terça-feira, novembro 11, 2025

Abaças


Há dias, na gestão temporal de uma conversa pública a muitas vozes, aqui por Vila Real, alertei quantos tinham a intenção de intervir de que dispunham de apenas cinco minutos cada. Avisei que, passado esse tempo, tinha na assistência "um amigo de Abaças", que se encarregaria de arrancar, "manu militari", o orador que se excedesse. Toda a gente riu e entendeu o meu recado. E foi remédio santo! Ninguém passou os cinco minutos e pude segurar a sessão dentro do tempo que tinha previsto para ela. A história do "amigo de Abaças" era falsa, claro.

Por esta altura, muitos estarão a perguntar-se: mas afinal o que é isso de Abaças?

Abaças é uma aldeia perto de Vila Real que é famosa, na voz do povo, por ser origem de gente com "pêlo na venta". Por aqui se diz: "Matar, só Deus e os de Abaças". Outras versões acrescentam "mas com licença dos de Guiães" ou "dos de Provezende". Arrisquei chamar a terreiro o dito popular clássico, na secreta esperança que não estivesse ninguém de Abaças, no seio das cento e tal pessoas que me ouviam. Enganei-me. 

Ia a sessão de intervenções a meio quando, de uma cadeira, se destacou uma pessoa que imediatamente reconheci como sendo uma respeitada figura que sabia oriunda de Abaças. Não vinha protestar pelo meu comentário. A sua intenção era mesmo intervir sobre o tema que ali nos reunia. Mas, antes, não deixou de fazer notar que a sua terra, Abaças, vive muito bem com o dito que há séculos marca a imagem da localidade. E contou que uma das explicações para aquela ideia que se formou sobre a sua aldeia pode ser o facto de um dos assassinos de Inês de Castro, Pêro Coelho, ser tido como originário de Abaças. 

Tenho um "trauma" antigo com Abaças, vou agora revelar. Em 1969, durante a campanha eleitoral para aproveitar a "primavera marcelista", andei, com um grupo de ativistas da Comissão Democrática Eleitoral de Vila Real, a percorrer aldeias da região, distribuindo panfletos e procurando entregar os boletins de voto (para quem não souber, esclareço que, nesse tempo, os boletins não tinham cruzinhas nem eram entregues ao eleitor na sala de voto: cada lista tinha os seus próprios boletins, que, nos dias anteriores ao voto, fazia chegar pessoalmente à casa de cada eleitor, que depois, no dia, os ia colocar na urna: o do regime ou o da oposição. Em 48 anos de ditadura, a oposição nunca elegeu ninguém, claro!) Chegados a Abaças, fomos cercados por um grupo de apoiantes da lista da União Nacional, que tinha como principal "argumento" uns cajados que ameaçavam a nossa segurança física, um dos quais fez ainda uma mossa no NSU em que nos deslocávamos. A situação demorou alguns minutos a descrispar-se, o que só ocorreu com a nossa retirada sem glória e sem poder distribuir o material que trazíamos. Eram assim, à época, as "amplas liberdades" da ditadura, que por estes dias parece seduzir quem nunca a viveu.

Ontem, por curiosidade, decidi passar por Abaças - 56 anos depois! E fui ali encontrar, na tarde esplêndida de sol, uma aldeia serena, com as folhas da imensas vinhas, queimadas já pelo Outono, a dar uma cor lindíssima à paisagem em volta da aldeia.

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