quinta-feira, dezembro 18, 2014

A hora de Cuba?

O anúncio de um início de reaproximação entre Cuba e os Estados Unidos é um interessante sinal de distensão entre dois países cujo conflito é uma das mais duradouras heranças da Guerra Fria. 

Washington nunca aceitou o derrube da sinistra ditadura de Baptista, um títere que se mantinha na lógica da "doutrina Monroe" e que havia transformado a ilha num prostíbulo e num casino, dando um sólido argumento para a revolta titulada por Fidel de Castro. Os refugiados cubanos nos Estados Unidos condicionaram, a partir daí, a atitude americana, tornando a normalização das relações dependente de um "regime change" que nunca veio a verificar-se.

Castro e os seus guerrilheiros, saídos da Sierra Maestra depois de uma saga político-militar que entusiasmou o romantismo de uma certa esquerda à escala global, cometeram o grave erro de reagir às recorrentes provocações americanas através de uma crescente dependência da União Soviética. A aventura da colocação de mísseis russos na ilha, em 1962, levou a um embargo americano que ainda hoje se mantém. 

De regime libertador, a Cuba de Castro transformou-se num "exportador" de revoluções pelo mundo, aliás sem grande sucesso. Os "dois, três, muitos Vietnam" da retórica de Che Guevara (que, se fosse vivo, teria visto naquilo que o Vietnam se transformou) acabou por ser um imenso fracasso. Pressentido como executor de um "ousourcing" ditado por Moscovo, que durante décadas pagou as faturas de uma economia abafada pelo embargo, o regime de Fidel de Castro, que identificava a menor dissidência interna com uma traição pró-yankee, acabou por se converter num dos atores centrais da Guerra Fria.

No plano interno, Cuba é uma ditadura intolerante e repressiva. Jogou sempre com o sentimento de anti-americanismo como fator atenuador da leitura que o mundo podia fazer das condições em que o seu povo vive, passando as culpas do regime para as consequências do embargo - de facto, uma medida datada e sem sentido, unilateralmente imposta por Washington e que, bem vistas as coisas, acabou por facilitar fortemente o prolongamento do regime castrista. Cuba é hoje uma sociedade triste, vivendo numa penúria imensamente injusta para a felicidade possível das gerações que sofreram a sua tragédia geopolítica.

Muita água correrá ainda sob as pontes até que as coisas se normalizem entre Washington e Havana. Dos dois lados, os obstáculos à reconciliação são muito grandes e são expectáveis acidentes de percurso. De qualquer forma, a iniciativa papal que levou a este início de diálogo só pode ser saudada.

Vitor Crespo



Foi-se mais um homem de abril. Naquela madrugada, quando Vitor Crespo se apresentou, impecavelmente uniformizado com a "farda nº 1", no "posto de comando" do Movimento das Forças Armadas, no regimento de Engenharia na Pontinha, em representação da Armada, Otelo perguntou-lhe ironicamente se ele ia "para algum casamento"... Crespo foi dos oficiais de mais alta patente a participar na condução das operações militares do 25 de abril.

Era um homem sereno, mas muito determinado. Logo após regressar de Moçambique, onde teve um exigente mandato como Alto-Comissário, nos momentos tensos de 1974/75, Vitor Crespo apresentou-se numa reunião do Conselho da Revolução, órgão do qual não fazia parte, e ... sentou-se à mesa. Ninguém teve coragem de lhe recusar o seu legítimo lugar nesse órgão.

Poucas pessoas se recordarão que, em 1975, ele foi Ministro da Cooperação do VI governo provisório. O Ministério dos Negócios Estrangeiros, logo após a minha entrada, destacou-me nesse ministério, por quase quase dez meses.

Um dia de fevereiro de 1976, fui chamado ao ministro Vitor Crespo, que estava acompanhado pelo secretário de Estado da Cooperação, Gomes Mota. Ambos me explicaram que, tendo os professores cooperantes portugueses em S. Tomé entrado em greve, por verem goradas algumas expectativas que lhe tinham sido criadas pelas autoridades santomenses antes da sua partida, eu ia ser enviado àquele país recém-independente para pôr termo ao conflito. O ministro disse-me que eu tinha "carta branca" para resolver o assunto com as autoridades locais. De facto, chegado a S. Tomé (via Paris e Libreville, naquela que era a minha primeira viagem a África), ao ser recebido no aeroporto pelo meu colega João da Rocha Páris, fui por este informado que o embaixador português, Amândio Pinto, estava furioso, porque tinha recebido do Ministério da Cooperação uma comunicação para "se colocar à minha disposição" com vista às diligências que eu estava encarregado de fazer. Foi preciso muita "diplomacia" para explicar ao embaixador que o jovem "adido de embaixada" que eu era, e há menos de meio ano, não tinha a menor pretensão de o "chefiar" e que, pelo contrário, estava ali para o coadjuvar na resolução do problema (que logo se resolveu, diga-se).

Há uns anos, num almoço na Associação 25 de abril, com Vasco Lourenço, Costa Neves e Martins Guerreiro, lembrei este episódio a Vitor Crespo. Naturalmente que não se recordava, porque ele tinha sido relevante apenas para mim.

Vitor Crespo tinha uma figura elegante, similar ao estereótipo de um coronel inglês do tempo das Índias. Era um homem com muito humor, embora discreto. De uma inatacável solidez ética, era reconhecido pelos seus pares como uma referência de seriedade e de grande profissionalismo.

Hoje, quinta-feira, a partir das 17 horas, prestar-lhe-emos homenagem na Basílica da Estrela.

Imprensa estrangeira

O jornalistas estrangeiros que operam em Portugal decidiram atribuir a Carlos do Carmo o seu prémio anual. É mais um justo galardão para "the voice" do fado. Foi na terça-feira à noite, na bela sala do arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, onde estive por um simpático convite dos organizadores, onde de há muito conto bons amigos.
 
Os profissionais da imprensa estrangeira que operam em Portugal e que tanto ajudam o nosso país a ser conhecido pelo mundo, contribuindo para dar conta das nossas preocupações e interesses, estão muito inquietos com os rumores de que podem ser afastados das instalações onde, desde há décadas, operam, no Palácio Foz. Também eles vivem na dúvida sobre as condições em que poderão vir a trabalhar no futuro. É que chegam-lhes rumores de que o Palácio Foz vai passar a Pousada de Portugal... totalmente privatizada, claro!

quarta-feira, dezembro 17, 2014

Pescas

O facto de se ouvirem as notícias na rádio, sem as confirmar por escrito, leva a equívocos. Deixei aqui, esta manhã, uma análise aos resultados para Portugal das conclusões do último Conselho de Ministros da Agricultura e Pescas que verifico agora que não corresponde à realidade dos factos. Dou a mão à palmatória e à palmeta.

Uma praça a cores



Por uma mera coincidência, passei ao final da tarde de ontem pela Praça do Comércio, por ocasião da projeção do "video mapping" "Desejo de Natal". É um espetáculo belíssimo, com um colorido muito bem conseguido e adaptado ao espaço, sendo excelentemente musicado. Dura 15 minutos, às 19.00, 20.00 e 21.00, e estará em exibição até 23 de dezembro. Ah! Aparentemente é para crianças, mas tive grande prazer em assistir...


terça-feira, dezembro 16, 2014

A tristeza da Bertrand

Há dias, falei aqui da livraria Férin, na "baixa" lisboeta. É uma das poucas que nessa zona resta de um tempo glorioso de espaços livreiros, que, perto da Trindade, começavam nos alfarrabistas e na "Opinião", e, pelo Chiado, se prolongavam pela "Diário de Notícias", pela "Moraes", pela "Sá da Costa", acabando, na rua do Carmo, na "Portugal" e na "Ulisses".
 
No meio de tudo isso, ficou sempre a "Bertrand", que se diz criada em 1732, tida como a mais antiga livraria do mundo. Sabia bem passar pelas suas diversas salas, espiolhar as estantes, cruzar os "habitués". Teve períodos péssimos em matéria de atendimento e conhecimento livreiro. De há uns anos para cá, reencontrara-se e reconvertera-se numa boa livraria. E estabilizara em matéria de "geografia", isto é, sabia-se onde encontrar o que nos interessava.
 
Passei por lá ontem. Uma estranha "renovada", como dizem os brasileiros, esvaziou-a agora de livros (!), fez desaparecer dezenas de metros de estantes e simplificou a sua oferta a um nível de verdadeira indigência. A "Bertrand" está irreconhecível, com um soalho flutuante medíocre e um ambiente incaraterístico, parecendo apostada em acolher apenas turistas, à cata da Lisboa "típica". Por este andar, além do inevitável "Livro do Desassossego", ainda acaba a vender pasteis de nata e miniaturas de elétricos. Prometi a mim mesmo: à Bertrand da Garrett não volto tão cedo!

