quarta-feira, setembro 10, 2025

Vergonha


Esta senhora faz de conta de que só agora se deu conta do que se passa em Gaza, depois de várias dezenas de milhares de mortos e de perceber que as opiniões públicas estão indignadas. 

Que vergonha para um projeto europeu que alguns pensavam com um mínimo de decência!

Brasil

A posição do ministro do Supremo Tribunal Brasileiro, Luiz Fux, ao considerar esta instância judicial incompetente para julgar Jair Bolsonaro, não vai impedir a condenação deste. 

Mas é inegável que se trata de um facto muito relevante, quanto mais não seja porque vai confortar a narrativa americana sobre a ilegitimidade do julgamento.

Chapitô

 


Foi uma bela jornada de conversa, sob a hospitalidade de Teresa Ricou (Tété), no Chapitô, entre os artistas plásticos Jorge Martins e José de Guimarães e o cineasta Diogo Varela Silva. 

A pintura e o cinema, com as suas múltiplas interações, foram, ao final da tarde de ontem, o mote para mais uma bela conversa, com participação de uma assistência interessada e interveniente. 




O Chapitô ("É difícil lá chegar", ouve-se dizer; é falso, tem um grande parque de estacionamento ao lado) continua a ser, além de uma histórica escola de circo, um lugar deslumbrante de Lisboa, onde se come bem e se convive. 

Obrigado, Tété, pelo teu acolhimento. E parabéns pelo entusiasmo e coragem para ir em frente com o Chapitô.



Ucrânia


A atividade militar russa nos céus da Ucrânia, nas últimas 24 horas, foi assim. 

terça-feira, setembro 09, 2025

La France deux


Macron não é muito criativo. Escrevi aqui isto (que aliás era a opinião de muita gente), há dois meses.

segunda-feira, setembro 08, 2025

La France...


1. O primeiro-ministro francês François Bayrou foi amplamente derrotado na moção de confiança que apresentou ao parlamento. É a primeira vez, na V República (desde 1958), que uma moção de confiança é derrotada. Bayrou estava no lugar desde dezembro de 2024, graças a uma atitude de não-censura por parte da oposição, atitude que então tinha obtido e que agora perdeu.

2. François Bayrou está na vida política francesa há muito tempo. Ao seu nível, é, a grande distância, o político com maior experiência. Cristão-democrata, centrista, ministro várias vezes, sabe-se que tinha lutado junto de Macron para obter o cargo que agora vai deixar, sob uma impressionante impopularidade.

3. As soluções políticas imediatas em França são poucas. o mais provável é que Macron nomeie um novo PM, possivelmente da base política de onde Bayrou é originário. Outra hipótese seriam novas eleições legislativas, com o quase inevitável reforço da extrema-direita. E ainda outra, ainda mais improvável, seria a demissão de Macron.

4. Os socialistas franceses, vindos do quase "zero", parece terem encontrado um novo fôlego e mesmo uma linha própria, agora programaticamente libertos do "abraço de urso" de Jean-Luc Mélenchon, no seio do "Nouveau Front Populaire", iniciativa que, a ver bem, acabou por lhes dar a mão e ajudar à sua recuperação. Dentro do PSF, contudo, parece desenhar-se uma luta pela liderança, entre o líder parlamentar Boris.Vallaud e o primeiro-secretário Olivier Faure. E há ainda outros atores com pretensões de afirmação, como François Ruffin e Raphaël Glucksmann. "À suivre".

5. A direita republicana francesa, de tradição gaullista, mostra fraturas, como ficou claro no voto de confiança, onde houve votos para todos os gostos. O líder parlamentar Laurent Wauquiez revela dissonâncias com Bruno Retailleau, que o derrotou na eleição interna e deseja ser candidato presidencial em 2027.

6. Aliás, o cenário presidencial de 2027 não é estranho a muito daquilo que está a passar-se no parlamento. De Jean-Luc Mélenchon pode dizer-se o clássico "il ne pense qu'à ça". Marine Le Pen, com trapalhadas judiciais à mistura, corre o sério risco de ter de prescindir das suas ambições em favor de Jordan Bardella. No centro, de Gabriel Attal a Gerald Dermanin e a Édouard Philippe, não faltam nomes. Vai ter graça.

... e uma opinião para a Antena 1, aqui.

Houve alguém que um dia falou do oásis...


 

Ai "A Minha Vida"!


"Viste que o Paulo Portas promoveu, no final do seu programa dominical na TVI, uma obra do Trotsky?! Está tudo doido?" Quem me dizia isto, ao telefone, há minutos, escandalizado, era um amigo que andou pelo CDS e que agora, nas férias, não perde a festarola laranja no Pontal, com fogos ou sem eles.

Por regra, vivo sem a televisão ligada. Mas, tal como o Augusto Gil fazia, na "Balada da Neve", quando ouvia barulho lá fora, fui ver. E lá vi que, além de um romance de espionagem, Paulo Portas saudou o surgimento de (creio, mais) uma edição portuguesa do "A Minha Vida", a biografia de Lev Davidovich Bronstein, mais conhecido por Leon Troksky. Esclareceu que o lera, com proveito, há anos, a conselho de Vasco Pulido Valente. Quero crer que Francisco Louçã deve ter dado uma bela gargalhada na noite de hoje. E imagino que Miguel Portas poria aquele seu sorriso bom ao constatar que, ao fim dos tempos, "les beaux esprits se recontrent".

Nunca fui trotskista, mas sempre achei graça histórica à personagem, cuja crueldade não ficava muito distante da de Estaline, como os marinheiros de Kronstadt sentiram na pele. Li algum Trotsky mas nunca me interessou destrinçar entre as diferentes correntes trotskistas - dos lambertistas aos pablistas, passando pelos frankistas (salvo seja!) e não sei se outros. Tenho vários e bons amigos que andaram por aquele mundo e fiquei com a ideia de que, verdadeiramente, dentro de todos eles, sem exceção, ficou sempre uma réstea daquela ideologia algo elitista, saída da grande caldeira revolucionária do marxismo. Ah!, claro, quando fui à cidade do México fui de romaria à casa de Trotsky (e à de Frida Kahlo, também), ao local onde o martelo do gelo empunhado por Ramón Mercader lhe acabou os dias, a mando distante de Estaline. 

Voltemos ao "A Minha Vida". Comprei o livro em Bayonne, no final dos anos 60, numa edição do "Le Livre de Poche", que já deve jazer no fundo bibliográfico que, com o meu nome, existe na Biblioteca Municipal de Vila Real. Tinha-o sobre a mesa de cabeceira no quarto da casa de saúde da Carcereira, no Porto, quando aí fui operado a um joelho, há precisamente 55 anos. 

