quarta-feira, junho 15, 2016

Dois pontos perdidos

O meu dia não acabou bem. Olhando para trás, para os erros cometidos, é agora relativamente fácil pensar o que se não fez para evitar o que aconteceu. Mas é como "chover no molhado". Precipitação, avaliação incorreta dos riscos, nervosismo e, claro, cai-se na ratoeira. E houve um custo a pagar, claro, não tão pequeno como isso. Agora tudo vai ser mais difícil, sem esses dois pontos. Não se podem cometer muitos mais deslizes. Alguns dirão mesmo: "Se calhar até foi bom! Aprende-se a ter mais cuidado". Talvez. Aprende-se a não avançar no terreno sem prudência, a medir melhor o ritmo a imprimir no futuro. Foi uma lição.

Perdi dois pontos. Na carta de condução. Faz amanhã oito dias. Na A8.

Já 5000 !


Pois é, este é post nº 5000, desde que este blogue começou a ser editado, no dia 2 de fevereiro de 2009, sem nenhuma interrupção diária, creio eu.

Achei que valia a pena assinalar este número "redondo".

As armas da Venezuela


Mário Soares não tinha por hábito pernoitar nas embaixadas, preferindo quase sempre os hotéis. Apenas em Brasília, numa das vezes que por lá passou, o convenci a dar-me o gosto de algumas conversas pela noite dentro, que eu aproveitava para saciar a minha curiosidade em torno das suas inesgotáveis memórias, sempre marcadas por um rigor dos factos, datas e nomes. Muito aprendi sobre a história da oposição democrática e os bastidores da política doméstica no pós-1974.

Numa dessas visitas, juntei à sua volta, num jantar, o antigo presidente da República, José Sarney e o então vice-presidente da República, José Alencar. Sarney era um velho conhecido de Mário Soares, que as voltas da política tornara um aliado de Lula, e Alencar era um querido amigo pessoal meu, que achei que Soares gostaria de conhecer melhor.

O jantar começou muito bem, com a bonomia e as histórias mineiras do vice-presidente a deliciarem o nosso antigo presidente. Este tinha vindo, na véspera, da Venezuela, onde entrevistara o presidente Hugo Chavez para um programa televisivo. Estava visivelmente entusiasmado com o líder venezuelano, sentimento que eu sabia longe de ser partilhado pelos dois convivas brasileiros. Porém, Alencar mostrava-se mais parcimonioso do que José Sarney, que tempos mais tarde acabaria por assumir no Senado brasileiro uma oposição forte à entrada da Venezuela para o Mercosul.

A certo passo do repasto, sempre em torno da figura de Chavez, comecei a notar que o diálogo entre Soares e Sarney se estava a tornar um tanto tenso. Entre outras discordâncias, Sarney explicava a Soares que havia setores brasileiros muito preocupados com as aquisições de material militar que Chavez tinha recentemente feito, chamando em apoio das suas teses o vice-presidente da República, José Alencar, que, até meses antes, tinha acumulado o cargo com o de ministro da Defesa. Este, porém, pela sua solidariedade com Lula, mantinha-se discreto.

Soares, contudo, acreditava piamente na boa vontade de Hugo Chavez, creditava-o de boas intenções e de um real interesse em manter um relacionamento positivo com o Brasil. Num determinado momento, voltando-se para Sarney, disse-lhe: "Ó José Sarney! Eu conheço muito melhor o Chavez do que você! E, por isso, posso assegurar-lhe que nunca uma arma venezuelana que ele controle se voltará contra um interesse do Brasil".

Sarney fechou aquela cara de brasileiro que, do bigode ao cabelo negro com brilhantina, refletia uma imagem caricatural do brasileiro da sua idade a que o mundo dos anos 50 e 60 se habituara, e, longe de convencido, voltando-se para Soares, disse-lhe: "Ó Mário! Nem você nem eu já temos idade para acreditar nessas coisas! Não seja ingénuo!".

Mário Soares não gostou, retorquiu firme, mas com procurada elegância. Eu fiz um sinal a Alencar para me ajudar a amenizar a conversa. Isso foi conseguido, sem dificuldade, mas pode dizer-se que aquele que seria o último encontro entre os dois antigos presidentes não acabou em ambiente de grande euforia.

terça-feira, junho 14, 2016

Rua Direita


Na minha terra, em Vila Real, há uma rua que funciona como uma espécie de "eixo" da cidade antiga. De facto, chama-se Rua Dr. Roque da Silveira, mas, na prática, todos lhe chamam Rua Direita, designação que aliás é comum a artérias do mesmo género existentes em outras das nossas cidades.

Há bem mais de uma década, o meu saudoso amigo Álvaro Magalhães dos Santos escreveu uma memória afetiva sobre aquela rua, historiando-a casa a casa, a que deu o nome "A Rua Direita - uma janela sobre Vila Real".

A Rua Direita, como todo o vilarrealense sabe, vai da Capela Nova, que também não se chama assim, até ao Cabo da Vila (leia-se "bila"), que obviamente não tem, em termos toponímicos, essa designação. Já foi a grande artéria comercial da cidade e, ainda hoje, restam por ali algumas poucas casas com merecido prestígio. Mas é, em termos económicos, uma sombra do que já foi e, ao que me dizem, contam-se pelos dedos de escassas mãos as pessoas que ainda por lá habitam. 

Ao encontrar esta imagem há pouco na net, lembrei-me, sei lá porquê, da Rua Direita.

A tragédia americana

O recente ato terrorista na América pode vir a ter consequências bastante mais graves do que as significativas perdas humanas que causou. A emergência deste tipo específico de violência, ideologicamente motivada, induz insegurança e vontade de retaliação. A resultante política destes sentimentos não é por ora clara, mas tudo indica que não deixará de projetar-se sobre o momento eleitoral que os EUA atravessam, influenciando os compromissos securitários dos candidatos, quer na ordem interna, ao estimular efeitos sobre a cultura cívica e de liberdades, quer no comportamento externo do país, onde facilitará uma atitude favorável à afirmação autónoma do interesse nacional americano, com condições para forçar novas clivagens e agravar riscos que podem afetar todo o mundo. Uma América provocada a sob tensão é tudo quanto não precisamos nos tempos que correm.

segunda-feira, junho 13, 2016

Privilégios

Aquele ministro e eu entrámos no avião, de regresso a Lisboa, ambos vindos de uma conferência numa determinada capital. A lotaria dos lugares tinha-o colocado duas ou três filas atrás da minha.

Nesse tempo dos anos 90, eu era secretário de Estado. Ao meu lado, por um azar das arábias, acabou por me calhar aquilo que os brasileiros designam por "um chato de galocha". Era uma figura portuguesa conhecida, palrador incessante, do género muito inquisitivo, dos que nos não deixam ler ou trabalhar. Por simpatia, lá fui aturando a personagem, que não "despegava" um minuto da conversa.

A certo passo, olhando para trás, descortinei o sorriso gozão do meu colega de governo, que, conhecendo-me e conhecendo a figura que o destino colocara como meu vizinho, devia pressentir o esforço que eu estava a fazer para aturar aquela imensa "seca".

Mais de metade do voo já era passada quando um assessor do ministro passou perto da minha fila e me estendeu um envelope: "o ministro manda-lhe isto".

Abri discretamente o envelope, não fosse a curiosidade do vizinho estender-se ao seu conteúdo. Dizia mais ou menos o seguinte: "Sabes qual é a diferença entre um ministro e um secretário de Estado? É que os ministros conseguem não ter de aturar chatos como o que vai ao teu lado..."

Contive a custo a gargalhada!

domingo, junho 12, 2016

We'll always have Paris!