Pedro Álvares (1934-2014)

Ao folhear um jornal, dei-me conta, há dias, da morte de Pedro Álvares, aos 80 anos. 
 
Pedro Álvares foi um economista que dedicou a sua vida à questão europeia. Devem-se-lhe sínteses da maior importância sobre o processo negocial que conduziu à adesão, manuais de interpretação da realidade comunitária na perspetiva portuguesa, em todas as suas dimensões, e até um estudo mais recente sobre o Tratado de Lisboa. Era um trabalhador incansável, um divulgador nato e prestou um forte contributo à nossa Representação Permanente em Bruxelas, onde esteve colocado. O meu antecessor no cargo de secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Vitor Martins, tinha-o por consultor próximo e eu próprio ouvi-o diversas vezes, em momentos complexos da negociação comunitária.
 
O nome de Pedro Álvares dirá pouco às novas gerações, nomeadamente àqueles que hoje, no quadro técnico-diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa ou em Bruxelas, têm a seu cargo a condução da nossa política europeia. É pena. Se Portugal foi capaz de ter uma prestação eficaz na grande aventura que foi a sua integração europeia deve-o muito a pessoas como Pedro Álvares.  

Tempo de antena

Surgem sempre em Dezembro, com a regularidade sazonal do Natal dos Hospitais. São os tempos de antena de instituições de cuja existência só nesse momento ouvimos falar. Aparentemente, os interesses que defendem só são urgentes nesta época, como os PPR para abater no IRS. Antes do telejornal das oito, obrigando Fernando Mendes a despachar o Preço Certo, ei-los que surgem, sempre por escassos segundos, representados por cavalheiros ou damas cujas duvidosas qualidades de comunicação são agravadas por uma realização estática, fundos de cenário foleiros, textos proclamatórios corporativos que, não raramente, terminam com um "junta-te a nós" ou um "junte-se a nós", dependendo da confiança que nos querem dar. São os representantes dos Amigos dos Linces Listados da Malcata e Zonas Confinantes, da Associação Profissional dos Porteiros de Discotecas "Bruno Pidá", do Sindicato dos Doceiros e Ofícios Correlativos do Sul e ilhas, dos Amigos das Borboletas Monocromáticas da Tapada de Mafra e coisas assim. Nunca percebi como se ingressa nessas listas tão representativas da sociedade civil, caso contrário já lá teria colocado a Associação Enolúdica dos Utentes da Mesa Dois do Procópio, a qual, talvez não por acaso, organiza na sexta-feira próxima a sua assembleia geral anual, travestida de um jantar. Gosto dos tempos de antena associativos. Tal como a aletria, anunciam o Natal.

segunda-feira, dezembro 15, 2014

Os chatos da plateia

São temíveis! Raramente escolhem a primeira fila dos auditórios, embora isso aconteça com alguns mais vaidosos. Pela minha experiência, a terceira fila costuma ser o seu lugar de eleição, de preferência junto às coxias, por forma a facilmente poderem obter o microfone das mãos dos ajudantes volantes que circulam pela sala.

Falo, naturalmente, dos chatos interventores, dos falsos perguntadores, sempre presentes em colóquios, palestras e conferências, que aproveitam o momento da abertura do debate à audiência para fazerem longas dissertações, para as quais ninguém os convidou.

Pressinto-os, mal me sento numa mesa, com um simples olhar pela sala. Conheço alguns de ginjeira, sei que estão à coca do momento oportuno, de dedo imediatamente esticado para pedirem o microfone (chegam a fazer sinal prévio aos ajudantes de sala, quando prevêem próximo o período de perguntas). Mas o seu objetivo quase nunca é exercerem o legítimo direito de colocarem uma questão aos oradores. Se o fazem, trata-se de um mero gesto formal, mas só no fim de uma imensa exposição pessoal. Aliás, e pela minha experiência, o que é dito pelos interventores é-lhes praticamente indiferente. Trazem a lição estudada de casa, uma ideia fisgada, as mais das vezes embrulhada em fórmulas confusas, quase sempre com tonalidades radicais. A sua grande finalidade é intervir, opinar, dizer o que pensam, por mais indiferente que isso seja a quem foi ali para ouvir outros. Os mais hábeis, quando pressentem que o moderador da mesa se prepara para os interromper, têm duas técnicas: uma delas é citar, a meio da fala, ainda que obliquamente, um dos oradores oficiais, para dar a falsa perceção de que se encaminham para a formulação de uma pergunta; outra é recorrerem à vetusta figura do "só gostaria agora de acrescentar, para terminar..." ou coisa do género - o que lhes faz ganhar uns minutos mais.

Há tempos, num cenário de um qualquer colóquio, ao ver atuar uma dessas personagens, lembrei-me de que poderia ser interessante organizar uma sessão onde se pudesse colocar na mesa, como oradores, precisamente um grupo selecionado desses chatos  mais conhecidos, dando-lhe, finalmente, o palco que tanto procuram. A dificuldade residiria apenas em encontrar, para o debate, um tema que lhes fosse comum... E convocar uma plateia de voluntários para os aturar, claro.

(post de 2010 "reciclado", num dia em que a agenda aperta)

domingo, dezembro 14, 2014

Socialismo à francesa

Os sinais que chegam de Paris apontam para um súbito agravamento das tensões no seio do Partido Socialista, com efeitos devastadores na sua potencial capacidade de sustentar futuros embates eleitorais. As vozes dentro do PSF são cada vez mais divergentes e isso tem um efeito muito negativo na leitura que os franceses fazem da formação à qual, há pouco mais de dois anos, deram uma sólida maioria para governar o país.

Em 2012, François Hollande foi eleito sob uma agenda onde se acantonavam todos os clichés que sustentavam a possibilidade do país continuar a viver "à grande e à francesa", com a ideia mirífica de que os índices macroeconómicos poderiam ser objeto daquilo que se pensava ser uma discussão de poder com Berlim. A realidade é diferente, a Europa está mais exigente, a Alemanha mais "teimosa" e a França bem mais fraca. Tem mesmo de aturar agora a reprimenda pública e as recomendações do novo comissário para as questões económicas, o francês Pierre Moscovici, que foi o primeiro ministro das Finanças de Hollande, por cujo lugar europeu tanto se bateu. Ele há ironias...

Como num governo de coligação, Hollande juntou inicialmente todas as alas do partido, numa ilusão de que a partilha de pastas ministeriais acalmaria as várias tendências, anulando a anterior luta entre si. Viu-se o resultado. O primeiro-ministro Ayrault foi incapaz de federar o infederável e, tal como Mitterrand havia feito com Rocard, Hollande optou por chamar Manuel Valls, no velho sonho de que é possível governar em nome da esquerda sem assustar a direita, para isso utilizando a esquerda de que a direita gosta (Rocard era chamado pelos críticos de esquerda "Rocard d'Estaing" e Valls sonha em mudar o nome do partido para "meter o socialismo na gaveta").

O resultado aí está: por exemplo, de um ministro do "Redressement Productif" (ninguém melhor que os franceses para inventar nomes para ministérios) bem à esquerda e soberanista, que assustava o empresariado, Hollande saltou para um economista liberal, reformador à moda do mercado, que já incendeia o seu grupo parlamentar e os sindicatos (do setor público, porque só esses contam na França de hoje). O resto do governo tem sido uma fonte de conflitos (e demissões) e muito poucos ministros (alguns teimam ainda em impor agendas modernaças e fraturantes) contribuem para uma imagem positiva do executivo, que o mesmo é dizer, da governação presidencial. Valls está assim a ser "frito" em lume brando e as suas hipóteses de vir a suceder a Hollande começam a desvanecer-se.

Neste quadro, com uma esquerda à procura de um novo registo e uma direita democrática que, apesar do regresso de Sarkozy às lides, não fez desaparecer as recorrentes "zizanias" entre os seus ambiciosos barões, sente-se a ascensão da extrema-direita, cujo discurso de egoísmo nacional e de rejeição da solidariedade começa a sedimentar caminho entre pessoas com mais problemas do que esperança.

