quarta-feira, janeiro 04, 2012

Diplomacia desportiva

Ontem, durante o Seminário Diplomático, ao ministro francês dos Negócios Estrangeiros, convidado de honra para a ocasião, foi oferecida uma garrafa especial de vinho do Porto, testemunho da importância que tem, para Portugal, o mercado francês. Alain Juppé é "maire" de Bordeaux, onde se produzem magníficos vinhos de mesa, mas nada parecido com o néctar do Douro. 

Como tenho aqui repetido algumas vezes, a França é o primeiro destinatário mundial das exportações de vinho do Porto, embora haja ainda muito a fazer para garantir que possamos aqui vender quantidades significativas dos nossos melhores Portos. E - já agora, vale a pena dizê-lo - não foi fácil conseguir, há alguns meses, numa negociação que foi complexa, isentar o vinho do Porto de uma nova tributação fiscal, no orçamento francês para 2012.

Se a França é, atualmente, o maior consumidor, o Reino Unido foi, desde sempre, o seu mais tradicional destino de exportação. Por essa razão, e porque continua ainda a ser um mercado muito importante, a nossa diplomacia em Londres tem um particular e constante cuidado com a promoção do vinho do Porto e com a sustentação dos fluxos comerciais do produto.

O Porto faz parte, aliás, da tradicional cultura social britânica, quase tanto como o chá (aí introduzido por Catarina de Bragança, diga-se de passagem). Num jantar britânico, é de bom tom, no final da refeição, colocar sobre a mesa uma garrafa de cristal com vinho do Porto: cada pessoa serve-se a si própria e, após fazê-lo, pousa a garrafa sobre a mesa, colocando-a à sua esquerda, por forma a que o parceiro desse lado proceda de forma idêntica. É considerada má educação passar a garrafa diretamente para a mão do vizinho do lado: deve ser ele a levantá-la da mesa. Ah! e, sem exceção, a circulação da garrafa fez-se de acordo com esse sentido, o dos ponteiros do relógio.

Os britânicos têm, como regra, honrar também os seus convidados portugueses com uma oferta de um Porto, no final das refeições. Só que nem todos os portugueses entendem bem isto.

Em 1992, o Benfica foi jogar a Londres, com o Arsenal, e a direção dos "gunners" convidou a direção do clube português para um jantar, num restaurante de Regent Street. Simpaticamente, como encarregado de negócios, fui incorporado na delegação portuguesa. O jantar correu como é "normal" em ocasiões idênticas: os portugueses falaram com os portugueses e os ingleses entre si. Como diplomata, fiz as despesas das conversas com os anfitriões. Nada que não seja comum...

Chegado o final do jantar, assomou à mesa um "decanter" com o vinho do Porto, gesto maior de simpatia para com visitantes, ainda por cima portugueses. E aí, para surpresa imensa de quem nos convidava (e minha, também, confesso), nenhum - repito, nenhum - dos portugueses, com a exceção do diplomata presente, aceitou um cálice de Porto. Uns diziam abertamente que não gostavam, outros que lhes fazia mal e era "pesado", outros apelaram a uma alternativa, como um "malte" ou um cognac. A cara dos britânicos era indescritível. 

A "diplomacia desportiva" tem destas peculiaridades. E, por vezes, não ajuda à económica. Para a pequena história, e para azar dos britânicos, o Benfica ganhou, e bem!

24 comentários:

Anónimo disse...

Por mim, Senhor Embaixador, sou mais pelo Carcavelos. Gostos !

Anónimo disse...

Desculpe lá, Senhor Embaixador, eu sei que Vexa tem que ser isento, mas isso é comportamento típico de benfiquistas! Nunca o nosso Sporting cairia nessa!

a) Feliciano da Mata

Anónimo disse...

Porto é Porto; falo do vinho, naturalmente. Viva o Sporting! Por isso, viva o Senhor Feliciano da Mata!

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, ainda há aquele célebre episódio em que, numa prova de Vinhos do Porto numa Embaixada Portuguesa, a mulher do Embaixador de Portugal nesse país disse em alto e bom som que detestava Vinho do Porto...

Anónimo disse...

Tenho quase a certeza de que Feliciano da Mata é de Carcavelos.