Num dos dias dessa semana de internamento, para minha imensa surpresa, entraram a certa altura no quarto duas freiras teresianas, que se apresentaram. Uma era a madre superiora do lar onde se alojava a então minha namorada, hoje minha mulher. Eu estava muito longe de esperar esse tão amável gesto de simpatia. Tenho ideia de que a conversa não terá sido muito longa: o meu mundo era de outro mundo. Na sua saída, reparei que o olhar da madre superiora se fixou no "Ma Vie", que estava na mesa. Já passou muito tempo sobre aquela tarde, mas, para sempre, fiquei com a impressão de que a cara da senhora se toldou um pouco, ao ver o livro que o namorado da sua acolhida tinha ali à cabeceira. Mas talvez não, talvez ela nem soubesse quem era o Trotsky, a saga extraordinária da vida errante daquele ucraniano com ar mefistofélico, a "revolução permanente", as noites com Kahlo, o ódio de Stalin, a imagem apagada nas fotografias, o "entrismo", o martelo de Mercader e outras coisas assim. Mas sabe-se lá!

domingo, setembro 07, 2025

Draga

O seu nome era Braga Condé. No MNE, chamavam-lhe "Draga" (se era Braga com "D"...). 

Era um embaixador à moda antiga. Um dia, foi chamado ao ministro. Aguardou uns minutos na sala de espera e saiu: "Espero uma hora por uma senhora, meia hora por um Chefe de Estado. A um ministro não dou mais do que 15 minutos".

João Miguel Tavares, por uma vez

 


sábado, setembro 06, 2025

RTP

Sobre a decisão do presidente do Conselho de Administração da RTP de mudar o diretor de informação da estação, lembro que ele não responde perante o governo, que não o pode afastae e que não tem a menor tutela sobre a RTP. O presidente do CA da RTP só responde perante o Conselho Geral Independente, que o nomeou. Ai é assim? Como sei isto? Integrei o Conselho Geral Independente que escolheu o presidente da RTP.

Universidade

Na polémica entre o ministro da Educação e o reitor da Universidade do Porto, vale a pena lembrar que o governante não tem competência para demitir o reitor: este só pode ser afastado pelo Conselho Geral da Universidade, que o elegeu. Ai é assim?! Como sei isso? Presidi ao Conselho Geral de uma universidade pública.

Fora dos carris

O presidente da Carris colocou o lugar à disposição e o presidente da Câmara não aceitou. Fez mal o edil e fez mal o homem da Carris, que deveria ter-se demitido e não delegar a decisão noutra pessoa. A gravidade da tragédia que se passou sob a sua tutela assim aconselhava.

Historieta a preto e branco


O título de um texto que ontem aqui publiquei, "A branca", trouxe-me à memória sonora um episódio ocorrido comigo em Luanda, em 1982, quando aí acabara de colocado na nossa embaixada. 

A vida na Luanda dessa época era muito difícil. Com a prioridade orçamental assente na guerra civil, o abastecimento era muito precário e episódico, as lojas comerciais em funcionamento eram escassas, havia falta de quase tudo. Claro que alguns, como era o caso dos diplomatas, conseguiam, por recurso ao exterior, garantir o essencial para o seu dia-a-dia. Mas a população, em geral, cada vez mais engrossada pelos muitos milhares que se refugiavam na capital, para fugir à insegurança nas províncias, vivia uma existência muito complexa.

Dias depois da minha chegada, necessitei de fazer fotografias, a-preto-e-branco, tipo passe, para alguma documentação. Onde é que haveria um fotógrafo na cidade? Alguém na embaixada me indicou uma pequena loja na velha Avenida dos Combatentes - a toponímia tivera o bom senso ou a inércia de manter o nome antigo da artéria, dado o tempo de guerra. 

Meti-me no Volkswagen "carocha" de serviço, a cair da tripeça, com buracos no fundo, por onde entravam baratas, que me havia sido distribuído e fui à procura do fotógrafo. Quando cheguei, constatei que tinha uma fila imensa à porta. O sol era muito mas, estoicamente, coloquei-me na fila e fiquei por ali, creio que uma boa meia hora, à espera da minha vez para ser atendido. Todos os olhares convergiam sobre mim. Era o único branco entre toda a gente que por ali estava. 

Quando finalmente entrei no espaço, olhei as paredes, onde havia bastantes fotografias, e reparei que todas as pessoas nelas retratadas eram negras ou mulatas. Nem um único branco. Aquela não era, visivelmente, uma loja que a população branca de Luanda utilizasse. Eu estava divertido e a achar aquilo curioso. Os outros clientes da loja, pelo modo como olhavam a "raridade" que eu ali era, também. O ambiente era simpático e o atendimento cordial, com o uso do "camarada" a ser a regra do tempo.

"Quantas fotografias quer, camarada?" Devo ter exagerado no pedido, recebendo de volta um grande sorriso e um prolongado "Iiih! Tantas?!" do meu interlocutor. E lá fui retratado, num estúdio improvisado num canto da sala. No dia seguinte, estariam prontas, fui informado.

No outro dia, passei pela loja, para levantar as fotografias. Como tudo estava já pago, atrevi-me a passar à frente da continuada fila, não escapando a alguns comentários de quantos pensariam que aquele branco estava a querer ter alguma prioridade. Mas logo expliquei e tudo foi fácil. 

Vislumbrando-me ao longe, o meu interlocutor da véspera acenou-me, voltou a sorrir e foi direito a uma caixa cheia de envelopes. Eu ainda disse o meu nome, mas ele pareceu dispensar essa indicação e, sem hesitações, retirou o envelope com as minhas fotografias. 

Comentei: "Caramba, tem boa memória!". Com os dentes muito brancos, naquela cara muito negra, radiante de simpatia, ele retorquiu-me: "Eu já tinha aqui posto um B". E apontou-me para um imenso B maiúsculo, a lápis, na face do envelope. "É um B de branco!". 

E riu, e rimos então todos, eu e os clientes à volta, todos negros ou mulatos, enquanto o raro cliente branco que eu ali tinha sido se dirigia para o decrépito Volkswagen do Exército português que usava. E que era de cor preta, claro, para esta historieta a-preto-e-branco ficar mais completa.

França


Ouvindo os tenores da política francesa, e lendo muitos comentadores, da esquerda à direita, fica a sensação de que praticamente ninguém comunga da obsessão do primeiro-ministro François Bayrou com o crescimento exponencial da dívida do país. Ora se esses eleitos vivem sem preocupações o fenómeno, por que diabo o cidadão comum se havia de angustiar? Bayrou está quase sozinho na praia. E assim ficará, a menos que a lógica seja uma batata.

