segunda-feira, novembro 17, 2025

O voto é mesmo secreto ?


Há dias, entre amigos, comentávamos que não há nada de mais secreto do que o nosso voto. No recato da cabine onde pomos a cruzinha tudo pode acontecer. Até podemos mudar de opinião no último segundo, fazer o contrário daquilo que dissémos, em família ou em grupo, que íríamos fazer. Ou não.

Nas organizações internacionais onde trabalhei, tive algumas vezes de votar em nome de Portugal. O voto que eu expressava era secreto: ninguém saberia se acaso o embaixador de Portugal decidisse não seguir a indicação de voto que tinha recebido de Lisboa. Mas posso confessar um segredo? Sem uma única exceção, e algumas vezes estando em íntimo desacordo, votei sempre da forma como tinha sido instruído para votar. Porquê? Porque estava em causa a minha seriedade profissional, aferida perante mim mesmo - pessoa cujo juízo prezo acima de tudo e perante a qual não gosto de ficar envergonhado. Como no poema de O'Neill, esta é uma "questão que eu tenho comigo mesmo". Já ouvi colegas diplomatas, e não apenas portugueses, gabarem-se: "Votei como achei melhor votar, contra as instruções". Nesse instante, senti pena dessa pessoa, da mediocridade de uma atitude que, na cobardia do segredo do voto, a levava desonestamente a pôr em causa a sua honorabilidade profissional, a ser desleal com o país que nele tinha confiado. Mas cada um é como é e, como se costuma dizer, as ações ficam com quem as pratica, mesmo que não sejam públicas!

Um dia, em Nova Iorque, nas Nações Unidas, como acontecia com uma imensa frequência, fui procurado pelo meu colega da Bósnia-Herzegovina. Pretendia que Portugal apoiasse uma determinada candidatura do seu país. Muitas vezes, mas nem sempre, era-nos oferecido em troca o apoio para uma candidatura nossa num outro contexto. Não sei se era esse o caso. Lembro-me que, nessa ocasião, tínhamos a possibilidade de votar em três países. Disse-lhe que, infelizmente, já tínhamos os nossos três votos comprometidos, pelo que ele não iria poder contar com o nosso apoio. Recordo muito bem a sua reação: "Muito obrigado pela frontalidade da tua atitude. Sabes que há muitos colegas que prometem o seu voto, embora sabendo, à partida, que vão decidir de outra maneira?" Eu sabia. E até conhecia a história célebre de um colega, de um país que não conta para o caso, que, numa determinada eleição, também em Nova Iorque, embora tendo um único voto, "ofereceu-o" a 13 colegas que o procuraram. Acontece que eles trocaram informações entre si e esse colega passou a ser conhecido como o autor do "milagre da multiplicação dos votos". E passou a merecer a consideração que merecia.

Mas o voto é mesmo secreto? Um vez, dessa feita em Paris, assisti a uma cena curiosa. Eu era, por inerência de funções, representante de Portugal junto do Bureau International des Expositions (BIE). Nessa altura, havia que escolher entre duas candidaturas à organização de uma Expo, já não recordo onde. A questão era muito importante: uma exposição universal é uma realização com uma dimensão económica que pode representar muito para os interesses de um país. Basta lembrar o que, para nós, acabou por ser o efeito da Expo 98. 

Lisboa tinha-me instruído para votar de uma certa maneira, e foi isso que fiz. A certo passo dessa Assembleia Geral, em que os países eram nominalmente chamados a votar, ouviu-se o nome da Bielorrússia. Do lugar desse país na mesa da Assembleia Geral saíram não um mas dois diplomatas, que se aproximaram da cabine de votação, onde só cabia uma pessoa. A cena caricata ficou-me na memória: enquanto um preenchia o boletim de voto, o outro olhava por cima do seu ombro, conferindo com cuidado a expressão do sentido de voto do colega. No final, se na Bielorrússia tivessem tido o privilégio de conhecer Toni de Matos, ambos poderiam cantar: "Só nós dois é que sabemos" ... em quem votámos.

No Alfa Pendular, a caminho do Porto, estou neste momento a passar por Aveiro. No sábado, vim cá falar, sobre política externa, no âmbito de uma Convenção organizada em torno da candidatura presidencial de António José Seguro. O voto é secreto, mas nada impede que possamos anunciar em quem tencionamos ir votar.

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Carlos Loureiro da Costa (1949 - 2025)