terça-feira, fevereiro 02, 2010

Agradecimento

Diversas e amigas mensagens saudaram o aniversário deste blogue. De todas elas, permitam-me que destaque a qualificação feita pelo nosso por "Criativemo-nos", que crismou este "Deux ou Trois Trucs" (sic) como "terna aldeia íntima num cenário cosmopolita".

Um sincero muito obrigado a todos. E, como diria aquele locutor de TV, "prontos", acabaram as comemorações.

Alexander Ellis

Alexander Ellis é o embaixador britânico em Portugal, de quem já aqui falámos. Viveu em Portugal há mais de uma década, tendo regressado há pouco anos.

Num comentário, Helena Oneto recorda o texto que este meu colega publicou em Dezembro passado, no seu blogue genialmente chamado Um bife mal passado, intitulado "Dez coisas que melhoraram em Portugal nos últimos 15 anos". 

Com a devida vénia ao autor e com um antecipado pedido de desculpa ao operoso grémio dos cultores das desgraças pátrias, transcrevo o seu texto:

Chegou a época do espírito natalício. Então, deixemos de lado quaisquer miserabilismos e concentremo-nos nas coisas boas - não como escape mas como realidade. Vivi em Portugal há quinze anos. Agora, de volta, quero sugerir dez coisas, entre muitas outras, que melhoraram em Portugal desde a minha primeira estadia. Não incluo aqui coisas que já eram, e ainda são, fantásticas (desde a forma como acolhem os estrangeiros até à pastelaria). Aqui ficam algumas sugestões de melhorias:

- Mortalidade nas estradas; as estatísticas não mentem - o número de pessoas que morre em acidentes rodoviários é muito menor, cerca de 2000 em 1993 e de 776 em 2008. A experiência de conduzir na marginal é agora de prazer, não de terror. O tempo do Fiat Uno a 180km/h colado a nós nas auto-estradas está a passar.

- O vinho; já era bom, mas agora a variedade e a inovação são notáveis, com muito mais oferta e experiências agradáveis. Também se pode dizer a mesma coisa sobre o azeite e outros produtos tradicionais.

- O mar; Lisboa, em 1994, era uma cidade virada de costas para o mar; poucos restaurantes ou bares com vista, e pouca gente no mar. Hoje, vemos esplanadas e surfistas em toda a parte. Muita gente a aproveitar melhor um dos recursos naturais mais importantes do país.

- A zona da Expo; era horrível em 1994, cheia de poluição, com as antigas instalações petrolíferas. Agora é uma zona urbana belíssima, com museus e um Oceanário entre os melhores que há no Mundo.

- A saúde; muitas das minhas colegas têm feito esta sugestão - a qualidade do tratamento é muito melhor hoje em dia, apesar das dificuldades financeiras, etc. A prova está no aumento da esperança de vida, de cerca de 74 em 1993 para 78 anos em 2008.

- Os parques naturais; viajei muito este ano do Gerês a Monserrate ; tudo mais limpo, melhor sinalizado, mais agradável. O pequeno jardim está, de facto, mais bem cuidado.

- O cheiro. Sendo por natureza liberal nos costumes sociais, não fui grande fã da proibição de fumar - mas, confesso, a experiência de estar num bar ou num restaurante em Portugal é hoje mais agradável com a ausência de tabagismo. E a minha roupa cheira menos mal no dia seguinte.

- A inovação; talvez seja fruto da minha ignorância do país em 1994, mas fico de boca aberta quando visito algumas das empresas que estão a investir no Reino Unido ; altíssima tecnologia, quadros dinâmicos e - o mais importante de tudo - não há medo. Acreditam que estão entre os melhores do mundo, e vão ao meu país, entre outros, para prová-lo.

- O metro de Lisboa. É limpo, rápido, acessível e tem estações bonitas.

- As cores; Portugal tem e sempre teve cores naturais bonitas. Mas a minha memória de 1994 era o aspecto visual bastante cinzento das cidades, desde a roupa até aos carros. Hoje há mais alegria - recordo um português que me disse, talvez com tristeza, que o país estava a tornar-se mais tropical. Em termos de imagem, parece-me um elogio!

Esta é a minha lista. E a sua?

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Aniversário

Faz hoje precisamente um ano que começou a editar-se este "Duas ou Três Coisas". Data que coincide com aquela em que assumi funções como embaixador português em França.

Como se deduzirá do subtítulo do blogue, a ideia inicial era não seguir um ritmo regular de publicação de posts. Isso não aconteceu: não houve um único dia em que o blogue não tivesse sido atualizado e, as mais das vezes, houve mesmo mais do que um post por dia. Neste primeiro ano, foram publicados 710 posts.