Mistério


Depois de mais 16 anos a gerir este blogue, continua a escapar-me a lógica subjacente àqueles que o leem. Há semanas, voltei a suspender a publicação de comentários. Perguntei-me: será que as visitas vão diminuir? Não é que isso me preocupe muito, mas sempre é uma curiosidade estatística. Pois bem! Pelo contrário, em geral, aumentaram os visitantes-leitores, voltando a média mensal a ficar acima dos 100 mil. Ele há cada uma!

sexta-feira, setembro 05, 2025

A branca


Ao final da tarde de ontem, na FNAC Chiado, acabada que tinham sido as nossas intervenções na apresentação do livro de Sónia Sénica, a sala levantou-se para fazer a tradicional fila para a autora autografar os livros. Atenta a juventude da Sónia, tive a certeza de que ela não teria a menor dificuldade de identificar todas as pessoas, de entre amigas e conhecidas, que se apresentassem à sua frente, para obter essa dedicatória. E foi então que senti uma imensa inveja. 

Há cerca de dois anos, no termo da sessão de lançamento do meu livro "Antes que me esqueça", na Gulbenkian, passei por alguns momentos embaraçantes. De entre as dezenas de pessoas que amavelmente compraram o livro e que esperaram, algumas por quase uma hora, para eu o assinar, havia muitas que eu não conhecia: como é de regra, elas iam indicando o seu nome ou o da pessoa a quem queriam que eu dedicasse a obra. E, claro, muitas outras houve - pessoas amigas e conhecidas - que estavam em absoluto dispensadas desse ritual, porque eu sabia bem quem elas eram. 

Restava, contudo, aquele que é sempre, para mim, o temível terceiro grupo: aquelas pessoas que conhecemos "de toda a vida", algumas com quem trabalhámos de perto, que sabemos muito bem quem são, mas cujo nome, naquele preciso instante, se nos varreu, numa insuperável "branca". 

Que fazer? Alguns dirão: é fácil, basta assumir abertamente a falha de memória e pedir para serem elas a relembrar o nome. Não, não é fácil: são pessoas com quem lidámos muito de perto, gente amiga, que fez o amável esforço para ali se deslocar e honrar-nos com a sua presença e que, com toda a certeza, olham para a nossa falha como uma espécie de desconsideração - "afinal, ele nem se lembra do meu nome..."

Naquela sessão de autógrafos, passei por um imenso embaraço com quatro pessoas amigas. Era o cansaço? Talvez. Mas é essencialmente a idade, que nos faz perder a agilidade mental para lembrar os nomes. Não vale a pena estar a inventar outras desculpas. E foi o que fiz. No dia seguinte, escrevi a cada um desses amigos, com os quais tinha acontecido a "branca", e pedi-lhes desculpa pelo sucedido. Era o mínimo que podia fazer. E espero bem não me ter esquecido de algum! 

Isto não é bonito, RTP!

Ai Albion !

O governo trabalhista britânico, assente numa maioria hiper-confortável, decorrente do anterior descalabro conservador, segue de crise em crise. Agora, a ministra das Finanças e nº 2 do executivo, é obrigada a sair pela porta pequena, depois de uma moscambilha fiscal.

Fadiga?

Costa tinha maioria absoluta e, embora com alguns empurrões, caiu com estrondo, parecendo já exausto. O governo que agora por aí se arrasta, minoritário e com bengalas oportunistas para se manter em pé, dá ares de fim de mandato. Haverá alguma fadiga do material em S. Bento?

A Estrela e o nosso Jardim


Ganhem minutos (garantidos) de deslubre com a escrita ímpar de José Ferreira Fernandes, lendo, na sempre surpreendente Mensagem de Lisboa, o extraordinário texto "Como o Jardim da Estrela se tornou o "sino da minha aldeia" para cada um de nós, lisboetas".

Ver aqui.

Sónia Sénica


Tive um grande gosto em participar ontem na sessão de lançamento do livro de Sónia Sénica, "Ordem Tripolar - o mundo dos grandes poderes".

Trata-se da primeira obra de uma docente universitária com quem tive o gosto de trabalhar, durante alguns anos, na CNN - Portugal, um bem documentado estudo sobre a conjuntura internacional, com dados atualizados e uma visão muito informada e equilibrada. 

Especialista em questões da Rússia, Sónia Sénica fornece-nos a chave para a compreensão do país disruptor do "status quo" no leste europeu, analisa os fundamentos da atual narrativa do poder na China e oferece explicações e projeções para o quadro de ação da América, depois do regresso de Trump. O "elefante na sala" é, como não podia deixar de ser, uma Europa que não consegue reunir os vetores para se qualificar como um poder global.

quinta-feira, setembro 04, 2025

A culpa


Hoje é o dia adequado para recordar Jorge Coelho, o ministro que se demitiu aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios, para que a culpa não morresse solteira.

Os amarelos

Lisboa é uma excelente marca turística. O turismo é a "galinha dos ovos de ouro" da nossa economia. A segurança, como é sabido, é um fator decisivo na seleção dos destinos turísticos. Os "amarelos da carris" - todos eles - são a cara de Lisboa. E assim devem continuar a ser.

Encomendar, de imediato, um estudo a uma entidade internacional de renome sobre o estado dos elevadores e elétricos de Lisboa teria um elevado custo, mas daria um belo sinal externo de responsabilidade e de transparência.

Depois queixem-se...


É humilhante o lugar atribuído ao representante de Trump nas negociações sobre a Ucrânia, Steve Witkoff, hoje, na mesa da "conference call" no Eliseu, entre os membros da "coalition of the willing" e o presidente americano: numa esquina da mesa, sem microfone...

Pensando bem ...

Estou a estranhar que ainda não tenha surgido por aí alguém a culpar a imigração pelo acidente do elevador. 

"A Arte da Guerra"


No podcast do "Jornal Económico", "A Arte da Guerra", falo esta semana com o jornalista António Freitas de Sousa sobre o julgamento de Jair Bolsonaro no Brasil, sobre o tema Palestina em discussão na Assembleia Geral das Nações Unidas e sobre a proeminência e possível preeminência da China no mundo alternativo à ordem tutelada pelos EUA. 

Pode ver aqui.

Espetáculo

Pelo que se conhece de Trump, apostaria que o que muito o irritou no conclave na China não foi tanto a coligação anti-EUA que ali desenhada mas, muito mais, a espetacularidade do desfile militar, contrastante com o pífio e ridículo exercício similar que a América conseguiu fazer.

quarta-feira, setembro 03, 2025

Glória


Passava-se há bem mais de meio século, todos os dias. Nos Olivais, pela manhã, apanhava o 21, o autocarro para Entrecampos. Aí saltava para o Metro, até aos Restauradores. A fila era sempre razoável, para subir no elevador da Glória. Aquilo chiava que se fartava pela ladeira acima, mas eu tinha a convição, típica dos inconscientes, de que nada aconteceria: se aquilo tinha durado décadas, não era nessas manhãs que ia falhar. Chegado ao topo, pé lesto a saltar para o passeio, começava o corta-mato em passo apressado pelo Bairro Alto. Em cima das nove e meia, lá entrava eu ofegante no meu emprego, na Caixa, no Calhariz. É que às nove e trinta e cinco, o senhor Marques recolhia o livro de ponto.

