sábado, agosto 27, 2011

Verão em Paris


Hoje, o "Le Parisien" titula "On veut le soleil!". Lá fora, à parte umas nuvens, o gestor climático supremo parece fazer-lhe a vontade. Com a casa deserta e Paris em férias, nada melhor que uma esplanada de uma "brasserie", com os jornais da manhã à mistura. E com estacionamento quase em frente (felicidade terrena que vai acabar, com o regresso dos parisienses). A meio do repasto, uma leve chuvada. Corrida geral para o interior. Amansadas as iras celestiais, passeio pelas montras até uma livraria. No final da compra, a vendedora oferece um elegante saco de pano, "cadeau" do dia. Chegado à rua, cai uma bátega imensa. Afinal, é melhor recolher a penates, para acabar um Céline, agora que os tempos recomendam a revisita a alguns "malditos". No carro (afinal estava longe, caramba!), molhado como um pinto, olho para o saco-prenda. Escrito por fora: "L'été est là". Pois, pois - como os brasileiros acham que os portugueses dizem...

PS - A imagem é um quadro de Gustave Caillebotte. A sua pintura impressionista lado a lado com fotos, também novecentistas, do seu irmão Martial estiveram, até 11 de julho, no museu Jacquemart-André, em Paris.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Porto

Só pude ver a primeira parte do Barcelona-Porto, para a supertaça europeia. E, no termo dela, pareceu-me injusto que o Porto estivesse a perder por um golo (um erro infantil, que não se pode ter a este nível). Afinal, a derrota acabou por ser por 2-0. Não tenho paciência para ver e ouvir os "experts" do costume, a "escalpelizar" o jogo, para deleite dos fanáticos. Como modesto observador destas coisas do futebol, achei, no período a que assisti, que Falcão fez muita falta no ataque, mas a sua venda ao Atlético de Madrid faz parte dessa estratégia regular de gestação de mais-valias que o Porto gere como nenhum outro clube português. Taticamente, foi claro que, muitas vezes, surgiu um "buraco" no lado direito da defesa portista, a qual, contudo, sabe jogar muito bem "em linha", o que fez o adversário cair em frequentes fora-de-jogo. Mas, para além de tudo isso, o Barcelona é uma equipa "messi...ânica", que acaba sempre por levar a água ao seu moínho. Pelo menos, até ver.

Diplomacia económica

Porque o tema da diplomacia económica está na ordem do dia, reproduzo aqui o texto do artigo "Diplomacia em tempo de crise" que publiquei, na edição de junho de 2011, da revista "Portugal Global", da AICEP:
 
"Não há muito tempo, um colega de um país do norte da Europa, cujo tecido económico foi bastante menos tocado pela crise internacional, perguntava-me de que modo a nossa diplomacia se estava a adaptar ao tempo de exigência acrescida que o país atravessava. A sua curiosidade tinha a ver, não apenas com a possibilidade de estarmos a encarar uma melhor adequação do nosso dispositivo diplomático aos objetivos mais imediatos da ação externa mas, igualmente, quanto ao modo como o nosso próprio trabalho teria, ou não, sofrido uma mutação qualitativa, em função de alguma reversão de hierarquia de prioridades.

A questão era interessante, embora a resposta não fosse óbvia. A diplomacia, como instrumento executivo da política externa, configura-se com a evolução dos tempos, por uma reformulação de prioridades, decorrente de novos objetivos. Embora deva ter-se sempre presente – e sei que isto pode parecer chocante para alguns cultores do imediatismo – que o papel dos diplomatas, na fixação da imagem do país, deve ir sempre um pouco para além das conjunturas. Essa é a razão pela qual a resposta às solicitações prementes do presente deve ser, no seio da nossa ação externa, modulada em permanência com a necessidade de garantir a preservação dos interesses permanentes do país, numa perspetiva de coerência de longo prazo. A nossa história não se improvisa.

Indo por partes, eu diria que, em face da presente crise, a diplomacia portuguesa tem, diante de si, três linhas de adaptação.

Em primeiro lugar, dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros não deixou de se considerar, desde o primeiro momento, a importância de repensar a rede diplomática existente, dando atenção particular a áreas geográficas que, não tendo sido privilegiadas nas opções de distribuição de recursos funcionais no passado, convinha que passassem a dispor de uma maior atenção no futuro. Quero com isto dizer que zonas como o norte de África, os países do Golfo e certos mercados asiáticos passaram a entrar na nossa ordem de prioridades, com vista a tentar conseguir novos pontos de apoio à atividade empresarial. Isso tornou-se particularmente importante face a mercados cuja evolução previsível de crescimento pudesse, simultaneamente, vir absorver produção nacional que tivesse menos atratividade para os nossos parceiros tradicionais (em especial, europeus) e garantir espaços sustentados de progressão futura de novas linhas de exportação. Assim foi feito e, estou certo, a prazo, os efeitos ir-se-ão sentir.

A segunda linha é de natureza formativa. Não vale a pena esconder que ainda não está ainda criada, no conjunto da nossa administração pública que opera na ordem externa, uma cultura de trabalho em comum. As razões são diversas, do corporativismo a alguma incompetência. Com felicidade, faço parte daquele grupo de diplomatas que sempre teve uma muito positiva experiência de trabalho conjunto com as estruturas de promoção económica externa (do FFE à AICEP, passando pelo ICEP/API). Por razões diversas, sei que essa experiência não é idêntica à de muitos colegas da diplomacia portuguesa. Não vale a pena estar a distribuir culpas, até pela certeza de que elas não estarão sempre do mesmo lado. Algo tem de mudar neste âmbito e, para isso, de há muito que só vislumbro uma solução, que sei difícil de pôr em prática, por escassez de recursos humanos: promover estágios profissionais cruzados, tanto nas instituições como nas empresas e nas associações empresariais, com suficiente duração para que tal possa ter reais efeitos, num esforço geral de aculturação.