O número de leitores tem vindo a sustentar-se, com variações sazonais, estando numa média de cerca de 350/dia.

De 105 países do mundo (num mundo que tem 192) apareceram visitantes, alguns esporádicos, outros mais ou menos fiéis. Portugal, França e Brasil, sem surpresas, têm estado na vanguarda das visitas. Mentiria se dissesse que não gostava de ver mais visitantes oriundos de França, porque isso significaria uma maior adesão da comunidade de origem portuguesa, a quem se dirige prioritariamente o meu trabalho profissional.

160 leitoras ou leitores inscreveram-se como "seguidores", sem grandes recuos, o que significa que ficaram "clientes". Isso, aliás, é bem patente na "família" dos comentadores, onde se destaca um grupo sólido, simpático e ativo (activo, para contentar todas e todos), que, de quando em vez, não dispensa criticar o escriba - e faz muito bem!

Estou muito grato a quem tem tido paciência para me ler, embora também compreenda quem possa, entretanto, ter desistido de seguir o que aqui se escreve. Alguns posts podem ser algo "pesados", outros "ligeiros" demais, a minha perspetiva sobre as coisas pode, muito legitimamente, não interessar a muitos. E há, também, quem tenha pouco tempo para "andar por blogues". Eu, por exemplo...

Um ano é muito tempo, foram muitas horas. Olhando para trás, acho que é capaz de ter valido a pena.

Vamos continuar? Repito o que escrevi no primeiro post: "se a assiduidade dos leitores o justificar, o exercício continuará. Se não for esse o caso, o blogue terá o destino óbvio". Voilà!

Manuel Serra (1932-2010)


Hoje sabemos melhor o que foi o chamado “28 de Setembro” de 1974 - um equívoco momento de confronto entre setores ultra-conservadores, apoiantes de um movimento para dar plenos poderes ao general Spínola, e forças políticas da esquerda, que habilmente aproveitaram o ensejo para afastar o polémico presidente da República que, no 25 de Abril, haviam sido forçadas a aceitar e que se tornava progressivamente mais incómodo. É que, à época, assistia-se a um crescente ambiente anti-25 de Abril, alimentado pelo próprio Spínola, que estava a colocar a esquerda e o Movimento das Forças Armadas à beira de um ataque de nervos.

Nessa noite, eu tinha sido destacado para uma determinada tarefa, juntamente com o António Reis - o líder dos milicianos da Escola Prática de Administração Militar, de onde eu era originário, embora, à época, eu fosse adjunto da Junta de Salvação Nacional, instituição a que os acontecimentos desse dia em breve iriam pôr termo. (Por coincidência, ontem recebi um e-mail do António a informar-me que vem a Paris dentro de dias). Íamos sob o comando de um jovem alferes “do quadro”, o Manuel Geraldes,  uma generosa figura do MFA, que não vejo nem contacto há  mais de 30 anos (e de quem, hoje mesmo, por uma outra coincidência impressionante, recebi um abraço através de um amigo comum). Levávamos connosco uma “praça”, um soldado, o Moura. O Moura tinha na sua mão uma intimidante metralhadora G3. Estávamos a entrar para o meu carro pessoal,  um Fiat 128, algures nas “Avenidas Novas”, a altas horas da noite. Por razões que demorariam a explicar, a tensão do momento então muito grande. Aquela noite do 28 de Setembro acabou por ser muito complexa e longa.

De súbito, uma surpresa: começa a vislumbrar-se, à distância, vinda do alto da rua, uma figura de estatura baixa, estranhamente com as mãos no ar, como se estivesse a render-se. Naquele enquadramento noturno, sem vivalma em roda, a cena era patética e infundia uma súbita insegurança. O soldado Moura começou a demonstrar uma perturbação agitada, com jeitos de querer afirmar a capacidade operacional de que a sua condição de barman da messe da EPAM era “sólida” garantia: num instante, põe a patilha da G-3 na posição de disparo, leva a arma ao ombro e, num derradeiro e precioso segundo, é travado pelo Geraldes com um “está quieto!” e o afastar a arma do alvo.

Aparentemente sem se aperceber do nosso nervosismo e do risco de vida que estava a correr, a personagem continuava lentamente a aproximar-se, agora já se lhe ouvindo coisas, numa voz procuradamente surda, para não alertar a vizinhança, tais como “Sou eu! O Manel”. Lentamente, pudemos identificar quem lá vinha.