Cá por mim, já tenho uma no frio para Sábado à noite.

Senhor Embaixador, se quiser dar um pulinho às Av. Novas ponho outra...

Anónimo disse...

Se fosse hoje talvez pedissem todos mais uma Quilmes...

Anónimo disse...

Mas ao que parece, o maior consumo per capita pertence aos belgas.
Margarida Marques

patricio branco disse...

há urgentemente que promover o mercado interno do porto, estimular o gosto pelo pelo produto, fazer publicidade institucional, oficial ou das associações de produtores e vendedores, etc.
Que exemplo os espanhois com o jerez que o bebem diariamente no bar, casa, restaurante, um enorme consumo interno.
Optimo trabalho da diplomacia em frança conseguir um tratamento fiscal mais favorável para o vinho do porto.
Interessante entrada do blogue, a diplomacia desportiva e do porto, e o que me ri com o episódio da mulher do embaixador. E tambem imaginando a cena do jantar e do não obrigado, antes um whisky ou aguardente por favor...

Anónimo disse...

Sr. Embaixador:
Colocando a garrafa do lado esquerdo, gira no sentido dos ponteiros do relógio, a não ser que tenha falado do relógio da casa do fim do mundo em King`s Road.
Eu adoro o Vinho do Porto, ou antes, o TRATADO, como aqui se diz, mas que não tem nada a ver com o que por vezes “cheiro” por aí. Por acaso tenho a felicidade de saborear o TRATADO, sempre que me apetece.

É enorme a satisfação de ter um Embaixador “VERDADEIRO”, como o verdadeiro “TRATADO”.

Armando Pires disse...

No meu dia a dia não sou consumidor de vinho do porto, contudo e quando estive em Praga pelo período de um mês, todos os dias ao fim da tarde ou para ser mais preciso a meio da noite, pois em novembro às 15 horas já é noite, e pelas 19 horas, naquele espaço de tempo que nos leva à hora de jantar, como era bom saborear um vinho do porto,naquele lindo bar do Hotel Europa, bem no centro daquela cidade de mil encantos.
Por vezes é necessário estarmos lá fora para darmos o devido valor ao que temos cá dentro.

Anónimo disse...

Sr Embaixador , fazia parte do seu trabalho informar os presentes que por deferência e simpatia, os convidados deviam aceitar o cálice de Vinho do Porto.

Sabe o Sr Embaixador, que os portugueses bebem o vinho do Porto como aperitivo e não como digestivo ! Como digestivo, benfiquistas, sportiguistas e portistas etc , gostamos da tal aguardente, cognac, bagaço etc!

Os chineses, hoje já tem cuidado, quando oferecem manjares aos convidados ocidentais para não criarem problemas !
Ficou na história, uma visita à China de Mao por parte da elite do governo Cubano na altura onde pontificava o Che Guevara! Aos Cubanos foram servido miolos de macacos, dentro do próprio crânio !!!
O Che Guevara recusou comer , mas houve muitos que por deferência para com os chineses comeram e acharam agradável com aquele sorriso frio e tremido!!!

OGman

Francisco Seixas da Costa disse...

Caros comentadores: isto passou-se com o Benfica, mas, sejamos justos!, poderia ter ocorrodo com qualquer outro clube. Tenho, aliás, uma outra história "incontável" - mas não com os três "grandes"

gherkin disse...

Como sabe, na Inglaterra, o típico anfitreão inglês, ao indispensável porto faz questão de servi-lo acompanhndo do delicioso queijo Stilton e de bolachas Digestive. O mais importante, porém, é a divulgação e promoção dos excelentes vinhos de mesa portugueses que em muitos casos igualam, se não ultrapassam, outros de reconhecido calibre. Na minha felizmente longa experiência neste importante mercado em que produtores e países vinhateiros, como a Austrália, mas principalmente a Espanha, não obstante as atuais dificuldades da última, INVESTE na promoção deste produto. Quanto a nós, infelizmente, salvo as habituais provas, muitas delas, aliás excelentes, quando temos vinhos de alta categoria, deveríamos promovê-los com campanhas publicitárias, O que infelizmente não sucede. Claro que campanhas televisivas são muito caras quando um anúncio de 30 segundos, em apenas termos de transmissão, no tempo nobre, custa a exorbitante quantia de 300.000 euros! Mas como devemos jogar, e em PESO, nas EXPORTAÇÕES, que o façamos nos produtos como o vinho!

patricio branco disse...

a propósito do comentário anónimo, há outros relógios que giram ao contrário, curiosidades, uma marca francesa fabrica uns de pulso, bem bonitos,que o pavilhão de frança vendia na expo.

