quinta-feira, janeiro 05, 2012

Nacionalismo económico

O nacionalismo económico é um reflexo normal em tempos de crise. A tendência para o argumentário protecionista, para o estímulo a consumir preferencialmente o que é "nacional" e, à la limite, a busca tendencial da autosuficiência (ouve-se muito isso, sob o conceito de "segurança alimentar", no debate sobre política agrícola), tudo isso faz parte de uma reação natural num tempo de medos e de incertezas.

Sem negar a importância de tentar reduzir, por todos os meios possíveis, o défice da nossa balança comercial externa, alguma prudência e racionalidade devem ser mantidas neste tipo de discurso: basta lembrar que, se todos os outros procedessem da mesma forma, ninguém consumiria um único produto português no estrangeiro. Ora é unânime o reconhecimento de que é na exportação que reside grande parte da chave para o nosso crescimento. Mas convenhamos que é um pouco irónico estar a apelar ao "patriotismo" dos consumidores quando - como se viu  nos últimos dias - há operadores económicos com uma noção de Pátria bem mais ligada à folha de lucros.

O debate sobre esta temática está muito aceso aqui em França, em tempos de campanha presidencial, com os vários candidatos a falarem nela, em tons diferenciados. Há dias, o presidente Sarkozy fazia uma importante distinção entre o conceito de "comprar produtos franceses" e o de "comprar produtos produzidos em França", dizendo ser favorável a que se privilegie a compra destes últimos (mesmo por empresas estrangeiras que aqui investiram e atuam - criando postos de trabalho, pagando impostos) ainda que em detrimento de que de produtos fabricados no estrangeiro por empresas francesas (fruto de deslocalizações, por virtude de regimes salariais e fiscais mais favoráveis e, eventualmente, de algum "dumping" social). Percebe-se a racionalidade desta tese mas, também ela, se confronta com uma realidade inescapável: muito daquilo que, na área industrial, é atualmente produzido, em França como em outras partes do mundo, nomeadamente nas áreas com maior valor acrescentado, obriga à utilização de componentes importados de países com custos de produção mais baixos, sendo de todo impossível garantir a sua substituição por produtos idênticos gerados em território francês.

A globalização (a que, em França, se chama "mundialização") criou uma lógica de funcionamento coletivo dos mercados que, na prática, limita hoje muito o recurso a medidas de "preferência nacional" através de decisões administrativas ou outras de sentido normativo. E a plena interiorização disso na filosofia da política externa da UE reduziu, também bastante, as possibilidades de recuo para a retoma da antiga "preferência comunitária", tanto mais que a justiça comunitária é de um irreversível rigor. O único espaço que hoje ainda existe, para os países que não queiram violar abertamente as regras a que se comprometeram na Organização Mundial de Comércio, é trabalhar nas margens de recuo que o fracasso do "ciclo de Doha" da organização acaba por dar. Basta ver as medidas que o Brasil tomou nos últimos dias para se perceber o que pode representar uma assumida agenda protecionista nos tempos modernos.

Mas é importante que cada um seja chamado a assumir as suas responsabilidades. Muitos dos que agora protestam contra as consequências negativas deste estado de coisas estiveram, com todo o entusiasmo, ao lado dos promotores das aberturas dos mercados nas liberalizações dos anos 80 e 90, quando isso lhes dava jeito para adubar as loas que faziam ao "internacionalismo dos mercado". Isso era então o salvatério para um mirífico bem-estar coletivo, um espécie de "amanhãs que cantam" do liberalismo, aprendido em MBA anglo-saxónicos ou que em Portugal se esforçam por passar por isso. São os mesmos, aliás, que endeusaram a desregulação "criativa" dos mercados financeiros internacionais, com as consequências que agora se viu. E gostaria de lembrar que quando, por essa altura, alguém se atrevia a falar das condições sociais de produção em certos espaços geográficos (trabalho infantil, regras laborais, limitações sindicais, "dumpings" diversos), era um "aqui d'el rei!" de que se estava a tocar na liberdade de comércio. Agora queixem-se...

Fatura

Não consigo encontrar um mínimo de racionalidade na decisão, hoje anunciada na comunicação social, de vir a punir com coimas quem não pedir recibo numa qualquer transação comercial e, ao mesmo tempo, instituir uma outra coima para quem não quiser emitir essa fatura.

Não seria muito mais simples determinar que toda e qualquer transação comercial deveria dar origem automática à emissão de uma fatura/recibo, sem que nunca houvesse necessidade de pedir esse documento? Em vários países onde vivi existe essa regra, pelos vistos inaplicável em Portugal.

Mas, com certeza, devo ser eu quem está a ver mal as coisas.

Neologismos

Hoje, passou-me pela mão um documento oficial em que se fala de "aprendentes" de cursos. 

Será que já faz parte do politicamente correto ter medo de dizer "alunos"?

quarta-feira, janeiro 04, 2012

Diplomacia desportiva

Ontem, durante o Seminário Diplomático, ao ministro francês dos Negócios Estrangeiros, convidado de honra para a ocasião, foi oferecida uma garrafa especial de vinho do Porto, testemunho da importância que tem, para Portugal, o mercado francês. Alain Juppé é "maire" de Bordeaux, onde se produzem magníficos vinhos de mesa, mas nada parecido com o néctar do Douro. 

Como tenho aqui repetido algumas vezes, a França é o primeiro destinatário mundial das exportações de vinho do Porto, embora haja ainda muito a fazer para garantir que possamos aqui vender quantidades significativas dos nossos melhores Portos. E - já agora, vale a pena dizê-lo - não foi fácil conseguir, há alguns meses, numa negociação que foi complexa, isentar o vinho do Porto de uma nova tributação fiscal, no orçamento francês para 2012.

Se a França é, atualmente, o maior consumidor, o Reino Unido foi, desde sempre, o seu mais tradicional destino de exportação. Por essa razão, e porque continua ainda a ser um mercado muito importante, a nossa diplomacia em Londres tem um particular e constante cuidado com a promoção do vinho do Porto e com a sustentação dos fluxos comerciais do produto.

O Porto faz parte, aliás, da tradicional cultura social britânica, quase tanto como o chá (aí introduzido por Catarina de Bragança, diga-se de passagem). Num jantar britânico, é de bom tom, no final da refeição, colocar sobre a mesa uma garrafa de cristal com vinho do Porto: cada pessoa serve-se a si própria e, após fazê-lo, pousa a garrafa sobre a mesa, colocando-a à sua esquerda, por forma a que o parceiro desse lado proceda de forma idêntica. É considerada má educação passar a garrafa diretamente para a mão do vizinho do lado: deve ser ele a levantá-la da mesa. Ah! e, sem exceção, a circulação da garrafa fez-se de acordo com esse sentido, o dos ponteiros do relógio.

Os britânicos têm, como regra, honrar também os seus convidados portugueses com uma oferta de um Porto, no final das refeições. Só que nem todos os portugueses entendem bem isto.

Em 1992, o Benfica foi jogar a Londres, com o Arsenal, e a direção dos "gunners" convidou a direção do clube português para um jantar, num restaurante de Regent Street. Simpaticamente, como encarregado de negócios, fui incorporado na delegação portuguesa. O jantar correu como é "normal" em ocasiões idênticas: os portugueses falaram com os portugueses e os ingleses entre si. Como diplomata, fiz as despesas das conversas com os anfitriões. Nada que não seja comum...

Chegado o final do jantar, assomou à mesa um "decanter" com o vinho do Porto, gesto maior de simpatia para com visitantes, ainda por cima portugueses. E aí, para surpresa imensa de quem nos convidava (e minha, também, confesso), nenhum - repito, nenhum - dos portugueses, com a exceção do diplomata presente, aceitou um cálice de Porto. Uns diziam abertamente que não gostavam, outros que lhes fazia mal e era "pesado", outros apelaram a uma alternativa, como um "malte" ou um cognac. A cara dos britânicos era indescritível. 

A "diplomacia desportiva" tem destas peculiaridades. E, por vezes, não ajuda à económica. Para a pequena história, e para azar dos britânicos, o Benfica ganhou, e bem!

terça-feira, janeiro 03, 2012

Seminário diplomático

Hoje, não vou estar presente no Seminário diplomático, onde o MNE reúne os seus chefes de missão, que estejam de passagem por Lisboa, com a hierarquia das Necessidades. E este era, precisamente, um ano em que haveria mais razões para eu por lá estar: o convidado de honra é o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé. Mas há, do meu lado, impedimentos temporários de saúde que não podem ser ultrapassados.

Este género de reuniões existe, creio, desde a primeira metade dos anos 90. Julgo ter sido em 1994 que assisti, pela primeira vez, àquilo que eram então chamadas as "reuniões de altos funcionários". Em seis desses encontros, entre 1995 e 2001, neles perorei regularmente sobre política europeia, quando as funções que então tinha a isso me chamavam. Creio que não estive presente no seminário por duas vezes: em 2003, porque alguém cuidou em não me convidar, e em 2007, por compromissos oficiais no estrangeiro.

É sempre importante para os chefes de missão ouvir de viva voz o seu ministro, bem como outros altos responsáveis setoriais, apontando as suas orientações para a nossa política externa, no ano que abre. Isso é ainda mais relevante num tempo como o atual, com um novo governo, num momento de excecional exigência, em que a malha diplomática e consular está sujeita a constrangimentos e a severas economias de escala. Perceber bem as nossas prioridades, aquilo em que devemos centrar a nossa ação, as mensagens que devemos transmitir àqueles junto dos quais estamos acreditados, enfim, tudo o que de nós se exige neste contexto muito particular, torna-se, assim, essencial. Essa é a principal razão - para além das que indiquei e do interesse em reencontrar amigos e colegas - pela qual lamento bastante não poder estar presente no Seminário diplomático de 2012.