Era o Manuel Serra, o sempiterno revolucionário dos golpes da Sé e de Beja, figura que, meses depois, titularia uma célebre cisão de esquerda no Partido Socialista, com a criação da Frente Socialista Popular, afastando-se de Mário Soares. As vidas políticas dos últimos meses haviam-nos feito, entretanto, cruzar com essa curiosa personalidade, com um brilho quase adolescente nos olhos e um sorriso cúmplice, oriunda do cristianismo radical, que há muito trazia a revolução nas veias.  Nos anos 60, ainda antes do fracassado golpe de Beja, em que participou de forma activa, o Manel havia sido protagonista de uma lendária fuga de uma embaixada em Lisboa, onde estava refugiado, vestido de padre... Depois do 25 de Abril, por uma escolha que a confusão política proporcionou, tinha sido nomeado o inesperado chefe de gabinete desse igualmente improvável ministro que foi o jornalista Raul Rego.

- “Então, rapazes, há novidade? Vi-vos por aqui e vinha perguntar se necessitam de alguma coisa. Temos ali duas viaturas com pessoal, armas e granadas, para o que der e vier. Não precisam mesmo de nada? Está tudo em ordem?”.

Ficou a ideia que o Manel e os seus amigos andavam nessa noite pela cidade, numa espécie de piquete do ACP, para “avarias” de outra natureza. Demos os abraços da praxe e presumo que devemos ter esclarecido que “está tudo sob controlo”. No fundo, sem lho revelarmos, estávamos imensamente aliviados por se ter conseguido travar a precipitação quase trágica do Moura, o qual talvez nunca tenha entendido bem quem era aquela alma penada e meio careca, saída do escuro da rua, afinal amigalhaço dos seus superiores, a quem estivera prestes a dar um tiro.

E lá foi o Manel de volta, pela noite, à busca da revolução que sempre lhe consumiu os dias.

Dias que hoje terminaram, aos 78 anos, em Lisboa. Adeus, Manel!

domingo, janeiro 31, 2010

100 mil visitantes!

Foi há minutos: o sitemeter registou 100.000 visitantes deste blogue, medidos desde 15.2.09!

Viva a República!

Nesta data de 31 de janeiro, que comemora a revolta republicana que prenunciou o fim do regime monárquico, em 1910, tiveram início oficial em Portugal as comemorações do centenário da República.

Temos perante nós uma interessante oportunidade de dar destaque, perante as novas gerações, aos valores da ética republicana, que hoje constituem o fundamento da nossa Democracia, a que o 25 de abril deu corpo. 

Da mesma maneira que, durante a ditadura, a República foi diabolizada pelos seus inimigos, vamos agora, com toda a certeza, assistir por aí ao afloramento, mais ou menos folclórico, de iniciativas "antirepublicanas", que mais não são do que estertores da memória dos que foram afastados em 5 de outubro de 1910 e em 25 de abril de 1974. Sejamos magnânimos, porque é esse o único comportamento digno dos vencedores para com os derrotados da História.

Acordo

A Lusa passou, a partir de hoje, a distribuir o seu noticiário nos termos do Acordo Ortográfico.

Na coluna ao lado, colocamos um link para a consulta na Infopédia, da Porto Editora, que permite verificar a conformidade das palavras com o Acordo Ortográfico.

sábado, janeiro 30, 2010

Tempo

Há dias, dei-me conta que um dos nossos comentaristas regulares tem um curioso blogue dedicado às questões do tempo.

A temática do tempo é uma disciplina sempre interessante, dá origem a livros e mobiliza escolas de pensamento. Nunca tive muito "tempo" para aprofundar o assunto, mas acabei, um dia, por me cruzar com ele numa discussão governamental, na qual se analisava a questão de Portugal poder vir a ficar com a mesma hora de Bruxelas - e de outros países que a partilham. Não ficou. Foi nessa ocasião que pude perceber, e ver inventariado com minúcia, todo o complexo conjunto de reflexos que este problema tem na nossa vida, desde os efeitos sobre os gastos energéticos às questões escolares e de transportes. A partir daí, passei a estar mais atento ao tema.

Quem sabe se, daqui a poucos anos, tendo já passado à "disponibilidade", uma figura de pré-reforma que existe no meu Ministério, não serei tentado a pedir para representar o MNE nesse grupo de trabalho, com um nome tão insólito como promissor, que se chama Comissão Nacional da Hora. Espero ainda ir a "tempo" de poder colocar essa linha no meu currículo.

Faits divers


É curioso observar esta inescapável tendência da comunicação social para "agarrar" o insólito, o imprevisto, mesmo que insignificante para a história. Ninguém resiste a esta tentação. 

