Há alguns meses, contei por aqui um episódio. Um dia, numa intervenção pública que proferi no Rio de Janeiro, no início das minhas funções no Brasil, afirmei que era chegado o tempo de abandonarmos a retórica nas relações bilaterais e passarmos a preenchê-las com a substância do relacionamento humano, cultural e económico desses novos tempos. No final dessa minha fala, o antigo embaixador brasileiro em Portugal, Alberto Costa e Silva, aproximou-se de mim e disse: "Não despreze a retórica, Francisco. Ela tem sido historicamente essencial ao nosso relacionamento bilateral. Foi ela a "almofada" de afetividade que permitiu sustentar as nossas relações, quando as coisas correram mal". Tomei nota dessa observação e, com os anos, vim a dar plena razão àquele nosso amigo.
Há minutos, uma jornalista quis saber a minha opinião pelo facto de acabar de ser atribuído a Alberto Costa e Silva o "Prémio Camões". Fiquei imensamente satisfeito com a decisão, que distingue uma personalidade riquíssima da cultura brasileira, que é igualmente um bom amigo de Portugal e uma das figuras da intelectualidade brasileira que maior atenção tem dado às questões africanas. Se há alguém que pode, com legitimidade, ser visto como representando bem a lusofonia que está na matriz do Prémio Camões, essa figura é o meu amigo Alberto da Costa e Silva.
Um forte abraço, Alberto.
4 comentários:
Muito bom! parece que sentimos mais vontade de descobrir o trabalho desse senhor da língua portuguesa!
Caro Francisco
Uma vez, aqui em Lisboa, no Palácio das Laranjeiras o embaixador Alberto Costa e Silva - de quem fiquei amigo - durante um jantar que nos ofereceu (à Raquel e a mim), disse-nos que nós que viveramos uns anos em Angola devíamos ter muitas coisas para conversar com ele.
E assim foi: a Vera e ele foram várias vezes a nossa casa e para além de Angola mais (muitos) temas vieram à colação. Naturalmente Goa teve um lugar relevante. E fomos bastantes vezes à embaixada, retribuindo as conversas que tinham acontecido na Lapa, onde eu então vivia. Homem notável e - modestíssimo.
Quero ver se sei o mail dele, para lhe mandar um grande abraço de parabéns. Naquele tempo nem pensar em correio electrónico. Vou tentar junto da embaixada do Brasil.
Mas, se o meu caro Francisco me puder ajudar desde já fica o meu muito obrigado.
Abç
Fazendo jus ao comentário de Portugaldecouvertes gostei deste poema por analogia de quando alguém se lembra de alguém despede a morte...
A Despedida da Morte
Falo de mim porque bem sei que a vida
lava o meu rosto com o suor dos outros,
que também sou, pois sou tudo o que posto
ao meu redor se cala, e é pedra, ou, água,
cicia apenas — O teu tempo é a trava
que te impede de ter a calma clara
do chão de lajes que o sol recobre,
este esperar por tudo que não corre,
nem pára e nem se apressa, e é só estado,
e nem sequer murmura: — O que te trazem
é o riso e o lamento, o ser amado
e o roçar cada dia a tua morte,
que não repõe em ti o, sem passado,
ficar no teu escuro, pois herdaste
e legas um sussurro, um som de passos,
uma sombra, um olhar sobre a paisagem,
memória, cálcio, húmus, eis que o mundo
nada rejeita, sendo pobre e triste
no esplendor que nos dá. A madrugada.
Alberto da Costa e Silva, in 'Antologia Poética'
Tema(s): Vida
interessante este camões ao diplomata brasileiro que será não só pelo bom profissional que é e amigo de portugal, como por outros valores que tem, irei então ver o texto da atribuição onde se explicará as razões e o merito de receber o premio...
Enviar um comentário