Ocidente


A comunidade muçulmana de Marselha deve estar a sorrir. A cidade mostrou ao mundo os hábitos, costumes e valores da civilização ocidental.

"Blague"


Foi preciso Marcelo ir a Paris para que Hollande ressurgisse com o seu conhecido lado "blagueur".

Pena é que os franceses achem cada vez menos graça ao seu presidente.

Notas (bem dispostas) de um domingo de sol


- É chocante a força que o Bloco de Esquerda e o PCP impõem nas decisōes salariais tomadas pelo governo socialista. O caso mais recente foi o escandaloso aumento que conseguiram para os administradores da Caixa Geral de Depósitos.

- Espero que o "Prós e Contras" de amanhã nos traga Assunção Cristas e Mário Nogueira a discutir os méritos do ensino público na formação dos "holligans" britânicos que ontem se ilustraram na Côte d'Azur, onde duvido que a toponímia local preserve a Promenade des Anglais.

- Se Marcelo não surgir hoje de arco-e-balão nas ruas de Alfama, vão começar os rumores de que a sua presidência entrou em declínio.

- Ao preço a que anda a sardinha, mais de uma dúzia por família vai ser lido pelo fisco como sinal exterior de riqueza.

- A Justiça passou agora a mau-da-fita ao acusar jornalistas de quebra de segredo de justiça (uma evidente calúnia!) no caso Sócrates.

- Cavaco começa a ficar vingado. Há cada vez mais consensos: sobre o que o país pensa dele, sobre a recusa das sanções europeias e sobre o facto do Europeu serem "favas contadas".

sábado, junho 11, 2016

O acordão

Os aumentativos em "ão" são uma forma brasileira de mostrar uma saudável sem-cerimónia com a língua portuguesa, tornando mais "gráficas" as expressões. 

( Para quem não saiba, as rotundas, no Brasil, designam-se por "balões". Um dia, conduzindo em Minas Gerais, perguntei a alguém se ainda faltava muito para cruzar com uma determinada estrada. A resposta não podia ser mais brasileira: "É logo ali, chegando ao balãozão", para designar uma rotunda bem maior do que as habituais.

Também as pessoas são referenciadas assim, sem o menor embaraço. Numa remota cidade do Amapá, fui apresentado ao Prefeito, um homem imenso, muito largo. Com a imbatível simpatia dos brasileiros, identificou-se: "Meu nome é José Carlos. Mas me chame de "Marmitão". Todo o mundo me conhece assim." )

Ao ouvir falar de que há um "acordão" no Brasil, alguns portugueses podem ser levados a concluir que isso designa a revolta ética da respetiva população, o "acordar" coletivo face à revelação dos escândalos de corrupção e outros graves atropelos às leis, que geraram manifestaçōes, revoltas populares e tensões sociais, com impacto na classe política. 

Mas não é nada disso! O "acordão" que se regista, ou se prepara, no Brasil é, apenas e só, um entendimento entre os titulares de cargos políticos no sentido de criar uma barreira à ação da Justiça, que agora começa a ameaçar setores de topo do sistema que saiu recentemente ganhador da luta pelo poder. 

A Justiça - em especial o Ministério Público e a Polícia Federal - foram os "heróis" do sistema, enquanto a sua ação tinha por alvo o PT e os seus "compagnons de route", isto é, até ao afastamento prático de Dilma Rousseff. Mas agora que a máquina judicial se colocou em movimento e não parou, ameaçando setores dessa hidra política que dá pelo nome de PMDB, já por ali se fala em "acordão".

Olhando em perspetiva este mês de poder de Michel Temer, fica a sensação, porventura injusta mas que ressalta inevitavelmente como tal, de que praticamente só se tem tratado da (re)atribuição de lugares no aparelho político e das empresas públicas, de paralelo com a tentativa esforçada de muitos políticos, de topo e não só, de escaparem à possibilidade de virem a ser transformados em réus. A demissão de ministros que saíram dias depois da posse, por alegadas implicaçōes em improbidades ou práticas puníveis, não contribuiu para dar um crédito de confiança à nova equipa dirigente.

Um estudo ontem divulgado no Brasil, ordenado pelo governo, dá conta da má imagem que o governo Temer, com a exceção do setor financeiro do executivo, continua a manter no exterior do país. Dessa imagem faz também parte a permanência, no imaginário do mundo, de que o afastamento de Dilma Rousseff configurou um "golpe" constitucional, isto é, de que foi um pretexto juridicamente magnificado para, muito simplesmente conseguir colocar a chefe de Estado fora do poder. O novo Brasil oficial pode ter ganho a batalha contra a presidente, mas, por ora, perdeu francamente a guerra da sua imagem e da sua credibilidade.

E o "acordão" para tentar evitar a detenção do presidente do Senado, do antigo presidente Sarney e de outra figura grada do PMDB não irá ajudar a melhorar essa imagem. (Posso agora revelar que era ao anúncio destes mandados de detenção que eu me referia aqui.)

sexta-feira, junho 10, 2016

Vim a pé!

Fiquei gelado, quando ouvi a frase: "Vim a pé!".

Era uma noite de inícios de 2009, em Montfermeil, uma cidade na periferia de Paris, onde há hoje fortes tensões étnicas e em que vive uma significativa comunidade portuguesa, felizmente alheia a essa triste realidade. Vínhamos a sair da "mairie" em direção a um pavilhão gimnodesportivo, onde iria ter lugar uma recolha de fundos para um ação social, organizada por um cidadão português, que eu tinha decidido apoiar com a minha presença.

No trajeto entre os dois espaços, ia casualmente acompanhado de um simpático casal português, já idoso. Como muitas vezes acontece neste tipo de circunstâncias, perguntei-lhes de onde eram e há quanto tempo estavam em França. O marido disse-me ser da Beira, creio que de Sabugal, e que tinha chegado a França em 1967. Comentei a coincidência desse ser precisamente o ano da minha primeira deslocação a este país. Lembrava-me bem que saíra de Lisboa, da "rotunda do relógio", à boleia, no final de julho, chegando a Paris no dia 4 de agosto.

"E o meu amigo como veio?, perguntei.

"A pé. Vim a pé", respondeu-me, com grande serenidade, sem qualquer dramatismo.

"A pé? Desde Portugal? Não apanhou nenhuma boleia? Não fez parte do caminho de comboio ou de autocarro?

"Não, vim a pé, todo o caminho, da minha terra até Champigny, com uns amigos. Demorei algumas semanas a chegar", adiantando-me um número de dias que não fixei, mas que era impressionante. Explicou-me então que dormiam nas bermas das estradas e que cantavam, para se animarem. "Rebentavam-nos os pés, mas tinha de ser", explicou, com um sorriso de total naturalidade.

Intimamente, sem o deixar transparecer, eu estava chocado. Tinha ouvido falar muito das trágicas condições em que os portugueses saíam do país nesses anos 60 e 70, das passagem da fronteira "a salto", dos "passadores", da exploração de que eram objeto por parte de outros seus compatriotas, das condições quase infra-humanas do seu transporte para França e Alemanha, mas - imperdoável desconhecimento meu! - nunca ouvira dizer que alguns haviam palmilhado todo o caminho em direção a um futuro em que colocavam toda a esperança.

(Texto que há quase cinco anos publiquei neste blogue, ao tempo em que era embaixador em França, e que hoje aqui recordo em homenagem aos nossos compatriotas naquele país)

O dia da gratidão e do respeito



A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de partilhar o dia de hoje com cidadãos portugueses residentes no exterior merece ser saudada.

