domingo, novembro 10, 2024

À mesa com Carlos Mathias


Há poucos dias, tive o gosto de intervir na homenagem que foi prestada na embaixada do Brasil em Lisboa ao magistrado brasileiro Carlos Fernando Mathias, por ocasião da publicação do livro "História do Direito Luso-Brasileiro", de que é co-autor. Mathias morreu em maio deste ano, com 85 anos.

Carlos Mathias foi um excelente amigo com quem pude contar durante os anos que vivi em Brasília. Com uma dedicação imensa a Portugal, país que visitava com frequência, nomeadamente para participar em iniciativas da Universidade de Coimbra, empenhou-se muito numa estrutura de cooperação na área do Direito, envolvendo juristas italianos, espanhóis, portugueses e brasileiros. 

No âmbito de uma dessas iniciativas, pediu-me um dia para eu acolher, num almoço na embaixada, cerca de duas dezenas desses juristas, alguns dos quais portugueses, nessa altura congregados em Brasília. Disponibilizei-me a fazê-lo, explicando contudo que a mesa da nossa residência não podia comportar, sentados, mais do que (creio) 24 pessoas. 

Mathias enviou-me a lista de quantos iriam estar presentes e lá organizei o almoço, com lugares marcados. O grupo foi chegando em várias levas. Carlos Mathias, viria um pouco mais tarde. Eu ia recebendo os convidados à porta, reconhecendo-os na lista que antes tinha recebido. 

A certa altura, apresenta-se-me um cavalheiro, que diz o nome e o título: reitor da universidade de Cuiabá. Cuiabá é a capital do estado de Mato Grosso. Fiquei perplexo. O nome não constava da lista e, mesmo com esforço, não cabia mais ninguém na mesa. Que fazer? Via-me com o problema de ter de deixar o inesperado académico matogrossense de fora do repasto.

A certo momento, com a alegria e a boa disposição que era sempre a sua, irrompe Carlos Mathias. Durante o abraço que demos, disse-lhe ao ouvido: "Carlos, temos um problema. Está aqui uma pessoa que não estava prevista". E arrastei-o até à sala de jantar, para lhe explicar, à evidência física, que não cabia mais ninguém.

Mathias olhou a mesa e disse: "Você tem razão. Eu precipitei-me ao convidar, no último momento, o professor de Cuiabá, que estava ali connosco e que achei ser possível acomodar". Sob pressão, retorqui: "E agora, como fazemos?". O Carlos abriu um sorriso e, tirando o telemóvel do bolso, respondeu: "Não tem problema. Adoece o Norberto". Havia, de facto, um Norberto na lista dos convidados. Carlos Mathias explicou: "O Norberto disse-me que está ligeiramente atrasado. Assim, já não vem: adoece... Tenho suficiente confiança com ele para lhe pedir o sacrifício". E lá almoçámos sem o "doente" Norberto, que nunca conheci, mas com o simpático reitor de Cuiabá, que tive muito gosto em conhecer.

2 comentários:

Anónimo disse...

É preciso imaginação!

Carlos Antunes disse...

Uma bela história.
Como sempre os diplomatas o Senhor Embaixador e o Carlos Fernando Mathias embora não o sendo - professor de Direito - tinha certamente algumas reminiscências de diplomata, lá resolveram o assunto.
Confesso que não conhecia a obra citada "História do Direito Luso-Brasileiro", mas vou tentar adquiri-la,
(já constatei que Almedina tem em stock a obra da autoria conjunta de Carlos Fernando Mathias com dois outros autores), porque muito embora afastado das lides do Direito desde que me reformei, mantenho o interesse sobre temáticas que de algum modo se relacionem com o direito comparado entre os países lusófonos, nomeadamente porque em tempos que já lá vão, e numa diferente área do Direito - a do Direito do Trabalho - publiquei em conjunto com o meu amigo Carlos Perdigão, o primeiro estudo comparado das diferentes legislações de trabalho dos países de Língua Portuguesa (Legislação de Trabalho nos Países de Língua Portuguesa, Coimbra Editora, 2006).


Senado

Dois terços dos senadores do Partido Republicano americano não foram eleitos no dia 5 de fevereiro, isto é, na onda política Trump II. É de ...