Há muitos anos, estando em Paris numa manhã do primeiro dia de maio, estou certo que não perderia o espetáculo que sempre é a manifestação sindical e popular que, da Nation até à Bastille, congrega o descontentamento, sob "pancartes" cheias de apelos aos "landemains qui chantent". A capital francesa foi em tempos a inesquecível "Meca" dessa revolta que atravessou uma parte da geração a que pertenci, que nos fazia vir de Lisboa por aqui em busca de emoções e de livros proibidos, que mobilizava a nossa curiosidade nos comícios da Mutualité, que nos levava a ir visitar a obra que Niemeyer desenhou na place Colonel Fabien, para sede dessa estrela ultracadente que hoje é o PCF. Nesse tempo a que o 25 de abril pôs termo, cruzávamos por aqui as nossas esperanças com quantos tinha decidido não ir à guerra, entre uma "demi" e um café avaliávamos as hipóteses de sobrevivência do regime luso, comprávamos o "Le Monde" como substituto da liberdade de informação de que não dispúnhamos "lá em baixo".
Nesta manhã chuvosa deste primeiro dia de maio, numa esplanada junto à Pont d'Alma, perto da "chama" dourada que revoadas de estrangeiros equivocados continuam a pensar que tem alguma coisa a ver com o túnel que passa por debaixo, onde a princesa Diana perdeu a vida, na existência sempre em férias que grande parte da realeza e adjacências teima em levar, dou comigo a pensar que o mundo mudou muito. Embora a revolta popular continue, não obstante a "manif" ter agora, com o desemprego crescente, razões maiores para gritar palavras de ordem contra a ordem, a Europa mudou e a França terá até mudado mesmo muito mais do que ela. Anteontem, o governo socialista francês conseguiu ver aprovado no parlamento um plano "de rigueur", uma expressão detestada no vocabulário político deste país, mesmo pela direita. Um primeiro-ministro que tem um mês de exercício de poder ousou obrigar o seu partido a colar-se à evidência dos factos e anunciou, qual Dylan, que "the times they are a-changing", originando com isso uma defecção de cerca de quatro dezenas dos seus colegas, que leem de outra forma o resultado das recentes eleições municipais e já se prepararam para cavalgar politicamente a "abada" histórica que o sufrágio europeu deste maio por aqui vai ser o inferno para o governo Hollande.
Medidas as distâncias, quase que pode dizer, ironicamente, que, em Portugal, as coisas correm em sentido inverso, com a esquerda a aproximar-se inexoravelmente do poder. "Interesting times", apetece-me dizer, embora ("cruzes"!) longe do significado da maldição chinesa que crismou a famosa expressão.
18 comentários:
O velho confronto das ideologias com as realidades... Em tempos confusos, inclino-me mais para uma neutralidade activa, eufemismo parente do cepticismo militante. "A ver vamos!", como dizia o cego. Neste dia de Sol, as praias encheram, o Pingo Doce tem filas enormes e as manifestações da rua estão vibrantes. "Interesting times"!
Eu hoje não voto nem manifesto. Mas a extrema direita vota e manifesta e é horripilante.
E a este ritmo ainda acabamos por dar razão a Salazar, aquele que governou sozinho durante quase cinquenta anos. Ou a Marcelo Caetano.
Não sei se uma coisa tem a ver com a outra... mas estes dias recebi a seguinte parábola como sendo uma citação de Marcelo Caetano:
"Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigencia, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridiculo continuar a falar de independência...
Veremos alçados no poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam a presidentes de câmara, deputados, administradores, ministros e até presidentes de República".
Não conhecia esta visão premonitória a Marcelo Caetano e nem sei se alguém lhe emprestou esta frase. Se a frase não é emprestada, sabemos que quando ele disse isto vivia momentos de desilusão muito fortes, momentos de êxtase que às vezes permitem tiradas empolgantes...
O que não podemos é deixar reabilitar gente com aquele passado e, antes que tudo esteja perdido, temos de recomeçar a manifestar, a votar, e a dar novo rumo a isto.