Sei lá quantas vezes, nesses meus anos de bancário, terei subido o elevador da Glória! Curiosamente, não me recordo de ter alguma vez descido por ele, como hoje acontecia com quem teve o azar de ser vítima de um estúpido acidente, como soe dizer-se. Aliás, um acidente só pode ser estúpido, porque, que se saiba, ainda não inventaram acidentes inteligentes.

Amanhã, à descida da Bica, ou no Lavra, haverá com certeza um pouco menos de turistas, sob o peso da tragédia d véspera. Talvez até em Santa Justa as filas sejam menores. A menos que, entretanto, na lógica do "casa roubada, trancas à porta", tenha sido decidida uma suspensão, para revisão geral do material. Ah! E haverá o "rigoroso inquérito", que é de regra demorar muito tempo e cujas conclusões ninguém lerá.

A vida das cidades também se faz destes acasos bem tristes. Depois, tem de seguir em frente.

De regresso às lides lisboetas

 


A nova ordem

 


A frase

Fosse Trump minimamente culto e, com certeza, depois da onda de boatos dos últimos dias, teria ironizado em público com a famosa frase de Samuel Clemens: "The reports of my death are greatly exaggerated". Mas quero crer que ele nem deve saber o verdadeiro nome Mark Twain.

terça-feira, setembro 02, 2025

O caminho para o Nobel

Trump conseguiu acrescentar uma outra "guerra" à lista daquelas que "resolveu". Com as elevadas medidas aduaneiras impostas à Índia, o presidente americano conseguiu colocar esta ao lado da China, atenuando os dissídios históricos entre os dois países. Putin sorri.

segunda-feira, setembro 01, 2025

Casa brasonada

 


Europa

O modo como Ursula von der Leyen está a atuar na questão ucraniana, deixando na sombra o presidente do Conselho Europeu, representa uma desvirtuação muito clara das competências que lhe são atribuídas pelos tratados. O governo português revê-se neste estado de coisas? 

sábado, agosto 30, 2025

Portugal no mundo

 


Índia

A Índia foi objeto de uma decisão de Donald Trump altamente punitiva, em termos de direitos aduaneiros, como sanção "secundária", por virtude da sua continuada importação de petróleo russo. A taxa aplicada à Índia surpreendeu muitos observadores. A Índia tem com os EUA relações importantes, nomeadamente em matéria de segurança (vide o Quad) e havia sido criada a ideia de que Washington seria tentado a fazer uma "discriminação positiva" face a um país que teria interesse estratégico em manter afastado da China, explorando as tensões históricas entre Pequim e Nova Delhi. Não foi isso que aconteceu. Existe agora uma grande curiosidade em perceber se a Índia vai, ou não, reagir ao gesto americano e, se sim, de que forma. 

sexta-feira, agosto 29, 2025

Oportunismo

Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Marques Mendes, nas últimas horas, foram muito claros ao aconselharem o PSD a gizar os acordos essenciais de regime ao centro, isto é, com o PS e não com o Chega. Foram recados de quem nunca esqueceu a matriz social-democrata daquela "casa", dirigidos a um líder que tem titulado uma descarada política de mimetismo com a agenda da extrema-direita. 

No entender de alguns comentadores, pelas propostas a roçar o extremismo que tem titulado, Luís Montenegro revela-se o líder mais à direita que o PSD teve em toda a sua história. Custa-me ter de dizer isto: isso seria o menos! 

O comportamento e o discurso de Montenegro não parece relevarem da elaboração de um corpo coerente de ideias mas apenas da adesão a uma narrativa tremendista e populista, na despudorada caça ao voto que entretanto migrou para o Chega. E isto, com todas as letras, só tem um nome: oportunismo.

quinta-feira, agosto 28, 2025

"Visão"


Sou suspeito, porque tenho um grande apreço pela revista "Visão", que atravessa um momento difícil, mas só um cego não reconhecerá que o seu número desta semana é uma obra de excelente jornalismo. Comprem e garanto que não se arrependerão! 

"A Arte da Guerra"


No podcast multimedia do "Jornal Económico" sobre temas internacionais, "A Arte da Guerra", o jornalista António Freitas de Sousa e eu abordamos esta semana o agravamento da situação política em França, as tensões no Brasil e o curso mais recente da administração Trump.

Pode ver aqui.

Colónia


Por muitos anos, segui o conselho de Paul McCartney, a quem um dia ouvi dizer que a melhor ocasião para ouvir música era durante uma viagem de automóvel: não somos interrompidos por nada e, se o som da aparelhagem for bom e a viatura for silenciosa, a experiência pode ser excelente. Habituei-me assim a levar comigo, em deslocações, uma pequena mala com CDs. 

Há uns meses, fui obrigado a trocar de carro e tive de enfrentar com garbo o olhar apiedado do vendedor quando me respondeu que "não, o carro já não tem leitor de CDs, vai ter de usar o Spotify". Anotei o revelador "já", colocando os meus hábitos num irremediável pretérito, pelos vistos mais do que imperfeito. Agora, a somar-se às centenas de discos de vinil que jazem (muitos deles de jazz) em Vila Real, juntar-se-ão no futuro algumas centenas de CDs, que ainda andam por Lisboa. Ambas as coleções passam a ter a mesma "utilidade" das muitas dezenas de cassettes de VHS, onde, com cuidado, reuni a "crème de la crème" da filmografia de que gostava. Estão hoje esquecidas numa cave. O mundo, de facto, está a deixar-me para trás.

Vem isto a propósito de quê? De ter agora lido que faz agora meio século que foi gravado o "Concerto de Colónia", de Keith Jarrett. Ora um dos meus acompanhantes regulares nas viagens eram/são as obras de Jerrett, nomeadamente aquele concerto (mas não só esse). Jarrett seguiu-me toda a vida e tive mesmo o gosto de ir ouvi-lo em duas atuações ao vivo. Por qualquer razão que não sei explicar, faz-me sempre muito bem ouvir Keith Jarrett. Agora, lá terá de ser em Spotify...

quarta-feira, agosto 27, 2025

"Que faire?", como perguntava o outro


Há 18 anos, o primeiro-ministro francês, François Fillon, disse uma frase que ficou célebre: "Je suis à la tête d'un État qui est en situation de faillite".

O então presidente da República, Nicolas Sarkozy, ficou furioso com a tirada do seu "colaborador". Por duas razões. A primeira é que a "tête" do Estado era ele. A segunda pelo facto de um país com a importância da França não dever dizer que está em falência.

Contudo, depois dessa retumbante declaração, nada aconteceu. A França continuou alegremente a gastar o que não tinha. A despesa pública em França representa 57.3% da riqueza nacional, um pouco invejável "record" europeu.