François Hollande, cuja popularidade, por "gaffes" e desartes de avanços-e-recuos, está de rastos (exceto num certo "terreno" onde, pelos vistos, tem insuspeitados encantos e surpreendente tempo para os pôr em prática), parece um pouco "déboussolé" (uma expressão gaulesa magnífica, que por cá poderia designar o comportamento de catavento), tentando hoje o que ontem parecia impensável. Deve rezar para que ninguém se lembre do seu programático discurso de Le Bourget e, muito em particular, do que anunciou que faria como "Moi, président", no debate em que calou Sarkozy. Naquilo que é a tragédia dos governos que entram em agonia, avança agora medidas que desaparecem na espuma do dia imediato e apenas parece ter como destino acorrer às sucessivas crises (embora, no plano político-militar externo, tenhamos de convir que foi uma surpresa positiva). 

A V República havia criado no imaginário francês um perfil de presidente que, manifestamente, não se cola ao de Hollande. Ser um "presidente normal" é tudo aquilo que os franceses não esperam do ocupante do Eliseu. E daí a vê-lo como um presidente "vulgar" não vai uma grande distância...

Mas voltemos ao Partido Socialista Francês. Este PSF é uma criação de François Mitterrand e, por muito tempo depois dele, ficou preso à matriz do seu programa não realizado. Não será totalmente de estranhar que um futuro desaire eleitoral, que se adivinha de grandes proporções, possa pôr em causa a sua própria existência, cindindo-o entre duas alas. É que o atual PSF, nos tempos que correm, parece já estar mais "in office than in charge", para utilizar uma categoria do outro lado da Mancha. Posso (e espero) estar enganado, mas já esteve mais longe. 

Anonimato

Uma magistrada decidiu publicar um artigo no "Expresso", abordando o comportamento da Justiça no caso Sócrates. Talvez temerosa do juízo dos seus pares, e com a benévola anuência do jornal, optou pelo anonimato.

O texto, aliás fraquinho, alinha algumas obviedades e limita-se a estabelecer um duvidoso paralelo do caso com outro exemplo clássico. Como opinião, é mesmo muito pouco.

Mas não deixa de ser revelador: se, para dizer aquilo, a magistrada necessitou de ser esconder sob um pseudónimo, podemos imaginar a coragem com que tomará, ante os holofotes públicos, as decisões mais difíceis e impopulares que lhe vierem a surgir na profissão.

sábado, dezembro 13, 2014

Férin

É uma das mais antigas livrarias do país. Chama-se Férin e está situada na rua Nova do Almada.

A Férin não é uma livraria igual às outras. As mesas onde os livros são pousados não seguem, na sua arrumação, aquela lógica mercantil que as livrarias "standard", colonizadas por algumas editoras, ultimamente nos impõem. Ela faz parte daquelas já escassas livrarias onde ainda há livreiros, pessoas que sabem o que estão a vender, que nos ajudam a procurar aquilo de que necessitamos. Tenho sempre gosto em por lá passar, raramente não descubro por ali algo diferente, uma edição de autor, uma publicação de origem pouco comum. A isto, sim, chama-se uma livraria!

Tenho notado que, pelo menos nos últimos anos, a Férin tem vindo a promover, na sua cave, bastantes apresentações de livros e interessantes debates, promovidos por José Ribeiro e Castro. Essa é também uma tarefa que prestigia a livraria e a coloca nos roteiros da cultura.

Mas a razão principal porque hoje falo da Férin deve-se ao facto de nela se poder encontrar, nos dias de hoje, talvez a maior diversidade e quantidade de livros em francês que é possível descobrir em espaços livreiros de Lisboa. Para os amantes da língua e cultura francesa, este é um inestimável "serviço público", que merece ser fortemente saudado. Esta tarde, prometi a mim mesmo que vou passar a visitar a Férin com bastante maior frequência.

Essa regularidade, contudo, nunca se comparará com a obsessiva insistência com que o Artur Corvelo, autor do injustiçado "Esmaltes e Jóias", visitava a sua montra, para verificar se a sua obra colhia a atenção do compradores. Assim, pelo menos, nos conta Eça de Queiroz, em "A Capital".

Flying by out

Pronto, agora ficou tudo muito claro: o que os trabalhadores da TAP pretendem não é travar a privatização da companhia (como foi anunciado) mas apenas obter o direito a uma "fatia" privilegiada da mesma. Por essa razão, quanto menos a TAP valer - também por virtude das greves que a ajudam a desvalorizar - mais barato lhes ficará o negócio. É tão simples! Agora que o governo conseguiu que os sindicatos abandonassem a ideia da não privatização, eventualmente em troca da promessa de obterem umas açõezitas de uma TAP talvez estrangeira, a greve poderá mesmo ser cancelada e os sindicalistas virem a fazer o papel de patriotas natalícios. Tudo bem quando acaba em bem, não é?

Regresso


... à base.

sexta-feira, dezembro 12, 2014

Frankfurt?


Já tenho saudades de ir "mesmo" a Frankfurt...

Hora da diplomacia?

A tensão entre a Rússia e o ocidente, tendo a Ucrânia no centro do problema, não dá mostras de atenuar-se. O impacto cumulado das sanções e da queda do preço do petróleo começa a atingir fortemente a economia russa, como o revelam todos os sinais que chegam de Moscovo.

Para os adeptos de uma nova Guerra Fria, isto só podem ser boas notícias. Ver a Rússia em dificuldades é um cenário que agrada a quase todos os americanos e a muitos europeus, desejosos de prolongar a humilhação criada pela implosão da União Soviética e, mais recentemente, de punir a intrusão russa nas questões internas ucranianas.

A realidade das coisas, porém, não é tão simples assim. O isolamento internacional de Putin converteu-o, "em casa", numa espécie de herói. A sua margem de manobra interna, em termos do processo decisório, se já era imensa, agora dá-lhe mãos livres para a defesa dos interesses de um país que se sente cada vez mais acossado - o que, aliás, é um "remake" recorrente. 

Ora a Rússia pode hoje ter grandes fragilidades mas, tem de admitir-se, reserva ainda um significativo poder - e não vai esquecer tão cedo a arrogante qualificação de "poder regional" que lhe foi dada por Obama. Moscovo tem um considerável potencial nuclear e, podendo estar limitado no leque das suas alternativas políticas à escala global, mantém uma não despicienda capacidade de "perturbação". O que se passou, há anos, na Geórgia e se processa ainda na Ucrânia é algo a ter em conta. E talvez nos prepare ainda algumas surpresas nos Balcãs, esperando ainda que o ocidente esteja sereno quanto à Ásia Central.

Por essa razão, a grande preocupação que devemos, ter no tocante à Rússia, diz respeito ao impacto político-militar dos seus problemas económicos, isto é, ao modo como poderá atuar nessas áreas se acaso a pressão económica se tornar difícil de suportar. 

Todos estamos convencidos que a Rússia tem por adquirido que há uma "red line" que não pode ultrapassar: a fronteira NATO. Todos os sinais foram passados pelo ocidente a Moscovo nesse sentido. Mas as coisas da vida internacional não são necessariamente "a preto e branco". 

Nada exclui que possamos um dia vir a confrontar-nos, por exemplo, com um incidente (espontâneo ou provocado) em que a Rússia possa mesmo "ter razão", no seu relacionamento com um parceiro NATO, nosso aliado e seu vizinho. É que a Rússia não tem o monopólio da asneira. Num caso desses, em que o incidente pudesse legitimamente ser imputado a esse nosso parceiro, o automatismo de uma resposta ocidental perante uma reação russa, pela invocação do artigo 5º (solidariedade na defesa) do tratado da organização, não estaria necessariamente adquirido. Isso criaria a possibilidade de nos podermos ver confrontados com uma séria crise no seio da Aliança - e isso remete-nos de novo para a capacidade de "perturbação" que a Rússia detem. Um problema desse género baralharia, pelo nosso lado, alguns equilíbrios que vamos tendo por certos.

Chamo a atenção para o facto de que há uma assimetria política que devemos ter sempre presente na relação entre o mundo ocidental e a Rússia - e que às vezes temos tendência a esquecer. 

Do nosso lado, uma atitude ou uma reação militar é um processo que passa por um processo de escrutínio e decisão muito transparente, submetido aos "checks and balances" da separação de poderes, com uma opinião pública muito atenta, servida por uma comunicação social marcada pela diversidade. 

Nada disso existe do outro lado. Os "media" não têm essa liberdade, a voz popular está condicionada e marcada por um patriotismo algo acéfalo e Vladimir Putin está praticamente "à solta" no processo decisório. 

Não quero parecer sombrio, mas estas assimetrias foram, no passado, as condições que originaram alguns conflitos, que sempre começam de forma limiitada, como nos devemos lembrar.