José Barros
Senhor Embaixador
Aproveito para lhe dar os Parabéns pela sua nomeação para a comissão da gastronomia
Toda a gente sabe que tanto Marcelo Caetano como antes dele Salazar disseram milhares de vezes que quando Portugal abandonasse África o que se seguiria seria o caos e mortes infindas. Foi isso que aconteceu? Alguém se importa? Os descolonizadores preveniram- se para que essa sinistra previsão não batesse certo?
O mesmo em relação ao desgoverno: toda a gente sabe que a consequência de se gastar mais do que se ganha significa a ruína. A esquerda sabe isso? É esse o confronto com a realidade?
Haja Deus!
João Vieira
Para um não politizado como eu também foi interessante assistir às "manifs" do primeiro de Maio em Portugal e lá fora. Eu apenas assistia, sem aderir, pois não percebia nada daquilo. Parecia-me mais um carnaval do que um assunto de política. Hoje os tempos mudaram, mas se em Portugal vier uma esquerda socialista vai acontecer o mesmo que está a acontecer com Hollande
Mas afinal este não é o país que nos rankings das revistas financeiros tem as maiores fortunas do mundo?.
Silva.
Houve manifs em Portugal? Portugal é um pais maravilhoso. Leio os comentários mais abaixo:
O primeiro , das 13:38 , fala do velho confronto das ideologias com as realidades! Não sei quantos sabem que o 1° de Maio celebra o sacrifício dos sete enforcados e das dezenas de fuzilados de Chicago aquando da manifestação para obter as 8 horas de trabalho por dia, sem redução de salário. Esta era a realidade .O 1° de Maio significou a partir dessa data no resto do mundo a revindicação dos trabalhadores face à sociedade capitalista. "Neutralidade activa" diz o autor do comentário ! Se todos fossem assim neutros o horário de trabalho seria ainda hoje de 12 ou 14 horas por dia e as crianças de 12 anos também trabalhariam nas fábricas!
Do comentário seguinte, do Senhor José Barros retenho a última frase: " .... , antes que tudo esteja perdido, temos de recomeçar a manifestar, a votar, e a dar novo rumo a isto " . Tem razão! Do panfleto sobre Marcello basta pensar que aquilo que supostamente previu para hoje, tudo aconteceu do seu próprio tempo! Com ele ao comando.
Do comentário do Senhor , Jose Tomaz Mello Breyner, resta-me a impressão que a gastronomia , num "post"" sobre o 1° de Maio é a sua preocupação essencial, procurando arrastar o autor do blogue no mesmo caminho, como que a dizer : Que me importam aqueles que manifestam porque sofrem, que comem quando têm, que me importa o 1° de Maio dos trabalhadores, mesmo sabendo que hoje muitos nem trabalho têm. Um comentário escrito na torre de marfim da burguesia para quem o povo na sua miséria não faz parte do seu mundo. Parabéns pela sua sensibilidade Senhor Mello Breyner.
Do comentário do Senhor João Vieira, ressaem as predicações dos estadistas do Estado Novo , que disseram milhares de vezes a mesma coisa:: Que Portugal sem a África (como A França sem a África e a Indochina, a Inglaterra sem a Índia e o vasto Império, e a América sem o Vietname, o Afeganistão e o Iraque, a Bélgica sem o Congo, a Holanda sem a Indonésia, etc,etc,), seria o caos e mortes infindas!
Convido-o a ler o ultimo relatório da OCDE sobre a partilha da riqueza em Portugal , e verá que não são os salários e as pensões de miséria do mundo trabalhador quer puseram Portugal de tanga !
Quanto ao último comentário," para um não politizado" como escreve), afirmar que se houver uma alternativa socialista em Portugal acontecerá o mesmo que com Hollande, creio que tem razão e demonstra um grande bom senso politico.
Quanto ao Senhor Silva, mas que diabo vem aqui fazer o ranking das grandes fortunas portuguesas ? Não sabe que elas já não estão em Portugal ?
o sr. Defreitas, que se julga mais esperto e informado que os outros, diz que não foram os "salários e pensões de miséria que puseram Portugal de tanga". Mas alguém, alguma vez o disse? O que pôs o país de tanga foram os gastos espatafúrdios do governo Guterres e Sócrates. É isso que é dito embora os socialistas não o digam com essa clareza porque lhe chamam "investimentos Keynesianos". Só que esses tinham crescimento como resultado e os dos socialistas tiveram, em dez anos, dez anos, estagnação económica. Porquê? auto-estradas sem utilizadores etc etc a lengalenga do costume.
