No essencial, o plano que agora terá sido apresentado pelos Estados Unidos para a Ucrânia não se afasta daquela que, desde o início, se suspeitava que era a filosofia da nova administração americana para a região: forçar os ucranianos a cederem parte do seu território, que ficaria sob administração russa, fosse isso num modelo de reconhecimento efetivo de soberania, fosse numa fórmula de "lease". De ambas as hipóteses já se tinha falado.
É agora a última fórmula aquela de que se fala. Nela, a Rússia obteria uma ocupação "de facto", podendo internamente dizer que as novas repúblicas eram suas, à luz da sua própria Constituição. A Ucrânia de Kiev (chamemos-lhe assim) manter-se-ia como titular de uma soberania "de jure", que nada indica que alguma vez pudesse vir a recuperar no futuro. O mundo, a começar pelos EUA, continuariam a reconhecer as fronteiras ucranianas de 1991, nos termos do direito internacional, mas aceitariam a ocupação russa nessa parte do território. Seria um "faz-de-conta" destinado a suspender o conflito.
Sob o ponto de vista da futura soberania limitada da Ucrânia, amputada de uma parte significativa de território, o plano prevê a não entrada para a NATO (que sempre se soube ser algo que Washington não queria), a ficar inscrita na Constituição ucraniana (talvez no modelo austríaco, a relembrar 1945) e a limitação quantitativa e qualitativa das futuras forças armadas de Kiev, nomeadamente a proibição de posse de mísseis de longo alcance.
Essas restrições neutralizantes configurariam o fim do sonho da Ucrânia de Kiev de se constituir como um país poderoso, em termos militares. Esse sonho, aliás, não era apenas ucraniano: a Europa que está a seu ocidente contava poder ter a Ucrânia a funcionar como uma frente da sua própria defesa.
Verdade seja que quer a Europa quer a Ucrânia foram, no passado, levadas a alimentar esta ilusão pelos próprios EUA, que foram quem sugeriu a vocação da Ucrânia (e da Geórgia) para ser futuro membro da NATO. O facto de poder ficar no acordo uma previsão de que a NATO não se alargará mais a Leste representaria uma imensa vitória russa. A Geórgia ficaria fora da NATO. E a Moldova? Moscovo não obteria no plano o desejado "reset", mas conseguiria o congelamento de futuros alargamentos. Obteria também um retomar dos tratados de controlo de armamento (embora falte ali muita coisa importante).
Um dos aspetos pouco claros deste plano é a questão das garantias de segurança para a Ucrânia. Não haverá tropas ocidentais no seu território e, aparentemente, não haverá "no fly zone". Como se processará a monitorização da colocação das tropas, para ambos os lados da futura "buffer zone", é ainda uma dúvida. Haverá uma espécie de Artigo 5° oferecido pelos EUA, com a responsabilidade operacional a cargo dos europeus?
Medidas como o regresso da Rússia ao G8 ou o levantamento de sanções que não dependem de Washington só podem ser implementadas depois de uma mudança da atitude dos aliados dos EUA. Esta está longe de adquirida. Do mesmo modo, é no mínimo estranho que o acordo se imiscua na questão da relação da Ucrânia com a União Europeia. E as medidas do TPI face a Putin? Caem com uma espécie de "amnistia"?
Há no plano uma dimensão de negócios, muito interessante para os EUA, que faz parte do complexo pacote com que Washington quer pôr termo ao conflito. Quer na exploração do Ártico quer nas modalidades em que a Rússia pode mobilizar parte significativa dos fundos que estavam arrestados no estrangeiro, as vantagens para os EUA estão bem presentes.
Resta saber ainda o que a Rússia "dará" aos EUA em termos de oportunidades económicas no Donbass, que se somarão às concessões ucranianas já há meses acordadas. A Ucrânia ficaria, assim, de certo modo, sob uma tutela americana. O facto de para ali se preverem eleições no prazo de 100 dias, com o regresso da língua russa e a proibição de "ideologia nazi", poderia significar que estaria próximo o fim político de Zelensky. Os fumos recentes de corrupção não devem tê-lo ajudado.
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