Há uns anos, numa cerimónia pública a que eu assistia, o presidente Lula deixou cair ao chão um copo de água. Os fotógrafos "flasharam". Recordo-me de ter dito para o chefe de gabinete de Lula, que estava ao meu lado: "Vai ser curioso ver quantos jornais amanhã não trarão esta fotografia...". Sem excepção, todos trouxeram!

Já tenho pensado que um bom trabalho de "marketing" político poderia mesmo planear incidentes inocentes, feitos apenas para a fotografia, por forma a humanizar certas personagens políticas. Algumas estão bem necessitadas disso...

Num terreno idêntico, esta questão faz-me recordar a prática de uma pessoa pública que conheço, a qual, durante as entrevistas que concede, sempre "deixa cair" uma ou duas expressões, procurada e controladamente "chocantes", num tom contrastante com o resto das suas declarações. Para quê? Para tentar que essas frases sejam "chamadas" para títulos da entrevista, evitando que os jornalistas venham a escolher outras. Assim procurando contornar a velha regra de qualquer entrevista jornalística: a nossa pior frase será, quase sempre, o título.

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Trabalho

Para começar bem o fim-de-semana, deixo-os com uma história clássica da diplomacia brasileira. Já a vi contada como se tivesse sido passada em Lisboa ou em Paris, mas sempre com um porteiro português à mistura.

Um dia, de visita a uma daquelas cidades, uma senhora brasileira decide fazer uma surpresa ao seu sobrinho, diplomata em posto. Bate à porta do consulado brasileiro e pergunta por ele. O porteiro - que tinha de ser português... - responde-lhe:

- Não está.

- E não vem?

- Não, de manhã ele não vem.

- Então volto à tarde.

- Não vale a pena, minha senhora, porque, à tarde, ele não trabalha.

Já houve belos tempos na diplomacia!

Jô Soares

Leio na imprensa que Jô Soares inicia hoje, em Lisboa, espetáculos em torno de Fernando Pessoa.

Jô Soares é uma figura interessante, culturalmente com substância,  com uma escrita limpa e ritmada, autor e ator de grandes momentos de comédia televisiva, com a criação de personagens que ficaram na memória coletiva. Hoje, infelizmente, perde-se um pouco pela obrigatoriedade que a si próprio se impôs de apresentar um talk show seis dias em cada semana. Com raras exceções, acaba, nessa atividade, por fazer programas demasiado "leves", muito abaixo daquilo que é a sua real qualidade profissional. Por isso, um pouco como acontece com Herman José, conheço muita gente que hoje já tem grandes saudades do "velho Jô Soares".

Há três anos, no Brasil, convidou-me para ser entrevistado no seu programa, um dos mais vistos de toda a TV brasileira. É um trabalho de produção e realização impressionante. Há duas gravações por semana. Em cada um desses dias são feitos, de seguida, três programas, que depois são apresentados em três dias consecutivos.

A conversa que tivemos foi bastante simpática, com referências ao amigo comum que era Raul Solnado. Falámos da vida diplomática, do 25 de Abril, de dom João VI e, inevitavelmente, das diferenças entre o português do Brasil e de Portugal. Com notas dele ao nosso "sotaque", claro. E também lá se falou da sua paixão pela obra de Fernando Pessoa.

Para mim, o momento mais delicado do programa foi quando Jô Soares puxou a conversa para uma velha anedota sobre Salazar e Américo Tomás, passada no hospital onde o primeiro estava internado após a sua queda, historieta em que intervém o médico americano que tratou o ditador. Jô Soares procurou a minha ajuda para completar a anedota, a qual, aliás, é algo cruel. Não lhe dei "saída". Acho que ser embaixador de Portugal  não é compatível com a colaboração no apoucamento, num país estrangeiro, de figuras de Estado portuguesas, por mais detestáveis que elas possam ser, como era o caso. Assim, acabei por ficar aquilo que se pode dizer, desta vez muita com propriedade, "sem graça".

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Camões

Ao final da tarde de ontem, o centro cultural Gulbenkian proporcionou-nos uma conferência de António Coimbra Martins sobre temática literária, ligada a Lorenzo di Medici e a Luiz de Camões.

Intelectual e académico, António Coimbra Martins viveu grande parte da sua vida em França, onde teve ação destacada nas fileiras da oposição à ditadura portuguesa. A partir de 1965, criou e dirigiu a biblioteca do centro cultural Calouste Gulbenkian - a maior e mais importante existente fora de Portugal, depois da biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro. Dirigiu, depois, o próprio centro cultural Gulbenkian (1997-98). Anos antes, havia exercido funções como embaixador português em França (1974-79) e, mais tarde, como ministro da Cultura em Portugal (1983-85).