Corgo

Ao longo da vida, fui aprendendo a não ter opiniões perentórias (é assim que se escreve, nos termos do novo Acordo Ortográfico, por muito que isso custe a alguns) sobre assuntos de que pouco sei. Posso ter sentimentos ou "feelings", posso emitir opiniões "de mesa de café", mas habituei-me a estudar os assuntos antes de sobre eles me pronunciar de forma categórica. E, quando não os conheço, assumo-o claramente. Fico mesmo surpreendido com a imensidão de "tutólogos" (os que falam e escrevem sobre tudo) que por aí anda, alguns, aliás, bem pagos "à peça". Que sabedoria!

Vem isto a propósito do anunciado termo formal da linha do Corgo, a ligação ferroviária entre a Régua e Chaves, passando por Vila Real, Vila Pouca de Aguiar, Pedras Salgadas e Vidago, que teve belas carruagens antigas (1ª, 2ª e 3ª classes) e, durante muitos anos, fumarentas locomotivas a vapor. Não faço ideia se há ou não razões sólidas para a decisão. Deve haver, pela certa.

Tenho no meu ouvido, desde a infância, a voz de um funcionário da CP a chegar à casa da minha família, em frente à estação das Pedras Salgadas, à procura do meu tio João Santos, secretário da Câmara municipal de Chaves: "o senhor chefe da estação manda perguntar ao senhor Joãozinho se ainda se atrasa muito, pois o comboio tem de partir...". E recordo-me que o mesmo responsável pela estação ia frequentemente buscar um banco de madeira para ajudar algumas senhoras da família a galgar a distância entre o cais e o último degrau do comboio. Penitencio-me por nunca ter feito o percurso entre as Pedras Salgadas e Chaves, com a gabada descida do Reigaz, a passagem em Oura e no Vidago, com vista para o Palace, até ao cruzamento com a linha do Tâmega, antes do fim da linha (cujo projeto de continuidade internacional para Verin ficou sempre no papel). Mas ficaram-me na memória, para sempre, apeadeiros com nomes tão sonantes como Nuzedo, Zimão, Tourencinho, Fortunho ou Cigarrosa.

A CP decidiu agora assumir a decisão de fechar a linha do Corgo, ao que parece por imperativas razões financeiras. Não sei quanto custaria manter, para efeitos turísticos, o percurso que ainda existia, entre Vila Real e a Régua. De uma coisa estou bem certo: custaria muito menos do que os oito milhões de euros que as greves dos maquinistas, só no ano de 2011, fizeram perder à empresa. Mas essas são outras contas. 

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Os dias do movimento

Estes não são dias como os outros. Na carreira diplomática, as pessoas mudam de postos, de tempos a tempos. Uns transitam entre embaixadas ou consulados, outros passam de Lisboa (da "secretaria de Estado", no jargão da carreira) para lugares no estrangeiro ("para posto"), ou vice-versa. Às vezes, estas novas colocações acontecem caso-a-caso, espaçadas entre si no tempo. Outras vezes, as nomeações têm lugar para um conjunto mais ou menos largo de funcionários. Neste caso, ocorre aquilo a que se chama, na tradicional linguagem das Necessidades, "o movimento". São esses os dias que vivemos.

O movimento é um evento sazonal importante, uma reorientação dos destinos da casa pela tutela, com a atribuição de novas responsabilidades aos funcionários. Nunca se sabe, ao certo, quando o movimento tem lugar, pelo que é invariavelmente precedido de uma imensidão de boatos sobre a sua efetiva concretização ("dizem que já está para assinatura em São Bento"), com palpites diários sobre datas ("cheira-me que ainda sai esta semana. Já tem o OK de Belém"), sempre de "fontes fidedignas" ("uma senhora do 'quarto andar' garantiu-me que já está para publicação"). Umas vezes, as coisas vão-se sabendo ao poucos (fruto das fugas nas "consultas"), noutras permanecem "no segredo dos deuses" até bastante tarde.

Sobre a substância do movimento, a "cultura" do claustro e dos corredores cria, durante semanas consecutivas, "bocas", mais ou menos fundamentadas ("nem te passa pela cabeça quem vai para Bamako!" ou "já está tudo assente: o homem vai mesmo para Hanói. Até já tratou da escola para o filho..."). A coreografia também é vista à lupa ("o tipo já se passeia como se o lugar fosse dele" ou "dizem que o homem anda, há dias, a rondar o 'terceiro andar'" ou ainda "viram-nos a almoçar juntos nas 'Espanholas'; não é por acaso!").

Com a aproximação do seu anúncio, as informações sobre o movimento vão-se tornando mais fidedignas, sendo progressivamente preenchido o quadro virtual de vagas ("afinal, confirma-se que 'fulano' sempre vai para Kampala. O 'beltrano' bem tentou, mas não conseguiu o posto"). Há sempre uns "connaisseurs" frustrados, que depois procuram justificar os seus erros de avaliação ("estava para ser como eu te tinha dito na semana passada, mas houve acertos de última hora, garantiram-me! É sempre assim!"). Há, ainda, as desilusões ("'sicrano' está fulo! Tinha por certo ir para Dushambe e, afinal, fica na secretaria de Estado. Parece que está à espera de Ulan Bator, que só 'abre' em maio, com a passagem 'à disponibilidade' do outro").

E, por fim, há as surpresas. As surpresas são o verdadeiro "sal" dos movimentos, as nomeações de quem se julgava "não colocável" ou de quem se não esperava que viesse a assumir certas funções. Tanto podem emergir de postos atribuídos ("então não queres ver que aquele tipo, depois de tudo o que se passou, ainda conseguiu ser colocado em Cartum? Francamente!...") ou (caramba! Viste o "postaço" que o tipo apanhou, vindo de onde vinha?) como dos lugares "na secretaria de Estado" que foram objeto de preenchimento ("e o homem lá vem para o lugar que queria. Vamos ter que o aturar em Lisboa. Com o feitio dele, vai ser bonito!").

Frases mais ou menos parecidas com estas devem ouvir-se, por estas horas, nos claustros e corredores das Necessidades. Foi sempre assim! Os dias do movimento são sempre dias movimentados.

Lafaye e o fado da Amália

Nestes tempos em que o fado anda tanto por aí, julgo ser justo lembrar o muito que por ele fez, através da promoção de Amália, o escritor, artista plástico e jornalista francês Jean-Jacques Lafaye. 

Lafaye teve um significativo envolvimento na vida artística internacional da fadista, a partir dos anos 80. Mas foram os seus trabalhos sobre Amália, publicados em francês, que muito ajudaram a fixar o fado no imaginário francês, que quero destacar: "Le chant des paroles", "Amalia, le fado etoilé", "Amalia Florilège" e "Récital idéal: Amalia Rodrigues/Carlos" Gardel", entre uma imensidão de outros textos e trabalhos promocionais  

Agora que a UNESCO consagrou o fado, com a ajuda do mundo, entendo que Jean-Jacques Lafaye merece partilhar conosco este momento. Aqui fica o reconhecimento, com um abraço.

domingo, janeiro 01, 2012

Nathalie

Há dias, o programa dominical televisivo "Vivement Dimanche" foi dedicado a Gilbert Bécaud, que morreu já há 10 anos. Para quem, como eu, testemunhou a imensa popularidade que Bécaud teve em Portugal, foi interessante conhecer aspetos da sua vida e trabalho de que nunca tinha ouvido falar, bem como obras de um período em que a canção francesa já tinha deixado de ser popular no nosso país. Curioso foi também ouvir Charles Aznavour contar histórias daquele que foi um seu rival de audiências.

Uma das canções de Gilbert Bécaud que ficaram no ouvido de mais do que uma geração foi "Nathalie", uma música de ritmo pretendidamente russo, que referia episódios de uma estada em Moscovo e, em especial, a companhia de uma guia local, nesses tempos misteriosos de "guerra fria" (anos mais tarde, Elton John, num outro estilo, mas com a "distância" idêntica, faria uma "Nikita", de cariz tendencialmente similar).

À época, as letras das canções não apareciam escritas nas badanas dos discos. Por isso, os mais dotados para línguas lá as iam repetindo com algum rigor, enquanto que outros "seguiam" o som e repetiam coisas que apenas lhes pareciam similares (o caso mais "trágico" eram as, então populares, canções italianas, que eram trauteadas de forma ridícula, muitas vezes sem se ter a noção do que se estava a dizer).

Numa tarde, na mesa vila-realense da Pastelaria Gomes, assisti a uma divertida discussão a propósito da letra da "Nathalie". Um teimoso colega, já um tanto esquerdista, insistia que Bécaud, no texto que cantava, se referia ao "temps beau de Lénine", em glória da Revolução de outubro (que, por acaso, foi em novembro...). Essa "revelação" deu origem a uma gargalhada imensa, até o convencermos (nesse tempo não havia Google nos telemóveis, para acabar imediatamente com as teimas) que a canção fala simplesmente do "tombeau de Lénine", o túmulo do fundador da União Soviética, na Praça Vermelha...