Os ingleses lá sabem de porto pois foram eles que convenceram o marquês de pombal a demarcar a região do douro devido quererem garantias num produto de que gostavam e compravam. Para a esquerda deve ter um significado proptocolar ou possivelmente um costume que se afirmou. será só com o porto?

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro OGman: porque é que não me lembrei, a tempo, que a culpa da indelicadeza era (claro!) minha? Era tão óbvio...

Anónimo disse...

A culpa da indelicadeza não foi do diplomata presente mas este bem que podia ter alertado os faltosos. Deve ter tido mais de 11 hipóteses para o fazer. O problema é que muitas vezes preferimos ficar a ver (para dizer mal depois) a intervir quando é altura.

Anónimo disse...

Os Portistas (como eu) não, meu caro Ogman. Um Porto Branco como aperitivo sim, os outros, já com uns anitos em cima, como digestivo sim.
Se há portistas a não cumprirem este ritual é porque o azul da camisola deles desbotou. Acontece.
Adepto do Porto (do Vinho e do Clube)

Anónimo disse...

Está-se mesmo a ver a alegria com que os sempre muito educados dirigentes desportivos receberiam o conselho do Embaixador para que bebessem porto. Há quem seja ingénuo e há quem queira parecê-lo.

Manuel de Castro disse...

Senhor Embaixador e Caros Comentadores, tenho que contar aqui esta, pois passou-se o contrário.
Em síntese: Há bastantes anos convidámos um casal amigo das terras de Sua Majestade para passar uns dias por cá. Fartaram-se de passear pela costa e adoraram Portugal. Mas eis que chega o almoço de despedida. Era um arroz de polvo, apetitoso. Qual não foi o nosso espanto constatar que as duas filhas do casal, menores, não conseguiam nem tocar no dito nem disfarçar o esgar, para grande embaraço nosso e dos pais. O chefe de família ainda tentou aligeirar o repasto com umas piadas humoradas mas o que é certo é que o arroz regressou à cozinha. Banqueteei-me com ele ao jantar, evidentemente. Mas foi pena .

Anónimo disse...

Caro sr. Embaixador,

Leitor mais ou menos assiduo do seu blogue, não resisti hoje, a transcrever a sua crónica na minha pagina do face book.

Uma transcrição que teve um pequena nota introdutória da minha parte que aqui reproduzo, para seu conhecimento.
Cumprimentos. Jesus Zing

"Francisco Seixas da Costa, embaixador de Portugal em Paris, para além de brilhante diplomata, é um eximio contador de estórias. O seu blogue pessoal - uma experiência rara no mundo da diplomacia portuguesa -, é um olhar apetitoso do quotidinao, nem sempre palaciano, onde não falta o sentido critico e laivos de um humor, aqui e ali, exasperante.
"Diplomacia desportiva" é a sua ultima estória, publicada hoje no seu blogue, que aqui transcrevemos, com a devida vénia, para deleite de todos os interessados."

Anónimo disse...

Há muitos anos em casa da minha avó inglesa, bebia-se vinho do Porto no fim do jantar. Era míudo ainda e bebi também. Com o tempo fui bebendo mais e um dia... bebi de mais. A ressaca nunca mais a esqueci. Foi brutal. Nunca mais bebi vinho do Porto por isso. Não sei se será muito saudável.

Anónimo disse...

Decididamente, não descansam enquanto não instituirem o "estórias"...

Anónimo disse...

É de referir que o vocábulo "estória" consta no Dicionário de Língua Portuguesa de 2004 da Porto Editora, como sendo «s.f. história de carácter ficcional ou popular; conto; narração curta (De história, ou do ing. story, «id»)».

Anónimo disse...

Os dicionários estão cheios de termos que não se usam. "Estória" aparece por mimetismo do Inglês, nada mais.

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