Isso conduz a que tenhamos que identificar bem, e rapidamente, qual é o bloco de interesses comuns que, simultaneamente para ambos os lados, possa prevalecer e mostrar-se vantajosos sobre a hipótese de vir a encetar-se um qualquer conflito. Sem prescindir dos nossos princípios, temos de estar preparados para alguns compromissos e saber passar à Rússia as mensagens certas, para ela poder avaliar também o que a racionalidade a deve levar a fazer. A diplomacia serve para isso.

Lembrei-me disto agora, numa viagem aérea entre a Polónia e a Alemanha, dois países a quem a falta de uma atempada profilaxia diplomática "estragou" o século XX.

Varsóvia

Foto de António Manuel Pinto da Silva
A Varsóvia do dia de hoje não está exatamente assim. Olho pela janela e o céu está um pouco mais cinzento. Mas eu gosto da Varsóvia que esta fotografia do meu amigo António Manuel Pinto da Silva ("Marius", entre os velhos amigos) retrata.

Fundação

Um dia de 2010, ao tempo em que era embaixador em Paris, fui apresentado e almocei com um jovem luso-descendente, creio que de segunda geração, quadro em franca ascensão dentro da UMP, o partido francês então no poder. Tinha uma ideia que me pareceu bastante interessante: criar uma Fundação França-Portugal que pudesse servir de centro propulsor das relações entre os dois países, da economia à cultura, passando por vários outros setores. O projeto, contudo, estava ainda escassamente desenvolvido. Disse-lhe que a embaixada estaria disponível para apoiar a iniciativa, desde que o processo de criação de uma fundação fosse totalmente transparente, aberto e inclusivo. Lembro-me que fiz algumas sugestões, que ele ficou de analisar. Por uma qualquer razão, nunca mais me procurou. E, confesso, tive pena.

Há meses, verifiquei que o nome daquele meu interlocutor parisiense surgiu ligado ao famoso caso da empresa Bygmalion, envolvida numa burla de sobrefaturação financeira no quadro da campanha eleitoral de Sarkozy, em 2012. Acabo de ler que foi detido. O mundo é pequeno e perigoso.

quinta-feira, dezembro 11, 2014

O bom e o mau da fita

Até agora, no tocante ao BES, havia o "banco bom" e o "banco mau". Hoje, ao ler com calma toda a nossa imprensa, numa espera longa de aeroporto, dei-me conta de que já está definido o Espírito Santo "bom" (Ricciardi) e o ES "mau" (Salgado).

O mundo anseia por explicações fáceis, adotando as que se adequam às ideias pré-concebidas (os franceses utilizam o conceito de "idées reçues", o que indica melhor que alguém as enviou). Não tivesse Ricciardi, para além do sorriso nervoso, um toque de arrogância de classe que facilmente o aproxima do primo (embora sem o inigualável "stiff upper lip" deste), estaria criado um "bom da fita". Os poderes de turno preferem Ricciardi, o "arrependido", que defende o regulador, que denuncia quem já é tido como o "CDT" (culpado disto tudo). E ainda não chegou o "contabilista do Luxemburgo", um conceito que soa a título de Le Carré...

Não tenho a certeza de que esta personalização da culpa ajude muito a desenrolar o novelo BES. Mas esperemos.

Milão?

Estar e não estar em Milão...

Ainda a tortura

Só li a síntese, mas são chocantes, embora não surpreendentes, as conclusões da Comissão Nacional da Verdade, criada no Brasil para inventariar a repressão conduzida pela ditadura militar, entre 1964 e 1985. 

Não obtante pareça ser evidente que, no Brasil, os crimes em matéria de ofensa aos Direitos do Homem se podem considerar ainda distantes daqueles que foram praticados pelos regimes congéneres do Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile (creio, mas não estou seguro, por ordem decrescente de horrores), o relatório ora apresentado tem dados impressionantes, com um nível de crueldade que roça a insanidade. Os mortos e desaparecidos ascendem a 434. Imagine-se agora os outros países...

A iniciativa em torno de criação desta comissão, a que ainda assisti, foi muito polémica. Há que recordar que a ditadura militar brasileira terminou com um compromisso político, do qual decorreu uma lei da aministia e uma ordem constitucional subsequente. Porém, há quem defenda que este tipo de entendimento não foi feito em total liberdade, pelo que sempre seria legítimo revisitá-lo, agora com a distância fria do tempo. 

Não sou brasileiro, não quero emitir opinião. A dois amigos pessoais, ambos antigos ministros da Justiço, ambos curiosamente gaúchos, ouvi argumentos divididos na matéria. Tarso Genro defendia que se deveria ir tão longe quanto necessário, Nelson Jobim achava que o que foi acordado é, simplesmente, para cumprir. 

De toda a forma, como bem notava a "Folha de São Paulo" ontem, "as conclusões e recomendações do relatório, apesar de não terem poder executivo, podem levar a novas ações de responsabilização de militares, pressionar por mudanças na cultura das Forças Armadas e pautar o debate de políticas públicas de segurança".

De facto, estes exercícios podem ter uma não despicienda dimensão pedagógica. Seduz-me menos a leitura retrospetiva, embora a entenda, pelo respeito devido à memória das vítimas. Mas, num tempo em que, não raramente, emergem no Brasil apelos à intervenção "purificadora" dos militares, será  muito mais útil mostrar às novas gerações a barbárie daquilo que foi cometido em nome da ditadura e dos meios por ela utilizados, à luz de uma "lógica de fins". E também não deixa de ser importante colocar todas estas evidências na praça pública, como forma de contrariar as patéticas proclamações dos militares saudosos dos tempos das torturas e do assassinato a frio dos inimigos. E, vale a pena dizer, não são aqui admissíveis comparações com a resposta violenta dos "terroristas": uma coisa é o livre arbítrio do poder, dono e senhor dos seus atos, outra coisa é reação acossada de quem vê ameaçado o seu próprio direito de existir, pelas ideias que professa.

Em Portugal, o 25 de abril, nos "brandos costumes" tradicionais da pátria, não cuidou em clarificar a verdade sobre o passado próximo. Na nossa ditadura, África e guerras coloniais à parte, terão morrido de forma violenta, pelas minhas contas, cerca de 90 pessoas, entre assassinatos deliberados, descasos criminosos nas prisões e outras formas de culposa violência. Ao ter decidido mandar Marcelo Caetano e Américo Tomaz para o Brasil, o novo regime perdeu rapidamente muita da legitimidade para poder vir a condenar quem agiu sob as suas ordens, exceto os responsáveis provados de crimes de sangue. Teria valido a pena criar, entre nós, uma "comissão de verdade"? Hoje não sei, confesso.

Partida


De manhã, andamos todos assim...

Mónaco

O Mónaco é um Principado que me é simpático. Rodeia-o um "glamour" eterno, assente na memória que o "Século Ilustrado" e a "Flama" nos trouxe um dia, do amor feliz entre um príncipe e uma bela atriz. Como nas histórias, tiveram filhos e terão sido felizes. Como a vida já não se faz hoje "by the book", cada um desses filhos tentou também, à sua maneira, ser feliz. Houve casamentos, divórcios, muitas aventuras. Tudo normal nos tempos que correm, mas que passou a ser notícia por se tratar de príncipes e princesas. Por estes dias, outro príncipe reina sobre o território, com uma princesa não menos bonita.

O país tem uma soberania limitada, com a França a desempenhar aí um papel preponderante. Mas é um Estado, "quand même"! Por acaso, fui o primeiro embaixador que Portugal fez acreditar no Mónaco, embora residente em Paris, onde se encontra a grande maioria dos representantes diplomáticos junto do Principado. Por essa razão, estive por lá em várias ocasiões e tive o ensejo de representar Portugal no casamento dos atuais príncipes. A quem, ontem, nasceram dois filhos.

Alberto de Mónaco é um homem simpático, cordial, que cultiva a memória da forte relação do seu bisavô com Portugal, tendo uma evidente simpatia pelo nosso país. O atual ministro dos Negócios Estrangeiros do Mónaco é, aliás, casado com uma portuguesa, descendente de emigrantes nacionais no sul de França. No Principado, trabalha um número muito considerável de cidadãos nacionais, uma comunidade muito estimada, a maioria dos quais residem na localidade francesa de Beausoleil. Basta-lhes atravessar a rua para entrar no Mónaco...

Ontem, emails de dois amigos monegascos anunciaram-me o nascimento dos novos príncipes. Conhecendo como os conheço, estes são, para eles, dias bem felizes, como testemunhei terem sido os do casamento dos príncipes. Parabéns!

quarta-feira, dezembro 10, 2014

Mandela


Ao final da tarde de ontem, na Fundação Calouste Gulbenkian, homenageámos Nelson Mandela, um ano passado já sobre a sua morte. Foram várias e algo diversas as vozes e as perspetivas de abordagem de uma figura que nos ensinou a todos uma lição muito rara de humanismo.