Uma terceira vertente tem a ver com a mudança no paradigma da intervenção das nossas embaixadas, com impacto na informação que produzem. Imagino que a abordagem pública da questão, numa publicação desta natureza, possa escandalizar alguns. Mas julgo ter um mínimo de autoridade experiência para exprimir o que adiante vou dizer.

A diplomacia portuguesa não se deve esgotar no apoio à projeção económica externa do país – no comércio, na promoção do turismo ou na captação de IDE. A atenção à imagem do país na ordem internacional, o cultivo das redes de interesses políticos e culturais que o bilateralismo histórico justifica, a promoção da língua portuguesa e a proteção da diáspora são outros tantos pontos importantes a salvaguardar, como decisivo é sabermos potenciar o nosso valor acrescentado nacional de natureza política, como país construtor de pontes e entendimentos, à escala global. Como a eleição recente para o Conselho de Segurança da ONU o provou. Porque tudo isso, ao funcionar positivamente em favor da imagem do país, acaba por ajudar à criação de um ambiente favorável à promoção dos nossos interesses económicos – e dispensem-me de dar exemplos, por razões que julgo óbvias.

Porém, e como um dia já disse, com choque em alguns ouvidos mais sensíveis,  entendo que o MNE precisa de “menos Kosovo e mais batatas”, querendo com isto dizer que a diplomacia portuguesa tem de continuar o esforço já iniciado no sentido de infletir a sua focagem de prioridades, passando a perceber que a “política pura”, embora podendo dar-nos uma base interessante para um bilateralismo com vantagens, deve sempre apontar para uma visão objetiva dos interesses económicos que importa privilegiar, muito em especial numa situação de crise como a que vivemos.

Mas que fique clara uma coisa: não defendo que a política externa portuguesa seja refém da promoção económica externa, que se opte por uma “reapolitik” de interesses, como se o MNE devesse passar a ser, unicamente, uma espécie de agência de promoção externa de negócios. Não deve sê-lo exclusivamente, mas deve sê-lo também. E, para isto, não são precisos novos despachos ou decretos. Basta haver vontade.

Uma das razões pela qual não defendo uma dependência excessiva da nossa política externa face aos nossos interesses económicos tem a ver com o facto, que pude constatar ao longo das mais de três décadas que levo de ação diplomática, de que essa mesma atividade económica está longe de ter uma coerência mínima: os mercados flutuam, as prioridades variam, a oferta “tem dias”, os nossos empresários – desculpem lá! – têm estados de alma flutuantes. Se a ação externa do país ficasse vinculada, rigidamente, às opções do nosso comércio externo, Portugal teria a imagem de um catavento!

Por isso, recomendo apenas prudência, bom-senso e troca intensa de informação. À nossa diplomacia pode e deve ser pedido um grande empenhamento na promoção da atividade dos nossos agentes económicos. Os diplomatas portugueses devem ser mobilizados para servirem de eixo às campanhas de estímulo à atividade económica externa, as nossas embaixadas devem ser a “casa” dos empresários. Mas tudo isto tem de ter uma coerência global, uma hierarquia de prioridades bem estabelecida, uma dotação mínima de meios e uma proporção adequada de empenhamento. Uma missão diplomática ou consular não pode ser mobilizada apenas porque um empresário o solicita: essa solicitação tem de corresponder a uma razoável contrapartida previsível das vantagens potenciais decorrentes para o país.

É para essa avaliação que a diplomacia espera poder contar sempre com o insubstituível papel técnico da AICEP, como estrutura com capacidade de aferição daquilo que é, a cada momento, o interesse económico prioritário do país na ordem externa. É nesse diálogo, que não é complicado se dele forem excluídos os egos e os reflexos de casta, que deve assentar a parceria constante entre a atividade económica externa e diplomacia portuguesas."

quinta-feira, agosto 25, 2011

Regresso

É muito interessante voltar a mergulhar, de um dia para o outro, na realidade política de um país do qual estive afastado algumas semanas. É verdade que, entretanto, fui lendo as notícias que surgiam sobre a França, que já me atualizei com a produção informativa para Lisboa feita, nesse período, pelas minhas excelentes colaboradoras diplomáticas (curiosamente, todas senhoras). Mas nada é igual à presença no quotidiano. E que quotidiano, em escassos dias!

Desde logo, os desenvolvimentos na Líbia, onde a França teve (como já tive oportunidade de assinalar) um papel relevante, que será coroado com uma reunião em Paris, ao mais alto nível, logo no início de Setembro. Depois, os desenvolvimentos do caso Dominique Strauss-Kahn, que encheu debates e entreteve analistas prospetivos. Num terreno que lhe está (e continuará a estar) ligado, prossegue a "liça" no seio dos socialistas franceses, para escolha do "challenger" que disputará a corrida presidencial de 2012 com o atual presidente. E, para culminar estes dias franceses bem cheios, com vista a tentar acalmar os mercados e prevenir os humores de quem os antecipa, surgiu o anúncio pelo governo de um importante plano de austeridade, abrangendo o domínio fiscal e os cortes na máquina do Estado.