João Vieira
Senhor Embaixador: hoje não resisto a comentar alguns comentarios.
O do senhor José Barros que nos brindou com a premonição(!) de Marcelo Caetano que afinal não conseguiu "premonizar"-não sei se a palavra existe- o 25 de Abril, o do Mello Breyner cuja adequação a data me parece óbvia,o do anónimo das 15e25 para quem ser de esquerda significa ser pouco inteligente, ou seja, um conjunto de expressões que evidenciam as profundas convicções democraticas dos seus autores.
Talvez pudessem também ter deixado um viva ao 28 de Maio e a tudo que veio a seguir.
Ficava tudo mais claro.
A 'velha senhora', a gastronomia e o Primeiro de Maio:
vivó primeir' de maio
vivá gastronomia
josé breyner? tomai-o
co'humor e ironia
é o dia do trabalho
comei e celebrai-o
eu cá bebo e rimalho
Por alguma razão que me escapa um número significativo de comentadores resolveram comentar o post comentando-se uns aos outros sem se comentarem mas apenas comentando aquilo que comentariam se tivessem eles próprios escrito os comentários dos outros comentadores .
Espero ter sido claro e posto alguma ordem nisto !
RuiMG
Movido pelo comentário do caro J. T. M. Breyner, fui verificar e vi que o Autor, meu caríssimo amigo, foi nomeado membro do "grupo de trabalho para a divulgação da gastronomia portuguesa'"(Despacho nº 5642/2014 da Presidência do Conselho de Ministros, publicado no DR de 29 de abril e assinado pelo ministro Poiares Maduro e pelos secretários de estado Barreto Xavier, Campos Ferreira, Mesquita Nunes, e Vieira e Brito). Contei à 'velha senhora', que não gostou mesmo nada e disparatou:
o meu bem há de saber
que uma amiga há de estranhar
que lhe dê algum prazer
ir co'a corja trabalhar.
se por cima o faz de graça,
mais me maça
e de todo me ultrapassa.
nomeado por maduro,
xavier(*), ferreira, nunes
e um e brito? ai eu cá juro:
eles saem não imunes,
só impunes;
e o meu bem cai nesse círc(ul)o?
fica mal no seu currículo!
(*)
é o barreto xavier,
secretário da cultura
- quem o quer?
outro, o lobo xavier,
é do grupo de trabalho
- quem o atura?
mas que porra de baralho!
Oh Cara velha Amiga
A seriedade do trabalho
No oficio ou profissão
pede-me que bem lhe diga
que a missiva desta nomeação
embora levada do baralho
lhe assentava de feição
Trabalhadora da rima
imparcial e coerente
divulgaria a comida
com o alvarinho presente
podendo estalar a língua
quando enjoada se sente
mas jamais sei os critérios
que presidem a estas nomeações
sentidos no paladar dos impérios
ou vivência e diversidade de degustações?...!
A experiência é incontestável
logo critério idóneo fundamental
nesta comissão de fiscais dos iscos
até por inerência profissional
a validação de competências não corre riscos
e o próximo mandato é decerto renovável
Agora voltando ao 1º de Maio
e os trabalhadores da confeção?
Ah ficam na cozinha provando
os petiscos e fazendo o ensaio
para se fazer mais um memorando
para os arquivos mortos de documentação
posto isto cara amiga
e porque amanhã trabalho
aconselho esta comissão
prevenir dores de barriga alimentos em vinha de alho
podem provocar intoxicação...
Um ramalhete de comentários divertidos sobre o Primeiro de Maio, a gastronomia, a burguesia, etc.! Os símbolos são sempre aquilo que nós quisermos que eles sejam. Mas as ideologias, meus senhores, não deixam de lá estar, poucos lhes escapam. Será que alguma vez leram Mahatma Gandhi ou Karl Marx até ao fim?
Ao Senhor Joao Vieira:
O sr. Joao Vieira não precisava de utilizar um adjectivo agressivo para , finalmente, não desmentir o que afirmei: " Que não foram as pensões e os salários de miséria, que puseram Portugal de tanga". Mas, como sabe, são precisamente estes pobres beneficiários que foram escolhidos pelo governo actual para suportar o peso maior dessa calamidade que é a austeridade , para lá mesmo do que a Troika impôs.
