A revista "Sábado" traz esta semana uma nota sobre os concursos de admissão à carreira diplomática, na qual um colega meu, co-responsável por esses exames, dá conta de confrangedoras lacunas de cultura geral de muitos dos candidatos.
O panorama é sempre o mesmo. Grande parte dos licenciados que se apresentam a concurso, para além de revelarem um muito fraco domínio da língua portuguesa, demonstram uma ignorância patética em áreas culturais básicas, muitas vezes somada a um estranho desinteresse pelas questões de política internacional da atualidade. Valha-nos o facto de que, lado a lado com este tipo de candidatos, aparecem sempre outros de grande qualidade.
Fiz já parte do júri desses concursos, há mais de 15 anos, e recordo-me da nossa surpresa ao depararmo-nos com casos similares. Tenho imensas histórias que só não acho divertidas porque são uma trágica ilustração da pauperização em que caiu o ensino e a formação cultural da nossa juventude. Recordo apenas uma.
Um dia, na chamada "prova de apresentação", durante a qual o candidato conversava com três examinadores sobre vários temas, perguntei a um deles qual o último livro que tinha lido. Sem qualquer rebuço, disse-nos: "Para falar verdade, nunca li nenhum livro completo. Na faculdade, só líamos páginas ou capítulos de livros, em fotocópia". Assim, não vamos lá...
15 comentários:
Uma lástima! juventude inculta, justiça de bradar aos céus, politicos incapazes, empresarios corruptos, imprensa irresponsavel...
Graças a Deus que ha excepções, mas
Não pode haver Democracia sem educação, sem cultura, sem ética, sem responsabilidade, sem sentido do dever. O (não) exemplo das classes dirigentes provocou o descalabro a que se chegou.
O que acabo de escrever é um desabafo que não consigo abafar!
Subscrevo, inteiramente, a opinião do Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa e o desabafo da Senhora Helena Oneto.
Na verdade, se a memória não me falha foi Vicente Jorge Silva a colocar um epíteto menos elegante nesta geração mais jovem de "valores invertidos"... Também Vasco Graça Moura se tem queixado, com absoluta razão, que os conteúdos programáticos do ensino secundário, em especial dos cursos técnicos mas não só, da disciplina de Língua Portuguesa se vão aligeirando e perdendo substância. Por isso, não podemos estranhar, mas devemos ficar indignados, com o baixo grau de ilustração e de literacia dos nossos futuros cidadãos e de muitos dos candidatos à nossa vida diplomática.
Por outro lado, as metodologias folclóricas das novas Pedagogias vão contribuindo, também, para esta degradação dos graus de exigência cultural( recomendo o testemunho de um colega editado em livro que afina pelo mesmo diapasão: Gabriel Mithá Ribeiro, A pedagogia da Avestruz - Testemunho de um Professor, publicado pela Gradiva ). Talvez, o Plano Nacional de Leitura tenha vindo a tentar combater um pouco esta pecha estrutural que mina a mundividência cultural dos nossos jovens.
A fotografia que nos apresenta, simbolicamente, neste seu "post" sem título evidencia o jovem culto, que é a excepção nos dias que correm. Mas, em breve, terei oportunidade de traçar um curto paralelismo histórico entre filosofias educativas de duas conjunturas distintas...
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
O nosso amigo Raúl Solnado contava uma história - que o António Alçada Baptista recolheu num dos seus livros - bastante significativa desse desinteresse pelo conhecimento.
Um jovem que o Raúl acabava de conhecer, a quem perguntava, apenas para preencher um silêncio incómodo que já se prolongava, "então, você lê muito?" respondeu, depois de alguns segundos de reflexão; "Evito..."
Claro que também concordo com o que foi expresso...
Mas o fenómeno é extensivo a pessoas consideradas cultas por serem detentoras de uma licenciatura nas áreas cientificas Mais conceituadas do nosso país.
Há pouco tempo "emprestei" a Um Senhor o "Meu" livro antologia de Eugénio de Andrade onde sublinhei os meus poemas preferidos,após uma conversa informal em que o Sr. ostentava com orgulho o facto de Nunca ter lido um poema de Camões ou de Pessoa... E apesar de ser do Porto nunca ouvira falar em tal pessoa.
Pois ... Como diria Abel Salazar no Hall do instituto de ciências biomédicas Abel Salazar(ICBAS)...
Pode crer que este senhor apesar do protagonismo social que tem cá na terra ... Não passaria no seu screening.
Isabel Seixas
Caro Embaixador, temo que o problema nao seja monopolio dos candidatos às carreiras diplomaticas.
E convido-o a ler o texto que um velho e querido amigo meu publicou ha três dias no blogue (http://avenidadasaluquia34.blogspot.com) com o titulo "Bolonha".
Por outro lado lanço um repto às jovens maes em Portugal : POR FAVOR PAREM DE LEVAR OS VOSSOS FILHOS A PASSEAR AOS CENTROS COMERCIAIS AOS DOMINGOS !