Paris-cidade ainda vive em ritmo de férias, com o próximo fim de semana a representar o grande regresso ao trabalho. Mas a "rentrée", essa, já aí está, em pleno!   

Imprensa

O tempo da comunicação social mudou muito. É meu hábito antigo guardar os jornais da manhã até ao final do dia, pela "angustiante" sensação de que neles ficou muito por ler e pela ilusória ideia de que acabarei por fazê-lo mais tarde. Só que, a essas horas, dou-me conta da quase total irrelevância daquilo que eram as "notícias" que esses jornais traziam, praticamente todas já ultrapassadas pela avalanche de noticiários televisivos e dos "sites", que entretanto ocorreu. Salvo para aquele universo de leitores que se contentam (e estão no seu direito) com as "pílulas" informativas a cuja fabricação alguma imprensa "apressada" hoje se dedica (pequenas notícias, com escassas centenas de carateres, que caricaturam os factos, como hoje são certos diários portugueses), tudo parece encaminhar-se para que os jornais, para terem algum sentido, se tornem, cada vez mais, veículos de análise e opinião e, cada vez menos,  portadores de notícias "requentadas". Lembro-me que, quando o "Público" foi criado, se dizia que a sua ambição era ser uma espécie de "Expresso" diário, o que corresponderia um pouco a esse conceito de uma imprensa que queria "ir um pouco mais longe", como à época já fazia o "Le Monde" ou o "El País". Na realidade, o "Público", que começou assim, acaba hoje por já não ser isso, embora, em Portugal, seja o jornal que mais próximo fica do modelo. Mas, num futuro próximo, será que as pessoas terão tempo para ler jornais diários meramente analíticos, com artigos cuja extensão e profundidade obrigam a uma disponibilidade pouco consentânea com o ritmo de vida de hoje? Por isso, com a proliferação dos Ipads, com os "alertas" nos telemóveis, os écrans dos computadores à nossa frente todo o dia, os "flashs" da rádio no carro e a omnipresença das televisões (com noticiários ou rodapés informativos) será que vai haver espaço para uma imprensa diária em papel? Começo a duvidar.

Em tempo: excluo a imprensa desportiva, cuja sobrevivência está garantida, "porque sim". Quando digo aos meus amigos estrangeiros que existem, em Portugal, três diários desportivos de dimensão nacional, eles começam a perceber melhor a questão do nosso défice...

quarta-feira, agosto 24, 2011

O jantar

O convite para aquele jantar fora aceite com gosto. O casal brasileiro que recebia, que tinham conhecido num cocktail, revelara-se muito simpático, pelo que os embaixadores da Sildávia, que estavam em Brasília há escassos meses, acharam ser essa uma boa oportunidade para alargar o seu ainda escasso mundo de conhecimentos na sociedade brasiliense. E, assim, ataviado o embaixador com aquele "esporte fino" que, nos homens, dá saída regular aos blazers azul-escuro com botões dourados, lá avançaram para a festa.

Em Brasília, as ruas não têm nomes. A geografia da cidade é feita quase exclusivamente de letras e números. Na zona do Lago Sul, onde se situam as melhores residências, há uma espécie de pequenos bairros numerados, as "quadras", contados a partir da zona do aeroporto. Tais "quadras" são, por sua vez, subdivididas em ruas também numeradas, os "conjuntos", onde se situam as casas, igualmente identificadas por um número. Se se disser que as "quadras" podem ser "internas" ou "do lago" - QI ou QL -, dá ideia de uma grande confusão. Porém, depois de se perceber a lógica, tudo se torna bem mais simples do que em qualquer outra cidade...

O cartão do convite não permitia enganos. Estava escrito o endereço: "QI 5, conjunto 9, casa 23" (endereço fictício, claro). E lá partiram os embaixadores da Sildávia, com o próprio embaixador ao volante, porque o estacionamento costuma ser fácil e estariam mais à vontade sem motorista, para gozar até mais tarde a festa, nesse sábado de clima ameno. Chegados à "quadra", verificaram que o "conjunto" 9 era o último. Restava apenas procurar a casa.

- Olha, é aquela moradia com as lamparinas a marcar a entrada, disse o embaixador. Já lá está o carro do embaixador italiano, junto à porta.

Com o embrulhinho da caixa de chocolates para a anfitriã nas mãos da embaixatriz, entraram na casa. Era uma magnífica residência, com empregados vestidos a rigor, que logo lhes ofereceram uma taça de champanhe à entrada. Os embaixadores italianos acenaram e aproximaram-se, ficando, por instantes, à conversa.

- Onde estão os donos da casa?, indagou a embaixatriz sildava, desejosa de se ver livre da prenda e de saudar os anfitriões.

- Estão ali, junto da piscina, respondeu o diplomata italiano.

Os embaixadores sildavos encaminharam-se então para um pequeno grupo reunido mais adiante, em que detetaram algumas caras que recordavam (ou seria das páginas sociais da Jane Godoy ou do Gilberto Amaral?). Um casal, com ar de quem estava bem à-vontade na casa, aproximou-se, sorridente.

- Sejam bem vindos, retorquiu a senhora.

- Somos os embaixadores da Sildávia, murmurou o diplomata visitante, com um fácies por onde perpassou uma súbita perturbação.

- Ah! Não estávamos à espera, mas são muito bem-vindos, disse aquela que era, de facto, a anfitriã.