É clássica a frase ficcionada de um português, interrogando-se junto de outro, de forma desencantada, pelo facto de um país de descendentes de quantos «deram novos mundos ao mundo» continuar a ser, nos dias de hoje, a nação mais pobre da Europa ocidental. A resposta do interlocutor é clássica, na sua ironia :  «Não é verdade! Nós não somos descendentes desses portugueses intrépidos que descobriram o Brasil ou o caminho marítimo para a Índia. Nós descendemos dos que não quiseram ir, dos que por cá ficaram...» De certo modo, o mais ousado e ambicioso Portugal foi o que daqui partiu.

O nosso país tem hoje a viver no estrangeiro uma percentagem muito significativa da sua população. Salvo exceções, a maioria desses nossos compatriotas foram obrigados a sair, pela circunstância do país onde nasceram não ter sido capaz de lhes proporcionar  condições para aqui realizarem o seu futuro, como seria da natureza normal das coisas. Esta é uma tragédia nacional, com que vivemos desde há séculos e que nos desqualifica perante o mundo. Não conheço nenhum país que force os seus cidadãos a emigrar e que, simultaneamente, seja visto de forma prestigiada pela comunidade internacional.

No passado, Portugal «exportava» mão-de-obra pouco qualificada, pessoas geralmente com escassa formação, que iam para «os Brasis», depois para a Europa ou para o norte das Américas, à procura de melhor sorte. A partir dos anos 60 do século passado, a ditadura ludibriou muitos milhares de novos «colonos», seduzidos por um futuro em Angola ou Moçambique, a quem foi escondido que estavam destinados a ser «carne para canhão», no mais do que expectável estertor do nosso patético colonialismo. Depois, foi o que se viu, com esses compatriotas a «retornarem» ao solo europeu, ou a espalharem-se da África do Sul à Austrália ou, uma vez mais, pelo continente americano.

Os últimos anos trouxeram uma realidade migratória diferente. Largos milhares de jovens, alguns com excelentes qualificações que o país pagou, na convicção de que neles alicerçaria o futuro, continuam a ser condenados a ir buscar melhor vida algures, cedidos «chave-na-mão» a economias desenvolvidas, que avidamente os aproveitam para o seu desenvolvimento. É frustrante sentir que Portugal perde, em muitos casos de forma definitiva, a sua geração mais qualificada de sempre.

Marcelo Rebelo de Sousa, com este seu gesto, cumpre um dever de gratidão e contribui para tentar preservar o tecido dessa magnífica reserva de portugalidade que são as nossas comunidades.

quinta-feira, junho 09, 2016

Ordens honoríficas

Tomei hoje posse, dada pelo Presidente da República, como membro do Conselho das Ordens Civis. O Conselho tem a seu cargo dar pareceres sobre condecorações a atribuir pelo Estado português, a decidir pelo Presidente da República.

Convirá notar que "as Ordens Honoríficas Portuguesas destinam-se a galardoar ou a distinguir, em vida ou a título póstumo, os cidadãos nacionais que se notabilizem por méritos pessoais, por feitos militares ou cívicos, por atos excecionais ou por serviços relevantes prestados ao país".

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa deixou já claro publicamente que tenciona, durante o seu mandato, seguir um critério parcimonioso no tocante à atribuição de condecorações, evitando a banalização das mesmas. Não tenho a menor dúvida de que esta orientação é a que melhor serve a dignidade das Ordens Honoríficas portuguesas.

Bernardo Pires de Lima


Bernardo Pires de Lima é um dos mais lúcidos comentadores de temas internacionais que atualmente escrevem na imprensa portuguesa. Com uma impressionante regularidade, publica, desde há vários anos, uma coluna no "Diário de Notícias" onde, com serenidade, rigor e grande coerência argumentativa, escalpeliza as principais temáticas internacionais da atualidade. Nem sempre estou de acordo a 100% com as suas análises, mas as nossas divergências são ínfimas, se as comparamos com as identidades de pontos de vista que temos.

Recentemente, Bernardo Pires de Lima publicou um pequeno livro na coleção de ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos, intitulado "Portugal e o Atlântico". Com Luís Amado, tive o gosto de apresentar esta obra no passado sábado, na Feira do Livro de Lisboa.

Deve dizer-se que o título do livro é algo redutor face ao seu real conteúdo. Ele começa por uma análise muito interessante do papel da China no contexto geopolítico global, em especial no Pacífico e no Índico, em contraponto com a posição americana. O livro trabalha as mutações da China como ator global, apresentando dados muito atualizados, nomeadamente de natureza económica e militar, que nos permitem entender melhor as mudanças que afetam todo o Oriente.

Num segundo capítulo, Bernardo Pires de Lima debruça-se sobre o Atlântico, refutando a tese, que considera prematura, sobre a respetiva "morte" como espaço de relevância político-económica. Na análise, o autor revisita algumas das principais identidades entre os EUA e a Europa que ajudam a justificar a sua leitura de que a relação transatlântica não apenas tem futuro como tem mesmo uma relevância crescente. O envolvimento potencial do sul do Atlântico neste contexto, em especial em matéria de segurança e defesa, é aqui tratado de forma muito criativa.

Finalmente, o eventual papel de Portugal em todo este contexto é analisado em termos muito interessantes, com propostas de política, com o autor a destacar algumas vantagens comparativas que, no seu entender, o nosso país deveria melhor explorar, com vista a reforçar a sua relevância no concerto dos equilíbrios estratégicos globais do futuro.

Há uns anos atrás, o antigo secretário-geral do MNE brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães, obrigava os jovens diplomatas a sentarem-se numa sala de espera junto ao seu gabinete, devendo aí ler, em dias seguidos, três livros que ele considerava essenciais para a formação dos novos profissionais das relações externas (um dos livros era uma obra do próprio secretário-geral...). Não vou tão longe! Mas acho que este pequeno trabalho faria muito bem aos diplomatas mais jovens das Necessidades. E muitos outros, já não tão jovens, também não perderiam nada em lê-lo!

quarta-feira, junho 08, 2016

Sermão

As pessoas acreditam naquilo que querem acreditar. Em particular, acreditam no que lhes prolonga as ideias feitas, no que entendem como sendo "lógico" e no que lhes aparece como podendo desenhar-se como "óbvio". E se o que lhes é servido como verdade tem o condão de adubar sentimentos pré-existentes, então o processo de convicção pode dar-se como adquirido. Essa é a glória do criador da crença, para quem o supremo objetivo era construí-la, dá-la como evidência e vê-la partilhada, difundida e aceite como "a verdade". 

Ingenuamente, pode argumentar-se que, para além da crença, há que ter em conta esse pormenor, quiçá marginal, que são os factos. E que, às vezes, os factos apontam, de forma cristalina, no sentido de infirmar, em absoluto, a crença entretanto estabelecida. Neste caso, "tant pis" para os factos. Se acaso eles não acompanham o rumo da crença, esta dispensa-os, por irrelevantes e incómodos. É dos livros. Pirandello dizia que "a cada um a sua verdade". É verdade, cada um fica na sua. Apesar da verdade, na verdade, ser só uma. E, às vezes, a crença nada ter a ver com ela. Mas que importa? As pessoas acreditam naquilo que querem acreditar.    

Indecifrável


Aquele diplomata era um conhecido calaceiro. Entrara para o MNE bem antes do 25 de abril e, com algumas boas proteções, conseguiu ir sobrevivendo, fazendo sempre muito pouco na profissão. A democracia que a Revolução entretanto trouxera não se adaptava ao seu espírito ultra-conservador, "viúvo" que ficara da ditadura. Os governos provisórios desse tempo mereciam-lhe o maior desprezo e davam-lhe um alibi político íntimo para fazer uma espécie de resistência passiva. Assim, em tudo o que fazia seguia sempre a "lei do menor" esforço, furtando-se tanto quanto podia às tarefas trabalhosas.