O acesso à cultura nao começa aos 18 anos.
Gostar de ir ao teatro, à opera, visitar um museu ou uma exposiçao, ir buscar livros a uma biblioteca municipal sao habitos que nao se adquirem automaticamente com a maioridade.
Estes concursos tem sido altamente viciados.Como e que se compreende que a grande maioria dos aprovados sejam filhos ou filhas de familias?Como resultado,temos um servico diplomatico que o Pais merece:eli-tista,snob,incompetente,imovel,irrelevante e redundante.O Dr.Francis-co Seixas e uma das raras excep-coes.Mas uma andorinha nao faz a primavera...
Obrigado, anónimo! Não sei qual é a sua profissão, mas ela deve ser o exemplo para o País! Parabéns!
Senhor Embaixador
Quando se nasce numa família de gente letrada, a cultura, por norma, faz parte da vida e do diálogo entre todos.
Quando a instrução se massifica,e os programas visam, sobretudo, apresentar resultados estatísticos, aqules oriundos de famílias não letradas, tendem a "evitar" a cultura.
Infelizmente nem a TV pública, nem os ATL têm qualquer preocupação cultural. É por isso que as famílias vão para os Centros Comerciais passear e se deliciam com séries idiotas produzidas com o dinheiro de todos nós.
Sem instrução não há educação, sem esta não há cultura...
Mas ninguém parece muito preocupado!
Por favaor não culpem o Estado, formadores, etc.
Ler implica força de vontade, sede de saber mais, depende de cada um de nós.
A minha mãe nunca leu um livro completo, não chegou a completar a 1º classe, mas ainda hoje a incentivo e ela gosta de ler pequenos textos e revistas.
Dois comentários a este curioso Post chamaram a minha atenção: o de HSC e o de “ana”. Começando por este último, quando menciona que “ler implica força de vontade e depende de cada um de nós”. É bem verdade, ainda que não se possa ignorar que quem não tem instrução (e não me refiro a quem não sabe ler) tem, naturalmente, menos ou quase nenhum incentivo para ler. Agora, quando este factor não existe, é na realidade confrangedor ver o número cada vez mais elevado de pessoas, de todas as faixas etárias, que não lê, não compra um livro, ignora o acto de ler. Recentemente, num jantar em casa de amigos, uma das convidadas disse, a certa altura, esta extraordinária frase: “ler? Ai! Eu nunca leio. Não compro um livro. Já tentei começar a ler um livro, mas ao fim de 3 ou 4 páginas, paro, não consigo avançar mais. Mas admiro quem é capaz de ler. Fica-se com muita informação. Mas para mim não dá. É uma seca. Só revistas leves!” Assim! Com toda a coragem e frontalidade confessou ali a sua ignorância (voluntária) e mesmo repulsa por ler. Tenho sobrinhos meus e filhos de amigos, mas igualmente amigos da minha idade, cunhados/as que também não lêem. Lá está, ler é também, ou sobretudo, um acto de vontade. E não se pense que tem a ver com exemplos “vindos de cima”, ou seja, que os jovens quando nos vêem ler, adquirem esse hábito. Não é verdade. Conheço casos de gente culta, interessada em ler e cujos filhos saíram o oposto. Terá a ver com vontade, ou outra coisa qualquer, que desconheço. HSC, por sua vez, levanta questões pertinentes. Que reflectem muito o que se passa hoje, na nossa Sociedade. Acrescentaria, entretanto, um outro “fenómeno” como tentativa de explicar este “desastre” reflectido no Post, que é o Sistema de Ensino que se adoptou há umas 3 décadas a esta parte. Ao ter-se acabado com os exames ao longo dos 11, ou 12 actuais, anos ensino, que dantes existiam e em vez disso optado por enveredar por um sistema de “passagens administrativas” (ou semelhante), entrou-se num regime de “facilitismo”, com os alunos a não terem de enfrentar o rigor de exames, que os obrigava a estudar mais seriamente e preparava-os melhor para a vida futura. Não estou com isto a defender o regime salazarento, longe de mim, mas a criticar a “solução” patética que se lhe seguiu, culminando hoje com a “preocupação das estatísticas” para União Europeia, ou Comissão, ver. Nos últimos anos, assistimos também a uma desautorização progressiva dos professores (e não incluo aqui a questão das suas avaliações, isso é outro assunto), a uma protecção tola e bacoca do aluno, que só o prejudica, porque o prepara mal para responsabilidades futuras e finalmente, constata-se que não existe um plano sério para melhorar e reformar o Ensino. Por outro lado, procurar resolver problemas sociais complicados com recurso aos professores, por exemplo, ao tentar reter, artificialmente, nas escolas, alunos que não se integram no Ensino, para com isso combater o desinteresse escolar e a vadiagem e criminalidade de certos jovens mais carentes economicamente, quando esse combate passa por outros métodos e soluções, dos quais poderiam fazer parte a criação de escolas técnicas (e mesmo comerciais) como existia antes, não parece ser o método mais inteligente. Mas, a terminar, esses jovens de que aqui fala o Embaixador no seu Post, é bom não esquecer, são produto, ou “filhos”, do actual Sistema de Ensino. É por aí que esta história deveria, se calhar, começar.
