Estão em cima da mesa negocial dois esboços de compomisso para o fim da guerra na Ucrânia.
Em ambos há um não dito que ninguém ousa escrever: a Ucrânia, ao ceder ("de facto" ou "de jure") o controlo de territórios, já perdeu esta guerra. Quem sustente o contrário, por mais acrobacias conceptuais que mobilize, apenas se ilude. E o "wishful thinking" não é uma estratégia sensata.
Resta assim negociar o perímetro concreto da vitória russa. Moscovo sonharia com uma Ucrânia transformada numa nova Bielorrússia. Não o conseguirá: o núcleo de soberania assente em Kiev manter-se-á independente. Em recuo tático, a Rússia procurará impor uma neutralidade. Os europeus, que persistem em querer fazer da Ucrânia remanescente a sua primeira linha de contenção, farão tudo para que tal neutralidade não se concretize.
Por duas vias principais. A primeira passa pelo papel: evitar que a Constituição ucraniana fique blindada como a austríaca de 1955, interditando para sempre a adesão à NATO. Trump é transitório. Na ótica ocidental, convém não fechar institucionalmente a porta a um eventual regresso futuro a uma política diferente por parte dos EUA. Um dos principais pontos de fricção com Moscovo será este.
O segundo ponto de fricção será a presença de tropas europeias em solo ucraniano no pós-guerra. É previsível que isso constitua uma linha vermelha russa. E é igualmente previsível que Trump seja bastante sensível a essa objeção. A Rússia já interiorizou que não engolirá a Ucrânia inteira, mas não abdicará de tentar garantir que o que lhe escapar não possa vir a reforçar-se militarmente contra ela.
A proposta de 28 pontos que Trump fez circular é, no essencial, um lista de concessões aos interesses russos. A razão é simples: Washington considera que a Rússia está a ganhar a guerra e decidiu que não investirá de forma a ajudar Kiev a recuperar as fronteiras de 1991. O cálculo americano é que armar a Ucrânia até ao ponto de poder ameaçar existencialmente a Rússia obrigaria, mais cedo ou mais tarde, os EUA a intervir diretamente, com o risco de uma escalada imprevisível. Discutir se esse receio é ou não exagerado é irrelevante. É o que parece orientar a Casa Branca.
Para além disso, a América de Trump quer extrair um proveito económico substancial deste desfecho. Do documento dos 28 pontos transparece, explícita ou veladamente, uma ambição negocial americana, que pode incluir vantagens no Donbass, no Ártico ou em outros tabuleiros. Putin, por seu lado, necessita desesperadamente de uma vitória política que justifique o custo económico e humano que investiu desde 2022. Trump pode oferecer-lhe o regresso ao G8, o arquivamento do mandato do TPI, o alívio ou levantamento de sanções, talvez até a reintegração no SWIFT. Trump é a boia de salvação de Putin. Sem ele, pode estar a ganhar a guerra, mas não terá condições de conquistar a paz.
Em tempos idos, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, algumas informações de serviço "subiam à consideração superior" com a seguinte nota: "V. Exa., porém, no seu alto critério, melhor decidirá". Trump espera que a vassalagem europeia e ucraniana faça com que aceitem, resignados, que ele, no seu alto critério, melhor decidirá o destino de um país que, para ele, já perdeu a guerra. Esta é a tragédia da Ucrânia e Zelensky já percebeu isso.
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