Ontem, ouvimo-lo, no "seu" centro Gulbenkian, enquanto académico, especular de forma brilhante sobre curiosas coincidências entre aspetos de obras de Médici e de Camões. A quem não é do "ramo", fez imensamente bem ouvir argumentos inteligentes situados em temáticas distantes do nosso quotidiano.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Conselho de Segurança

Este é um post longo. Como diria alguém, não tenho tempo para ser sintético.

Portugal é candidato a um novo mandato como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, no biénio 2011/2012.  No passado, exercemos por duas vezes essas funções, sempre com grande eficácia.

Há dias, um amigo perguntava-me por que razão Portugal queria obter, de novo, essa posição, numa eleição que implica gastos e uma mobilização diplomática intensa. A resposta é, de certo modo, simples.

Portugal é um país com uma história e com uma imagem bem firmadas no mundo. Somos um Estado europeu de média dimensão que sempre deu mostras de um forte empenhamento no quadro das relações externas da União, para a definição do qual muito temos contribuído desde a nossa adesão, por vezes numa escala bem superior à de parceiros com um perfil similar.

Estamos no centro de uma Comunidade línguística em crescente projeção internacional, que se forjou por laços culturais e afetivos e que foi ajudada pelo cimento da pertinácia comum em torno da luta pelos direitos de Timor-Leste.

Temos hoje um quadro muito coerente de relações externas, fruto de uma ação séria no seio da comunidade internacional, que nos reconhece como uma entidade dialogante, moderadora, que age na base de princípios e que respeita, em prioridade, a preeminência da ordem multilateral.

Soubemos ultrapassar os tempos traumáticos da conflitualidade colonial e, desde a reimplantação da democracia, somos um dos mais comprometidos parceiros com o mundo africano, tendo sido responsáveis pela iniciativa de duas cimeiras União Europeia-África, momentos únicos na paciente construção de um diálogo institucionalizado entre os dois continentes. Temos sido, além disso, na União Europeia e fora dela, dos mais dedicados promotores de políticas de ajuda ao desenvolvimento e da reflexão sobre os modelos de como elas devem evoluir.

Somos um país exemplar em processos de integração de comunidades estrangeiras, respeito pelas minorias e combate às formas de exploração humana, conduzindo, no quadro da União Europeia e em outras estruturas multilaterais, uma ativa política nesse domínio, fundada em valores humanistas e de solidariedade à escala global. Essa posição, deriva muito do facto de termos vindo a aculturar, após séculos da nossa própria diáspora, atitudes de relação humana e de respeito pela diferença que são hoje uma componente essencial da nossa matriz identitária.

Não sendo, geograficamente, um país mediterrânico, somos considerados pelos nossos parceiros do Magrebe como um dos Estados europeus que melhor entende as questões desse espaço, do mundo árabe e dos desafios de desenvolvimento e segurança que atravessam toda essa região. No Médio Oriente, a nossa voz é reconhecida como sempre tendo mantido uma grande coerência no tocante à procura de soluções de justiça que, simultaneamente, compatibilizem os direitos do povo palestino e a prestação de garantias a um Estado israelita com fronteiras fixadas à luz das determinantes do Direito internacional.

Na América Latina, para além da muito especial relação com o Brasil, temos um excelente entendimento com todos os países de língua espanhola, fruto de laços antigos e de novas solidariedades, muitas das quais firmadas no quadro íbero-americano e na atenção que sempre demos à promoção dos seus interesses dentro da União Europeia.

Portugal é um país respeitado no seio da Aliança Atlântica, mantendo com os Estados Unidos, o parceiro mais importante nesse contexto, um constante e amigável diálogo. Olhamos para o laço transatlântico como um elemento axial do quadro de segurança em que estamos inseridos. A perspectiva que Portugal tem alimentado vai também no sentido de considerar que uma relação eficaz entre os Estados Unidos e a Europa é uma condição indispensável para a promoção, com sucesso, de alguns dos valores que entendemos dever proteger na ordem internacional. As derivas conjunturais ocorridas do outro lado do Atlântico, a que se somaram patéticos seguidismos pontuais assumidas nesta banda, devem ser levadas à conta de meros interlúdios, projetados num quadro que continuamos a ler como estruturante para a preservação dos nossos interesses estratégicos.