Coube-me apresentar e ser o interlocutor do embaixador José Cutileiro, depois do interessante retrato que fez do seu encontro com Mandela, ao tempo em que era embaixador português na África do Sul. Cutileiro tem a leitura de que foi limitada no tempo e no espaço a influência efetiva de Nelson Mandela. Na sua perspetiva, Mandela foi um fenómeno sul-africano e a África do Sul foi o alfa e o ómega da sua ação política. A África não terá "crescido" por virtude do exemplo do antigo presidente, não sendo percetível, em particular, uma sua influência concreta no espaço subregional de vizinhança geográfica da África do Sul.

Parabéns à Fernanda Rollo e ao seu Instituto de História Contemporânea por esta iniciativa, acolhida com entusiasmo pela Gulbenkian, na pessoa da sua administradora Isabel Mota.

José Manuel Galvão Teles


Foi uma bela festa! Ele mereceu-a. O José Manuel Galvão Teles, com aquele sorriso bom que o Sean Connery pretendeu, em tempos e sem êxito, imitar, é uma grande figura, não apenas da advocacia mas também, e principalmente, da cidadania. Ontem, um imenso grupo de amigos foi homenagear uma vida bem vivida, recheada de belas e bem sucedidas aventuras, ao lado da Micucha que, como bem lembrava António Serra Lopes, o atura com amorosa paciência bem para além do meio século - que com eles já comemorámos, vai para uns tempos.

Não faço parte dos mais velhos amigos do Zé Manel, mas tenho com ele, de há muito, uma relação de grande simpatia e amizade, fruto de várias cumplicidades e cruzamentos de ideias e de interesses. É uma figura que admiro pela sua inabalável postura democrática, pela fidelidade ímpar aos amigos (sei do que falo), pela sua retidão e pela maneira alegre e jovial de estar. Ontem, senti que ficou muito satisfeito pela homenagem que lhe foi prestada, pelo belo livro que lhe foi dedicado, tendo na capa uma pintura de Júlio Pomar que, como ele próprio reconheceu, lhe retrata magnificamente os olhos. Esse seu olhar sobre as pessoas e as coisas do mundo e da vida, que nele reflete a serenidade do grande homem de bem que é.

"Safanões a tempo"

Interrogado por António Ferro sobre abusos policiais sobre detidos políticos, Salazar inquiria cinicamente sobre se não seriam legítimos alguns "safanões a tempo", por forma a prevenir atos terroristas.

Foi agora publicado, sob a responsabilidade da administração Obama, o relatório sobre as torturas ("interrogatórios intensivos", no eufemismo usado) cometidas pelas autoridades americanas, depois do 11 de setembro. Lá estão, entre outras, as simulações de afogamento, a hipotermia até à morte, a "estátua" por vários dias, a tortura do sono por uma semana e outras práticas bem criativas para extrair aos detidos, não a confissão daquilo que teriam feito, mas informações prospetivas sobre aquilo que os seus amigos poderiam vir a fazer. Eu sei que o autor não está na moda, mas saiu há meses um livro, intitulado "Confiança no mundo", onde este assunto foi tratado com algum cuidado e que pode ser interessante revisitar.

Comparando com a "qualidade" e a "técnica" das torturas praticadas nessa altura pela democracia americana, posso adivinhar que alguns nostálgicos do salazarismo devem estar a pensar, por esta hora, que, afinal, aquilo que a PIDE/DGS fazia eram quase brincadeiras de crianças.

Seria importante que alguém se lembrasse destas revelações quando, daqui a meses, o "State Department" americano vier, por aí, com o seu relatório sobre Direitos do Homem nos vários países do mundo, criticando as condições em algumas esquadras de polícia portuguesas e coisas assim. Neste ano, como no passado, nem só Guantanamo serviria de exemplo; tivemos há dias as imagens de um assassinato por asfixia, pela polícia, de um cidadão desarmado, a agitar-nos ainda a consciência. Pena é que uma espécie de temor reverencial ate então as mãos das autoridades nacionais, impedindo-as de reagir à letra. A pena de morte na Guiné-Equatorial mobiliza-as (e bem!), mas o silêncio sobre práticas idênticas na auto-proclamada maior democracia do mundo merece-lhes um prudente e regular silêncio.

Sempre a aprender

Há pouco, na rádio, ouvi pela primeira vez a palavra "femicídio" para designar o assassinato de mulheres. No fundo, trata-se da qualificação feminina do "homicídio", embora agora me interrogue sobre o termo específico para designar o assassinato de homens.

Ontem, li uma comunicação emanada de uma "adidância" militar. Décadas de carreira diplomática, nomeadamente alguns anos de Brasil, não haviam chegado para me dar conta da existência do conceito. E, claro está!, a "adidância" também se aplicará aos adidos culturais, económicos, de imprensa, sociais, do SEF, do SIED, da PJ e outros que tais. E por que não aos "adidos de embaixada", o primeiro degrau da carreira diplomática? Não desgosto do conceito: tem "movimento"...

Aprender até morrer!

Horas extraordinárias

Confesso que não entendo! Por que diabo as audições nas Comissões parlamentares de inquérito não ocorrem com a normalidade dos horários das pessoas comuns? Por que é que não começam às 9.00 ou 9.30 e encerram às 13.00, recomeçando às 14.30 ou 15.00 e encerram às 17.30 ou 18.00? O que é que é que leva - será a necessidade de dramatização? - os nossos deputados a entrarem com as suas reuniões pela noite dentro? Não é a pressa, com certeza, caso contrário já há semanas que podiam ter começado. O que é que se ganha com deputados e convocados exaustos, em maratonas patéticas? Responda quem souber, porque eu não sei.

terça-feira, dezembro 09, 2014

Presunção

 
Falemos claro. Está criado em largos setores da sociedade portuguesa o sentimento de que José Sócrates é culpado. O “esquema” das ligações financeiras, que alguém passou à comunicação social para credibilizar a “operação Marquês”, caiu como “sopa no mel” na convicção de quantos, de há muito, tinham o antigo primeiro-ministro como um potencial, ou mesmo consumado, delinquente. O que agora sucedeu só vem confortar aquilo em que sempre acreditaram. Julgo mesmo que, para essas pessoas, dificilmente é concebível outro desfecho que não seja a prisão por longo tempo de José Sócrates.
 
José Sócrates não beneficia assim da presunção de inocência, em grande parte da opinião pública. Pelo contrário, há mesmo uma forte presunção de culpabilidade que o afeta e que, nos dias de hoje, leva muitas pessoas a tentar apenas saber como se passaram as coisas e, em nenhuma hipótese, se esses factos são ou não verídicos ou se, sendo-o, pode haver para eles alguma simples e plausível justificação.
 
A perplexidade perante as acusações a José Sócrates atingem também, não vale a pena escondê-lo, muita gente que tem por ele um real apreço e que valoriza muito daquilo que fez como governante. Gente que não se revê no labéu de um Sócrates “coveiro” do país e que tem a sua leitura para o que aconteceu em termos financeiros até 2011. Inundadas por notícias que remam todas no mesmo sentido, muitas dessas pessoas mantêm a esperança de que Sócrates seja capaz de clarificar tudo e desmontar a operação instalada à sua volta. Outros há ainda que, escudados no que foi a falta de fundamento para outras acusações surgidas no passado, alimentam a tese de uma cabala urdida pelos operadores judiciários.
 
Muito se tem falado sobre o papel da comunicação social neste processo. Grande parte dos meios de comunicação, confessando-o ou não, já tomou partido e esse partido não é o de José Sócrates. Não vale a pena negar nos editoriais o que os títulos não escondem.
 
Sobre este assunto eu sei tanto como o leitor, isto é, nada. Como me recuso a deixar-me cair no “achismo”, vou acompanhando as notícias, sou delas dependente e procuro pensar friamente.
 
Tenho, porém, duas certezas.
 
Se José Sócrates fosse culpado por atos que tivesse cometido no exercício das suas funções de Estado, por ações ou omissões dolosas que pudessem ter traído a confiança que milhões de portugueses nele depositaram, tratar-se-ia de algo muito mais grave do que os próprios delitos. A vida pública concede a um grupo restrito de cidadãos a possibilidade de, por mandato de outros, gerirem o país. Quem trai este compromisso merece o opróbrio definitivo.
 
