimento de vergonha pela justiça do meu país - e não é por acaso que hoje não uso maiúscula para a qualificar. Não conheço nem nunca falei com Miguel Macedo, figura política que, tanto quanto sei, não suscitará uma polarização de simpatia/antipatia como é o caso de Sócrates. Quero com isto dizer que, salvo a menina do CMTV que logo cuidou de avisar que se tratava de imagens "de interesse público", o país não vai acordar amanhã com grupos de cidadãos a defender os autores destes novos "leaks", talvez apenas alguns "jornalistas" amigalhaços, à espera de também serem usufrutuários futuros destes comportamentos miseráveis. Por isso me pergunto se isto ficará "assim", uma vez mais.
Custa-me ter de colocar esta simples questão à pessoa com que tenho a relação mais próxima dentre todos os membros do novo governo: e agora, Francisca?