As grandes questões relacionadas com a segurança internacional, nomeadamente nos cenários de tensão pós-11 de setembro, têm, aliás, encontrado em Portugal um parceiro interessado e interveniente. Estamos presentes no esforço para a estabilização do Afeganistão, terreno de operações considerado fundamental para evitar uma catastrófica desregulação da região, com consequente aumento dos riscos de proliferação nuclear e propagação do terrorismo - flagelo a que temos dado a maior atenção nos diversos quadros em que é combatido. Ainda na área da segurança, estamos a preparar a cimeira da Nato, que este ano terá lugar em Lisboa, a qual terá no centro da sua agenda a definição do seu novo conceito estratégico, reformulação essencial para a imperiosa "recriação" da organização, à luz das novas ameaças e das novas áreas geopolíticas de actuação.

A imagem de Portugal na Ásia, fixada por uma memória histórica muito positiva, é a de um país cujo passado por lá deixou marcas iniludíveis, nas culturas como nas línguas, como saldo de uma excepcional capacidade de relacionamento humano. Soubémos gerir uma eficaz transição em Macau, num exemplar diálogo com a China. Contrariamente ao que muitos esperariam, a nossa coerência na questão timorense garantiu-nos um respeito acrescido na Ásia e em Estados da Oceania, que apreciaram a sabedoria com que retomámos uma construtiva e descomplexada relação com a Indonésia.

Voltando à Europa, é interessante notar que Portugal teve, desde muito cedo, o mérito de perceber que a abertura do projeto comunitário a novos parceiros era uma exigência, não apenas estratégica mas igualmente ética. A nossa inabalada coerência de atitude face ao conjunto de interesses dos novos Estados membros, do seu desenvolvimento à sua segurança, dá-nos hoje um crédito de reconhecimento que igualmente os ajuda a entender a nossa determinação no aprofundamento do diálogo com a Rússia, bem como o nosso empenhamento na resolução de conflitos e na superação de tensões na importante área de vizinhança da União Europeia a leste, tal como na descoberta de fórmulas mais inclusivas na cooperação com o restante mundo euroasiático.

Portugal trabalha nas instituições multilaterais com "as cartas" sobre a mesa, sem jogos de bastidores, com uma agenda de preocupações que assenta na busca de soluções dialogadas, numa lógica de comportamento que sempre tentamos que seja partilhada pelos nossos parceiros e aliados, situados nos diversos contextos multilaterais ou multinacionais onde nos inserimos e atuamos. Tentamos ser sempre uma voz moderada, que procura até ao limite conseguir soluções fruto do diálogo e do consenso, sem prejuízo do cumprimento das normas internacionais e do corpo de princípios a que aderimos. Sem fundamentalismos  nem ilusões, seguimos uma linha que tenta ser coerente nos processos de promoção da democracia, dos direitos humanos e dos valores do Estado de direito. Estamos também crescentemente atentos às temáticas do ambiente e do desenvolvimento sustentável, onde damos, dia-a-dia, um testemunho próprio de envolvimento no uso intensivo das energias alternativas.

Não será também por acaso que nomes portugueses assumem hoje lugares cimeiros no diálogo entre civilizações, nas instituições europeias ou na protecção dos direitos dos refugiados. Para além das razões de natureza pessoal que os recomendaram, não há a menor dúvida que isso decorre também do facto de beneficiarem da imagem projetada pelo país de onde são originários, onde antes apareceram no exercício de outras funções.

Ao longo dos últimos anos, com a nossa intervenção em processos de manutenção de paz - de Moçambique aos Balcãs, de Timor ao Líbano, entre outros cenários de instabilidade -, mostrámos que não éramos apenas produtores de retórica, tendo muitas vezes assumido um perfil de participação superior àquilo de alguns podiam esperar do nosso estatuto e dimensão económica. As Forças Armadas portuguesas têm-se constituído, pela capacidade e equilíbrio revelados na sua acção em cenários externos de tensão, como uma magnífica e moderna imagem do nosso país.

É a globalidade dessa experiência, a que se soma a continuada vontade de darmos a nossa contribuição para a paz e segurança internacionais, que nos leva a querer estar, por direito próprio, no órgão mais operacional da ONU, uma instituição em cujo futuro acreditamos e cujo papel central na regulação dos conflitos continuamos a defender. Somos intransigentemente a favor do princípio da rotação dos Estados que não têm um estatuto permanente no Conselho de Segurança, pelo que somos fortemente contra uma espécie de subliminar  "usucapião", através do qual alguns procuram ser mais iguais que os outros... Temos também defendido a urgente necessidade de uma reforma do Conselho, que lhe reforce a democraticidade e representatividade, através de uma abertura a novos membros permanentes provenientes da África, Ásia, América Latina e Europa.