Este seu caráter preguiçoso era conhecido na "casa" e, a partir de certa altura, conseguira uma espécie de estatuto que quase sempre o isentava de grandes responsabilidades. Ninguém lhe atribuía funções importantes e, com isso, acabava por levar uma rica vida. Claro que a progressão da sua carreira não deixou de sofrer com isso, mas, como era rico, pouco se ralava. Já com uma certa idade, e ainda como reflexo das boas ligações, familiares e sociais, que possuía, acabou por ser-lhe atribuída a chefia de uma embaixada. Era um posto periférico, sem grande movimento, dir-se-ia que bem adequado ao seu perfil. O que ele não queria era que o incomodassem...

Nesse tempo, as comunicações telegráficas ente o Ministério e os postos implicavam um sistema cifrado algo primário que, não raras vezes, falhava. Frequentemente, quando se pretendia ler o que, de Lisboa, chegava às embaixadas e consulados, os textos recebidos apresentavam páginas cheias de letras e algarismos sem sentido, prova de que algo falhara na transmissão. A solução natural era pedir a repetição de tais textos.

Num final de tarde, nessa sinecura onde passava indolentemente os meses, o secretário da embaixada irrompeu no gabinete do embaixador com um "telegrama" acabado de chegar de Lisboa. A embaixada era alertada para a iminente passagem pelo aeroporto dessa capital, em trânsito, de uma missão chefiada por um membro do governo português. A chegada seria na manhã do dia seguinte, quase de madrugada, pedindo o Ministério que o proprio chefe da missão se deslocasse ao aeroporto e desse "todo o possível apoio" à figura em causa, que ficaria umas horas na cidade.

O nosso homem ficou furibundo! A perspetiva de ter de se levantar a horas matutinas, somada à necessidade de ter de conviver, por algum tempo, com um membro desse governo "sinistro" que a soldadesca amotinada tinha colocado no poder, deixava-o fora de si. Que diabo de ideia tivera o secretário de passar pela "sala da cifra", nesse final de tarde! Se o não tivesse feito, não estava agora confrontado com a chatice de ter de ir ao aeroporto a horas impróprias, que ele sempre aproveitava para descansar do trabalho a que se furtava.

O embaixador refletiu. Releu o texto e, sem comentários, disse ao secretário que podia ir para casa. Ele ficaria um tempo mais na embaixada.

No dia seguinte, quando abriu a "sala da cifra", o secretário deparou-se com uma comunicação que o seu chefe enviara entretanto para Lisboa, ainda na tarde da véspera: "Informo Vexa que a comunicação recebida hoje, ao final do período de expediente, chegou indecifrável. Muito agradeceria o seu reenvio amanhã".

Era um belo truque! Lisboa só teria recebido essa comunicação tardíssimo, tudo agravado pela diferença horária, e repetição "legível" ali estava agora. Só que era tarde demais! O governante e a sua gente já deveriam estar prestes a partir do aeroporto.

O secretário entrou no gabinete do embaixador e entregou-lhe o "novo" telegrama. Sem comentários. O chefe da missão não se deu por achado, olhou o texto, como se o visse pela primeira vez, e disse: "Deixe ficar". O secretário deve ter pensado que o seu papel de inocente útil (e calado) naquela peça lhe poderia valer uma boa informação. E "fez de conta"...

Não era sem "mérito" que, em Lisboa, alguém dizia que aquele embaixador tinha feito, para si próprio, uma adaptação criativa e muito pessoal do lema do Infante Dom Henrique: "Talent de rien faire".

terça-feira, junho 07, 2016

Campo Grande

Lembrei-me há pouco de uma frase em "A Capital", de Eça de Queiroz, quando Artur Corvelo, nas vésperas do regresso definitivo a Oliveira de Azeméis, ao procurar uma determinada senhora na Baixa lisboeta, recebe como resposta: "a senhora foi para o Campo Grande!" 

Para os lisboetas de então, ir da Baixa ao Campo Grande, de caleche, era uma aventura, em termos de tempo. Dir-se-ia que hoje seria tudo bem mais fácil.

Pois isso! Com as obras que hoje nos infernizam a vida (por que não se fazem esses trabalhos de madrugada, como é vulgar em terras "normais"?), senti hoje um desalento idêntico ao de Artur Corvelo. Do Campo Grande à Baixa, entre uma tarefa profissional e um almoço de outro trabalho, demorei uma eternidade. No regresso, acabei por chegar tarde a uma outra reunião. Arrependi-me em não ter chamado uma caleche...

segunda-feira, junho 06, 2016

Os dez mais...


De há uns tempos a esta parte, pegou a moda nos "sites" informáticos de destacar "os dez hotéis mais luxuosos do mundo", as "vinte paisagens mais espetaculares", as "cinquenta fotografias mais belas" e coisas deste género, coloridinhas com o "photoshop" profissional.

Ainda sou do tempo de uma célebre coleção de livros, creio que dos anos 60, que apresentava os "dez maiores criminosos da história", as "dez mulheres que mudaram o mundo, os "dez maiores roubos do século" (nessa altura o BES era gente "bem") e outras coletâneas, muito à moda Reader's Digest que então estava a dar.

Confesso que encanito com estas séries informáticas, mas, claro, já dei comigo a fazer o "vêzinho" e a dizer intimamente "só me faltam dois monumentos" ou "três paisagens estonteantes".

Por um lado, elas alimentam a neo-burguesia que obsessivamente quer visitar este mundo e o outro. São os lisboetas que não conhecem os altares de São Roque mas que já foram à ilha da Páscoa. São os portuenses que nunca subiram aos Clérigos, mas já dormiram no Raffles de Singapura ou sonham com o Rambagh de Jaipur.  

Há dias, porém, decifrei o mistério do surgimento destas listas. E é tão simples! Trata-se de enganar os anunciantes desses "sites". Por cada "clic" nesses monumentos ou lugares, o "site" conta um visitante. Assim, em "oitenta qualquer coisas", ao ser cada uma delas "clicada" pelo leitor, o lugar informático conta 80 visitantes. E o anunciante acredita. É simples, é barato e dá (quando dá) milhões... 

domingo, junho 05, 2016

PS

Sem surpresas, o Congresso socialista confirmou António Costa, de forma esmagadora, à frente do partido.

Se as "primárias" de 2014 tinham já revelado que uma larga maioria dos militantes lhe dava a sua confiança como candidato a primeiro-ministro, fica agora muito claro que a máquina partidária está praticamente em plena sintonia com a sua condução da complexa fórmula de governo por que optou. Com a instalação no governo, o partido passou a usufruir de tudo quanto significa a ocupação do espaço do poder, isto é, os lugares no Estado, que sempre alimentam a "bulimia" política alternativa dos aparelhos do PS e do PSD (de que o CDS foi marginal beneficiário nos últimos anos). E a "máquina" gosta...

António Costa provou que, como líder político, é, a uma grande distância, a melhor escolha que os socialistas poderiam ter feito, nesta conjuntura. Tem mostrado autoridade, excecional capacidade de negociação, mostrando grande frieza tática, nomeadamente na relação com o novo presidente da República. Tão importante como isso, revelou habilidade para caminhar no fio da navalha, adotando medidas populares de alívio da brutalidade do ajustamento, sem romper, até ver, com o essencial dos compromissos europeus.

Se as políticas que decorrem do modelo de alianças por que optou vierem a ter sucesso, Costa ganhará um lugar na história política portuguesa, e até europeia. Neste último caso, provará que havia uma alternativa à austeridade estúpida e desumana que havia sido imposta e que, afinal, era possível evitar o extremo sofrimento das pessoas, bastando para tal "esticar a corda" negocial com Bruxelas, dentro de limites de razoabilidade e bom-senso. Tenho vindo a constatar que só acha "radicais" as moderadíssimas reversões feitas pelo governo PS quem está bem na vida e não sofreu excessivamente com os tempos da "troika". Ou, então, quem está ideologicamente cego, estado de espírito por que tenho cada vez menos respeito.