Como costumam dizer os brasileiros, nesse instante "caiu a ficha" aos embaixadores da Sildávia. Estavam na casa errada, na festa errada, com os anfitriões errados. O jantar para onde pretendiam ir era, afinal, numa casa exatamente no lado oposto do "conjunto". Com sorrisos e desculpas, no ambiente de amabilidade brasileira que torna tudo mais caloroso e fácil, lá se despediram dos colegas italianos (que, esses sim!, estavam na festa certa) e rumaram ao jantar onde já tardavam.

Um jantar onde, minutos depois, contaram esta sua saga, para imensa diversão de todos nós, que já lá estávamos, e, em especial, da Regina e do Edson, os verdadeiros anfitriões, que já estranhavam o atraso. (Para eles, aproveito para deixar um abraço saudoso).

Quanto aos embaixadores, não eram da Sildávia nem sequer da Bordúria, esses países tão ao gosto de Tim Tim, mas, neste tempo tenso de relações internacionais, sei lá se gostariam de ser identificados... E também não sei se, um dia, não terão acabado por ser convidados pelos anfitriões em casa de quem entraram por engano. Conhecendo a simpatia dos brasileiros e, em especial, dos brasilienses, é bem possível que sim!

Bartolomeu Cid dos Santos

Oitenta, Bartolomeu? Já? Como o tempo passa...Podes arrumar a t-shirt. O Obama já se encarregou disso.

Kadhafi

Nestes tempos de diabolização mediática do regime de Mouammar Kadhafi, vale a pena ter alguma memória.

A chegada ao poder de Kadhafi, em 1969, foi, à época, lida por muitos observadores como o percurso lógico de uma certa linha de evolução política no norte de África, que já tinha criado figuras como Nasser, Ben Bella e Boumédiène. Se bem que a bizarria do seu "Livro Verde" rapidamente tivesse dado um tom algo caricato à personagem e à sua doutrina, mais tarde agravado pela criação da fantasmática "Jamahyiria", a verdade é que, na altura, poucos verteram lágrimas pelo velho rei Idris, que Kadhafi tinha derrubado. E, em diversos e respeitáveis círculos, é sabido ter havido mesmo uma discreta alegria pela saída dos EUA da base que detinham na Líbia.

Mouammar Kadhafi, no seu longo reinado, teve vários tempos, aos olhos da comunidade internacional, desde um período inicial esperançoso, de pendor desenvolvimentista - em que enviou para o Reino Unido e EUA milhares de jovens, para formação técnica - até a uma época em que protegeu e fomentou abertamente o terrorismo internacional. Sob intensa pressão, viria a mudar um pouco de rumo e a ganhar alguma complacência de ocasião, ao tomar atitudes que ajudaram o mundo ocidental na luta contra o fundamentalismo islâmico e, muito em particular, contra a imigração descontrolada para a Europa. 

Mas Kadhafi era, de há muito, um sinistro ditador, pelo não foi surpresa para ninguém "descobri-lo" como tal. Como acontecia com Ben Ali ou Moubarak, diga-se. Tirou a vida a muitas pessoas e arruinou-a a muitas mais. As práticas do seu regime eram conhecidas, as organizações de direitos humanos denunciavam regularmente as suas ondas de repressão. Mas era, como outros, um ditador recebido por todos os grandes dignitários mundiais, por casa de quem passeava folcloricamente as suas tendas, que queriam o seu petróleo e procuravam vender-lhe os seus produtos. E que, entre si, disputavam as suas aquisições de armamento, que ele pagava, com o dinheiro de um país rico que a Líbia era. As mesmas armas que agora utilizou para reprimir selvaticamente o desejo do seu povo à liberdade. E que o fez cruzar uma "red line", a qual, no entanto, já não é tão imperativa para outros, protegidos que estão por diferentes teias estratégicas.

Em tempo: aproveito notar que, carregando no marcador lateral "Líbia", pode ser consultado o que por aqui já foi publicado sobre aquele país.

terça-feira, agosto 23, 2011

Blogagens

Não sou muito dado a visitar com regularidade outros blogues (lamento muito, mas é pura verdade!) e, quase sempre, sinto-me mais tentado a passear por aqueles onde se publicam coisas com que sei que não vou estar de acordo. Não se trata de masoquismo, é mera curiosidade de conhecer o que pensa quem sei, de ciência certa, que não pensa como eu. 

Num desses episódicos percursos, dei-me conta que, nos últimos dias, as coisas andam acesas entre escribas em sítios famosos na blogosfera política portuguesa, de opostas tendências. Ao que se nota, as teclas desembainharam-se e soltam-se mesmo alguns vernáculos. Nada de que se não estivesse à espera, nesta mudança de ciclo. Mas, francamente, nunca pensei que a agressividade chegasse onde já vai. No fim, cá por (duas ou três) coisas, creio que, entre mortos e feridos, alguém há-de escapar...

Líbia

Vale a pena recordar algumas coisas básicas.

Foi a repressão brutal levada a cabo pelas forças armadas líbias sobre setores civis que contestavam o regime, contagiados pelos ventos de liberdade que sopravam dos vizinhos egípcios e tunisinos, que conduziu à aprovação de uma resolução das Nações Unidas, a qual, por sua vez, legitimou uma intervenção limitada da NATO naquele país.

A França e o Reino Unido estiveram, desde o primeiro momento, na linha dianteira, quer da promoção daquela resolução, quer da estruturação da "coalition of the willing" que utilizou a estrutura da NATO para dar apoio aos rebeldes e limitar a capacidade de ação das forças de Kadhafi. Se esse apoio foi, ou não, bastante para além daquilo que o próprio mandato permitia é uma discussão que tem todo o sentido, até porque o que dela resultar não deixará de condicionar o futuro comportamento de outros atores internacionais, em situações similares.