Na segunda-feira, o atual primeiro-ministro, François Bayrou, numa muito divulgada conferência de imprensa, disse mais ou menos a mesma coisa que Fillon, mas, desta vez, o chefe do governo tinha combinado isso com o presidente Emmanuel Macron. O objetivo era provocar um choque de realidade.

Há, no entanto, uma importante diferença entre o momento das duas declarações. Fillon tinha, à época, uma confortável maioria absoluta na Assembleia Nacional. Bayrou sobrevive numa minoria que se dilacera dentro de si mesma, já no arrancar das ambições para a sucessão de Macron, em 2027.

Vale a pena lembrar também que Fillon nada conseguiu ou quis fazer, quando tinha o parlamento na mão. Bayrou quer agora pôr em prática um programa drástico de "rigueur" sem ter um apoio parlamentar mínimo.

Entre Fillon e Bayrou houve, entretanto, oito primeiros-ministros. A situação financeira da França foi-se sempre degradando. As agências de notação dão ares de estar a ficar cada vez mais nervosas, com o serviço da dívida francesa mais caro, pela desconfiança dos mercados.

As coisas só não são mais graves "parce que c'est la France", como disse um dia Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão Europeia, quando perguntado por que razão a União Europeia não fazia cair sobre Paris o rigor que usou para a Grécia ou Portugal. Ou, para usar uma outra expressão consagrada, a França é "too big to fail".

Mas tudo tem um limite e os mercados podem vir a ser levados um dia a fazer a sua "revolução francesa". O exemplo da reação que tiveram perante a gestão caótica da primeira-ministra Liz Truss, no Reino Unido, revelou que mesmo uma grande economia mundial não é imune à irresponsabilidade.

Bayrou indicou que, desde há vinte anos, a cada hora que passa (24 horas por dia x 365 dias x 20 anos), a França junta 12 milhões de euros à sua dívida. 12 milhões por hora! E adiantou que talvez não fosse má ideia travar essa deriva, tentando que a França "pague o que deve".

Nessa perspetiva, há semanas, Bayrou tinha anunciado um pacote de medidas de poupança orçamental, a executar a partir de 2026. Sem surpresas, essas ideias não agradaram praticamente a ninguém. Bayrou está assim hoje com uma quota de popularidade baixíssima. Está já anunciada uma paralização total da França, promovida por meios sindicais e sociais, de protesto pelas medidas propostas por Bayrou, para o dia 10 de setembro.

O primeiro-ministro decidiu antecipar-se e, no dia 8 de setembro, vai pedir um voto de confiança na Assembleia Nacional. Partidos que, somados, representam uma clara maioria, dos dois lados do espetro político, já anunciaram que não vão votar a favor dessa confiança. A queda do governo Bayrou parece assim inevitável. Curiosamente, a isso acontecer, será a primeira vez, na V República (que vigora desde 1958), que uma moção de confiança não é aprovada. Normalmente, em França, os governos caem por moções de censura.

O que vai suceder a seguir? Macron pode voltar a dissolver o parlamento e convocar novas eleições, mas não parece que o resultado de um novo escrutínio viesse a ser muito diferente.

Macron poderia demitir-se, para provocar um "choque institucional"? Uma tal atitude não parece estar no seu feitio e, provavelmente, uma eleição presidencial antecipada (à qual Macron não poderia concorrer) só apressaria a chegada ao Eliseu de um candidato da extrema-direita.

Sim, porque com toda esta coreografia de arranjos para a sobrevivência de governos minoritários, convém ter presente que o Rassemblement National é o maior partido no atual parlamento e nada indica que vá deixar de o ser.

Se o futuro imediato vier a ser o que parece mais provável, Macron irá indigitar um novo governo.

A V República começa a parecer-se cada vez mais com a IV República.

Mas, desta vez, não há nenhum De Gaulle à vista.

terça-feira, agosto 26, 2025

Isto faz-se?!


Então isto saiu e ninguém me avisa?! A mim, orgulhoso possuidor dos 32 volumes anteriores! 

A minha síndrome do dr. Durão


Quando era miúdo, em Vila Real, vivi por uns anos em frente a uma "casa de saúde". Recordo que nela havia apenas dois médicos: o dr. Vilar e o dr. Durão. Os médicos da cidade contavam-se então pelos dedos das mãos, pelo que os seus nomes eram conhecidos de toda a gente.

Não faço ideia se, à época, eu já tinha iniciado a minha bem sucedida "carreira" de hipocondríaco, mas posso imaginar, conhecendo-me intimamente, que essa geografia me devia dar algum sossego. Tanto mais que, algumas vezes, vi esses médicos lá por casa, a acorrer a um febrão de alguém da família.

Um dia, por esse tempo de infância, ouvi uma conversa entre os meus pais em que, a certa altura, um deles terá dito que "o dr. Durão está doente". A minha mãe recordava-se de eu ter ficado muito surpreendido com essa referência. É que, até esse momento, nunca me tinha passado pela cabeça que os médicos, que nos curavam as doenças, também podiam adoecer. A dúvida que levantei era "pertinente": se eles ajudavam a prevenir e sabiam curar as doenças dos outros, por que diabo eles próprios adoeciam? Devo ter pensado que só se fosse por desleixo...

Lembrei-me ontem desta ingenuidade de infância ao ouvir casualmente, numa conversa familiar em Vila Real, que um determinado médico conhecido, por virtude de uma maleita qualquer, tinha recorrido ... a uma consulta médica! Tenho consciência de que recuei num milésimo de segundo, mas confesso que a primeira imagem que me ocorreu foi a minha velha síndrome do dr. Durão.

domingo, agosto 24, 2025

Tim Tim no Tibete


Em férias, há coisas que subitamente nos regressam à memória, como é o caso, por exemplo, de um interessante blogue que se chamava "Tim Tim no Tibete", que se sabia ser escrito por um credenciado profissional da nossa praça diplomática, uma plataforma onde houve 1795 publicações e que, sem aviso prévio ou nota póstuma, se finou no éter no dia 18 de janeiro de 2019, com um post com este poema

Amanhecer

Que um dia suceda a outro
e dissipe toda a névoa que nos faz duvidar
da consistência da terra.

Um dia que se levante à nossa frente
e solte o fio de prumo da esperança uma vez mais

até ao pôr do sol

sábado, agosto 23, 2025

Não sei


Tenho isto treinado, desde há vários anos: recuso dar opiniões sobre temas complexos, só porque "me parece". Mas não é fácil, podem crer, andar por uma região fustigada por incêndios e não ter opinião sobre o que deveria ser feito e não se faz. Porque, de facto, não sei.

sexta-feira, agosto 22, 2025

Retaliação


Dado que Trump quer dificultar o acesso dos nossos vinhos às mesas dos americanos, só nos resta uma única solução, desesperada mas patriótica: bebê-los.