Sensatez

Com os anos, aprendi que uma das maiores provas de maturidade é fugir à tentação fácil, no primeiro dia de cada ano, de começar a fazer dieta, de organizar estantes e papelada, de escrevinhar com cuidado a nova agenda e lista telefónica, de procurar preparar, a tempo e horas, a vida lúdica (espetáculos, férias) para os meses que aí vêm e outras coisas assim ditadas pelas regras de uma efémera previdência, na lógica sergiana (não de António Sérgio, mas de Sérgio Godinho), de que "hoje é o primeiro dia do resto da tua vida". Se o Natal é quando um homem quiser, o ano novo também deve ser. Mudar de vida porque se muda de ano é entregar a nossa existência ao calendário. E isso é muito triste, a menos que ele seja da "Pirelli"

A grande sabedoria é ter coragem para continuar a fazer, no "ano novo", exatamente o que se fez no "ano velho". Nem mais nem ontem. Se há coisa a que é preciso resistir é ao "agora é que é!"  

sábado, dezembro 31, 2011

2012

Não quero começar este ano com uma nota pessimista. Por isso, deixo-lhes apenas uma nota realista.

Votos de um bom ano!

Como se diz na minha terra, "não há de ser nada"!

Última frase

De uma pessoa amiga, recebi, neste último dia de 2011, esta frase de Nietzsche:

"Uma das formas de disfarce mais subtis é o epicurismo e uma certa coragem ostentatória do gosto que assume ligeiramente o sofrimento e se defende de tudo o que é triste e profundo. Há homens serenos que se servem da serenidade porque essa mesma serenidade os torna incompreendidos. E que querem ser incompreendidos."

Acabo o ano com esta frase, de que gostei.

Conhecimentos

Na carreira diplomática, conhece-se muita gente. Esse é apenas o efeito colateral de uma profissão que, pela sua natureza, implica imensos contactos. Quando colocados no estrangeiro, os diplomatas acabam por ter um conjuntural acesso a pessoas, instituições e círculos sociais que estão vedados, em regra, a muitos outros cidadãos. Nas suas próprias capitais, dependendo das funções exercidas, muitos diplomatas são cortejados pelas embaixadas estrangeiras, sedentas de apoio para a obtenção de facilidades.

A primeira regra que um diplomata deve aprender é que esse seu estatuto pseudo-social é limitado no tempo e deriva apenas, ex officio, das funções que transitoriamente ocupa. E que, em regra, isso acaba com o termo dessas mesmas funções. Quando vivi em Londres, ia todos os anos ao "garden party" oferecido pela raínha, que sempre saudava pessoalmente os diplomatas numa receção de gala em Buckingham. Porquê? Apenas porque eu trabalhava então na nossa embaixada. Agora, quando vou a Londres, se um dia quiser visitar o palácio real, compro um bilhete e sigo o guia turístico. E raínha, nem vê-la!

Perceber a naturalidade disto é sintoma de mero e proverbial bom-senso. Mas, infelizmente, nem todos os diplomatas o têm. Conheci colegas, felizmente poucos!, que ficaram convencidos que, pelo facto de terem tido fortuitos contactos com personalidades públicas, passaram a beneficiar de um imediato "social upgrading".

Recordo uma jovem adida de embaixada que, tendo acompanhado o seu ministro dos Negócios Estrangeiros numa delegação a um determinado país, durante a qual o governante foi simpático e "quebrou" alguma distância, se sentiu autorizada, de regresso a Lisboa, a convidar o ministro para a sua festa de aniversário. E ficou ofendida com a "nega" que recebeu...


sexta-feira, dezembro 30, 2011

Prendas

Na vida internacional, recebem-se frequentemente algumas prendas que consideramos bizarras. As mais das vezes, isso deve-se ao facto dos critérios estéticos de certas culturas serem muito diferentes dos nossos. Por isso, ficamos frequentemente "sem graça" ao ser confrontados com ofertas que, de imediato, concluímos que não irão nunca ter um lugar nas nossas casas. Se as oferecemos a terceiros, para além disso poder representar uma ofensa a quem no-las deu se se acabar por se saber desse desvio, também ficamos com a obrigação de explicar o que estamos a dar e a razão por que isso acontece. É sempre um problema, até porque, não raramente, se trata de peças caras, não tendo nós o direito de não reconhecer a gentileza do gesto.

Recordo-me que, há uns anos, a minutos de sair de um hotel de um riquíssimo país do Golfo, para o qual tinha apenas levado uma mala de mão e uma pequena pasta, cheiíssimas já com roupa e papelada, fui surpreendido pela oferta de uma imensa - mas horrorosa! - e muito pesada peça de cristal. Nem eu tinha como a transportar, numa viagem que iria ter duas escalas, nem aquilo poderia alguma vez ser exposto em sítio algum. Optei, em desespero de causa, por oferecê-la ao motorista que tinha andado comigo nos dias anteriores, não sem antes passar uma declaração escrita, garantindo que se tratava de uma oferta da minha parte... Espero que o homem não tenha tido problemas e, em especial, que não tenha contado nada às suas autoridades!

Há dias, pelo Natal, recebi, de um colega de um país onde os critérios estéticos divergem muito dos nossos, uma dessas peças "impossíveis". Comentando o assunto com um amigo, ele notou que também as instituições internacionais são, às vezes, alvo de ofertas que, não podendo ser recusadas, criam problemas para a sua exibição. É que, na decorrência de publicitadas e públicas ofertas, as instituições ficam naturalmente obrigadas a expô-las, sob pena de criarem incidentes diplomáticos.

Isso fez-me recordar uma questão que era objeto de muitas piadas, ao tempo em que estive em Nova Iorque. Tratava-se da famosa estátua de um elefante em metal, oferecida à ONU pelo Nepal, Namíbia e Quénia, uma obra de um artista búlgaro.

O secretário-geral da ONU decidiu colocar a estátua no jardim da organização, entre a 1ª avenida e a rua 48ª. Só que logo surgiu um problema: a expressão hiper-avantajada de um certo órgão do animal suscitou, quase de imediato, um escândalo na cidade, com uma romaria de visitantes a apreciar aquilo que ficou conhecido como a "endowed elephant statue" (estátua do elefante bem dotado). 

Para grandes males, grandes remédios. Com a ajuda de jardineiros hábeis, as Nações Unidas lá conseguiram fazer crescer uma sebe junto ao animal, que lhe tapa as "partes" exageradas e torna mais aceitável a exposição da obra de arte. Consta, além disso, que aquela área do jardim da ONU já não admite visitas, apenas sendo possível ver a estátua de longe. A eficácia deste "cover-up" é tal que na net não se consegue encontrar nenhuma foto do elefante sem a sebe.

A diplomacia foi sempre a arte de resolver grandes problemas. Ou problemas grandes...

Gastronomia

A toda a largura da primeira página do suplemento "Culture & Idées", do "Le Monde" de amanhã, lê-se "La gastronomie vote à droite", esclarecendo-se, em subtítulo do longo artigo (não acessível por link), que "nascida nos meios conservadores, a arte da boa vida faz culpabilizar as pessoas de esquerda".

Não sabia. Será que a direita é pantagruélica ("eles comem tudo e não deixam nada", dizia o Zeca Afonso) e a esquerda é famélica (daí o "de pé, ó vítimas da fome"?) ?

Presidências rotativas

O futuro dirá se 2011 ficará na história da União Europeia como o ano que consagrou o verdadeiro fim da importância das presidências rotativas.

Elemento tido outrora por essencial para a ligação de cada país ao projeto integrador, por suscitar uma mobilização nacional e promover a diversidade de agendas e sensibilidades, a presidência rotativa esteve sempre sob fogo por parte de alguns, que consideravam o modelo como cada vez mais fragilizante da continuidade do trabalho comunitário. Com a passagem da União a 27, foram claras e públicas as dúvidas sobre a capacidade de alguns Estados assumirem as responsabilidades decorrentes da presidência. O tratado de Lisboa, ao criar a figura de presidente do Conselho Europeu e ao retirar à presidência rotativa muitas das suas competências, terá sido a machadada formal no modelo.

Em tempos mais recentes, as coisas foram, porém, muito mais longe. A circunstância de países que assumiam as presidências estarem afastadas do projeto da moeda única, sendo que esta está no centro das preocupações da União, tornou ainda um pouco virtual a sobrevivência do modelo. E esse facto, por outro lado, abriu caminho à emergência dos poderes fáticos dentro da UE, o que, não sendo uma novidade, nunca tinha sido expresso publicamente de forma tão ostensiva.

Como irão evoluir as coisas a partir daqui? A Dinamarca, que assume a presidência no primeiro semestre de 2012, é um país que não adota o euro e tem um "opting-out" no quadro da União Económica e Monetária consagrado nos tratados. Seguem-se Chipre, com um conflito interno que tem repercussões importantes nas relações externas da UE, a Irlanda e a Lituânia. Trata-se de um conjunto de pequenos Estados, numa Europa em que o papel dos grandes Estados parece estar a afirmar-se de modo flagrante. Mas, por exemplo, a Dinamarca e a Irlanda são países com muito forte identidade comunitária, que, no passado, levaram a cabo presidências com grande sucesso. Deixar-se-ão menorizar no seu exercício? Contestarão a preeminência a que alguns se habituaram?

Ironicamente, pode hoje dizer-se que as presidências rotativas estão hoje "protegidas", em ultima ratio, pelo tratado de Lisboa, que foi quem conduziu ao seu enfraquecimento. O facto de, como recentemente se viu, ser muito difícil obter um consenso a 27 para alterar aquele acordo, como que garante que o modelo, pelo menos no plano formal, vai continuar a subsistir.