Mas, com honestidade, temos de avaliar o peso do outro prato da balança. Costa não depende apenas do modo como as coisas se passarem no país. Há elementos externos que não controla e que, com facilidade, podem ter efeitos negativos nas suas "contas" internas. Porque as projeções com que arquiteou a estratégia financeira para 2016 assentam em valores que roçam os limites da plausibilidade, qualquer desequilíbrio pode ser fatal. E uma rutura provocada por um dissídio com a Europa, por muito injusta que fosse, teria consequências devastadoras para o país. E, naturalmente, também para o PS e para Costa, que sabe melhor do que ninguém que um novo resgate arrastaria os socialistas para um limbo político muito mais gravoso e prolongado do que aquele em que caiu depois da governação de Sócrates.

Duas notas mais.

A primeira para sublinhar a coragem de Francisco Assis. Pareceram-me despropositadas as entrevistas que deu antes do Congresso, que ele sabia que cairiam como "sopa no mel" na estratégia de desgaste da oposição. Não havia necessidade... Quem está no Parlamento Europeu como cabeça de lista do PS tem mais responsabilidade e não deve converter-se num fator desestabilizador do governo do partido a que pertence. Assis tem o pleno direito a dizer o que disse, porque isso representa um sentimento, embora minoritário, existente no seio dos militantes e simpatizantes. E fez bem em afirmá-lo no lugar próprio, no Congresso, o único lugar onde o deveria ter feito. Mais: tem o direito de o dizer sem ser apupado. Aliás, é irónico pensar que os que o vairam foram, com toda a probabilidade, alguns dos que aclamaram entusiasticamente António Guterres. E alguém sabe se Guterres está tão longe como isso das ideias de Assis?

Há um ponto em que Francisco Assis está, a meu ver, completamente errado. A política contemporânea na Europa aponta numa direção contrária àquela que ele propõe. Hoje, começa a ficar cada vez mais claro que a opção por um "centrão" tem um efeito nefasto sobre o sistema político, fazendo emergir, à esquerda e à direita, formações "enragées", que facilmente cobrem perigosas derivas populistas. Torna-se importante que, no "mainstream" democrático dos sistemas, possa haver lugar a reais opções, polarizadoras do eleitorado. Nos dias que correm, as alianças "ao centro" só se justificariam em cenários de emergência nacional.

A segunda nota é para constatar que a "geringonça" pode, afinal, ter "salvo" o PS. Eu explico. Ao titular, voluntariamente ou a reboque dos seus "compagnons de route", algumas medidas de uma agenda claramente de esquerda, o PS reforçou as suas credenciais nesse domínio face a um eleitorado que, nos últimos anos, se habituara, cada vez mais, a fugir para os partidos da "esquerda da esquerda" - Bloco e PCP. Colar a cara de António Costa a essa mudança ideológica, onde se inserem algumas políticas fraturantes que estavam muito longe de certos setores conservadores dentro do partido (em especial, os meios católicos), pode vir a garantir aos socialistas novos eleitores jovens de que bem precisa para construir o seu percurso de futuro. 

Enfim, um belo Congresso para António Costa. Quem diria, nos turbulento tempos de há seis meses, que tudo se passaria desta forma? Agora, resta ao PS esperar que os factos possam dar razão ao otimismo de Costa. Quando Mário Centeno voltar a usar aquele seu simpático e franco sorriso dos primeiros tempos, dormirei muito mais descansado. Ainda há dias lhe disse isso...

sábado, junho 04, 2016

D'honneur

O franceses orgulham-se muito da sua mais importante condecoração nacional, a "Légion d'honneur". A relativa raridade com que é atribuída e o facto dos respetivos graus mais elevados serem muito difíceis de atingir, tornam-na numa condecoração referencial, mesmo no plano internacional. Em França, garante as melhores mesas nos restaurantes...

A "roseta" (o botão que se usa na lapela dos fatos) da "Légion d'honneur" é idêntica a uma das mais importantes condecorações portuguesas, a Ordem Militar de Cristo, bem como a uma outra similar ordem existente na Santa Sé. Para evitar confusões (note-se que usar uma condecoração indevida é crime, em França), no século XIX os franceses determinaram ser ilegal a utilização pública no seu território daquelas duas condecorações estrangeiras

Contava-se nas Necessidades que, um dia, a um importante diplomata português foi perguntado pelo embaixador francês, numa receção, se a condecoração que ele exibia era a "Ordem Militar de Cristo". O nosso diplomata, "modesto", terá respondido: "Non! Ce n'est que la Légion d'honneur"!" (é apenas a "Légion d'honneur")

sexta-feira, junho 03, 2016

O civismo, o comodismo e o mistério das quintas-feiras

Percebo que este tema possa ser polémico e até desagradável para alguns. Todos os dias, imensos cidadãos lisboetas (não sei o que se passa noutras cidades) são confrontados, de manhã e à tarde, quando se deslocam para as suas ocupações ou delas regressam no final do trabalho, com diversas ruas da cidade atravancadas com o estacionamento, em locais não permitidos para tal, em segunda ou terceira fila, de viaturas privadas que impedem ou dificultam fortemente o trânsito. É bizarro o espetáculo de autocarros e elétricos, usados por quem não tem automóvel ou por quantos não o podem utilizar ou seguem a recomendação para o uso de transportes públicos, parados por largos minutos, com prejuízos incontáveis para quem os utiliza . Isto para já não falar das viaturas privadas, também elas limitadas arbitrariamente no seu direito de circulação. Trata-se de uma quantidade imensa de pessoas prejudicadas, atrasadas nos seus horários de vida, por esta prática diária e persistente.

Refiro-me, naturalmente, ao caótico transporte das crianças para as creches ou para outros estabelecimentos de ensino. Percebo que há uma necessidade imperiosa de se fazer a entrega e a recolha desas crianças. Mas isso tem de ser feito de forma organizada, expedita e sem prejuízo de terceiros.

Tendo todas essas escolas sido autorizadas a funcionar sem se preverem zonas para a receção de alunos que não chegam autonomamente, ou que os familiares decidem acompanhar, não seria possível esses estabelecimentos terem pessoal seu a acolher as crianças junto às viaturas ou mesmo à porta dos estabelecimentos de ensino, trazendo-as de volta à hora de saída? Não é próprio de uma cidade moderna europeia este espetáculo terceiro-mundista, vulgar em países onde a autoridade pública e a capacidade de influência deriva das clivagens económico-sociais, de ver pais e mães (e muitos avós) a mergulharem nos edifícios das escolas por longos minutos (e nós sabemos como os minutos são mais longos quando estamos com pressa), espalhando a confusão pelas ruas. Será legítimo um pai ou uma mãe ou um avô tornarem reféns da sua tarefa familiar dezenas de pessoas que seguem em transportes públicos ou privados? E por que razão a Carris não atua ao ver os seus utentes diariamente prejudicados? E o ACP? Só lhe interessam as velocidades e os parkings? Ou será que os associados (como eu sou) também fazem parte desses prevaricadores diários?

Repito. Sei que este comentário não é consensual. Sei que as autoridades policiais, tratando-se de quem se trata (pais, colégios, interesses), não "mexem uma palha". Mas poderiam fazê-lo, se assim quisessem? Claro que sim e a prova provada é que, às quintas-feiras, junto ao colégio dos Salesianos, perto dos Prazeres, uma das "no-go areas" da Lisboa matinal, o trânsito flui com rapidez. Mistério? Não, é porque, por ali perto, há, nesse dia, Conselho de Ministros...