Europas(s)



Aprecie-se o estado das relações entre a Polónia e a Hungria por esta "troca de galhardetes" entre os ministros dos Negócios Estrangeiros de ambos os países.

quinta-feira, agosto 21, 2025

Claustrofobia?


Não percebo como é que, havendo claustros como este, ainda há gente claustrofóbica.

Trump e Putin

A grande esperança dos europeus é que Trump se sinta enganado por Putin e se convença que, depois do Alasca, ele está outa vez a "encanar a perna à rã", não quer reunir-se com Zelensky nem deseja nada parecido com quaisquer "garantias de segurança" que lhe atem as mãos.

O encanto de Rubio

A Ucrânia e a Europa estão deliciadas com o facto de Marco Rubio ter sido encarregado por Trump da questão das "garantias de segurança". Ao que parece, Rubio tem um lugar elevado na escala de ucranofilia de quantos giram à volta de Trump.

Ouçamos Lavrov

Vale a pena estar atento ao que o MNE russo Sergei Lavrov vai dizendo em público. Com Medvdev, o "polícia mau", agora muito menos prolixo, Lavrov tem surgido como a voz mais autorizada em nome do Kremlin. Muito do que diz parece ser para ir testando a reação ocidental.

Durmam bem!


Desde 2014 que guardo esta fotografia de uma tarde de Gaza.

"A Arte da Guerra"


Caso tenham interesse em ouvir a conversa, desta vez monotemática e em modo estival, que tive com o jornalista António Freitas de Sousa, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal do "Jornal Económico" sobre temas internacionais, ela aqui fica.

quarta-feira, agosto 20, 2025

Primakov e a NATO


"Ainda hoje de manhã, na reunião da NATO, disse ao ministro Gama que vocês organizaram uma excelente cimeira da OSCE, em Lisboa, há poucos dias. Se soubermos trabalhar à luz do que ali foi decidido, as coisas na Europa podem vir a correr muito bem". Quem me dizia mais ou menos isto, naquela noite de 11 de dezembro de 1996, era Yevgeni Primakov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, onde Boris Ieltsin era então presidente. Eu acabara de ser-lhe apresentado, antes do jantar. 

Primakov fora a Bruxelas convidado pelos ministros da NATO. Aproveitando a sua presença na cidade, os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia organizaram um jantar de trabalho com o seu colega russo. 

Muitos dos presentes tinham estado na reunião da NATO, nessa manhã. Não era o meu caso. Em outras tarefas em Bruxelas, como secretário de Estado, substituia no jantar Jaime Gama, que tivera de regressar a Lisboa. "Já ouvi o Primakov falar esta manhã. Acho que ele não vai dizer à União Europeia coisas diferentes das que disse na NATO. Depois conte-me", foi o que me lembro do telefonema que recebi de Jaime Gama, já do aeroporto. De facto, não disse.

Primakov, nesse jantar, em que era anfitrião o ministro irlandês dos Estrangeiros, Dick Spring, voltou a referir-se com ênfase à Cimeira da OSCE em Lisboa. Nesse tempo em que quase metade da minha vida se passava fora de Lisboa, eu falhara a reunião da OSCE em Lisboa. Nem eu desconfiava que, meia dúzia de anos depois, a OSCE se viria a cruzar comigo, durante a presidência portuguesa da organização. Não recordo, aliás, que o tema OSCE tivesse suscitado grande entusiasmo naquele jantar oficioso no edifício do Conselho. 

O tema do jantar eram as relações entre a Rússia e a União. Tudo parecia ir bem nesse domínio. O ministro russo sossegou os presentes: os alargamentos da UE que estavam em curso de preparação, embora parecessem a Moscovo "desnecessários", não era algo que a Rússia visse com grande contrariedade. Não havia entusiasmo, mas não era por aí que os problemas surgiriam. Talvez Primakov pensasse que a complexidade técnica dos processos de adesão acabaria por atrasar muito a sua concretização.

Coisa diferente, porém, era a ideia do alargamento da NATO, fez questão de frisar Primakov. Temendo que a agenda deslizasse, Dick Spring, que ali representava um país neutral e fora da NATO, tentou mudar de conversa. A NATO não era o tema. 

O britânico Malcom Rifkind, naquele seu tom pespineta que tanto desagradava a Margareth Thatcher, não lhe fez a vontade e, até ao final, para evidente desagrado de Spring, o assunto do jantar acabou por ser o alargamento da NATO. Primakov começou por dizer ser sua firme convicção que a ampliação da NATO conduziria inevitavelmente a uma nova divisão da Europa. Lembro-me da prudência do ministro alemão, Klaus Kinkel, que procurava deitar alguma água na fervura. Tenho também na memória que o francês Michel Barnier, que ali representava Hervé de Charette, no seu tom algo pomposo (mas não mais do que de Charette, que era conhecido pela sua arrogância insuportável), se embrulhou num discurso confuso e pouco claro sobre a atitude de Paris, na consabida leitura própria que o seu país nunca se dispensava de procurar ter sobre a segurança europeia. A França estava então afastada da estrutura militar integrada da NATO. 

O ministro russo, na linha de uma doutrina que Moscovo não abandonaria, embora declinada de várias formas e feitios, falou do facto da "segurança ser indivisível", isto é, não dever resultar na segurança apenas para alguns, fossem eles a NATO, a União Europeia ou mesmo a CEI (a frágil estrutura de coordenação inter-estatal pós-soviética que, sem sucesso, a Rússia procurou por algum tempo alimentar). E Primakov insistiu: na arquitetura de segurança europeia, a OSCE devia ser o ator principal. A exemplo de vários outros presentes, não me recordo de ter intervindo na conversa. 

Como me recordo desta conversa?, inquirirá o leitor. Ora essa! Não é todos os dias que se janta com um ministro dos Estrangeiros russo.

Hoje conhecemos bastante bem as diferenciadas leituras que os alargamentos da NATO acabaram por ter. A Rússia coloca-os nas "root causes" da crise que o mundo atravessa, a "nova Europa", assim crismada por Donald Rumsfeld (que, à vista de Trump, passaria hoje por um republicano apresentável), nem quer ouvir falar do assunto. E assim vai o mundo. 

Primakov era então um homem visivelmente respeitado pelos seus colegas ocidentais, quanto mais não fosse pelo seu modo urbano de tratar temas polémicos. Chegaria a primeiro-ministro. Ainda pensou candidatar-se à presidência da Rússia, mas um tal Vladimir Putin estava já uns passos à frente. Acabou por dar-se bem com ele. Morreu há uma década. O "The Guardian" fez-lhe um obituário precioso.

Fazer a paz e fazer as pazes

1. A Noruega é um país com uma história digna e séria. O comité que atribui o Prémio Nobel da Paz é constituído por um grupo de personalidades selecionadas pelo Storting, o seu parlamento. Se acaso caíssem no ridículo de vir a escolher Trump, a Noruega entraria no anedotário internacional.