Jornalismo

Há algumas semanas, em Lisboa, num agradável almoço com Baptista Bastos e João Paulo Guerra, muito se falou das "calinadas" do jornalismo contemporâneo. Mas ambos os meus interlocutores lembraram uma imensidão de histórias passadas, que ficaram gravadas na memória de gozo coletivo.

A melhor das frases foi citada pelo João Paulo Guerra, quando recordou esta "pérola" que abria uma reportagem: "Era meia noite e, no entanto, chovia..."

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Havel e Corvacho

Neste final de ano, morreram Václav Havel e Eurico Corvacho.

Visitei Havel em Praga, acompanhando António Guterres, no final dos anos 90. Conheci pessoalmente Corvacho, em 1974/75, nos tempos do MFA.

A morte de Václav Havel mereceu grandes e merecidos títulos. O herói da Revolução "de veludo", um humanista e um democrata, concitou loas de todos os quadrantes. Contrariamente a Alexander Dubček, Havel escapou à habitual tragédia das figuras-charneira da História e viu, em vida, consagrado o seu papel. Intelectual e escritor, apoiou o caminho do seu país em direção à União Europeia, depois da partilha da Checoslováquia. E morreu em glória.

Muito menos leitores deste blogue ouviram falar de Eurico Corvacho. Foi um militar de abril, próximo da "esquerda militar", o grupo que então mais se ligou ao Partido Comunista Português. Foi comandante da Região Militar Norte e a sua imagem surgiu pela primeira vez aos portugueses, pela televisão, a denunciar a atividade de um grupo de extrema-direita que se opunha à Revolução, o ELP - Exército de Libertação de Portugal. Foi membro do Conselho da Revolução. E morreu esquecido.

Havel e Corvacho tinham pouco a ver um com o outro? O discurso maniqueu, tão no "l'air du temps", dirá que Havel quis a democracia para o seu país e que Corvacho apenas queria implantar uma nova ditadura. Eu digo que, cada um, à sua maneira, teve uma ideia de liberdade para o seu país. A História favoreceu aquele que, afinal, tinha razão. Ainda bem.

Nadir Afonso

O "Diário de Notícias", que hoje comemora 147 anos (parabéns!) traz na primeira página esta magnífica obra de Nadir Afonso, o arquiteto e pintor flaviense, com mais de 90 anos. Achei que valia a pena reproduzi-la.

Sentimentos

Deveria merecer o maior respeito de todos nós o sentimento da população da Coreia do Norte, expresso nos últimos dias, pela norte do seu "líder" Kim Jong-Il. 

Quando vejo alguns comentários medíocres e jocosos, na imprensa e nos blogues, a propósito do sofrimento público daquela gente, sinto a obrigação de lembrar que os norte-coreanos vivem uma dupla tragédia.

Por um lado, são vítimas inocentes de um dos mais fechados regimes do mundo, que, há mais de 60 anos, lhes cerceia qualquer informação, os policia intelectualmente e os faz serem meros figurantes num gigantesco "trompe l'oeil" que edulcora a tristíssima realidade do mundo que habitam. E, por outro, esse mesmo condicionamento psicológico indu-los a serem muito genuínos na expressão dos seus sentimentos, porque os conduz a tomar como uma irreparável perda a desaparição de um dos obstáculos à sua própria libertação.

A solidariedade que nos deve merecer a tragédia que afeta os norte-coreanos obriga a que respeitemos a sinceridade da sua dor.

Direitos humanos

O ministério dos Negócios Estrangeiros russo publicou, pela primeira vez, um relatório sobre o cumprimento dos direitos humanos no mundo. 

Nesse texto, Portugal é criticado por não ter transposto uma diretiva comunitária sobre direito de livre circulação e residência. A diplomacia russa considera também que 24% dos brasileiros são discriminados em Portugal.

Abre imensas e legítimas expectativas o facto de Moscovo manifestar a sua preocupação com o tema dos direitos humanos.

quarta-feira, dezembro 28, 2011

Túnel do Marão

Desde há vários meses, as obras do túnel que um dia atravessará o Marão estão suspensas. 

Há uns anos, um empresário de águas (e já então feliz proprietário de um "franchising" das Pousadas de Portugal, a quem comprou por-tuta-e-meia uma das mais carismáticas pousadas do país, conferindo-lhe hoje uma decoração digna de uma "pensão da Tia Anica"), conseguiu mobilizar, por muito tempo, a justiça de Penafiel, para tentar ser compensado por alegados (e, depois, não provados) prejuízos ambientais ao seu negócio, causados pelas obras do túnel. Com o tempo ganho, a estrada se não afastou da tal "pensão". Surgiu depois um novo aliado: os constrangimentos financeiros do país. E assim está bloqueado um dos projetos mais importantes para a diluição da interioridade transmontana, uma terra onde, note-se, nunca se construíram autoestradas ao lado umas das outras. O túnel, incompleto, por lá está, com as estruturas a estragarem-se no inverno e os ex-empregados desempregados. Quem tem culpa? Sei lá! Só sei quem a não tem...

Não tarda muito e ainda ouço a gente da minha terra a cantar a velha canção: "quem me rouba, quem me rouba, quem me rouba é ladrão. Ai, ai, ai, inda ontem fui roubado, ai, ai, ai, nas voltinhas do Marão".

A data

Leio nos jornais que a Samoa vai mudar de data nesta sexta-feira. Isto é, ao final do dia de quinta-feira passará diretamente para sábado. Como é que isto é possível? É muito simples. Por essa zona do mundo existe o meridiano da chamada "linha internacional da mudança da data" e a Samoa "muda-se" para o lado mais ocidental desse meridiano, para alinhar com o ritmo de vida da Austrália e Nova Zelândia.

Há mais de duas décadas, tive de ir a uma reunião internacional (de trabalho, acreditem!) às ilhas Fidji e, no percurso, que fazia na direção EUA-Austrália, tinha de atravessar aquela linha imaginária. Ao pedir as "ajudas de custo", no "4º andar" do MNE, as simpáticas senhoras minhas interlocutoras fizeram-me notar que estava a pedir um dia a menos do que aqueles a que tinha direito. Com efeito, a certo passo, eu saía de Honolulu ao final da tarde de, por exemplo, terça-feira e, meia-dúzia de horas depois, chegava ao aeroporto de Nadi, nas Fidji, já de quinta-feira. Lembro-me bem da pergunta: "mas afinal, o senhor doutor, onde é que dorme na 4ª feira?". Foi complicado fazer perceber que, devido à deslocação de leste para oeste, os meus dias anteriores iriam ser cada vez maiores, ao ponto de um deles ser simplesmente eliminado à chegada à "linha internacional", atravessada a qual se "saltava" um dia.

Sempre imaginei a "tragédia" que teria sido explicar essa viagem ao mundo administrativo das Necessidades, se acaso ela se tivesse feito em sentido contrário...

terça-feira, dezembro 27, 2011

Líbia

No fim deste ano que viu o mundo árabe passar por convulsões cuja resultante final está muito longe de estabilizada, lembrei-me desta história, que contei já algumas vezes a amigos. Mas que nunca tornei pública. Agora, já posso fazê-lo.

Naquele dia, na longa estrada de Misrata para Tripoli, o carro em que eu seguia era conduzido por um engenheiro líbio, formado no Reino Unido. Havíamos feito um desvio para visitar as magníficas ruínas de Leptis Magna (na imagem), a majestosa cidade de colonização romana, situada a mais de uma centena de quilómetros da capital líbia.

Íamos os dois sós, no carro. Falámos bastante, da vida e do mundo, com ele sempre a mostrar-se orgulhoso do seu país e das suas realizações. Não tinha um discurso apologético àcerca de Kadafhi, mas não se lhe notava qualquer pendor para a dissidência. À passagem pela cidade de Homs (homónima da da Síria, da mesma forma que há outra Tripli no Líbano), a densidade de cartazes e "outdoors" com a face do líder líbio, legendados em árabe, tornava-se muito evidente. Ousei então perguntar: "Kadafhi é mesmo popular? As pessoas gostam dele?".

O meu interlocutor, cujo nome devo ter ainda em alguma parte, mas de quem nunca mais tive notícias, ficou silencioso por alguns instantes, olhando a estrada. Depois, retorquiu:

- Se gostam de Kadafhi? Gostam de quem lhes dá casas, como Kadafhi lhes dá. Gostam de quem lhes dá escolas para os filhos, como Kadafhi lhes dá. Gostam dos novos hospitais, que Kadafhi está a construir, bem como destas estradas, que antes não tínhamos. Já andou de avião dentro da Líbia, não andou? Os pobres agora viajam de avião.

De facto, as minhas duas ou três experiências nas linhas internas da Libyan Airlines tinham-me mostrado que os aviões estavam transformados numa espécie de autocarros de província, com imensos beduínos, transportando mesmo gaiolas com galinhas!

Estava a chegar à conclusão que o meu condutor, homem com mundo e um excelente inglês, era, afinal, um fiel apoiante do coronel Kadafhi.

- Kadafhi dá muita coisa ao povo. Paga tudo com o petróleo e há muita gente contente com ele. Você já leu o "Livro Verde"? 