Por isso, neste que é um momento de vitória da insurreição sobre um regime que utilizou as suas forças armadas para reprimir o seu povo, parece evidente que Paris e Londres devem merecer o reconhecimento explícito da comunidade democrática internacional, tanto mais que o seu extraordinário esforço militar foi feito num tempo difícil, em termos da mobilização de recursos orçamentais.

Dizer-se que a circunstância de não ter sido empreendida uma ação do mesmo género na Síria, onde a repressão foi tanto ou mais violenta, prova alguma duplicidade de algumas das potências ocidentais é um juízo razoável, só infirmado pela constatação de, no caso sírio, não havia a possibilidade de obter um mandato "onusino" de natureza similiar. Nesse debate, alguém poderia retorquir que, no caso do Kosovo, também não existia mandato e, no entanto, a ação não deixou de ter lugar. É verdade, mas os que consideram que, em algumas situações limite, há que avançar, mesmo sem legitimação formal, colocam-se facilmente ao lado de quantos acham que a ONU só serve quando dá jeito ao que pretendem. E perdem o direito a criticá-los.

Resta um último e não dispiciendo aspeto: o futuro. Foi aberta a "caixa de Pandora" e, agora, é necessário cuidar que os novos dirigentes de Tripoli tomam medidas imediatas para evitar massacres retaliatórios, eliminações sumárias de opositores e um ambiente de terror perante setores populacionais que, muito provavelmente, estiveram com Khadafi porque não tinham outra opção, como imensas vezes acontece em situações similares. E que ninguém venha com o argumento de, na confusão da vitória, não é possível conter a raiva de guerrilheiros pouco organizados e espontaneístas. Este será o primeiro teste à qualidade, também ética, da nova liderança, que concitou a esperança de quem a apoiou.

A legítimidade de um julgamento pelo Tribunal Penal Internacional dos antigos responsáveis líbios ficaria severamente minada se o mundo ocidental, que em especial apoiou esta insurreição, não fizesse perceber urgentemente ao Conselho Nacional de Transição que esse mesmo apoio foi no sentido, claramente condicional, da observância pela Líbia do estatuto de um Estado democrático de Direito, com estrito e antecipado respeito pelo espírito das convenções internacionais atinentes ao caso - que quem lhes deu força, política e militar, sempre teve presente. Longe deve ir o tempo em que alguns países ocidentais, nomeadamente em África, ajudavam a derrubar ditadores para os fazerem ou deixarem suceder por regimes autoritários de outra natureza.

segunda-feira, agosto 22, 2011

Arbitragem

"A star is born", ainda que por pouco tempo. Chama-se Fernando Idalécio Martins, é árbitro dos escalões inferiores de Aveiro e provou que, com modéstia e bom-senso, se pode exercer uma eficaz arbitragem, como ontem fez no Beira-Mar - Sporting, superando uma crise criada pelas vedetas do apito do nosso futebol.

Devo dizer que esta polémica me parece saudável. A arbitragem não é um tema sacrossanto e os erros e desvios humanos que entendermos relevantes devem ser denunciados, porque falseiam os resultados dos jogos. O início de uma nova época configura exatamente o tempo certo para se apontarem publicamente, e com destaque, as falhas de isenção que se considerarem assinaláveis, para que algumas coisas se clarifiquem um pouco mais. Com efeito, o passado demonstra que alguns são, por sistema, mais prejudicados do que outros ou, se lermos as coisas de outra forma, que alguns são quase sempre mais protegidos. O que ocorreu na época futebolística passada deve servir-nos de alerta para o futuro, pelo que me parecem sensatas e razoáveis as denúncias de que, no campo da arbitragem portuguesa, "o rei vai nu".

Compreendo que o facto de ser sportinguista torne esta minha observação um tanto "biaisée", mas é isto que penso e, por isso, é isto que aqui digo.

Pousadas

Uma das poucas coisas que fragiliza a minha animosidade irredutível face ao Estado Novo são as nossas pousadas*. Foram criadas em 1942, por essa figura muito interessante da cultura portuguesa que se chamou António Ferro e representaram uma tentativa de dar realce às diferentes regiões do país, à diversidade da sua gastronomia e dos seus costumes, incentivando o turismo estrangeiro e um turismo interno mais exigente. Em 1945, tinham já sido estabelecidas oito pousadas. Vale a pena dizer que os "paradores" espanhóis, instituídos nos anos 20, foram os inspiradores das nossas pousadas, mas a expansão destas foi mais rápida e sustentada que o do (excelente, aliás) modelo vizinho, que só viria verdadeiramente a desenvolver-se a partir dos anos 70.

Ferro deixou bem claro o que pretendia das pousadas, ao afirmar, na inauguração da primeira daquelas unidades, em Elvas: "o luxo e a ostentação, muitas vezes sem conforto nem bom gosto, não constituem, obrigatoriamente, a matéria-prima do turismo", pelo que as pousadas deveriam ser "pequenos hotéis que não se parecessem com hotéis". Embora isto possa chocar os espíritos de hoje, nada melhor para qualificar o seu objetivo do que esta sua frase: "se o hóspede, ao entrar numa destas Pousadas, tiver a impressão de que não entrou num estabelecimento hoteleiro onde passará a ser conhecido pelo número do seu quarto, mas na sua própria casa de campo, onde o aguardam os criados da sua lavoura, teremos obtido o desejávamos". E também: "o conforto rústico, bom-gosto fácil no arranjo das coisas e também no paladar, simplicidade amável, eis as grandes linhas do programa das nossas Pousadas", que se pretendiam "pequenos conservatórios da cozinha portuguesa". Os tempos mudaram muito e as pousadas também.

