A opção por uma "saída limpa", após o termo do programa de ajustamento, foi uma decisão acertada? Sabê-lo-emos no futuro.
Convém ter claro que vários países, a começar pela Alemanha, foram dando claros sinais de que não eram favoráveis ao estabelecimento de um "programa cautelar" para Portugal. Quando afirmavam publicamente que a "opção" era de Portugal, estavam a esconder jogo: sabiam da dificuldade em obter uma prévia concordância por parte de vários Estados. Porém, a verdade é que o governo português poderia, se quisesse, ter forçado essa vontade, se acaso tivesse considerado que um "programa cautelar" era a opção mais prudente. É claro que isso não seria "de borla": foi por pressentir que havia alguns "strings attached" que a Irlanda fez a opção que fez.
O governo português não entendeu assim e, dessa forma, vai terminar o ajustamento com um regresso aos mercados sem nenhuma "safety net", para o caso de alguma coisa vir a correr mal. É uma posição que, no essencial, traduz uma forte aposta numa estabilidade dos mercados que, enquanto país, Portugal não tem a menor hipótese de controlar ou sequer influenciar. É bom que isto se saiba e se diga.
Independentemente do facto do governo ter conseguido cumprir muito daquilo que lhe era exigido pelos credores, a verdade é que só por uma ilusão de ótica alguém pode ficar convencido que o atual "apaziguamento" dos mercados, com a queda dos juros da nossa dívida, tem essencialmente a ver com esse comportamento. Basta olhar para a queda abrupta dos juros gregos para se perceber que são essencialmente fatores conjunturais, e não a atitude e o comportamento dos governos, que está a "segurar" os mercados: foram o excesso de liquidez e, em especial, as garantias dadas pelo governador do BCE de que não deixará "cair o euro". É claro que se o nosso país tivesse abertamente incumprido, e por aí caído em desgraça aos olhos da "troika", os juros não se comportariam assim. Mas bastou-lhe conseguir "ficar bem" na fotografia (mesmo com algum "photoshop" que interessava aos credores) para que as águas se não agitassem por sua causa.
A meu ver - mas esta é uma opinião pessoal, talvez apenas razoavelmente informada, mas que vale o que vale - a opção por uma "saída limpa" traduziu uma irresponsabilidade, que pode fazer correr grandes riscos ao país. Temo que o "fogacho" político tenha prevalecido face à prudência financeira. Mas, neste particular ponto - admito sem dificuldade -, posso estar a reagir com base na profunda desconfiança (isto é, falta de confiança) política que tenho face a esta maioria e à sua capacidade para estar à altura das circunstâncias.
Acho aliás especialmente grave, e muito sintomático, que o governo tenha escondido dos portugueses uma coisa decisiva: se alguma coisa vier a correr mal, o "programa cautelar" já não estará à sua disposição, o país terá de recorrer diretamente a um novo programa de "resgate", isto é, a "troika" regressará por aí. E acho lamentável que a oposição não tenha feito o "trabalho de casa" e nào tenha sabido denunciar isto em devido tempo.
Acho aliás especialmente grave, e muito sintomático, que o governo tenha escondido dos portugueses uma coisa decisiva: se alguma coisa vier a correr mal, o "programa cautelar" já não estará à sua disposição, o país terá de recorrer diretamente a um novo programa de "resgate", isto é, a "troika" regressará por aí. E acho lamentável que a oposição não tenha feito o "trabalho de casa" e nào tenha sabido denunciar isto em devido tempo.
Não se diga também que a "almofada financeira", entretanto criada (no quadro de um ambiente pontualmente favorável no mercado de capitais, que o governo fez bem em aproveitar) para suprir as necessidades de financiamento do Estado nos meses que aí vêm, constitui uma completa garantia de segurança. Se, por um conjuntura que pode nada ter a ver com a evolução da nossa situação interna (mas que eventualmente pode ser agravada por esta, com decisões do Tribunal Constitucional ou pela perceção de crise política iminente), os juros começarem de novo a disparar no mercado secundário, aquela "almofada" será apenas uma mera extensão no corredor em direção ao cadafalso de um novo "resgate" - com o que isso significará de novas medidas de austeridade.