Aqueles que, em Portugal, colocam reticências a este esforço de sustentação do nosso prestígio devem pensar que ser português é também ser o herdeiro desta vocação tradicional de afirmação externa, num tempo em que já não queremos estar "orgulhosamente sós". A imagem de Portugal, a promoção dos nossos legítimos interesses, a abertura de espaços de diálogos de toda a natureza, tudo isso passa pela visibilidade e pelo prestígio que uma presença no Conselho de Segurança proporciona. Não perceber isto, assumir atitudes de autolimitação economicista primária, é ajudar a condenar o nosso país a um destino de irrelevância. Uma irrelevância que, de facto. parece ser o sonho de alguns profetas da desgraça que por aí rondam colunas, blogues e debates televisivos.

Alguns poderão interrogar-se sobre a natureza deste longo post. Quem me conhece sabe que ele não é um mero exercício de retórica, nem representa nenhum "recado" oficioso que me tenham "encomendado". É, muito simplesmente, aquilo que eu penso.

Embaixada aberta


A Embaixada de Portugal em Paris rejuvenesceu.

Hoje, um grupo de crianças do ensino primário de português da secção internacional de Chaville, acompanhado de professores, veio cá cantar as Janeiras.

Almoçaram, viram e comentaram um filme sobre Portugal e foi organizada uma representação teatral inspirada no quadro existente na Embaixada, que simboliza a partida, de Lisboa para Inglaterra, de Catarina de Bragança.

Um belo dia!

Europa (2)

Há pouco mais de uma década, no exercício de outras funções, declarei publicamente que o Governo português de então se não revia na perspetiva de uma Europa federal. Essa declaração não fora feita de ânimo leve: refletia uma orientação definida por quem tinha então autoridade política para o fazer e, com ela, queria marcar o sentido das nossas propostas para a revisão do tratado da União Europeia, que estava em curso.

Essa minha tomada de posição valeu-me ser zurzido então por alguma imprensa, que destacou o que considerou ser a nossa falta de "ambição" (palavra que, no jargão europeu, é sinónimo de entusiasmo pelas ideias federalistas) e ter colado Portugal a uma perspectiva "recuada" do projeto europeu.

Perante essa forte reação mediática às minhas palavras, um político português, com responsabilidades superiores às que eu então titulava, disse-me para eu me não preocupar muito e desenvolveu uma irónica teoria: alguns desiludidos com o fim dos "amanhãs que cantam" tinham acabado por encontrar no federalismo europeu um corpo doutrinário de substituição para o internacionalismo proletário, que no passado defendiam...

Lembrei-me ontem dessa leitura das coisas quando, à saída da conferência de Hubert Védrine, de onde transpareceu uma imagem algo desencantada do projeto europeu, alguém lançou, também com uma grande ironia e muita graça: "Tiraram-nos o socialismo, agora tiram-nos a Europa..."

Europa

O Tratado de Lisboa foi o pretexto, mas Hubert Védrine foi muito para além disso na excelente conferência que, ontem ao final da tarde, fez no centro cultural Gulbenkian, aqui em Paris.

Apresentado por Teresa Gouveia, que deu uma bela lição de como se deve fazer a introdução de um conferencista, o antigo MNE francês terá surpreendido pela franca lucidez do seu raciocínio, na abordagem da situação internacional, em geral, e da Europa, em particular.

Hubert Védrine atacou alguns mitos fundacionais da unidade europeia, revelou alguns dos logros em que o pensamento dominante no continente se deixou enredar por décadas e foi de um realismo muito frio quanto às possibilidades da Europa se afirmar como potência no cenário mundial. Por isso, e uma vez mais, volto a recomendar o seu mais recente livro, de que já falei aqui.

Haiti


O Haiti é um Estado que ocupa apenas parte da ilha Hispaniola, a qual abriga, mais a ocidente, um outro país, a República Dominicana.

O Haiti já era, antes do terramoto, muito mais pobre que a República Dominicana, da qual ninguém ouve agora falar e que não sofreu quaisquer efeitos do sismo que destruiu o seu vizinho.

Este post serve apenas para notar este singular contraste.

terça-feira, janeiro 26, 2010

A sombra

Quem eu fui há vinte anos
veio hoje tomar-me do braço e perguntou:
o que fizeste de mim?

Respondi-lhe: fiz tudo quanto deixaste
que eu pudesse fazer.

A sombra sorriu de troça.
E desapareceu.