Inicialmente, as pousadas eram relativamente baratas e - imagine-se! - tinham um limite imperativo de três dias de ocupação por utilizador. A forma da sua gestão teve um percurso que partiu da plena dependência estatal até ao modelo atual, em que o grupo hoteleiro Pestana detém uma posição maioritária, numa forma de semi-privatização, que não deixou de ter consequências sensíveis na oferta atual de serviço e qualidade das Pousadas, sujeitas a um padrão de exploração onde praticamente desapareceram as preocupações originárias de serviço público. Algumas unidades vivem num regime de "franchising" que, igualmente, afeta fortemente a identidade do conceito.

Atualmente (2011) estão em funcionamento 40 pousadas **. Verifico que já dormi em 33 destas unidades hoteleiras mas, na realidade, já estive alojado em 48 pousadas... Como é isto possível? Porque, ao longo das últimas décadas, pelas minhas contas pessoais, desapareceram 17 pousadas (de que conheci 15). Recordo unidades que encerraram como pousadas, como as de Miranda do Douro (ia-se jantar à Balbina), de Póvoa das Quartas (ia-se ao Camelo, em Seia, ou ao Júlio, em Gouveia), de Castelo do Bode (ia-se, claro!, ao Chico Elias), de Serpa (jantava-se na Pousada mas, antes, ia-se beber a melhor imperial "do mundo" ao Lebrinha), de S. Brás de Alportel ou de Sousel, todas com panoramas magníficos. Mas, devo dizer, não verto lágrimas por pousadas desaparecidas como as de Monsanto, de Almeida, de Proença-a-Nova, da Quinta da Ortiga ou da Batalha. Apesar de tudo, confesso que tenho pena de já não existirem as unidades tão históricas como as de Santo António de Serém, de Santiago de Cacém, do Torrão ou de Vila Nova de Cerveira (onde se comia muito bem). Houve ainda uma pousada, em S. Martinho do Porto e uma unidade na Madeira, a pousada dos Vinháticos, não tendo conhecido ambas.

Durante alguns anos da minha vida, por razões diversas, tinha obrigatoriamente de trabalhar todos fins-de-semana. As pousadas eram o meu "pouso" preferido para isso. Nesse tempo, quando os preços eram outros, cheguei mesmo a passar férias em pousadas. Por isso, tenho sobre elas muitas e diversas experiências, que vão desde grandes exemplos de profissionalismo a monumentais descasos. Mas, apesar de algumas razões que possa ter em contrário, ainda hoje sou "addicted" das nossas pousadas e, sempre que posso, frequento-as.

* Uma nota curiosa. O conceito de "pousada", no Brasil, qualifica, em regra, estabelecimentos hoteleiros com um nível abaixo do das nossas pousadas. Assim, quando o grupo Pestana recuperou, em Salvador da Baía, o Hotel Convento do Carmo, que era, à  época, a mais bela unidade das "Pousadas de Portugal", não lhe essa designação.  

** Anoto aqui as primeiras Pousadas: Santa Luzia, Elvas (1942), São Gonçalo, Marão (1942), Santo António, Serém (1942), São Martinho, Alfeizerão (1943), São Braz, S. Braz de Alportel (1944), Santiago, Santiago do Cacém (1945), São Lourenço, Serra da Estrela (1948)

domingo, agosto 21, 2011

"Santirso"

Ontem, ao ver as peixeiras da ribeira de Viana do Castelo imitarem uma discussão, durante a "festa do traje" das festas da senhora da Agonia, lembrei-me do "Santirso".

O "Santirso" era o nome de um barco espanhol de transporte que, na minha infância, aportava com alguma regularidade à doca de Viana do Castelo, em frente à casa da minha avó. Isso nada teria de especial, num porto que, à época, era bastante movimentado, se não se desse o caso da presença desse barco estar associada, no imaginário das pessoas da pesca vianense, à chegada de mau tempo. Por isso, e porque a coincidência se repetia com demasiada frequência, era voz corrente que as mulheres da ribeira apupavam os marinheiros do "Santirso", que olhavam como responsáveis pelas condições climatéricas que não permitiam a saída da barra dos pescadores.

Nestas festas da senhora da Agonia, o "Santirso" não chegou e o tempo acabou por mostrar-se clemente, salvo na derradeira noite. Mas uma coisa é certa: há chegadas que dão azar e estragam o clima.

Em tempo: apanhei isto na internet sobre a "lenda" do "Santirso" 

sexta-feira, agosto 19, 2011

Feiras

Num debate na Assembleia da República, o líder do CDS/PP tinha feito uma crítica a alguns aspetos da presidência portuguesa da União Europeia que então decorria, nesse início do ano de 2000, em que eu tinha alguma responsabilidade na matéria. Não era nada de muito radical, mas apenas o tom habitual dos partidos de oposição, que sempre procuram certos "nichos" de divergência pontual, mesmo quando subscrevem, por razões de Estado, o essencial da ação do governo na área externa. Como era o caso.

Nesse seu discurso, a que o primeiro-ministro estava a dar resposta aos temas substantivos, o líder oposicionista tocara, em moldes que recordo críticos, a questão da distribuição geográfica das reuniões europeias que a presidência portuguesa estava a realizar pelo país, como era habitual nesses longínquos tempos em que os Estados membros ainda pesavam alguma coisa no exercício das presidências semestrais. Já não recordo bem, mas talvez porque Aveiro não estivesse nesse mapa...