2. Os "acordos de paz" que Trump diz ter conseguido em seis meses, são, em todos os casos, meros arranjos pontuais, compromissos de conjuntura que, em nenhuma das situações, resolvem as raízes de fundo dos conflitos, pelo que podem desfazer-se de um instante para o outro.

3. Se Trump viesse a ser premiado em Oslo por uma eventual trégua obtida na Ucrânia, com a finalidade de travar a perda de vidas, seria importante lembrar, na ocasião, que ele é exatamente a mesma pessoa que não objeta a que os israelitas chacinem palestinos às dezenas de milhares.

4. Como se viu pelo comportamento dos seus líderes em Washington, a Europa vive atarantada, não com o poder americano (é o mesmo que Biden tinha), mas com o modo despudorado como Trump o exerce. Por isso, embora o despreze, humilha-se a bajulá-lo, numa hipocrisia medíocre e triste.

Belos tempos!

 

Uma iniciativa de Henrique de Freitas.

terça-feira, agosto 19, 2025

Sem surpresas

Era expectável que Trump excluísse a possibilidade de colocar tropas americanas na Ucrânia, inseridas numa eventual operação de paz. O ambiente na América para qualquer aventura "boots on the ground" é nulo. A "participação" de que Trump falou deve ser no quadro da monitorização.

Chegou o carteiro

Trump disse que não gosta do voto por correspondência. Eu também não, mas reconheço que, em certas circunstâncias, é difícil evitar esse mecanismo.

Vistas

Alexander Stubb, atual presidente da Finlândia, que eu e vários diplomatas portugueses conhecemos bem há mais de 30 anos, percebeu tudo muito rapidamente: "I should think that Russia’s view of security guarantees is quite different from our view.”

Aliás, Maria Zakharova, a porta-voz de Moscovo foi clara: “Russia categorically rejects any scenario that envisages the appearance in Ukraine of a military contingent with the participation of NATO countries.”

Troféus


É um gesto muito interessante da parte de Donald Trump transformar a prateleira sobre a lareira da Sala Oval num espaço de exibição dos troféus do Grupo Desportivo dos Funcionários da Casa Branca.

Local

Em cada rotunda do país, há uma mão cheia de cartazes para as eleições autárquicas. Quando se fala de "confiança", quase sempre isso significa pedir o voto para quem já está no poder. Já a "mudança", que também enxameia a propoganda, é para tentar isso mesmo. 

segunda-feira, agosto 18, 2025

Prova de força

Trump é um visível ignorante em termos geopolíticos. Diz barbaridades simplórias sobre coisas complexas. Mas sabe duas coisas verdadeiras: que, até ver, ninguém tem mais poder do que a América e que as armas nucleares são a chave de poder de qualquer potência que se preze.

De caras


Salvo no caso de Merz (a BlackRock ensinou-o a fazer "cara de poker"), o olhar dos líderes europeus à volta de Zelensky refletiu o desespero coletivo depois do encontro com Trump. Todos desprezam Trump, todos o temem, todos acabarão por fazer o que ele quiser. E ele sabe isso.

Duas Américas

Não há uma única América, estão os europeus a aprender. Houve uma América que levou a Europa a pensar que era possível trazer a Ucrânia para o "lado de cá", a fazer parte da sua fronteira de segurança. E há esta.

Lembrar Kekkonen

Na conversa com Trump, Alexander Stubb, presidente da Finlândia, lembrou o "modus vivendi" que o seu país encontrou com a Rússia no termo da 2 ª Grande Guerra. Há uns anos, a Rússia talvez tivesse aceitado a "finlandização" da Ucrânia. Agora é tarde.

Ai Europa!

Um dos momentos mais patéticos da reunião à mesa entre Trump, Zelensky e os líderes europeus foi o elogio feito pelo presidente americano a Ursula von der Leyen, pelo resultado na negociação comercial entre os EUA e a União Europeia. Foi um esmerado encadernar de um "diktat".

Estejam atentos

Não excluo poder estar enganado, mas ver os europeus (já) empenhados na discussão das garantias de segurança para uma futura paz na Ucrânia parece significar que dão por adquirida a "troca" de territórios.

E a outra paz?

O Comité Nobel ficaria na História se, por uma vez, mudasse o seu método de trabalho e anunciasse: Trump será prémio da Paz se obrigar Israel a aceitar o Estado Palestino e, até lá, facilitar a gestão de Gaza por uma entidade internacional neutral. E que, sem isso, nada feito!

Táticas

O tom de Gouveia e Melo contra Luís Montenegro, por causa dos incêndios, pode vir a custar-lhe algum eleitorado "laranja". Que contas estará o almirante a fazer?

A autonomia de Zelensky

A única coisa óbvia é que o facto de Zelensky ir em companhia europeia ao encontro de amanhã com Trump amanhã é algo significativo. Depois, cada um infere o que lhe apetece.

A estamina de Trump

Qualquer que seja a opinião que possamos ter da personagem Trump, uma coisa é certa: o homem tem uma estamina física notável para a idade. Estar na berlinda e a falar quase todos os dias para a imprensa é obra! É claro que o "doping" do desejado prémio Nobel faz milagres!

domingo, agosto 17, 2025

Portugal e Israel


Na revista "Visão" desta semana, escrevo um texto em que analiso as relações entre Portugal e Israel, desde o 25 de Abril. 

Na semana anterior, tinha ali inserido um artigo sobre o modo como o novo Estado de Israel, criado em 1948, viveu com a ditadura do Estado Novo.

Não transcrevo aqui artigos da "Visão": a revista atravessa um período de grande dificuldade, pelo que aconselho que a comprem.

sábado, agosto 16, 2025

Alasca 4

1. Putin conseguiu evitar que Trump lhe impusesse um cessar-fogo, que de todo não lhe convinha, porque perdia o ímpeto ofensivo e, essencialmente, permitia à Ucrânia refazer o seu dispositivo militar. Foi a grande vitória russa em Anchorage.

2. Putin não vai conseguir que Trump pressione os europeus a deixarem de armar a Ucrânia, porque o negócio de armas americano é um lóbi demasiado forte. Provavelmente, vai ter de viver com isso. Além disso, a "desmilitarização" da Ucrânia não é concebível.

3. A próxima e muito difícil "batalha" de Putin é garantir que os europeus não colocam tropas na Ucrânia, para as famosas "garantias de segurança". Trump já lhe fez "meio favor", ao dizer que retiraria as garantias NATO. Mas Putin nunca aceitará "boots on the ground" europeias.

4. Se Trump conseguir impor a Zelensky a entrega à Rússia do terço restante de Donetsk, a Ucrânia perderia cinco áreas fortificadas vitais, criadas depois de 2014. Para a Ucrânia, significaria a "entrega dos pontos". Parece-me muito difícil que isso aconteça.