Para bem de todos nós - e escrevo isto com total e patriótica sinceridade - espero que a opção pela "saída limpa" tenha sido a escolha acertada. Se assim for, se as agências de "rating" começarem finalmente a valorar o esforço feito por Portugal (sustentando, com as suas reclassificações, futuras necessidades de recurso aos mercados), se o BCE conseguir afastar as nuvens deflacionárias (como as declarações de Draghi ontem deixam antever) que atrasam a retoma europeia, se nenhum facto político inesperado à escala internacional (nenhuma Crimeia "a sério") vier perturbar o que está a ser este tempo de acalmia financeira, se vários outros fatores se conjugarem positivamente, tudo poderá estar bem encaminhado e haverá hipóteses de nos "safarmos". Mas, porque a vida não é um poema de Kipling, temo que haja ainda muitos "ses" por aí. Se fosse religioso, rezava. Não o sendo, apenas fico preocupado. E muito.
12 comentários:
Não há saídas limpas,quando nos metemos em terrenos pantanosos e levamos os outros,
alguns inocentes , outros não...
“Uma limpa”!
Na sueca, (jogo de cartas) uma limpa é dar quatro de uma vez; é limpar tudo; é deixar o adversário sem um único ponto. Nem ponto de honra!
Mas em termos de Troika não sei o que é. Compreendi que a Troika sai e limpa tudo. Mas então, isso quer dizer que durante todo o tempo que tem estado em Portugal ainda não tinha limpado tudo?
José Barros
Para nós tanto faz saída “limpa” ou “suja”. A safty net é o euro ou, melhor dizendo, é, para já, a nossa amiga D. Angela.
O que me preocupa é a reforma do Estado que se propõem levar a cabo. Quando o Paulo Portas diz que o Estado é para servir as pessoas (que são o próprio Estado) como “CLIENTES”, está tudo dito: Estamos a tratar com pessoas que pensam que o Estado deve ser gerido como uma chafarica!
Ninguém falar, por exemplo, que atualmente as finanças (do Estado) são simples executores das dívidas de portagens (das pessoas que são o Estado) a empresas privadas é outro exemplo bem ilustrativo…
(Rezar não é para deixar de ficar preocupado – nota de quem por vezes reza)
antonio pa
Is é um pouco como as "swaps". Só o futuro dirá... e "quem vier atrás que feche a porta"!...
Boa análise. Parabéns
Eu não seria tão cáustico, mas reconheço que há alguma razão no que diz.
CSC
Caríssimo,eu não timha simpatia por PPCoeelho, mas como canta Abrunhosa, " Vamos fazer o que tem de ser feito". E Ele está a fazê-lo.Não tinha alternativa. Pena foi que troika não tivesse vindo mais cedo, ter-nos-ia poupado muito.
Quem vai ganhar e ser poupado com isto é AJSeguro.
Como diz e eu concordo, se as coisas correram mal, apanhamos todos por tabela.
Cumps.
Fez muito bem em não publicar o meu "coloquial" comentário, fruto de leituras aleivosas do passado recente, Bem Haja !
Alexandre
Em tempos, o PR era da opinião do Senhor Embaixador. O facto de ter mudado de ideias deixa-me ainda mais preocupado, até porque o teremos no poleiro por mais dois anos, periodo em que tudo pode acontecer. Se, como é provável, as coisas derem para o torto, mais uma vez lavará as mãos. Sugiro a Manuel de Oliveira um filme, com pelo menos seis horas (e é capaz de não chegar) intitulado " Pôncio Pilatos II", dedicado aos seus madatos.
Senhor Embaixador : partilho as preocupações.
E como também não tenho a mais pequena confiança nas capacidades politicas nem nas competencias que quem nos governa os receios quanto ao que pode suceder são muitos.
Ao ler estes comentários sobre aquilo que se pode chamar o nosso futuro próximo, que tanto pode dar para "remendar" , e sobreviver, ("vivoter", diria em Francês !), como pode dar para mais torto ainda, fico a pensar que os homens nunca viveram tempos tão incertos desde o fim da ultima guerra. E isto acontece no exacto momento em que se ouvem ao longe os mesmos ruídos preocupantes das armas que se preparam.