Da bancada do governo, fiz então chegar, discretamente, àquele lider partidário uma pequena nota manuscrita, que dizia basicamente o seguinte: "Achei muito injusta a sua crítica ao mapa de reuniões comunitárias no território português. Com efeito, deve ter notado que a cimeira final da presidência portuguesa está marcada para uma determinada cidade, num gesto que pretende ir ao encontro daquilo que se sabe ser objeto de um carinho especial da sua parte. Não foi por acaso que escolhemos Santa Maria da ... Feira!".

Não deixarei de perguntar ao meu atual ministro se se lembra da gargalhada sonora que deu ao ler a minha nota, para imensa perplexidade de deputados de várias bancadas e dos meus colegas de governo.

quinta-feira, agosto 18, 2011

Prestígio

A pequena história que anteontem contei, sobre um percalço familiar de um meu conterrâneo, suscitou algumas indignações femininas. Nada de que se não estivesse à espera!

Isto acicatou, devo dizer, o meu pendor para, neste tempo "light" estival, provocar o "politicamente correto" e trazer à memória uma outra historieta, de que há muito ouvi falar.

Tratava-se de um cavalheiro, bem apessoado, figura de elevado nível na administração pública de Vila Real, o qual, por razões funcionais, era obrigado a deslocar-se "lá baixo", a Lisboa, com alguma regularidade. Nesses tempos dos anos 60, essas viagens eram longas, obrigando a estadas de mais do que uma noite.

Um dia, uma amiga da mulher desse oficioso viajante perguntou-lhe:

- Ouve lá! Tu não achas que o teu marido, com todas essas viagens a Lisboa, não pode ser tentado a ter por lá algum "caso"?

A senhora, pessoa serena e muito educada, respondeu-lhe:

- Sabes?, se calhar tens razão. Mas se há coisa que eu não posso controlar é isso. Ele fica lá por Lisboa no Suíço-Atlântico e tudo pode acontecer. Mas, olha!, se alguma coisa ocorrer, ao menos tenho a esperança de que ele não faça "fracas figuras"...

Estou certo que mesmo as mais empedernidas feministas do meu "quadro" de comentadores não deixarão de achar tocante esta preocupação com o prestígio familiar.

"Las dos Españas"

Não, não me estou a referir àquelas que ontem se defrontaram e que foram tituladas por dois estrangeiros geniais: Messi e Cristiano Ronaldo.

As "duas Espanhas" de que quero aqui falar são as do poema de António Machado e que dão mostras de se manterem na profundidade da alma espanhola: a Espanha tradicionalista, católica, absolutizadora dos valores da ordem e a Espanha progressista, laica e disposta a forçar roturas de modernidade.

Os confrontos religiosos que ontem tiveram lugar em Madrid são um sinal pouco agradável de que sobrevivem, na sociedade vizinha, tensões radicais que, não obstante enquadradas por uma sólida democracia, testada por duras provas nas últimas décadas, se situam agora já fora do terreno das ideologias políticas e começam a ancorar no reino menos racional e muito mais emotivo das crenças. Esperemos que o bom senso prevaleça e que esta polarização, somada à crise económica e ao tempo eleitoral que aí virá, se resolva sem grandes feridas no tecido desse grande país que é a Espanha, cuja estabilidade faz mais parte da nossa do que alguns inocentes inúteis pensam.

quarta-feira, agosto 17, 2011

Porto

A França continua liderar as compras mundiais de vinho do Porto, de acordo com as estatísticas mais recentes. 

Um dos "mitos" que ainda subsiste, ligado ao consumo de Porto, diz respeito ao Reino Unido, que, por muito tempo, foi o destino preferencial daquele produto. Ainda hoje, se perguntarmos à maioria dos portugueses qual o maior consumidor do vinho do Porto, a maioria indicará, seguramente, o mercado britânico. Ora países como a Holanda, ou o próprio mercado interno português, já hoje ultrapassam, em muito, o Reino Unido.

Em 2011/2012, em articulação com a AICEP e o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto vamos tentar reforçar a promoção do vinho do Porto no mercado francês. Também no próximo ano, a Embaixada portuguesa em Paris vai acolher a atribuição do prémio ao melhor "sommelier" francês especializado em vinho do Porto.

O vinho do Porto, um produto de altíssima qualidade e prestígio, cuja comercialização sofre de alguns problemas, continua a ser uma das grandes imagens de marca de Portugal. E temos muito poucas.

Tecnologias

Aqui deixo uma breve historieta da minha terra, verídica, para elevar a boa disposição ao nível dos "spreads".

O homem tinha partido de regresso a casa, pela tardinha. A certa altura, foi seduzido por alguma "fruta" (o termo é de raiz futebolística nortenha, para quem não saiba) humana que se oferecia à beira da estrada. Parou, negociou e, antes do resto, telefonou à mulher, informando-a de que um compromisso de última hora o impedia de ir jantar. 

E lá foi, acompanhado, para a mata próxima. Horas depois, chegado a casa, foi recebido pela cara metade de caçadeira na mão. A tragédia foi evitada, a custo, por familiares. O que acontecera? O nosso homem esquecera-se de desligar o telemóvel, depois da chamada para a esposa, que assim teve o "privilégio" de ouvir o "relato" ao vivo do recreio do cônjuge.