Fiquei num certo embaraço. De facto, havia passado os olhos por aquela "obra", escrita num estilo delirante, de quem tinha "descoberto a pólvora" política, desenhando uma terceira via entre o comunismo e o capitalismo. Kadafhi era uma espécie de "genérico" de Nasser: abolira uma monarquia corrupta, afastara os americanos da base americana de Wheelus (eu estava alojado no "Beach Hotel", ao lado da antiga base, antes frequentado pelos militares dos EUA) e julgava-se fadado a ser um federador do mundo árabe. Mas estava muito longe da dimensão histórica do líder egípcio. O "Livro Verde" havia aparecido em Portugal pela mão de um jornalista já desaparecido, Cartaxo e Trindade, que cheguei a encontrar, numa outra ocasião, em Tripoli.

Sobre o "Livro Verde", eu não sabia o que dizer ao meu interlocutor. Não queria hostilizá-lo, nem parecer complacente. Devo ter dito uma coisas "redondas" sobre a "originalidade" das ideias expressas no livro. Mas também não era preciso, como verifiquei pelo que me disse a seguir, sempre olhando a estrada em frente:

- Kadafhi é um fanático que se acha mais inteligente que todos os outros. O povo líbio não tem grandes queixas materiais, mas não tem, nem percebe que não tem, uma coisa importante que vocês já têm: a liberdade. Mas se "eles" sonhassem que lhe estava a dizer isto, eu seria preso.

Calou-se. Percebi que tinha ido tão longe quanto lhe era possível. Ficámos longos minutos em silêncio. Voltei a encontrar esse engenheiro líbio em algumas reuniões técnicas posteriores. Todas já há muitos anos. Que será feito dele?

A Rússia e o mundo árabe

Muito se tem falado das dificuldades de alguns países do ocidente para encontrarem um modus vivendi com as instáveis decorrências políticas das "primaveras árabes", depois de, durante décadas, terem tido os ditadores derrubados como amigos públicos. E ainda "a procissão vai no adro". O caso líbio absolveu parcialmente as culpas de alguns e a realpolitik, que não tem apenas cultores deste lado, vai fazendo o resto.

Mais intrigante tem sido a posição russa em todo este contexto. A Rússia é um parceiro histórico na região, desde os tempos da União Soviética. Mesmo num período em que a sua debilidade económica era mais notória, o seu estatuto no Conselho de segurança da ONU, bem como as relações que mantinha com certos atores problemáticos da região, justificaram a sua permanente cooptação para os quadros de diálogo, de que o "quarteto" (com os EUA, a UE e a ONU) sobre a questão israelo-palestiniana é caso mais notório.

É sempre interessante acompanhar a linguagem de Moscovo no tocante ao Médio Oriente alargado. Por ela perpassa uma preocupação em evitar a sedimentação de uma presença intrusiva dos países ocidentais nos diversos processos, na tentativa de contrariar o que lhe parece ser um desequilíbro geopolítico que se possa criar em seu desfavor. Esse cuidado é historicamente matizado por algumas notas de adesão, embora frequentemente em moldes algo equívocos, a temáticas tidas como de interesse comum ou já consagradas no "politicamente correto": o combate ao terrorismo, a não-proliferação nuclear, o livre acesso à rotas de fornecimento petrolífero. Sem surpresas, muito menos enfático é o seu apoio ao "empowerment" democrático dos povos árabes e à preservação, sem relativismos culturais, dos direitos humanos.

O caso sírio é aquele onde a posição russa se revela em todo o esplendor da sua ambiguidade. Colocado perante um caso trágico de violência e repressão, num dos cenários onde tem ainda algum "leverage", Moscovo tem vindo a deixar passar os dias e os mortos, numa frieza descredibilizante do seu papel à escala global. O inaceitável "wording" do seu projeto de resolução na ONU, equiparando o que não é comparável - as ações violentas de setores da oposição com a barbaridade da repressão governamental -, revela bem que o poder russo continua tentado por reflexos de meros jogos de poder.

É pena. Por razões de outros grandes equilíbrios à escala global que não vêm para o caso, o mundo precisava de uma Rússia mais aderente e construtiva de uma agenda multilateral e normativa de princípios, que potenciasse a sua influência e se revelasse bastante menos dependente de uma mercantil lógica de fins, evitando a colagem a regimes a que o destino aponta a inexorável direção do caixote do lixo da História. O que se passou, há precisamente duas décadas, em Moscovo, deveria servir de lição. A Moscovo. 

segunda-feira, dezembro 26, 2011

Ping-pong

Se os leitores deste blogue quiserem ter o cuidado de revisitar, um pouco mais abaixo, o post "À esquina da Gomes", sobre o café mais carismático de Vila Real, poderão verificar na fotografia que, sobre as suas instalações. há uma série de janelas, que aparentemente pertencem agora aos escritórios da seguradora francesa Axa. Mas nem sempre foi assim: nesse andar, por muitos anos, situava-se a "urbanização", um serviço chefiado pelo engº Barreto, pai do conhecido sociólogo António Barreto, um dos membros de um avantajado rancho de filhos, alguns dos quais cruzei nos tempos de liceu.

Com um deles, o também sociólogo José Barreto, fui co-autor de uma bem sucedida patranha (numa cidade que sempre teve uma história de grandes "partidas"), algures em meados dos anos 60. 

Sabedores que o Sport Club de Vila Real tinha organizado, ao longo do dia, um torneio de ping-pong, instalámo-nos os dois na "urbanização" (o Zé Barreto deve ter subtraído a chave ao pai), ao final da tarde, e, em nome do "Norte Desportivo", um jornal "azul" de referência nortenha, contactámos telefonicamente a organização do torneio. Explicámos que, lamentavelmente, não havia sido possível ao jornal enviar um repórter, pelo que pedimos que nos fossem transmitidos os resultados do torneio pelo telefone. "Todos?", perguntou o nosso interlocutor, abismado, lá da sede do Sport Club, na Rua Direita. "Todos, claro! Queremos dedicar uma página completa ao torneio". E foi assim que, durante aí uns 20 minutos, o pobre do homem (que sabiamos bem quem era, esperando que o contrário não fosse verdade!) lá ilustrou, com abundantes números, a "reportagem" a "sair" no dia seguinte: "José Fraga/Claudino Areias: 21-12; 19-21; ganhou José Fraga "à melhor", com 23-21". E por aí adiante, com dezenas de outros jogos. 

O Zé Barreto tinha, entretanto uma função vital: como a chamada era supostamente "interurbana", havia que fazer "bip" a cada três minutos, o que se tornava progressivamente difícil, com a "barrigada de riso" que íamos tendo. Quanto tudo acabou, para além de um sentimento de pena pelo nosso esforçado interlocutor, perpassou-nos algum temor sobre o que se iria passar no dia seguinte. Mas logo se veria!

Na tarde desse dia, colocámo-nos estrategicamente numa mesa da Pompeia, o café em frente à tabacaria do Bragança, onde o Fernando "Choco" traria, na sua motorizada, o rolo dos jornais, chegados no comboio da tarde. Por essa hora, notava-se uma pequena multidão na rua, pelos passeios entre a loja do Chico "americano" e a funerária do Zézé. Imagina-se que, derrotados ou campeões, muitos participantes do torneio da véspera estariam ansiosos em ver o seu nome em letra de forma. Arribado o "Choco", vimos os escassos "Norte Desportivo" disputados com ânsia, com aquelas folhas enormes, cuja tinta sujava as mãos, a serem percorridas... em vão!

Lembro-me de me ter safado pela porta que a Pompeia tem para a avenida, temente aos impactos da desilusão. Nunca percebi quantos, com o tempo, nos identificaram como autores da "partida". Uma coisa tenho a certeza: o meu interlocutor dessa noite ainda hoje, mais de quatro décadas passadas, cruza-se comigo com cara pouco amigos. Ó Sr. Mário, deixe lá, já foi há tanto tempo!

Em tempo: dedico este post ao meu amigo Zé Barreto, leitor do blogue, que deixou um comentário no "À esquina da Gomes", onde éramos companheiros de mesa.

Notícias do défice

Neste "boxing day" (no Reino Unido, o dia de hoje é um feriado em que se davam prendas aos mais pobres e em que agora se vai aos primeiros saldos), as notícias do Google trazem-me isto, em destaque de um matutino, sob o chocante título "Filipa de Castro termina noivado": "Filipa de Castro estava noiva de Pedro Tabuada e, no Verão, chegou a dizer que se iriam casar no próximo ano. Mas algo correu mal entre o casal e a relação terminou há algumas semanas".

Devo dizer que sinto um perfeito embaraço, como representante diplomático português, por ser incapaz de titular externamente esta parte - pelos vistos, bastante relevante - do nosso país. É que eu nunca ouvi falar nem na senhora (que está, aparentemente, "destroçada", mas, felizmente, a "aguentar-se firme") nem no cavalheiro. Ora, não se explicando o que cada um faz ou a razão pela qual neles se fala, presume-se que isso é uma evidência que só ignaros sociais desconhecem. Ora, já no verão, a acreditar no jornal, Filipa ("de Castro", será parente da Inês?) já tinha falado em casamento (onde? à CNN? à Bloomberg? à "Flash"?), o que prova ser figura conhecida (o jornal fala em que é "empresária"), que justificou essa entrevista sazonal. Mas também não conhecia (ainda) Pedro Tabuada, sobre cuja atividade não são dados pormenores (o que é ainda mais amesquinhante para mim, porque, como aqui se diz, "cela va sans dire") com o qual "algo correu mal" (o jornal, com certeza, não deixará, oportunamente, de explicar o quê), o que justifica que a relação já tenha terminado "há algumas semanas". 