Se o caso contra José Sócrates não for suficientemente sólido, se do trabalho dos acusadores viesse a sair apenas um novelo de suspeições circunstanciais, um pacote de meras convicções, estaríamos perante uma canalhice sem nome, uma ação miserável sobre um homem, que credibilizaria então todas as suspeições que existem sobre a instrumentalização do setor da Justiça.
 
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, dezembro 08, 2014

Soares e Freitas



Ontem, no almoço comemorativo dos 90 anos de Mário Soares estava, naturalmente, Freitas do Amaral. E lembrei-me do combate entre ambos, em 1986. E de mim, por essa altura.

Tinha acabado de chegar de Angola, em novembro de 1985. Passara mais de três anos na embaixada em Luanda, em tempo de guerra civil, com recolher obrigatório permanente, numa cidade de vida difícil e muitos riscos. Pouco tempo antes, o diretor-geral dos Negócios políticos do MNE passara por Luanda e sondara-me sobre se eu estaria disposto a vir mais cedo de Angola, sendo que o "timing" normal seria meados de 1996. Oferecia-me a oportunidade de um interessante lugar de chefia em Lisboa, na estrutura dos assuntos europeus, que fora criada para a próxima entrada de Portugal nas comunidades. Isso mudaria inesperadamente a minha vida, mas decidi arriscar, não apenas porque estava bastante cansado de Angola mas, principalmente, pelo interesse que tinha em aproveitar essa experiência inédita na aventura europeia - mais interessante ainda porque, à época, eu estava muito longe de ser um entusiasta pelas ideias europeias. Fiz as malas um tanto à pressa e, ainda com uma casa em obras em Portugal, saí de Luanda e vim para Lisboa. Nesse entretanto, no mês anterior, tinha havido eleições legislativas em Portugal, que o PSD ganhara, já com Cavaco Silva. Quando cheguei às Necessidades, fui apresentar-me ao secretário-geral do ministério. Notei-o algo embaraçado, pouco à vontade. É que me esperava uma desagradável surpresa: o novo governo decidira não confirmar o convite que me fora feito. Eu não teria a chefia prometida. Melhor: não teria mesmo nenhuma chefia! E, por várias semanas, nem lugar para me sentar iria ter... 

Não era assim o melhor o meu estado de espírito, nesse início de 1986. Na política e não só. A campanha eleitoral em curso em Portugal não me entusiasmava muito. À esquerda, Mário Soares disputava com Salgado Zenha e Maria de Lurdes Pintasilgo a possibilidade de bater Freitas do Amaral, numa possível segunda volta. Tinha a maioria dos meus amigos distribuídos por aqueles três candidatos. Como cidadão, a minha preferência, embora sem excessivo entusiasmo, ia para Zenha, mas eu nem sequer estava inscrito para votar em Portugal. Confesso que então me assustou bastante o discurso da direita, os chapéus de palhinha e os "loden" verde-garrafa que marcaram a campanha de Freitas, por detrás de quem sentia escondido um Portugal contra o qual, pouco mais de uma década antes, eu fizera o 25 de abril. Algumas das caras que rodeavam Freitas do Amaral eram sinistras e não me mereciam a menor confiança democrática. Por semanas, criei mesmo a exagerada sensação de que a eventual chegada deste a Belém poderia significar o início de um regresso ao "fascismo". Por isso, a vitória de Mário Soares, numa muito difícil segunda volta, acabou por ser um dos mais felizes dias políticos da minha vida. Nessa bela noite de Lisboa, avariei, por excesso de utilização, a buzina do meu carro!

Uns anos mais tarde, numa deslocação a Nova Iorque quando estava no governo, andando pela rua com Freitas do Amaral, depois de um jantar, confessei-lhe: a possibilidade da vitória dele, em 1986, havia sido, para mim, um dos momentos mais angustiantes, como cidadão. Freitas do Amaral sorriu e disse-me: "Espero que, com o passar dos anos, tenha percebido que eu não era um fascista". Tinha toda a razão. Embora o futuro nunca me tenha dado uma absoluta certeza daquilo que Freitas do Amaral politicamente é, reconheço, sem a menor dificuldade, que não é um "fascista". E que, pelo menos por ele, o meu susto de 1986 era exagerado. Mas lá que essa vitória de Mário Soares foi muito saborosa, lá isso foi...  

Clain d'Estaing

Os artigos que Mário Soares enviava de França, onde estava exilado, para o jornal oposicionista "República", eram regularmente cortados pela censura.
 
Raul Rego, diretor do jornal, sondou um dia o serviço desse "Exame Prévio" sobre se poderia nomear como correspondente do jornal, em Paris, um primo do presidente Giscard d'Estaing. Aos coronéis do "lápiz azul" a ideia não mereceu objeção. E assim passaram a surgir no "República", com regularidade, textos de análise da situação política francesa subscritos por "Clain d'Estaing", o tal "primo" de Giscard. Que era nem mais nem menos do que Mário Soares.

Os incompetentes da censura nunca foram capazes de associar a homofonia do nome do correspondente à palavra francesa para "clandestino"...

Recordo aqui esta historieta, nestes que são os "dias" de Mário Soares.

As praxes e os militares

Há uns meses, o país indignou-se com a tragédia do Meco e, por umas semanas, discutiu as praxes. Depois, com a cobardia das autoridades universitárias, tudo voltou mais ou menos ao mesmo. Deparei, há uns tempos, com um grupo de energúmenos (significativamente da mesma universidade) a humilharem colegas no jardim do Campo Grande, em Lisboa. Dias depois, numa noite chuvosa e fria de Viana do Castelo, assisti a práticas idênticas. Porque a violência, mesmo "consentida", é crime, senti-me tentado a chamar a polícia. Desisti da ideia, pela certeza da inutilidade do gesto.

Há dias, a televisão trouxe-nos o caso de práticas violentas ocorridas nos Pupilos do Exército, bem documentadas e sem margem para quaisquer dúvidas. Trata-se do quarto caso, em duas semanas. Há décadas que estas denúncias ocorrem, sempre seguidas de "rigorosos inquéritos" de cujos resultados ninguém mais ouve falar. Há como que uma aceitação tácita deste tipo de agressões, protegidas por uma espécie de "omertà" que silencia as crianças e protege os agressores, com muitos pais cúmplices dessa atitude.

É pena que a imprensa não siga este caso com atenção, não deixando que ele caia no esquecimento. É triste que a hierarquia militar se cale, por um aparente corporativismo castrense que a não dignifica. E se a Associação 25 de Abril, cujos membros tanto se bateram pela democracia, se interessasse pelo assunto, provando que a liberdade não se perde ao atrevessar a porta de armas das instituições militares?

domingo, dezembro 07, 2014

Mário Soares

Começo por uma declaração de interesses: sou amigo de Mário Soares.

Vi-o pela primeira vez em 1969, à porta da Sociedade Nacional de Belas Artes, na rua Barata Salgueiro, em Lisboa, numa noite em que o então líder da oposição socialista pretendia aí fazer uma "sessão de esclarecimento". A polícia proibiu o "ajuntamento" e ouvi Soares, com voz forte e indignada, a contestar a decisão diante do famigerado capitão Maltez, antes deste ter ordenado a dispersão daquelas dezenas de pessoas, "por ordem do governo". Lembro-me bem de Soares perguntar, jocoso: "e que ministro é que deu a ordem? O da Agricultura?". Um grande jarrão à entrada de um vizinho restaurante chinês, atrás do qual me refugiei com uma amiga, ia sendo a vítima colateral da subsequente fuga dos circunstantes.
 
Cruzaria depois Soares, ainda nesse ano, em duas outras reuniões da oposição. Eu estava então noutra onda política, longe das suas ideias, mas apreciava-lhe já a coragem e a determinação. Depois das "eleições" de outubro desse mesmo ano, em que Soares e os seus amigos tiveram um resultado muito fraco - relativamente ao resto da oposição -, o líder socialista saiu do país e, mais tarde, seria obrigado a permanecer no estrangeiro, sob pena de ser preso se regressasse a Portugal. Só aqui chegaria em 29 de abril de 1974.
 
Verdadeiramente, a primeira conversa que me lembro de ter tido com Mário Soares seria quase 20 anos depois, em Londres, na nossa embaixada, aquando da sua visita de Estado, como presidente, ao Reino Unido. Falámos desses episódios da luta contra a ditadura e de amigos comuns. Criámos uma imediata relação de simpatia.
 