Vi-o hoje, feliz da vida.   

terça-feira, agosto 16, 2011

"Eurobonds"

Leio hoje no título do "Público": "Eurobonds fora da agenda da cimeira entre Merkel e Sarkozy".

E recordo-me disto:

"O recurso ao endividamento comunitário, através de obrigações europeias (eurobonds), constituiria um sinal de empenhamento da União com soluções de natureza comunitária, num momento em que se verificam restrições de natureza orçamental para prosseguir, a nível nacional, acréscimos nos investimentos públicos, nomeadamente aqueles que eventuais choques assimétricos provocados pelos impactes diferenciados do euro no tecido económico e social da União vierem a justificar."

(in "Diplomacia Europeia - instituições, alargamento e o futuro da União", ed. Dom Quixote, Lisboa, 2002, pag 177)

Aqui deixo este extrato de um texto ("Uma Europa Solidária?") que escrevi, há mais de 12 anos, republicado em livro, em 2002.

segunda-feira, agosto 15, 2011

Cosmopolitismo

Não é a primeira vez que, em alguns comentários a este blogue, recebo remoques pelo facto de utilizar palavras ou expressões estrangeiras, que vulgarmente identifico entre aspas. Devo dizer, desde já, que eu próprio me não sinto muito confortável com o recurso regular a esses termos. A realidade, porém, é que há determinados conceitos que me parecem tão bem sintetizados e tipificados em algumas línguas estrangeiras que reconheço que me dou frequentemente ao luxo de não ter de procurar, para eles, um equivalente em português. Aceito ser esta uma óbvia fragilidade, mas é também o preço de ter de optar por uma escrita rápida, imediata, que permite um ritmo diário de posts, sem grande burilamento ou beleza estilística.

Na vida diplomática, o recurso a expressões estrangeiras - principalmente inglesas, mas também francesas - faz parte do nosso dia-a-dia, o que, naturalmente, marca o discurso corrente e acaba por aparecer, de forma quase abusiva, em todas as apresentações que fazemos. Acredito que este meu "defeito" venha daí.

A este respeito, recordo-me de uma história, de que hoje não me orgulho muito, não tanto pelo facto em si, que até foi divertido, mas principalmente pela circunstância do meu interlocutor ter já, infelizmente, desaparecido.

A cena passou-se na comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República, creio que logo no final de 1995. Como responsável governamental pelo setor, eu estava a ser interpelado sobre dossiês que estavam em discussão em Bruxelas. Tinha feito uma intervenção inicial de, creio, cerca de meia-hora e ouvia as questões que, de seguida, me estavam a ser colocadas pelos deputados.

O deputado do PCP, Lino de Carvalho, para além das normais críticas oposicionistas à política do governo que eu ali simbolizava, disse algo parecido com isto: "O senhor secretário de Estado, nesta sua intervenção, mostrou alguns desagradáveis vícios de cosmopolitismo, recorrendo, com frequência, a expressões estrangeiras. Em poucos minutos, contei uma boa dezena delas, como "phasing-out", "leftovers", "acquis", "leverage" e outras do género. Eu sei que a profissão de V. Exa. conduz a um convívio intenso com o estrangeiro, mas devo dizer-lhe que acho lamentável estes excessos de cosmopolitismo. A meu ver, um representante governamental português tem a obrigação de vir para aqui falar exclusivamente a sua língua aos seus deputados".

Eu era um novato nas lides parlamentares e achei que, no contexto de um debate em "petit comité" (lá estou eu a usar expressões estrangeiras...), que decorria de forma solta e descontraída, me poderia permitir uma graçola política. Só que, como irão ver, o tiro saiu-me pela culatra.

Assim, interrompi o deputado, cuja intervenção ainda não tinha terminado e, pedindo autorização ao presidente da comissão, que creio que era o José Medeiros Ferreira, disse: "Eu quero pedir perdão ao senhor deputado pelo uso excessivo que fiz de expressões estrangeiras. Com efeito, reconheço que incorri num condenável vício de cosmopolitismo. E sei que isso toca fundo no património de memória do partido que V. Exa. aqui representa, o PCP. Com efeito, todos recordamos bem que, nos "processos de Moscovo", Estaline fez condenar à morte, por crimes de cosmopolitismo, muitas pessoas. Vou, assim, tentar conter-me, futuramente, na utilização de expressões estrangeiras".

O que eu fui dizer! Lino de Carvalho, com o ar grave que a sua barbicha leninista lhe conferia, sentiu-se ofendido com a minha intervenção, considerou-a "provocatória", "arrogante" e "insultuosa". E o agravamento do ambiente que o incidente projetou sobre a sessão, que até aí decorrera morna e sem polémicas, fez com que os sorrisos que a minha graçola inicialmente provocara se transformassem numa sólida, se bem que silenciosa, solidariedade parlamentar, em apoio à honra ofendida do colega deputado, como era patente na expressão facial coletiva à volta da mesa. Mesmo nos deputados que apoiavam o governo que eu ali representava denotei um visível incómodo com o insólito da situação criada.

Não me recordo como tudo acabou, mas tenho claro que falei, mais tarde, com Lino de Carvalho, junto de quem procurei justificar-me. A partir de então, e com o tempo, as nossas relações acabaram por normalizar-se e, nos anos que se seguiram, tive-o por um interlocutor muito sério e sabedor sobre questões de agricultura europeia. A sua morte deixou saudades no nosso parlamento e o nosso bate-boca fez-me aprender uma bela lição. 

... e logo se vai ver!

Ver aqui .