Albano
Estou plenamente de acordo com a Ana.
Dos meus 8 bisavos, 7 eram analfabetos e trabalhadores rurais. 1 das minhas avos era analfabeta e o meu avô materno fez a quarta classe à noite durante o serviço militar.
A minha mae e a minha tia estudaram com bolsas da Camara Municipal até ao 5° ano antigo. Nos anos 50 era o maximo até onde se podia estudar no unico Colégio (privado) de Moura. A minha mae obteve nos exames do 5° ano os melhores resultados do Distrito de Beja tendo ganho um prémio do Director do Liceu mas nao pode continuar a estudar por falta de meios. Queria ser Biologista.
Claro que teve que haver muita força de vontade e curiosidade durante varias geraçoes.
O meu avô materno transmitiu-nos essa garra de ir mais além. Faleceu com 79 anos e era um leitor assiduo da biblioteca municipal onde leu todos os classicos da literatura portuguesa.
É preciso parar de culpar tudo e todos à volta. Hoje a escolaridade é obrigatoria, so que como diz o meu pai : ha muitos que so abrem os livros para os arejar !
Sem excluir que possa ter havido, no passado, vários casos em que a circunstância de se ser familiar de um diplomata possa ter facilitado a entrada e até a progressão na carreira - e conheço pessoas que, mais ou menos abertamente, foram favoráveis a essa "tendência" -, a experiência mostrou-me que isso está hoje longe de ser a regra.
A carreira diplomática é, nos dias que correm, um corpo profissional onde o "bluff" já tem doficuldade em passar por verdade, onde a mútua observação dos funcionários gera processos de transparência que ajudam a denunciar as injustiças e a discricionariedade. Estas existem, claro!, em vários processos de escolha a vários níveis da carreira e, infelizmente, alguns colegas são ainda tentados a explorar essas vias. A questão ainda subsiste no tocante a funcionários que, não sendo excecionais nem flagrantemente medíocres, exploram conhecimentos pessoais e redes sociais para obterem melhores postos ou ascenderem em detrimento de outros. Mas acho que, cada vez mais, a meritocracia está a impor-se no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Um muito oportuno “comentário” (ou esclarecimento?) este de F.S.Costa
P.Rufino
Senhor Embaixador, fazia falta neste espaço de discussão um comentário com o conteúdo deste seu último.
Remando um pouco contra a maré, aproveito para desejar aos novos diplomatas Portugueses (aos mais cultos e aos menos cutos) a maior das felicidades na nova carreira que estão prestes a abraçar.
Estou seguro de que merecem o posto que irão ocupar depois de terem ultrapassado, com sucesso, todas as barreiras do concurso mais longo, mais competitivo e escrutinado de toda a função pública, ao qual dedicaram, na maior parte dos casos em concomitância com as suas actividades profissionais e ou académicas, catorze meses das suas vidas!
Estou convicto ainda de que encararão esta nova etapa das suas vidas com grande entusiasmo e espírito de missão, dando o melhor de si em defesa e ao serviço dos interesses e da imagem de Portugal e dos Portugueses e plenamente conscientes da responsabilidade das funções que irão assumir bem como do enorme privilégio de fazerem parte de uma das mais belas e gratificantes profissões do mundo!
A este propósito, cito o artigo do Senhor Embaixador, intitulado "Seminário Diplomático", postado neste blog no passado dia 4 de Janeiro: "Ser diplomata constitui um enorme privilégio, não apenas pelas experiências e oportunidades que este tipo de vida proporciona, mas, principalmente, pelo facto de podermos ter o singular orgulho de ser a cara do nosso país em vários lugares do mundo. Gostava que as novas gerações de diplomatas percebessem bem essa honrosa responsabilidade e a fantástica possibilidade que a carreira diplomática lhes concede para servir Portugal."
Aproveito finalmente, aquando da minha primeira participação neste blog (não obstante já o acompanhar diariamente há uns meses), para o felicitar por esta iniciativa.
Melhores cumprimentos,
Senhor Embaixador, não se precipite, afinal o método de selecção pode não ser o mais justo.
Vejam-se as classificações da entrevista final a partir do 31º classificado. Será que até ao 30º eram todos cultos e depois todos ignorantes?
Pergunta-se também a quem aproveita o atropelo ao regulamento do concurso no aumento das notas das prova de conhecimentos?
Não me identifico por razões objectivas, mas desta vez isto não fica assim...
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