"Há algumas semanas?" E então a imprensa deixou passar todo esse tempo sem reportar o evento? A nossa comunicação social já não é o que era. 

domingo, dezembro 25, 2011

Anónimos

Não, este post não é sobre os prudentes comentadores deste blogue que, por modéstia, não nos privilegiam com os nomes e apelidos, obrigando-nos a um esforço de imaginação sobre quem poderá estar por detrás dos seus judiciosos textos.

A história é do tempo da velha Emissora Nacional e foi-me ontem contada por um amigo.

Uma locutora, com aquele serenidade das gerações em que a "locução ofegante" ainda não fizera escola e se não transformara em pandemia, apresentava uma obra de música clássica. Melhor: duas obras, que se iam suceder, na emissão, uma à outra. E, desta forma, iluminou os "senhores ouvintes":

- Seguidamente, senhores ouvintes, vamos ter oportunidade de ouvir uma obra musical de um anónimo do século XVIII. Logo de seguida, do mesmo autor, porque segundo a nota que aqui tenho é também de um anónimo, ouviremos uma outra sua obra. Esperemos que gostem.

"Vim a pé!"

Fiquei gelado, quando ouvi a frase: "Vim a pé!".

Era uma noite de inícios de 2009, em Montfermeil, uma cidade na periferia de Paris, onde há hoje fortes tensões étnicas e em que vive uma significativa comunidade portuguesa, felizmente alheia a essa triste realidade. Vínhamos a sair da "mairie" em direção a um pavilhão gimnodesportivo, onde iria ter lugar uma recolha de fundos para um ação social, organizada por um cidadão português, que eu tinha decidido apoiar com a minha presença.

No trajeto entre os dois espaços, ia casualmente acompanhado de um simpático casal português, já idoso. Como muitas vezes acontece neste tipo de circunstâncias, perguntei-lhes de onde eram e há quanto tempo estavam em França. O marido disse-me ser da Beira, creio que de Sabugal, e que tinha chegado a França em 1967. Comentei a coincidência desse ser precisamente o ano da minha primeira deslocação a este país. Lembrava-me bem que saíra de Lisboa, da "rotunda do relógio", à boleia, no final de julho, chegando a Paris no dia 4 de agosto.

"E o meu amigo como veio?, perguntei.

"A pé. Vim a pé", respondeu-me, com grande serenidade, sem qualquer dramatismo.

"A pé? Desde Portugal? Não apanhou nenhuma boleia? Não fez parte do caminho de comboio ou de autocarro?

"Não, vim a pé, todo o caminho, da minha terra até Champigny, com uns amigos. Demorei algumas semanas a chegar", adiantando-me um número de dias que não fixei, mas que era impressionante. Explicou-me então que dormiam nas bermas das estradas e que cantavam, para se animarem. "Rebentavam-nos os pés, mas tinha de ser", explicou, com um sorriso de total naturalidade.

Intimamente, sem o deixar transparecer, eu estava chocado. Tinha ouvido falar muito das trágicas condições em que os portugueses saíam do país nesses anos 60 e 70, das passagem da fronteira "a salto", dos "passadores", da exploração de que eram objeto por parte de outros seus compatriotas, das condições quase infra-humanas do seu transporte para França e Alemanha, mas - imperdoável desconhecimento meu! - nunca ouvira dizer que alguns haviam palmilhado todo o caminho em direção a um futuro em que colocavam toda a esperança.

Hoje, dia de Natal, lembrei-me desse nosso compatriota de Montfermeil. Na pessoa dele, desejo o melhor Natal possível às centenas de milhar de portugueses que, com dificuldades muito diversas, foram forçados a abandonar o seu país e que aqui ajudaram, com o seu trabalho e com a sua dignidade, a tornar a palavra seriedade um sinónimo de Portugal. Nunca lhes agradeceremos demais por isso.

sábado, dezembro 24, 2011

À esquina da Gomes


Sabem o que é a Gomes? A maioria dos leitores deste blogue não sabe, estou certo. Tal como acontece em todas as cidades, Vila Real tem um café de culto. Neste caso, a Pastelaria Gomes.

Porquê a Gomes? Porque sim. Distinguiu-se sempre da antiga Pompeia, do meu desaparecido amigo Neves, por ser mais cosmopolita; da Rosas, do sr. Rosas, por ser mais intimista e dispensar as bizarrias do Toninho; do Excelsior, por ser mais elitista, por esconder os bilhares e não ter dominó; do Clube, por não ser habitual por lá ver comerciantes de gado de samarra e cajado; do Imperial, do sr. Lima, por ali não ser hábito ver o patrão a bater nos clientes; da Brasileira, logo em frente, porque, c'os diabos!, nunca custou nada atravessar a rua.

A Gomes começou na "Gomes velha", onde ainda me recordo de ver, à porta, o sr. Gomes e onde hoje se vai pelo bolo-rei, pelas "cristas de galo", pelos "jesuítas" ou, sazonalmente, no S. Brás, pelas "ganchas" e pelos "pitos" de Santa Luzia, embora a concorrência doceira do Lapão seja cada vez mais feroz. Foi depois construído o novo edifício, que teve a imensa novidade de possuir um elevador... que nunca ninguém viu funcionar. E que tinha, no alto de um mastro, uma misteriosa lâmpada que se mantinha acesa enquanto a casa estivesse aberta à noite, sinal de que podiam ser servidos, se se apressassem, os "connaisseurs" que viessem do Porto, pela estrada velha, logo que chegados à "curva do espanto", em Arrabães, primeiro lugar de onde, no Marão, se vislumbravam as luzes da cidade.

Se a memória me não falha, a Gomes foi, em Vila Real, o primeiro café onde as mulheres podiam ir, com naturalidade, sozinhas. Dizia-se, nesses anos, que receber um convite para tomar chá na Gomes ("em cima", sempre "em cima") com a dona Irene Viana (mulher do dentista e meu professor de ginástica) era o passaporte para a entrada das senhoras na sociedade local. E, glória das glórias!, embora poucos se lembrem disso, a Gomes foi talvez o único lugar público do género onde, que me lembre, nunca entrou uma infernal televisão.

Na Gomes sempre houve zonas geográficas mais ou menos consagradas, que não revelo para não identificar alguns dos seus regulares ocupantes. Entre eles, há os que afivelam sempre um ar "grave", de "polícia da Régua", que parece fazer parte da condição necessária para serem levados a sério. Outros falam para serem ouvidos nas mesas ao lado, num dispensável, por ineficaz, esforço de proselitismo. Os mais discretos, mas, nem por isso, os menos atentos, ficam-se pela mesa mais misteriosa de todo o café, com dois lugares, que está perto da porta interior, o único poiso onde se consegue ter uma conversa "tête-à-tête", sem risco de penduras.

A disposição física do espaço torna a Gomes uma espécie de plateia de um antigo teatro francês, com o "coté cour" e o "coté jardin" a ser dado pelas entradas - seja pela antiga máquina do fiambre (sede clássica de pouso do Zé Araújo), seja pelo antigo balcão dos "furinhos" dos chocolates, onde se colocavam jornais com suporte de madeira e onde, durante muito tempo, esteve o telefone preto. Essas duas entradas do proscénio (o Achilles explicaria isso, mas quem não for de Vila Real sabe lá quem era o Achilles) induzem uma visível timidez em certos visitantes ocasionais, atarantados pelo infalível escrutínio, seguido de cochicho. No verão, tirado o vetusto "estrado", a saída para a avenida muda o cenário, que se prolonga então pela esplanada. Obter por aí um café, em dias de enchente, é um privilégio que obriga a meter cunhas.

Foi pela Gomes que eu comecei a parar, ainda nos tempos de liceu, com mesa marcada "em cima", ao canto esquerdo de quem entra, com o brandy L34 a acompanhar o café, erro que sinto, para sempre, na memória do meu fígado. Por aí passei muitas horas a discutir coisas fúteis da vida e, cada vez mais, da política. Para as caves da Gomes fui cooptado, ritual de iniciação a que atribuí grande importância, para a visualização de alguns filmes heterodoxos, trazidos da estranja por ousados viajantes locais, sobre cujo conteúdo a moral deste blogue me não deixa elaborar. Foi na Gomes que, com alguns outros, fui, em 1969, interpelado pelo comandante da GNR, por comentários entendidos como "subversivos", que, sem consequências de maior, nos conduziram ao Governo civil.

A Gomes, honra lhe seja!, foi sempre um espaço plural, nunca foi grandes políticas sectárias, por lá pararam, serenamente, todas as tendências, da Situação ou da Oposição - e eu estive, ao longo dos tempos, em ambas, e não necessariamente por esta ordem. Em várias décadas, nunca deixei de "ir à Gomes", nas minhas estadas aperiódicas por Vila Real. E por lá passo, com gosto, em férias, sempre que posso, para rever amigos e conhecidos. E, claro, para comer um covilhete ou uma fatia de bola de carne.

A Gomes dos dias de hoje está diferente da dos velhos tempos. Às vezes, vejo-a um pouco desleixada, o pessoal, embora simpático, tem um ar um tanto errático e demasiado "casual" para o meu gosto - eu venho dos tempos clássicos do João, do "Sapo", do Gonçalo, do Fernando ou do José. Mudaram agora de traje, depois de uns balandraus que usaram, pretendidamente de côr laranja, muitas vezes já a justificarem uma visita aos sucessores do Alarcão (se não é vila-realense, passe para o parágrafo seguinte). Prova de uma mudança radical da Gomes é o facto de, julgo que pela primeira vez na sua história, "A Voz de Trás-os-Montes", no ano passado, não trazer um anúncio natalício que já havia ficado histórico na cidade: ao canto de um grande espaço em branco, havia uma nota que dizia: "se a Pastelaria Gomes necessitasse de publicidade, utilizaria este espaço"*. As instituições - e a Gomes é uma instituição - fazem-se de simbolismos. E estes devem respeitar-se, sem o que a identidade se esvai. Atenção, ó gente da Gomes!