Jorge Cabral

Por deliberada opção, este blogue muito raramente assinala nomeações feitas dentro da nossa carreira diplomática. Porquê? Porque sendo isso uma rotina constante do Ministério dos Negócios Estrangeiros, se acaso fosse esse o caminho, e conhecendo eu ainda muita gente por aquela casa, este espaço tornar-se ia numa espécie de "gazeta dos claustros". Tempos houve em que o Carlos Albino, no "Notas Verbais", fazia isso, no seu inconfundível estilo. No meu caso, não fui por aí.

Abro hoje uma exceção para assinalar o que me parece ser a excelente escolha feita pelo ministro Santos Silva, como novo representante português no Brasil. Por razões afetivas, o Brasil interessa-me bastante. Ainda ontem estive, com o embaixador brasileiro em Lisboa, Mário Vilalva, a falar sobre as relações luso-brasileiras, quando ambos apresentámos um livro de Leonor Xavier que tem esse tema no seu centro. 

Jorge Cabral, o nome indicado, é um diplomata da nova geração que tem vindo a fazer uma sólida carreira, tendo desempenhado sucessivamente, com grande qualidade profissional, o cargo de embaixador em dois postos difíceis e delicados - Teerão e Ancara. Conheço-o desde que entrou para o MNE e sempre apreciei nele a seriedade e o rigor profissionais, servidos por um grande bom-senso, indispensável qualidade num diplomata. Espero que tenha a sorte que merece, num tempo brasileiro muito exigente, de mudança mas também naturalmente de esperança. Jorge Cabral vai substituir aquele que foi, segundo todos os testemunhos que me chegam, um dos melhores embaixadores que Portugal teve em Brasília, Francisco Ribeiro Telles. É mais um desafio que tem perante si.

Tenho muita pena que António Pinto da França não esteja vivo nos dias de hoje. Posso imaginar o divertido que seria uma inevitável conversa nossa com o Jorge sobre esse país fascinante que, como disse um dia António Carlos Jobim, "não é para principiantes".

Notícias de Paris



Como europeu, e olhando a História, tenho a difusa perceção de que, no dia em que a França colapsar como país atuante no centro do processo integrador, este entrará rapidamente em desagregação.
Independentemente da sua singularidade dentro da União Europeia, da leitura egoísta que sempre fez do interesse comum, a França continua a ser o ponto referencial que liga a Alemanha ao sul do continente e do próprio Mediterrâneo. Além disso, Paris faz uma articulação particular com Londres, como únicos poderes militares relevantes dentro da União, ambos com um estatuto privilegiado no Conselho de Segurança da ONU.
Não sei se a França é a “chave” da Europa, mas a experiência faz-me cada vez mais pensar que sim.
Conheço poucas sociedades mais arreigadamente conservadoras do que a francesa. Por detrás da modernidade de muitas das suas ideias magníficas, há por ali um imobilismo institucional atávico que a torna extremamente refratária à mudança. Sendo o país da União com maior gasto público face ao PIB, a França alimenta um Estado pletórico, com que Esquerda e Direita vivem confortavelmente. Saber se isso é compatível com os seus níveis de prosperidade e de competitividade não parece ser uma uma preocupação coletiva relevante.  
Desde há uns anos que se pressente que a França vive sobre um vulcão. O modelo de integração étnico-social falhou, a ausência de um “terreno” de cidadania comum aos seus cidadãos de origens diversas é cada vez mais evidente, os medos e as tensões económico-sociais sobem exponencialmente. Basta passear por Marselha ou por algumas “banlieues” de grandes cidades para disso se ter uma ideia clara.
A direita democrática francesa não consegue construir uma narrativa de projeto totalmente despoluída dos fatores que facilitam o proselitismo da extrema-direita. Pelo contrário, o oportunismo fê-la recuar dos seus reflexos republicanos históricos.
Por seu turno, a esquerda democrática parece esquizofrénica, com um setor a dar ares de ter sido raptado por um súbito discurso neo-liberal, enquanto outro persiste nalguns clichés de um socialismo datado. O PS francês, por ausência de um projeto realista, corre hoje riscos sérios de fratura.
A forte clivagem social e os medos securitários, agravados pelo terrorismo e pelas migrações, tornam a opção pela extrema-direita - agora já sem o custo das diatribes inaceitáveis de Jean-Marie Le Pen - cada vez mais apelativa, limitada apenas pelo bizarro sistema de representação parlamentar (apenas 3 deputados do “Front National” num total de 577, com bem mais de 20% de votos).
Finalmente, a “esquerda da esquerda”, que tem mais rua que votos, recomenda aos sindicatos que sigam o slogan de há quase meio século: “sejam realistas, peçam o impossível!”
Aguardemos.

quinta-feira, junho 02, 2016

Brasil


Ou quem me informou está muito enganado ou o dia de hoje (ou amanhã) pode ser muito curioso no Brasil.

Eva Gaspar

António Costa, numa intervenção parlamentar, citou indevidamente, de forma crítica, o nome da jornalista Eva Gaspar, do "Jornal de Negócios", confundindo-a com uma antiga assessora de Passos Coelho. É sempre recomendável que os políticos sejam muito rigorosos neste tipo de referências pessoais, porque os erros denunciam ligeirezas que se não podem ter nesses cargos.

Imagino que António Costa não goste do que Eva Gaspar tem vindo a escrever nos últimos anos. Nisso, estou 100% de acordo com ele. Discordo de Eva Gaspar no modo como ela avalia o programa de ajustamento e o pessoal que por cá o titulou, tive sempre uma perspetiva muito diferente da dela no tocante ao caso grego, estamos em completa divergência sobre a situação do Brasil e, "last but not least", não concordo mesmo nada com o modo como "lê" o atual governo e as políticas que este segue. É a vida!

Dito isto, quero deixar claro que considero Eva Gaspar, que conheço há mais de 20 anos e de quem ("disclaimer"!) sou amigo, uma jornalista "de mão cheia", preparada, estudiosa, frontal e de grande qualidade. O seu conhecimento das questões europeias é vasto e profundo. O facto de, nos dias que correm, eu e a Eva andarmos muitos distantes nas ideias, não diminui em nada a consideração profissional que tenho por ela. E ela sabe isso! Aproveite bem a folga amanhã, Eva!

Citações e frases

Nem se imagina a quantidade de livros com citações ou frases de "famosos" que encontrei, neste acalorado final de tarde, na Feira do Livro.

Quem lerá essas coisas? Penso que ninguém. Quem compra livros de citações e frases é quem não lê livros mas tem estantes com livros.

quarta-feira, junho 01, 2016

Um país Wall Street?


Por opção pessoal, não sou nem nunca serei proprietário de nenhumas ações. Nem sou detentor de nenhumas obrigações. Contudo, porque trabalho em empresas, interessam-me bastante os movimentos das bolsas, que consulto diariamente na internet, logo de manhã, e às vezes acompanho ao longo do dia, por motivos profissionais.

Quantas pessoas partilharão comigo este interesse pelas bolsas, em Portugal? Escassíssimos milhares, estou seguro. A esmagadora maioria dos portugueses não é proprietária nem lhe interessam os humores dos mercados de ações em bolsa. E, os que o são, consultam os seus movimentos, com maior rigor e "às décimas", na internet ou na imprensa.

