sexta-feira, março 28, 2014

Tua

Há poucas horas, ao passar pelas obras da barragem na foz do rio Tua, que tanta controvérsia provocaram há cerca de dois anos, lembrei-me de um episódio comigo ocorrido em São Petersburgo, em Julho de 2012, aquando da reunião do Comité do Património Mundial encarregado de discutir a compatibilidade do prosseguimento daquela obra com o estatuto de "património mundial" do Alto Douro Vinhateiro. 

A mim, como embaixador junto da UNESCO, cabia-me defender naquela reunião, com base nas instruções recebidas, a continuidade da construção da barragem. Para tal, muni-me de todos os elementos técnicos disponíveis, tendo solicitado à empresa proprietária da barragem que enviasse à reunião um especialista qualificado, que me pudesse apoiar nas "alegações", durante o longo debate que então teve lugar. Era importante podermos ser totalmente transparentes sobre os trabalhos a executar.

Na altura em que a questão começou a ser discutida, pedi a esse técnico para se sentar a meu lado. Ao longo das minhas intervenções, solicitei-lhe esclarecimentos que me permitissem responder a questões colocadas, algumas delas de elevada tecnicidade. O ambiente era tenso, nada estava adquirido à partida, a posição de algumas entidades da UNESCO, bem como de certas delegações nacionais, por mais de uma vez ameaçou levar o sentido final da decisão para áreas distintas daquelas que eu tinha a obrigação de preservar. 

É nessas ocasiões negociais que o bom humor nos ajuda a "dessetressar". A certo ponto, uma das questões suscitadas prendia-se com o impacto visual da barragem. As alternativas não eram muitas, para além da possível modulação da cor da barragem. Foi então que, com um ar sério, e como se quisesse jogar essa hipótese no terreno negocial, me voltei para o qualificado técnico que me acompanhava e perguntei:

- Diga-me uma coisa, senhor engenheiro: e se avançássemos com a hipótese da barragem ser em vidro grosso, transparente, com a possibilidade de se verem os peixes?

O engenheiro achou que eu tinha ensandecido, arregalou os olhos, temeroso que a minha "loucura" se transformasse em proposta, e balbuciou:

- Em vidro, senhor embaixador?! Isso não pode ser! O vidro não aguenta a pressão da água, a barragem tem de ser em cimento!

Lá expliquei que não falava a sério... Com a graça, diminuí a tensão que nos atravessava e continuei a "batalha", que acabou por "sorrir às nossas cores", como se diz na bola.

6 comentários:

Anónimo disse...

Grande ideia a de transformar as barragens em aquários gigantes. Pelo menos nisto podíamos ser pioneiros. Parabéns Senhor Embaixador !

Anónimo disse...

Como os políticos a brincar a brincar lá vão levando a água às suas turbinas...
O Duriense

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Anónimo: o poder político que deriva do voto decide, os servidores públicos executam o melhor que sabem e podem. Não me sinto qualificado para opinar sobre a justeza ou incorreção de políticas públicas especializadas.

Anónimo disse...

Anônimo das 11:41: Apreciei o humor fino da sua resposta., Senhor Embaixador. Muito bem!

patricio branco disse...

tudo é possivel, sabe se lá!

e será que o sitio está aproveitado cultural e turisticamente, com os espaços arranjados, visitas guiadas (pagas), restauração, hotel, visitas a outros pontos de interesse, etc ?

opjj disse...

De facto é uma palavra (verbo)que deveríamos conjugar mais vezes. DESTRESSAR. Como demonstrou no caso em apreço funcionou.
Cumprimentos

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...