Hoje, dia de Natal, a Gomes estará fechada, creio eu (com a crise, sabe-se lá!). Mas há um lugar que, com toda a certeza, não "fecha" e à volta do qual a cidade gira. Esse lugar é a esquina da Gomes, um marco geográfico, charneira entre a avenida Carvalho Araújo e o largo do (regressado) Pelourinho. Por lá nos encostávamos, na adolescência, para ver sair o "pequename" da missa da Sé, logo em frente. Nos invernos, a esquina é sede de ventanias sem par, onde confluem grupos que atiram uns aos outros um indizível "Méixiôres!" (que do vila-realez apressado se transcreve como a saudação "Meus senhores!", enviada de um grupo de passeantes a outros), nesta época natalícia logo seguido do clássico "Continuação!", expressão que se utiliza até aos Reis. Por lá se passeiam, nos dias 25 de dezembro, com sol ou sem ele, as camisolas-de-losangos e os cachecóis que "saíram" nas prendas da véspera, vestindo amigos e conhecidos, mais ou menos "graves", que, do percurso do liceu ao "cabo-da-vila" (desistam aqui os não-vilarealenses), calcorreiam, devagar, a memória sedimentada desde a infância. Como aqui agora fiz, "preso", este ano, a Paris.

Em tempo: o anúncio regressou a "A Voz de Trás-os-Montes". Ainda bem! Um vila-realense amigo mandou-me esta imagem do antigo anúncio. Veja-se a evolução semântica de "reclame" para "publicidade"

Coreia do Norte

O ambiente de obsessivo secretismo - e, por essa via, de incessante especulação - que se cria em torno da maioria dos regimes ditatoriais teve o seu auge, desde sempre, no caso limite da Coreia do Norte. Quer ao tempo do fundador da "dinastia", Kim Il-Sung, quer no do seu filho, Kim Jong-Il, as historietas sobre alguns, nunca absolutamente confirmados, aspetos da sua vida privada, desde os excessos materiais às aventuras afetivas, fizeram, por décadas, a delícia de uma certa imprensa. Como nada é possível provar, tudo é possível dizer.

A chegada de um novo líder ao poder, em Pyongyang, aguça agora a curiosidade dos media. Não deixa de ser interessante ver o "Le Figaro" dedicar hoje quase meia página à exegese da fotografia que acima reproduzo, retirada de um filme com dois dias. Para quê? Para especular sobre a "misteriosa criatura" da jovem que aparece atrás de Kim Jong-Un. Dando por adquirido o princípio de que "na cultura tradicional coreana, um homem ainda celibatário na casa dos 30 anos é mal visto", o correspondente em Seul do jornal conservador francês detém-se em detalhe sobre a imagem da jovem, adiantando que "a sua silhueta é tão fina que voga no seu fato tradicional ligeiramente decotado", perguntando-se se "esta mulher tão jovem e de atitude tão elegante será a nova primeira-dama da Coreia do Norte". O jornal nota ainda "o rosto oval delicado, a pele de porcelana, de uma jovem que parece uma pena". Caramba! Que perspicácia! Eu não consigo "ler" tanto na fotografia.

O jornal vai ao ponto de qualificar este intrigante momento como "o mistério da mulher no mausoléu de Kum Su-San". Para o jornalista, confortavelmente instalado a sul do paralelo 38º, apoiado nas investigações do "especialistas" locais e num "rumor transmitido por uma fonte clandestina no local, mas impossível de verificar", "a feliz eleita seria diplomada da prestigiada universidade Kim Il-Sung e seria dois anos mais nova que o 'grande sucessor'", sendo originária de Chongjin, na costa nordeste da península. Cuidando o "safe side" dos desmentidos da História, o jornalista não exclui a hipótese de se tratar, muito simplesmente, de uma filha do falecido Kim Jong-Il, logo, apenas de uma irmã de Kim Jong-Un. Mas essa é uma possibilidade que, por pouco romântica, apenas merece o prudente registo.

Nos tempos em que o comunismo prevalecia em Moscovo, o ocidente criou a "kremlinologia", uma especialidade que lia sinais das posições relativas de dirigentes nos palanques e nos encontros internacionais, bem como no "body-language" das grande figuras, daí extraindo conclusões para as futuras sucessões de poder. À nossa modesta escala, lembro-me de ouvir comentar, em fotos dos "dias da raça", o menor gesto de simpatia de Salazar para qualquer vizinho de fraque, daí deduzindo cumplicidades e hipotética gestação de herdeiros, descontados os imponderáveis da lei da gravidade. 

Esses mistérios constituem a eterna "graça" das ditaduras, coisa que a simplicidade do voto democrático logo destrói. É pena ver jornais com o antigo prestígio do "Le Figaro", onde preponderaram as penas de François Mauriac ou Raymond Aron, a encherem hoje as suas páginas com este tipo de especulações. Talvez isto se faça só até ao dia em que o brilho de melhores fotografias, oriundas de Pyongyang, permita um tratamento mais "profissional" nas colunas "especializadas". É que, verdade seja dita, os verdadeiros dias felizes para a democracia só estarão adquiridos quando o "Paris Match" cobrir um casamento presidencial na Coreia do Norte. Nesse dia, porém, a notícia passará para o "Figaro Magazine".       

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Bom Natal para todos

A História e a justiça

A Assembleia Nacional francesa aprovou ontem a criminalização do "negacionismo" de todos os genocídios, isto é, o seu não reconhecimento ou desvalorização no discurso público e mediático. O que estava imediatamente em causa era o reconhecimento do alegado genocídio da população arménia pelos turcos, entre 1915 e 1917, tema altamente sensível em Ancara, que reagiu com esperado desagrado.

Sobre o tema do "negacionismo", há duas posições opostas.

Há quem considere, à luz dos trágicos extermínios nazis, que não se pode deixar morrer a memória às mãos de uma dolosa contestação de factos incontroversos, que representam crimes contra a humanidade, para os quais é imperioso manter alerta a consciência das gerações seguintes.

Outros entendem que não é pelo direito que se corrige a perceção da História e que a negação pública de uma evidência se combate pelo esclarecimento e pela demonstração de uma verdade que, sendo-o, deve ser suficientemente sólida para enfrentar o seu contraditório público.

Anos 60

O "Nouvel Observateur" desta semana traz um dossiê sobre os anos 60. Nele aparece esta bela fotografia de Cartier-Bresson, tirada na Brasserie Lipp, no boulevard Saint-Germain.

A imagem é auto-explicativa: uma França, clássica e perplexa, lê o "Le Figaro", uma mais moderna lê o "Le Monde".

Talvez uma foto mais atualizada colocasse a jovem com o "Libération" à frente. Ah! e naquelas mesas da Lipp já não se pode pedir apenas uma bebida, tem de se almoçar ou jantar.

quinta-feira, dezembro 22, 2011

Passagem de poder

Bela prática aquela a que ontem se assistiu em Espanha: os ministros cessantes e aqueles que os vão substituir encontram-se numa cerimónia pública, na presença dos altos funcionários do ministério, num gesto que tem o simbolismo da continuidade das funções de Estado. Em França, embora creio que sem discursos formais, tem lugar um ritual idêntico.

É pena que, em Portugal, não se tenha consagrado este costume, digno de uma grande democracia, que reflete e projeta publicamente a naturalidade da alternância. No nosso caso, à saída da cerimónia da Ajuda, onde os novos e ex-ministros se saúdam, os futuros titulares apenas encontram, à saída, um automóvel para os transportar, sendo que os antigos governantes têm geralmente de contar com um amigo que os leve de volta a casa. 

Com a vida, aprendi que alguns formalismos têm um valor que vai para além do simbólico e que ajudam a sedimentar o respeito democrático.

Artur Santos Silva

A Fundação Calouste Gulbenkian acaba de escolher Artur Santos Silva para seu futuro presidente.

A Gulbenkian é uma instituição que, desde sempre, tem prestigiado fortemente o nosso país. Artur Santos Silva, como aqui referi há alguns tempos, é uma das raras personalidades portuguesas que reúne uma quase unanimidade, pelo que dá totais garantias de poder vir a preservar, com o seu dinamismo e abertura, o fantástico legado de Calouste Gulbenkian. A sua escolha é a prova de que o bom-senso ainda prevalece neste país.

Um forte abraço de parabéns, Artur!

Força, Eusébio!

Eusébio da Silva Ferreira, a velha glória de todos nós, está doente.

Eusébio faz parte do património de um país que não pode dar-se ao luxo de dispensar aqueles que lhe deram grandes alegrias, particularmente nestes tempos em elas já são tão poucas. 

Força, Eusébio. E esperança, embora verde...

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Coreias

Em 2003, quando representava Portugal na OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), em Viena, fui convidado pelo governo coreano para pronunciar, em Seul, uma conferência sobre um tema que pode parecer algo etéreo para os leitores deste blogue: "OSCE's confidence and security bulding measures". 

Essa era uma especialidade que eu entretanto desenvolvera na minha involuntária "osceosidade" vienense, que levara aquela organização, sem o menor encargo para o Estado português, a "oferecer-me" como palestrante especializado por vários seminários internacionais sobre questões de defesa e segurança, da Polónia ao Casaquistão, do Egito ao Japão, da Itália à Jordânia. 