Digo isto para estranhar as horas que, quer as rádios quer as televisões, perdem todos os dias com os "diretos" ou com informações dos "especialistas" das bolsas. Desde logo, os humores das bolsas estrangeiras, Que interesse tem, para a imensa maioria dos ouvintes ou telespetadores televisivos portugueses, saber se o Nikkei ou Singapura abriram em baixa ou se o CAC 40 está "ligeiramente no verde" contrariamente a Frankfurt? Praticamente ninguém sabe o que isso é, nem mesmo o que significa o lusitano PSI 20! Ou alguém acredita que um verdadeiro investidor português está à espera de ouvir o que uma rádio diga sobre as cotadas portuguesas para ir vender ou comprar ações?

Há aqui uma imenso embuste, para encher programas a custo baixo, que alimenta um número indeterminado de jornalistas, pagos para recolher informações só úteis para uma ultraminoria, mas que fazem perder tempo a uma grande maioria dos portugueses nos notíciários que nos impingem.

Façam um teste: perguntem ao vossos amigos se o modo como a bolsa de Milão ontem fechou lhes interessa...  

O esquecimento


O embaixador José Luis Archer é uma figura histórica do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Secretário-geral da casa, sobre ele contam-se diversas histórias. Ontem ouvi uma a que achei graça.

Um dia, o chefe de Estado de um determinado país visitava Lisboa. Os serviços de protocolo de Portugal e desse Estado "negociaram", como é de regra, a lista dos agraciados com condecorações de ambos os países, que é costume trocar nessas ocasiões, envolvendo figuras com cargos em ambas as administrações. Os serviços desse país informaram que, ao secretário-geral do MNE, seria atribuído o grau de "grande oficial" de uma determinada Ordem desse país. Archer (como é designado na memória da Carreira) fez saber que não aceitaria ser condecorado abaixo de uma "grã-cruz". E, à luz dos ditâmes do protocolo, tinha toda a razão.

(Para quem não saiba, e por regra, todas as condecorações têm cinco graus, em crescendo de importância: cavaleiro/dama, oficial, comendador, grande-oficial e grã-cruz).

Archer não se pôde furtar ao jantar oficial dado na embaixada desse país em Lisboa. As condecorações não foram impostas na ocasião mas, a certo passo, as respetivas caixas foram discretamente entregues aos agraciados que estava presentes no jantar.

No dia seguinte, a embaixada telefonou para o MNE informando que, seguramente por lapso, a condecoração do secretário-geral tinha ficado esquecida sobre um móvel da residência.

A resposta da pessoa que, no gabinete de José Luís Archer, atendeu a chamada ficou nos anais: "O senhor embaixador é uma pessoa já com uma certa idade, mas nunca se esquece de nada..." 

Leonor Xavier


Com o embaixador do Brasil em Portugal, Mário Vilalva, estarei no El Corte Inglês de Lisboa, na quinta-feira, dia 2 de junho, no Restaurante, no piso 7, para apresentar o livro "Portugueses do Brasil & Brasileiros de Portugal", de Leonor Xavier.

Aqui fica uma sinopse do livro, preparada pela autora: "Acreditei e já perdi a fantasia de uma nação luso-brasileira de espírito, à qual todos os que tivemos a sorte de experimentar os dois países pudéssemos pertencer. Por essa fantasia, vivi anos a escrever sobre Portugal no Brasil e sobre o Brasil em Portugal. Neste livro, alinhado por ordem alfabética, são os nomes de batismo a formar a sequência dos entrevistados. Porque é a vida privada que vou espreitando através do discurso direto, e a primeira pessoa do singular que tento guardar intacta no texto. E o desvio da formalidade pa...ra a linguagem coloquial, com as suas entoações, as suas perplexidades, as suas incursões no passado, os seus momentos de emoção."

terça-feira, maio 31, 2016

Trabalho de casa

Nos últimos anos, os portugueses têm vindo a criar o sentimento de que a capacidade de gerirem o seu próprio destino está cada vez mais limitada. Se durante algum tempo acreditavam que a sua soberania era partilhada com a de outros, no quadro europeu, hoje estão já maioritariamente convictos de que essa autodeterminação, naquilo que lhes é essencial, já quase desapareceu. Quando olham para os “diktats” que lhes surgem de Bruxelas ou de Frankfurt, embora suspeitando que, na realidade vêm de Berlim, muitos dos nossos concidadãos assumem já uma atitude fatalista, às vezes fermentando uma raiva que, cedo ou tarde, acabará por alimentar um euroceticismo com inevitáveis consequências políticas.

Há qualquer coisa de “colonial” neste sentimento de resignação, a ideia de que se vive sob uma imparável e irreversível tutela externa. Um dia, os nossos agentes políticos irão entender que parte do seu atual desprestígio perante os cidadãos deriva da crescente perda de legitimidade que essa dependência externa induz na sua imagem - isto é, de que serve elegê-los, se são outros quem dita as regras? O período da “troika” agravou muito esta perceção e, mais recentemente, o saldo das crises bancárias e as fortes limitações externas impostas a um governo que procura testar alguns caminhos diferentes também tem ajudado a sedimentar essa ideia. 

De um certo modo, embora isso possa parecer estranho a quem me lê, esta noção de que fomos desapossados do poder e da soberania induz alguma “preguiça”. Eu explico. Se é “de fora” que chega o quadro normativo em que nos movimentamos, se é daí que emanam as “ordens” que nos condicionam, se a Europa exerce o seu poder fiscalizador como a ASAE atua num restaurante, então, pensarão muitos, para quê fazer mais do que isso? Bastará ir cumprindo aquilo que nos ditam e os dias irão correndo.

Ora a realidade é que essa abulia cívica é não só o caminho inexorável para a estagnação como traz consequências muito deletérias quanto à capacidade do país recuperar alguma da margem de manobra perdida e, pouco a pouco, reganhar espaço no terreno exterior. E digo isto independentemente do destino da atual solução governativa.

O que aí virá na vida europeia, as novas tensões que estão a abalar realidades que julgávamos quase perenes na nossa ideia do futuro, os novos equilíbrios que a relação da Europa com os EUA – qualquer que seja o futuro do TTIP – vai provocar, num contexto de agravamento que tenho por expectável na relação ocidental com a Rússia, tudo isso deve obrigar a que coloquemos algumas questões a nós próprios. São perguntas cujas respostas não nos torna independentes dos outros, mas que podem ajudar-nos e voltar a intervir de forma mais decisiva nos destino do país que é o nosso.

Desde logo, sobre o grau do nosso envolvimento no projeto europeu. Pretendemos prosseguir um integracionismo “à outrance”, que tem sido a nossa opção, ou é nossa intenção reservar algumas margens de soberania, aproveitando a crescente deriva para uma integração diferenciada que parece poder marcar o processo europeu futuro?

Ainda neste quadro, optamos por manter a “aliança” com Berlim, que tem sido a linha nunca interrompida desde antes da nossa adesão, ou encaramos a possibilidade de reforçar uma linha “sulista”, sob uma possível liderança francesa, esgotada que esteja, por impotência de Paris, a preservação do “eixo” com Berlim? Nesse cenário, que corresponderia à fixação de uma linha divisória entre o Norte e o Sul da Europa, teríamos de estar preparados para as consequências dessa opção na atual unidade do euro.

E se o Reino Unido sair da União, o que não espero nem desejo? E se ficar, reforçando as suas “exclusões”, eventualmente polarizando outros Estados onde as reticências a Bruxelas só têm condições de prosperar? Continuamos o nosso atual tropismo de “fingir de Benelux” ou, num choque de realismo, sentindo que não basta voluntarismo para sustentar políticas que dependem da capacidade económica, optamos por uma maior diferenciação na adesão às política, mais ponderada e menos automática?

E o Atlântico em tudo isto? E se enveredarmos pela preservação da nossa riqueza marítima, retirando-a da tutela europeia em que, lentamente, parece diluir-se? Que parceiros podemos convocar, autonomamente, para esta aventura? 