Que mencione depois as causas do desgoverno constatado ao longo dos anos, então poderíamos estar de acordo se dissesse que a culpa foi dos governos sucessivos que não geriram como devia ser os dinheiros comunitários, as despesas publicas e a divida soberana. Mas limitar-se a mencionar só dois governos, como se os erros de governo fossem em sentido único, demonstra um certo sectarismo .
Isso seria esquecer o XI e XII Governos Constitucionais, os das vacas gordas, os fartos fundos comunitários dados naquele tempo, bastante mal geridos e mal direccionados, havendo um grande aumento de corrupção e de ineficiência na Justiça.
Isso seria esquecer quem começou uma enchente significativa de funcionários na Administração Pública e nas Empresas Públicas e a partidarização dos cargos públicos, sem qualquer mérito ou competência, os tão famosos jobs for the boys que António Guterres tão bem salientou.
Seria esquecer quem deixou as Indústrias ao abandono, sem promover inovação, formação profissional e sem incentivos e apoios suficientes para que se pudessem manter e desenvolver, a negociação da PAC com a UE permitiu que a nossa Agricultura e Pesca fosse completamente destruída (os produtores eram pagos para não produzir e para destruir os meios de produção).
Seria esquecer quem patrocinou um maior fosso entre ricos e pobres, uma economia com base nos Serviços, no consumo e em grandes obras públicas, aliás, com um ministro, Ferreira do Amaral, conhecido como Ministro do "betão, asfaltando o país com inúmeras auto-estradas (de acordo com o Relatório da Comissão Europeia da Energia e Transportes, de 2009, Portugal era o 5º país com mais quilómetros de auto-estrada por habitante, superando a Alemanha, França e Reino Unido- quando vou à minha terra de Guimarães, a auto-estrada leva-me até à porta do hotel, quase!) mas suprimindo os sistemas ferroviários fora dos grandes centros urbanos, e dando luz verde aos projectos megalómanos do Centro Cultural de Belém e Expo 98, na qual deu à luz a 1ª parceria público-privada ensaiada em território português que se consubstanciou na Ponte Vasco da Gama com um "buraco" total de 897 milhões de contos e concessionada à Lusoponte para onde mais tarde foi o seu ministro Ferreira do Amaral ganhar balúrdios.
E muito mais, sr. Joao Vieira, se poderia dizer. Como vê estamos de acordo sobre as causas. Mas é preciso identificar correctamente os autores. Questão de estar informado ou não.
Bom, sr. Defreitas, é difícil contrariar ideias feitas na base de informações genéricas portanto limitar-me-ei a discordar profundamente, e em homenagem ao embaixador dono do blog que tem uma carreira muito significativa nas negociações europeias, com as afirmações definitivas de que destruímos a agricultura e as pescas. Creio que deveria ler o que sobre isso tem escrito Sevinate Pinto e o presidente da CAP. A agricultura tem crescido em razão da modernização operada por força dos fundos comunitários a um ritmo fantástico, incluindo os últimos três anos. Na pesca a destruição da velha frota, face aos barcos poderosíssimos do Japão e de Espanha etc etc foi uma medida inescapáveis como o foi a destruição da indústria do calçado e dos têxteis assentes na tal mão de obra escrava: renasceram! Estão aí e dão cartas como o vinho, depois de se arrancarem vinhas,; o azeite, depois de se arrancarem olivais velhos etc etc acho que se há motivo para orgulho nacional é precisamente nessas áreas onde, com excepção do PCP, (o maior reacionário da nossa paróquia) todos os partidos se podem gabar de ter contribuído. E a diplomacia portuguesa que julgo se portou com enorme galhardia contra gigantes
João Vieira
Dr. Seixas da Costa
O seu distanciamento em relação a esses tempos (e sonhos) antigos é tal que até põe landemains (luvas de lã?) a cantar. É um lapso que denota um claro abandono das utopias e uma certa rendição ao pragmatismo, não acha? Les lendemains le diront.
Bien amicalement
JHS
Liberdade de informação,
hoje em 2014, em Portugal laico e republicano ???
Alexandre
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