(Ainda preciso de desculpas
para tudo o que não fiz). 

Luis Filipe Castro Mendes

Poema, com contribuição de memória parisiense, no excelente Tim Tim no Tibet

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Lusos


Devíamos ter desconfiado. Por aquele preço, uma viagem Oslo-Paris e volta, com uma semana de hotel, não podia augurar grande coisa. E a prova aí estava: o Hotel des Messageries, na rue des Messageries, a que acabáramos de chegar, num autocarro ido do longínquo aeroporto de Beauvais, onde o charter pousara, era absolutamente infrequentável, mesmo que só por uma noite.

O bando de noruegueses que nos acompanhava parecia de tal modo deslumbrado com a cidade que nem notava a flagrante falta de qualidade do soit-disant hotel. A julgar pelos caixotes cheios de garrafas vazias que enchiam a portaria, despojos do grupo anterior que regressara a Oslo no nosso avião, a semana nórdica em Paris iria ter uma predominante componente etílica.

Por isso, o problema era apenas nosso. Colocámos a questão ao guia norueguês, solicitando-lhe ajuda para encontrar um alojamento alternativo, naturalmente pagando algum diferencial de preço. Acomodada que foi a excursão "viking", conduziu-nos, alguns quarteirões adiante, a um outro hotel. Tinha muito melhor aspeto, vi que aceitavam "American Express", o que me pareceu ser, desde logo, um bom sinal.

Mas a desilusão foi imediata: estavam completamente cheios. O cavalheiro da recepção foi seco e peremptório. Explicou-nos que havia clientes em espera, para a improvável hipótese de vir a surgir uma vaga. Depois de alguma insistência, o guia norueguês, simpático e prestável, confessou-se impotente para, nessa manhã de domingo, resolver o nosso problema. Talvez segunda-feira se conseguisse algo...

Lembrei-me de tentar, eu próprio, obter uma vaga em algum dos hotéis parisienses que conhecia. E pedi ao recepcionista se podia guardar a nossa mala, apenas por umas horas. Deu-me um recibo e tomou nota do meu nome. Ao ouvi-lo, perguntou: "Vous êtes portugais, par hasard?".

Quando disse que sim, a cara do homem, até então seca e formal, abriu-se num sorriso. E o nosso excelente senhor Correia, de Balsemão, perto de Lamego, sossegou-nos: "Sr. Costa, vou-lhe dar o quarto 322. Tem pouca vista, mas é o que se pode arranjar".

O curto diálogo teve lugar perante a incomprensão do guia, que passou de perplexo a quase ofendido, quando viu a chave de um quarto na minha mão. Tentou "tirar satisfações" ao recepcionista: então, perante a anterior démarche dele, não havia nenhum quarto e agora, depois de um minuto de conversa numa língua bizarra, o quarto já aparecia?! Expliquei, como pude, que aquela fora uma solução que emergira de uma vetusta solidariedade lusitana, quiçá incompreensível à luz da righteousness nórdica.

Durante essa semana em Paris, o senhor Correia, que "fazia" os domingos e as noites, passou a aguardar-nos para uma charla no hall do hotel.

Há uns tempos, num fim de semana, passámos pela área. O Hotel des Messageries desapareceu, o que muito terá "debilitado" o património de apoio turístico em Paris... Mas ainda não conseguimos descortinar o hotel onde o senhor Correia nos arranjou o miraculoso quarto.

Como esta história se passou há precisamente 30 anos, presumo que o senhor Correia tenha regressado a Balsemão, onde lhe desejo uma ótima e merecida reforma.

Jorge Molder


Esta é uma ocasião única que a Fundação Gulbenkian nos oferece para apreciar um vasto conjunto de obras fotográficas de Jorge Molder. A exposição foi há pouco inaugurada no seu Centro Cultural em Paris, com a presença do autor.

São três tempos diferentes e complementares do trabalho do artista que nos são apresentados, o mais recente dos quais é a sua colorida "interpretação dos sonhos" - em letra minúscula,  para não se confundir com a obra homónima de Freud, como ironizou o próprio Molder.

São trabalhos poderosos, com grande intensidade dramática, onde predomina o jogo preto-e-branco a que Molder nos habituou, com magníficas expressões de movimento, algumas "memórias" do cinema e uma sempre muito imaginativa exploração dos espaços. Pelo menos, foi assim que eu vi as coisas.

Uma grande exposição, uma excelente "marca" da cultura portuguesa, que uma vez mais ficamos a dever ao magnífico trabalho que a Gulbenkian faz em Paris.