5. Putin poderá viver facilmente com as linhas da frente que existem hoje em Zaporizhia e Kherson. Ao que se sabe, é sua cedência para recuperar o resto de Donetsk. Se o conseguisse, seria um excelente negócio, não perdendo a central nuclear de Zaporizhia.

6. Putin quer obter dos EUA uma recusa formal à possibilidade de entrada da Ucrânia para a NATO. Trump pode dar-lha, mas é duvidoso que consiga blindar o futuro. Um estatuto de neutralidade da Ucrânia, no modelo austríaco, não parece possível.

7. No atual estado de coisas, é implausível que Trump venha a tentar impor aos europeus uma "arquitetura de segurança" que acomode uma revisitação das "root causes" que Putin continua a referir, isto é, a reanálise das fronteiras NATO pós 1997.

8. Não é concebível que, se os EUA conseguirem pilotar até ao fim um processo de paz, não venham a ser conduzidos a levantar as sanções à Rússia. Nada indica, contudo, que venham a conseguir que os europeus procedam de idêntica forma.

9. Parece ser muito difícil aos EUA, por muito boa vontade que tenham para com Putin, conseguir desmantelar os mecanismos jurídicos internacionais entretanto levantado contra este e contra a Rússia. Mas o acesso aos mecanismos de transações financeiras é plausível.

10. Para além dos ganhos territoriais "de facto" (será difícil serem "de jure"), a grande vitória da Rússia na Ucrânia, para além de não ter de pagar quaisquer indemnizações, seria a substituição de Zelensky. A Europa terá aqui a sua real prova de força, ou de fraqueza.

11. É óbvio que o efeito Nobel anda na cabeça de Trump, a propósito da Ucrânia. Isso será um fator de aceleração da sua vontade. Se Zelensky e os europeus (que Trump acusará de influenciarem uma provável recusa ucraniana do seu plano) se opuserem, vai ser o bom e o bonito...

12. No entanto, tudo o que escrevi vale o que a realidade vier a confirmar ou a infirmar.


Alasca 3

Como Trump pensava antes do Alasca:“I want to see a cease-fire rapidly,” he said. “I don’t know if it’s going to be today. But I’m not going to be happy if it’s not today.”

Como Trump pensa depois do Alasca"It was determined by all that the best way to end the horrific war between Russia and Ukraine is to go directly to a Peace Agreement, which would end the war, and not a mere Ceasefire Agreement, which often times do not hold up".


Alasca 2


Se esta fotografia não diz tudo, então já não percebo nada!

sexta-feira, agosto 15, 2025

Alasca

Para a Rússia, o pior resultado que poderia ter saído de Anchorage seria uma pressão americana para um cessar-fogo. A ocorrer, este travaria o seu ímpeto no terreno e daria tempo à Ucrânia para se reconstituir militarmente com apoio ocidental.

Está por saber se Putin fez alguma promessa de moderação das suas atividades ofensivas, correspondendo a recentes desabafos desagradados de Trump sobre a escalada militar russa, ao provocarem vítimas civis.

A ameaça de sanções secundárias a parceiros comerciais russos terá desaparecido do horizonte imediato, o que é uma excelente notícia para a Índia. Nunca acreditei que os EUA chegassem a esse ponto com um parceiro tão importante para impedir a mão livre da China nos Brics.

A acreditarmos - e eu acredito - na sua obsessão infantil sobre o Nobel da Paz, Trump não vai deixar "cair a bola" e vai querer resultados rápidos, para provar que é o "dono da bola". Posso estar enganado, mas Zelensky e os seus aliados europeus vão ficar agora sob forte pressão.

quinta-feira, agosto 14, 2025

Aqueçam os motores!


O país arde de desejo ter de volta a Fórmula 1.

Ganda Estebes!


Foto inédita de José Estebes, no 1° de Maio de 1974, na magnífica exposição "Venham mais cinco", em Almada, que encerra a 24 de agosto. Não percam esta exposição!

quarta-feira, agosto 13, 2025

Lições da estatística

"Peace agreements rarely end wars, making it important to set expectations for Ukraine peace negotiations. Only 16 percent of interstate wars after World War II ended in a peace settlement. Roughly 21 percent ended with a decisive military victory by one side, while another 30 percent ended with a ceasefire as the warring sides faced a military stalemate but failed to reach a formal settlement". (Seth G. Jones, CSIS) 

Olha a meta!

As presidenciais começam a assemelhar-se ao último quilómetro de um sprint. Todos olham para todos, há quem desista, quem mostre que poderá ir ao despique, quem dê a "sapatada" que o anuncia já a caminho da meta e até ressurgem alguns lançados de trás, a fazer prova de vida.

Diplomatas de Abril

(Fotografia de Ana Gomes, ali de passagem)

Lembro-me de que estava calor, mas não tanto como no dia de hoje, com o país assolado por incêndios. Nesse 13 de agosto de 1975, Portugal vivia o histórico "verão quente".

O "documento dos nove" tinha sido publicado no dia 7 de agosto, trazendo para a Revolução de Abril uma leitura mais moderada do que aquela que ainda prevalecia no plano político. É que, no dia seguinte à divulgação desse manifesto, tomou posse o V Governo Provisório, o último sob a chefia de Vasco Gonçalves. Duraria pouco mais de um mês.

É óbvio que a última coisa com que a imprensa da época se preocupou foi com o facto de, no dia 13 de agosto, terem tomado posse, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, as primeiras mulheres diplomatas. Até então, era-lhes vedado o acesso à carreira. Havia sido um ministro dos Negócios Estrangeiros chamado Mário Soares quem, um ano antes, decidira acabar com essa anomalia.

O primeiro concurso para novos diplomatas, após o 25 de Abril, foi aberto e anunciado em 13 de novembro de 1974. A partir dessa data, ao longo de meses, tiveram lugar as múltiplas provas escritas, orais e "de apresentação". No seu termo, de entre largas centenas de candidatos, foram escolhidos 43 novos diplomatas. No total, foram admitidas nesse concurso 11 mulheres. A posse foi feita em duas levas: 24 no dia 13 de agosto de 1975 e 19 no dia 1 de julho de 1976.  

A "Visão" desta semana traz uma memória desse concurso, a que junta um depoimento do professor Aníbal Cavaco Silva que, com Joaquim Mestte, foi um dos dois examinadores externos ao MNE que integraram o júri de acesso.

Aqueles que tomaram posse nesse primeiro dia, há precisamente 50 anos, juntaram-se hoje num belo almoço de confraternização. Conseguiu-se juntar 17 das 24 pessoas então admitidas. A lei da vida levou, entretanto, seis de entre nós e um impedimento obstou à presença de um outro colega. Deixo a imagem desses 17 diplomatas - melhor, desses sempre "novos" diplomatas...

A política no Reino Unido...

... a propósito do congresso do Partido Trabalhista, num podcast do Expresso que pode ouvir aqui .