Em fins de 1995, dar-me-ia posse como membro do governo e, poucos dias depois, acompanhei-o a Israel e à Palestina, escassos meses antes dele abandonar Belém. Lembro-me de uma frase que então me disse: "Sabe que, em 10 anos como presidente, é a primeira vez que sou acompanhado numa visita oficial ao estrangeiro por um membro do governo da minha família política?" Era verdade. Fui o primeiro e o último, embora Soares me tivesse contado histórias que revelavam o cordial entendimento que tinha tido com alguns governantes do "cavaquismo", período a que Guterres tinha posto um ponto final, semanas antes.
 
Desde então, convivi bastante com Mário Soares. Tive o gosto de o ter a prefaciar e a apresentar um livro meu. Andei com ele por vários locais, de Estrasburgo a Roma, de Brasília a Paris. Em Lisboa, na sua Fundação e em várias outras ocasiões, tive o ensejo de trocar com ele impressões sobre o mundo, sobre a Europa e sobre as pessoas que ele cruzou. Integrei a "comissão de honra" da sua frustrada terceira candidatura à Presidência da República, que achei dispensável mas que entendi ter o dever moral de acompanhar. 
 
Tenho orgulho em poder hoje afirmar que sou amigo de Mário Soares. Tenho por ele um imenso respeito, uma profunda consideração pela sua postura cívica, pela magistratura ética que representa para o nosso país. No passado, nem sempre estive de acordo com ele e, ainda hoje, divirjo de algumas atitudes que toma ou de declarações que faz, sendo que essa divergência é muitas vezes mais pela forma do que pelo conteúdo. Mas essa é a "graça" de Mário Soares: ter a coragem da opinião forte, não se importar com a polémica, saber arrostar com a crítica, não se calar perante a indignação. Ter-lhe-ia sido mais fácil, se quisesse passar imune por entre as pingas da conjuntura, remeter-se a um silêncio de "Colombey", construir um currículo de silêncios graves, numa parcimónia de palavras e gestos que é a patine que molda os estadistas de cera. Soares não é assim e felizmente que o não é.
 
Mário Soares faz hoje 90 anos. Vou estar com ele e com alguns dos seus muitos amigos para lhe dar um forte abraço e para lhe agradecer a ventura que é tê-lo connosco. Soares não durará sempre e, quando um dia desaparecer, tenho a certeza que o nosso país ficará tristemente órfão do seu exemplo cívico.

sábado, dezembro 06, 2014

Tratado orçamental

Parece-me pouco sensato ouvir agora, da boca de alguns responsáveis da nova direção do PS, a ideia de que a anterior liderança não devia ter concedido o seu voto ao Tratado Orçamental europeu, quando, em 2012, esse instrumento jurídico foi submetido à ratificação pelA Assembleia da República, depois da sua assinatura.

O Tratado Orçamental foi uma medida de reforço do rigor macroeconómico desenhada para tentar acalmar os mercados, num tempo de grande incerteza. Não se nega o seu caráter constrangente e mesmo o eventual irrealismo daquilo que prevê em termos de metas. O PS votou a favor do Tratado na Assembleia da República. O que teriam feito os socialistas se acaso fossem poder em Portugal, à época? Se acaso tivessem conduzido o país a um voto contra, Portugal teria ficado isolado e seriam acusados de um gesto de grande irresponsabilidade. Basta pensar o que aconteceu com os socialistas franceses que, depois de uma grande agitação retórica antes das eleições presidenciais, acabaram por subscrever o Tratado, logo que regressados ao poder.

Alguns poderão dizer: mas se, em 2012, havia na AR uma maioria de direita suficiente para fazer aprovar o Tratado, não poderia PS ter evitado "sujar as mãos" com esse seu voto? Não. O PS é um partido de poder, não poderia ter gestos oportunistas dessa índole sem atingir a sua credibilidade política internacional. António José Seguro fez muito bem em fazer votar o Tratado Orçamental.

Outra coisa, agora, é a necessidade do PS, como António Costa tem vindo a defender, se juntar a quantos, um pouco por toda a Europa que subscreveu o Tratado, pugnam por uma sua leitura "inteligente", nomeadamente no tocante à discussão dos fundamentos em que assenta o conceito de "défice estrutural" e na questão dos critérios caraterizadores dos ciclo económicos, que poderão flexibilizar o rigor dos seus preceitos.  Essa, sim, é uma "bonne guerre".

sexta-feira, dezembro 05, 2014

Gastronomia

Hoje, a Academia Portuguesa de Gastronomia, presidida por José Bento dos Santos e da qual faço parte, procedeu, no Grémio Literário, à entrega anual dos seus prémios. Com um almoço, naturalmente.

Dentre os prémios, quero destacar o prémio "Maria de Lourdes Modesto", destinado a premiar, "a título excecional", "um restaurante de cozinha tradicional portuguesa de grande qualidade". A distinção, cujo merecimento pessoalmente reitero, foi para o transmontano "Geadas", um excelente restaurante da cidade de Bragança.

Na ocasião, tive o gosto de conhecer a patrona do prémio, Maria de Lourdes Modesto. Para além de fazer parte da memória televisiva da minha geração, a ela se deve uma cuidadosa recolha de receituário culinário português que muito tem contribuído para a fixação desse nosso património cultural.

"Tudo pela Palestina?"

Há pouco mais de três anos, Paulo Portas, num sound bite mais apropriado a um título de “O Independente” do que a uma declaração de um responsável pela política externa de um Estado, saiu-se com a frase “Tudo pela Palestina, nada contra Israel”. Tentar resolver a quadratura do círculo é uma atitude estimável, mas gratuita.
 
A comunidade internacional vive, desde há anos, com o angustiante dilema de tentar proteger Israel do recorrente extremismo de alguns dos seus dirigentes. Simultaneamente, e não obstante a diversidade na abordagem, o mundo tem procurado dar alento, político e financeiro, à estruturação do Estado palestino, ciente de que não pode deixar de responder à profunda injustiça que atravessa o destino do seu povo.
 
Israel parece agora tentado a uma fuga para a frente a qual, a concretizar-se, pode vir a ter consequências naquilo que, até agora, era a sua identidade inatacável: a democraticidade do seu regime. Ao optar pelo caráter judaico do seu Estado, Israel caminha para um regime de “apartheid” – e devemos ter a coragem de dizer estas coisas com todas as letras.
 
É lamentável que o governo português revele uma imensa tibieza face ao crescente movimento europeu no sentido de reconhecer o Estado da Palestina, como se já não tivesse bastado a lamentável postura assumida por ocasião da integração da Palestina na UNESCO, que foi depois necessário retificar de forma atabalhoada na ONU. A política externa portuguesa deve mostrar-se coerente com o sentido de responsabilidade que revelou, por muitos anos, ao abordar a questão israelo-palestina. Assim, deveria agora ter estado na linha da frente deste reconhecimento, não ficando comodamente à espera da sua quase inevitabilidade, com conforto parlamentar, para fazer esse gesto. "Prudência e caldos de galinha" não ilustram uma postura internacional e tentar passar despercebido e ganhar tempo, apenas para agradar a amigos poderosos, é apenas uma forma de poder ser vir a ser acusado de oportunismo. Isso não dignifica Portugal, como nas Necessidades deviam saber.
 
Artigo que hoje publico no "Diário de Notícias"

Interrogação

Hoje, no "Diário de Noticias", publico um artigo que intitulei "Tudo pela Palestina?".
 
Olho agora para o "online" do jornal e verifico que o ponto de interrogação desapareceu. Apenas no "online". Mas muda tudo. É a vida!

quinta-feira, dezembro 04, 2014

Sem Camarate

O exercício não deixa de ser fascinante, embora sem consequências.
 
Qual teria sido o futuro político de Francisco de Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa se, na noite de 4 de dezembro de 1980, não tivessem morrido no desastre aéreo (fujo de qualificar como acidente ou atentado) de Camarate?
 
Há certezas: Eanes ganharia de igual modo as eleições presidenciais, dois dias mais tarde, contra Soares Carneiro. E Sá Carneiro não continuaria na chefia do governo. Mas haveria novas eleições, com Eanes a tentar "cavalgar" a sua vitória, ou a solução Balsemão iria de qualquer forma ter lugar, como aconteceu? E que faria Francisco Pinto Balsemão como primeiro-ministro, com Sá Carneiro fora de cena, a guardar para si a verdadeira legitimidade social-democrata? Sabe-se que Freitas do Amaral também não continuaria no executivo. E a Aliança Democrática? Manter-se-ia? Era muito pouco provável que Adelino Amaro da Costa viesse a ser a "cara" do CDS num governo Balsemão, tanto mais que fora ele o responsável pela falhada escolha de Soares Carneiro como candidato da direita. Que governo, liderado pelo PSD, surgiria no imediato?
 