Tratava-se de transmitir a experiência ganha pela OSCE no seu quadro de cooperação euroasiática, em matéria de diálogos políticos "geradores de confiança", em situações pós-conflito (ou, mais raramente, de mera prevenção de conflitos), com vista a operações de "learning lessons", neste caso para tentar aplicar essa experiência no quadro da tensão "sul-norte", que prevalece nas Coreias desde o confito dos anos 50. Estava-se então no tempo de alguma esperança nos esforços feitos no âmbito dos "six-party talks" (conversações entre as duas Coreias, com inclusão da China, da Rússia, do Japão e dos EUA), para tratar o sensível problema nuclear norte-coreano.

O debate em Seul foi extremamente interessante e instrutivo, em especial para melhor perceber a peculiar atitude chinesa (e também russa) no processo, bem como para definir as distâncias estratégicas, muitas vezes pouco percebidas mas bem presentes, entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos, assunto de que já falei aqui.

À parte o seminário, houve a possibilidade de uma deslocação, entre o turístico e o político, ao histórico "paralelo 38", a linha divisória do trágico conflito entre as duas Coreias. Sendo a fronteira mais tensa do mundo, há em seu torno uma espécie de grande "teatro", alimentado pelos sul-coreanos e pelas tropas norte-americanas presentes no local, com óbvia cumplicidade dos coreanos do norte. Visitaram-se túneis e postos de observação, de onde se podia ver uma gigantesca bandeira norte-coreana e, através de binóculos, se detetavam, como figuras raras, militares das tropas do outro lado. Foi-se até à sala das históricas conversações norte-sul, bem como ao limite de uma linha de comboio interrompida há muitos anos, pela Coreia do Norte, sendo-nos mostrada uma moderna e completamente deserta estação de onde, como nos foi dito, se um dia houver paz e tiver acabado o bloqueio da fronteira, um comboio poderá partir numa longa viagem euro-asiática que irá acabar em... Paris, tido num grande mapa como o extremo ferroviário ocidental da Europa. A uma simples observação minha, sobre a razão pela qual essa linha mirífica não prosseguiria até Lisboa, desencadeei nos meus interlocutores sul-coreanos um imediato e preocupado nervosismo, com imediata promessa (!) de irem rever o mapa. A extrema lógica asiática tem destas coisas...

Mas, no local, há outras "lógicas", tão ou mais complexas do que esta. Um dos pontos da agenda incluía um "briefing", feito pelas tropas americanas aí estacionadas, sobre a situação na linha de fronteira. Convém que se diga que, para a Coreia do Norte, a situação de guerra com os EUA mantém-se, formalmente. O oficial americano parecia uma caricatura cinematográfica, com um típico corte de cabelo paralelipipédico, que lhe dava um ar involuntariamente divertido. O seu discurso estava recheado de "clichés" da vulgata da "guerra fria" revisitada (ao tempo da minha visita preponderava em Washington o senhor George W. Bush), que divertiram imenso o pequeno auditório, recheado de especialistas internacionais que tinham das coisas do mundo alguma sofisticação mais. Recordo-me de nos ter sido explicado, com detalhes biográficos e curiosidades pormenorizadas, muito orientadas para um auditório turístico, quem era o lider norte-coreano Kim Jong-Il (que há dias morreu). As restantes informações relevavam de uma espécie de versão para atrasados mentais da série editorial "The complete Idiot's guide", ideologicamente revista pelas Seleções do Reader's Digest nos anos 50.

A certa altura da palestra, o militar contou que, todas as manhãs, grandes altifalantes emitiam, em direção ao sul, hinos e canções patrióticas norte-coreanas, que faziam já parte da rotina dos dias no local. Porque o "briefing" estava a ser uma maçada de que todos pareciam querer ver-se livres, quando, no fim da preleção, nos interrogou sobre "any questions?", registou-se um silêncio esmagador e de alívio. Foi então que decidi, para espairecer o ambiente, "quebrar a loiça" e, com uma falsa ingenuidade, perguntei: "Os hinos e as canções patrióticas são, como nos disse, a regra dessas emissões matinais. Gostava que me respondesse a uma questão: qual seria a sua reação se, numa dessas manhãs, em lugar desse tipo de músicas, os altifalantes norte-coreanos transmitissem uma canção de Britney Spears?". O homem bloqueou e olhou-me siderado. Acrescentei: "Que tipo de conclusões políticas retiraria desse facto?". O militar americano ficou muito sério, fixou-me de uma forma pouco simpática, pousou a varinha com que apontara o "power-point" e disse: "The briefing is over". Uma onda de gargalhadas, mas apenas dos visitantes estrangeiros, ecoou na sala.

Decididamente, o humor não é a atitude mais apreciada nas zonas tensas de conflito.

A democracia e o "The Economist"

A "Economist Intelligence Unit" (não sei se ainda anda por lá o meu amigo Mark Hudson) do "The Economist" faz este ano a sua tradicional "medição" do estado da democracia e das liberdades em 165 países independentes e dois territórios, atribundo-lhes quatro categorias: democracias plenas, democracias com falhas, regimes híbridos e regimes autoritários. Os critérios são os seguintes: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades cívicas.

Este ano, a "bíblia" do neoliberalismo baixou Portugal para 27º lugar (éramos 26º), colocando-nos no grupo das "democracias com falhas". A principal razão, explica o relatório, deveu-se a erosão da soberania e da responsabilidade democrática, associada aos efeitos e às respostas à crise da zona euro. O relatório destaca ainda que, em alguns países, já não são os governos eleitos que definem as políticas, mas sim os credores internacionais, como o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. A severidade das medidas de austeridade contribuiu, no entender do estudo, para enfraquecer a coesão social e diminuir ainda mais a confiança nas instituições públicas.

aqui falei, há tempos, desta questão, que é, de facto preocupante. É que, para além de alguma arrogância "patronizing" que subjaz a este tipo de avaliações, o relatório não deixa de tocar nalgumas feridas que a atual situação abriu em várias democracias europeias. Mas também cria uma dúvida: afinal, esta alegada quebra de democraticidade da situação em países como Portugal não é derivada pela adoção de políticas de austeridade e de estrito controlo macroeconómico por parte de entidades internacionais, como aquelas que o "The Economist" sempre defendeu? Em que ficamos? 

terça-feira, dezembro 20, 2011

Carlos da Veiga Ferreira

Conheço e sou amigo do Carlos da Veiga Ferreira há muitos anos. Era ele então um pouco ortodoxo funcionário do Ministério da Indústria onde, num gabinete dirigido por essa saudosa figura que foi Aurora Murteira, estabelecia, lado a lado com o Frederico Alcântara de Melo, uma operativa ponte com as Necessidades, onde eu acabara de entrar. Lisboa é uma grande aldeia e, logo que nos conhecemos, percebemos que tínhamos amigos em comum, o menor dos quais não era esse federador de afetos que dá pelo nome de António José Massano.

Pouco tempo depois, vim a conhecer o outro lado do Carlos: o editor. Primeiro com o Carlos Araújo, depois tendo a seu cargo exclusivo a magnífica Teorema, uma editora culta e de bom gosto, onde brilhou a obra de Jorge Luis Borges, mas onde também publicou outros grandes autores, como Martin Amis ou Saul Bellow. Em noites de conversas com ele, pelo mundo, aprendi a apreciar o seu raro "feeling" para a descoberta de nomes que viriam a ser êxitos editoriais em Portugal. Apesar das minhas promessas, nunca o acompanhei numa visita à feira do Livro de Frankfurt, um dos meus (poucos) sonhos não concretizados de vida.

Há uns anos, num restaurante de Lisboa, vi o Carlos à distância, muito engravatado, numa conversa de onde me pareciam transparecer negócios. Eu estava a jantar com amigos, entre os quais o empresário e homem da imprensa João Amaral e recordo-me de ter comentado: "O Veiga Ferreira está com ar de quem está a vender a Teorema". O João Amaral não conhecia então o Carlos. Fui ter com o Carlos. Estava, de facto, a vender a Teorema, editora que, no entanto, continuou a dirigir.

O tempo passou e a vida deu algumas voltas. A Teorema, e o Carlos com ela, acabaram absorvidos no imenso conglomerado editorial da Leya, onde, curiosamente, o João Amaral é hoje uma figura proeminente. Mais tarde, soube que o Carlos Veiga Ferreira abandonou a Teorema e a Leya, que hoje a tutela. Por acasos da vida, ainda não falámos, desde então.

Há dias, num noticiário cultural, vi que o Carlos criou, há meses, uma nova editora: a Teodolito. Perguntado, por alguém, sobre a razão do nome, o Carlos respondeu, desconcertante como sempre: "Havia um poeta meritório, que já morreu há muito tempo chamado António de Sousa e mostrou vários poemas ao Herberto Helder. A determinada altura, havia um verso que dizia qualquer coisa ‘noite inconsútil’ e o Herberto perguntou-lhe: O poema é giro mas António você sabe o que é ‘inconsútil’ ? E o António respondeu: ‘Não sei nem me interessa mas é uma palavra muito bonita.’ Eu sei o que é um teodolito e foi por causa disso e também remete para um texto brilhante do Luiz Pacheco que se chamava ‘O Teodolito’ ".

Da Teorema à Teodolito, vê-se que o "bichinho" editorial do Carlos  da Veiga Ferreira não desarma. E o seu humor também.

... e logo se vai ver!

Ver aqui .