Não há duvida nenhuma que a ordem social presente é injusta e absurda. Injusto que os homens que trabalham numa empresa sejam como que deixados no exterior; que não conheçam os meios nem a maneira de a gerir, que não tenham , digamos, nada a dizer na propriedade mesmo da empresa.
Absurdo que, numa democracia livre, onde os homens são emancipados politicamente, sejam servos economicamente, e que, cidadãos, isto é soberanos na ordem politica, sejam assalariados, isto é servos na ordem económica.
Ao nível duma empresa é grave, mas ao nível duma Nação ainda é pior. As palavras utilizadas nos comentários o provam: Não se pode fazer mais nada que esperar que não seja pior! O destino e o futuro escapa-nos.
Como o tema europeu aflora neste "post" do autor do blogue, assim como no "post" precedente, apetece-me dizer : E a Europa? Onde está?
Monet pensou a Europa económica, mas deixou de lado a Europa politica. Pagámo-lo hoje duramente.
O exemplo mais recente duma Europa inexistente é o caso da venda em curso, pelos accionistas que a possuem, e que num sistema capitalista como o nosso é normal, duma empresa francesa cotada na bolsa e leader em dois sectores industriais importantes : o da energia e o dos transportes. Já adivinharam: Trata-se da firma Alsthom.
Alsthom são os TGV, as turbinas para aviões e as centrais a gás, e os estaleiros navais de Saint Nazaire, onde se construem os maiores e mais belos navios de cruzeiro do mundo.
Há dois gigantes industriais mundiais que a querem adquirir: Siemens e General Electric. Numa lógica europeia, Siemens deveria ser preferida, porque faria da Siemens um leader mundial dos transportes, mesmo sabendo que é também um concorrente da firma francesa, nos TGV, que entretanto é a primeira em vendas no mundo, e que numa fusão absorção, um mais um fazem raramente dois! Para os trabalhadores e para o emprego tem a sua importância. Mas Siemens é EUROPEIA.
Mas a lógica do dinheiro , a lei da oferta mais sumarenta para os accionistas, vai com certeza favorecer a General Electric, AMERICANA. A Europa, onde impera a lei da selva, sem leis que a protejam dos apetites exteriores, ficará mais pobre e pagará caro, mais tarde, esta supremacia americana eventual nestes dois sectores chave da economia.
O espírito que prevaleceu muitos anos atrás na criação da E.S.A., à qual devemos a independência europeia no sector dos foguetões do espaço, como Ariane, e os satélites europeus, assim como o centro de lançamento de Courou, na Guiana Francesa, pôs-nos em nível de igualdade com os Russos e os Americanos, assim como agora os Chineses e Japoneses.
A Europa está manietada pelo capital. Se a General Electric pode "fazer as suas compras" no mercado europeu, como quem vai ao mercado comprar fruta, é porque ela dispõe de mais de Mil biliões de dólares, não declarados, nas filiais estrangeiras e mesmo nos paraísos fiscais, que não somente não pagam impostos ao governo do Tio Sam, mas arrecadam juros! São os benefícios das filiais escondidos no estrangeiro que lhe fornece esta fantástica alavanca no mercado mundial das aquisições de empresas.
Quem pode competir na Europa? Onde estão as leis para impedir que os paraísos fiscais não sirvam de reservatórios de capitais, por vezes mesmo ilícitos ou branqueados, que fazem a lei no mercado financeiro internacional?
'(suite)
Portugal "sai limpo" das garras da Troika , para cair nas garras do mercado dos capitais que espera, como a aranha no centro da sua teia, que os "limpos" lá caiam um dia, porque seria uma ilusão de crer que num mundo onde a finança apanhou as rédeas do poder planetário, alguém pode escapar à sua lei.
Nunca a declamação demagógica que corrompe o povo e não o serve, nem o don-quichotismo cego que sacrifica aos interesses dos grandes deste mundo, os interesses materiais e positivos do pais, foram tão evidentes que neste certificado de "limpeza" auto proclamado.
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