Sá Carneiro teria hoje 80 anos. Qual teria sido o seu percurso desde então? Se não tivesse havido Camarate, seis anos depois, Portugal teria entrado de igual modo para a Europa comunitária. Que oportunidade teria entretanto tido Cavaco Silva para se afirmar no seio do PSD? Como teria sido a evolução da relação entre Sá Carneiro e Mário Soares, o verdadeiro contraponto geracional que se esperaria? Em 1986, Sá Carneiro teria sido eleito contra Mário Soares, que derrotou Freitas do Amaral com grande dificuldade? O carisma de Sá Carneiro seria suficiente para criar um grande partido de direita, absorvendo o CDS?
 
E Amaro da Costa? Continuaria a subordinar-se à tutela de Freitas do Amaral, ele que era politicamente muito mais hábil? Teria hoje 71 anos. Será que ele teria conseguido garantir uma melhor progressão dos centristas no espetro político, escapando aos períodos de grande instabilidade que afetaram o CDS?
 
Tudo isto são especulações. A realidade é o que está aí. 

As fotos

Há bastantes anos, num momento complexo de uma negociação financeira europeia, em que a posição portuguesa era muito delicada, dei uma entrevista a um jornal diário. Foi um prestação relutante, pela sua oportunidade, só realizada dada a particular consideração que a jornalista que a solicitou me merecia. Acrescia o facto de estar engripado e com um pouco de febre. A conversa correu bem, mas, talvez talvez pela minha concentração, distraí-me e não atentei no deambular do fotógrafo pelo gabinete. No dia seguinte, ao olhar para o jornal, dei-me conta do texto ter sido ilustrado por fotografias em que surjo com um braço estranhamente cruzado sobre a testa e numa atitude facial que poderia significar quase desespero. A seleção feita pelo paginador privilegiou imagens que pretendiam ilustrar um tempo de "tragédia". Na realidade, apenas refletiam um entrevistado febril.

Recordo-me que a jornalista que fez a entrevista ficou desagradada e me pediu desculpa pelo modo como ela fora tratada pelo jornal, no que havia sido, objetivamente, um ato de desrespeito pouco consentâneo com um profissionalismo correto. 

Com um fotógrafo a passarinhar à nossa volta durante largos minutos, é impossível que ele não fixe instantes que, se isolados, podem parecer ridículos. Os nossos gestos não são controlados ao ponto de mantermos sempre a maior das elegâncias, particularmente se estivermos descontraídos a falar com alguém. Todos nós temos a experiência de eliminar, com regularidade, fotografias em que achamos que "estamos mal". Imagine-se agora que era feito um álbum nosso precisamente com a coleção dessas imagens...

Tenho-me lembrado disto ao observar as fotografias que os jornais escolhem, nos últimos dias, para acompanhar as reportagens sobre José Sócrates. É uma interessante ilustração do modo como a seleção das imagens, o caráter sombrio dos planos ou os esgares captados numa imagem de rua ou numa pausa de uma cerimónia, servem para transmitir uma nota subliminar, ligada ao sentido da mensagem que o texto pretende fazer passar. Sublinho que esta minha observação não tem qualquer sentido crítico. É perfeitamente natural que isto assim suceda, que as reportagens procurem, nos arquivos, os apoios de imagem mais adequados, mas isso não impede que ache interessante que saibamos "desconstruir" o modo como as nossas sensações são condicionadas.

Uma questão talvez incómoda

Há semanas, num jantar com um antigo ministro de uma das antigas colónias portuguesas, que tinha vindo ao nosso país para estar presente numa evocação da Casa dos Estudantes do Império, coloquei-lhe uma questão: será que os novos países emergentes da colonização portuguesa manifestaram já o seu reconhecimento àqueles que, em Portugal, sob a repressão da ditadura, lutaram a seu lado, defendendo a independência dessas colónias?

A oposição ao Estado Novo chegou tarde ao anti-colonialismo. O patriotismo do movimento republicano, no final do século XIX, tinha a defesa das colónias no eixo da sua doutrina. Já no século XX, Portugal forçou a sua entrada na Grande Guerra como forma de poder sentar-se à mesa dos vencedores, que decidiria o futuro dos territórios. Cunha Leal e Norton de Matos, figuras destacadas da oposição a Salazar, eram orgulhosos "colonialistas", tendo-se confrontado nesse terreno com Salazar em termos meramente metodológicos. Nos anos 50, perante o movimento independentista que se generalizou às colónias britânicas, francesas e belgas, os democratas portugueses permaneceriam por muito tempo numa linha recuada.

Embora com um "timing" bastante atrasado face aos seus congéneres europeus, verificaremos que os comunistas portugueses foram os primeiros a iniciar uma leitura sobre a inevitabilidade da independência das nossas colónias. O desencadear da luta armada em Angola, e a tomada do Estado da Índia, em 1961, marcam o início desse novo tempo. Se nenhuma hesitação se pode igualmente registar da parte dos movimentos de extrema-esquerda, surgidos na vida política portuguesa a partir de 1962, já na área socialista o tema levou muito mais tempo a maturar: durante as "eleições" legislativas de 1969, o discurso "ultramarino" da Ação Socialista Portuguesa (ASP), liderada por Mário Soares na CEUD, manteve-se ainda muito equívoco. Já antes, aliás, na origem da crise da Resistência Republicana e Socialista, que daria origem à cisão entre a ASP e a Ação Democrato-Social, a questão colonial havia estado já ligeiramente presente.

Pode dizer-se que as eleições de 1969 representaram o momento em que a questão da luta anti-colonial passou a estar no centro do discurso oposicionista. É nessa altura que começam a multiplicar-se ações muito concretas de apoio aos "movimentos de libertação", com uma curiosa incidência nos meios católicos, enfunados pela leituras radicais do Concílio Vaticano II, de que o episódio da Capela do Rato (1972) é um exemplo importante. Exemplos como o CIDAC (Centro de Informação e Documentação Anti-Colonial, reconvertido, após 1974, em Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral) e as ações violentas conduzidas pelas Brigadas Revolucionárias e pela Ação Revolucionária Armada são apenas algumas dentre as muitas estruturas cuja ação ilustrou, de forma muito clara, essa atitude anti-colonial no seio da oposição à ditadura. Note-se que a repressão policial tinha as expressões de apoio à luta armada nas colónias como alvo prioritário.

Apoiar a independência das colónias nunca foi fácil. Com tropas portuguesas a morrerem nas frentes africanas, no combate aos movimentos independentistas, estava longe de ser cómodo assumir, em Portugal, um apoio a esses grupos. Quem o fez arrostou - e às vezes ainda arrosta - com um labéu de "traidor", que se estendeu com particular virulência aos desertores. Ter razão antes do tempo é, quase sempre, bastante complexo.

E volto ao princípio, para me interrogar sobre se os novos Estados, passados que são quase 40 anos sobre as suas independências, marcaram já, de forma clara e inequívoca, o seu reconhecimento histórico face a quantos, deste lado europeu - mas também, em alguns casos, no seu próprio território -, arriscaram a sua vida e a sua segurança para apoiarem uma luta que consideravam justa. Não creio que isso tenha sido feito e tenho pena: essa seria uma ação pedagógica junto das próprias opiniões públicas das antigas colónias, que assim melhor perceberiam que os seus povos puderam contar, a partir das suas primeiras movimentações de contestação dos poderes de Lisboa, com bons e leais amigos na "frente" do próprio país colonizador, que por eles correram fortes riscos e muitos dos quais pagaram por isso um imenso preço. Talvez a própria imagem de Portugal junto desses novos Estados pudesse vir a ganhar com isso. Mas, um gesto desses, a ser feito, teria de sê-lo num prazo de tempo razoavelmente rápido. É que essa geração portuguesa começa já a desaparecer.

quarta-feira, dezembro 03, 2014

A esquerda e as greves

Às vezes, há a ideia que ser de esquerda é estar, como regra, ao lado daqueles que fazem greves. Assim, não sei o que há-de fazer alguém que se considera de esquerda e que se opõe:
 
- às greves do pessoal da TAP, que afetam dia após dia, o valor da companhia e parecem ter como objetivo desvalorizá-la para a "passar a patacos" na privatização;
 
- às greves de enfermeiros por altura do surto da "legionella";
 
- às greves dos maquinistas da CP, que já se fazem substituir por atrizes brasileiras na condução a alta velocidade;
 
- às greves dos professores comandados pelo inefável Mário Nogueira, cujos estudantes a quem deu a última aula devem estar já à beira da reforma.

Ah! Leão!

Quantos pontos poderia o Sporting ter poupado se tivesse havido uma decisão mais ponderada na escolha do sucessor de Amorim?