Há muito trabalho de casa que necessita de ser feito. E, sem ele, nada feito.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios", na sua edição especial de 13º aniversário, com outros 38 convidados)

A vingança de um transmontano


Estávamos no belo e espaçoso jardim em volta daquela nossa embaixada, num país da África Oriental. Recordo-me de estar a beber um Pimm's, a bebida mais adequada para o cenário pós-britânico em que nos encontrávamos, nesse final de tarde, com uma temperatura deliciosa, descansando depois de muitas horas de "jeep" a atravessar um deserto, vindos de outro país, onde havíamos participado numa reunião internacional.

O embaixador português e a sua mulher, pessoas muito agradáveis e educadas, haviam insistido para que parte da delegação que acompanhava o membro do governo português ficasse instalada com ele na residência, fugindo ao ambiente inóspito do hotel.

A conversa ia boa e solta. Já não sei bem porquê, falou-se de música e, de repente, dei comigo a elaborar, de forma muito crítica, sobre as letras das canções de alguns dos mais conhecidos intérpretes da nossa praça, atacando o seu sentido "popularucho" e a sua frequente deriva para o facilitismo. O meu discurso aproximava-se, a passos largos, do inevitável "name-dropping" quando comecei a notar, na cara do meu colega António Monteiro, uns esgares um tanto estranhos, que não me pareciam derivados do sabor do Pimm's. Outro diplomata presente, o João Salgueiro, fazia-me sinais crípticos. O Manuel Lopes da Costa, sempre imperial na sua barba branca, arregalava-me os olhos. Só o membro do governo se mantinha, como o estatuto porventura exigia, numa serena e impenetrável impassibilidade. O embaixador, esse, sorria.

Foi então que a embaixatriz, delicada e inteligente, com um tato superior, atalhou: "Você tem toda a razão. Esses cantores e compositores, às vezes, vão por caminhos um tanto ridículos. Tenho avisado disso, para que procure evitar esses erros, o meu irmão, o José Cid. Acha que ele caiu nesse pecadilho?".

Escondi-me atrás da palhinha do Pimm's, porque, infelizmente, aquele imenso jardim não tinha um buraco para eu me meter...

(a propósito da atualidade, apeteceu-me repetir isto)

segunda-feira, maio 30, 2016

Blues

Respondi-lhe com rispidez. Nem sei bem porquê. Ou melhor, sei. Ele estava a merecê-las e, às vezes, falar pelo telefone ajuda, evita as coreografias e protege-nos das fraquezas. Mas acho que fui um pouco longe demais. Ele, do lado de lá, "encolheu-se". Eu, deste lado, arrependi-me. Às tantas, o meu estado de espírito tem a ver com o facto de ter dormido mal na noite passada. Eu tinha acordado "aos "solavancos", achei que o despertador já tinha tocado e, afinal, faltavam quase duas horas. Fiquei furioso com essas horas perdidas, porque muito poucas já eram as de sono. Andei o dia todo irritado, o que acho que não é muito de mim ("Tu é que tens a mania de que tens bom feitio!", disse-me um dia uma amiga, acrescentando: "Não te vês!"). A única "coisa boa" do dia foi uma espantosa frase ouvida a alguém numa reunião, logo de manhã, numa reação a um comentário de outrem: "eu não sei do que estás a falar, mas não me parece que estejas a dizer coisas certas".

Portugal no mundo nos próximos 20 anos"


No âmbito da "Semana da Investigação" do ISCTE, estarei amanhã, dia 31, 3ª feira, pelas 17.30 h, numa mesa redonda (Edifício II, Auditório B203) sobre o tema "Portugal no mundo nos próximos 20 anos" com João Vieira Borges, General, José Manuel Felix Ribeiro, Economista, Ana Mónica Fonseca, Investigadora universitária, e Sando Mendonça, investigador universitário. A moderação estará a cargo de José Paulo Esperança. diretor da ISCTE Business School

União Bancária

Um "grupo de reflexão" de que faço parte com, sete amigos, preparou um documento sobre "Portugal e a União Bancária", que surgiu no "Público", na sexta-feira, dia 27 de maio.

É um texto algo longo, mas trata-se de um tema em que é importante refletir, pelas consequências que acarreta para o país, como o recente caso do Banif o prova.

Pode consultar esse e outros textos do grupo aqui.

domingo, maio 29, 2016

Histórias


Estou a meio de um " calhamaço" de capa dura, com quase 600 páginas, escrito por Maria de Fátima Bonifácio sobre António Barreto, um misto de conversa e leitura do pensamento do sociólogo.

Sinto pena pelo facto de uma historiadora de valia como é aquela autora, que nos deixou retratos muito interessantes sobre o século XIX, se deixe cair num discurso ideologicamente enviezado, numa espécie de ajuste de contas com quem não pensa como ela, denegrindo tudo quanto possa relacionar-se com a esquerda, caricaturando ideias, amesquinhando uns e promovendo outros. Até um elogio ao "Observador" se permitiu no livro...

Maria de Fátima Bonifácio é apenas um triste exemplo, entre outros, de uma deriva da nossa historiografia contemporânea, raptada nos dias de hoje por agendas ideológicas muito marcadas - não apenas à direita mas igualmente à esquerda, que fique claro!

Posso estar equivocado, mas creio que é o facto dos historiadores andarem por aí afadigados a comentar o presente que lhes retira muita da distância crítica necessária para uma abordagem científica e equilibrada do passado, em especial do mais recente. 

sábado, maio 28, 2016

Cantona


Éric Cantona continua a ser uma lenda no Manchester United, que Mourinho vai agora treinar. Fez por lá exibições memoráveis, vestindo a mítica camisola 7. Também ali protagonizou uma cena que ficou na história do pior futebol: uma entrada violenta, a pontapé, sobre um adepto da equipa adversária que estava sentado numa bancada e que o terá provocado. Nada que fosse inconforme com o seu feitio brigão e indisciplinado. Suspenso, afastado da seleção, arrumou as botas há já quase duas décadas.

Em Paris, via-o com alguma frequência na Stella, a "brasserie" preferida do nosso novo ministro da Cultura. Há semanas, cruzei-me com Cantona num avião da TAP, a caminho de Lisboa. Pensei que viesse em férias. Acabo de ler que vive em Lisboa.

"Soyez le bienvenu, M. Cantona"! Mas nada de zaragatas, está bem?  

Um país frágil


Portugal atravessa, com grande probabilidade, um dos momentos em que a capacidade autónoma para decidir o seu futuro está mais limitada. Esta posição resultou de opções institucionais, bem como da evolução de conjunturas que não conseguimos nem controlar nem influenciar de forma minimamente eficaz. As partilhas de soberania que concedemos no passado, não só na União Europeia, foram feitas no pressuposto das vantagens decorrentes da pertença a essas instituições, mas igualmente na convicção de que conseguiríamos intervir na sua gestão. Ora isso, na prática, não acontece.
Por um variado conjunto de razões, o nosso país não tem hoje um mínimo de influência significativa em instâncias onde, sob uma vontade maioritária que não nos representa, são ditadas regras que condicionam quase em absoluto o nosso quotidiano.
A nossa posição face a Bruxelas/Frankfurt (leia-se, muitas vezes, Berlim) é de permanente “demandeur”. Somos dialogantes porque aprendemos as lições gregas, usamos a voz para nos não confundirmos com o triste Portugal, “atento, venerador e obrigado”, de um passado recente. Testamos identidades com quem possa ter agendas pontualmente coincidentes com a nossa, embora ironicamente cada um persista em mostrar-se “diferente” do outro, mas estamos ainda longe de conseguir gerar plataformas com real eficácia.
Na prática, por estes dias, apenas somos responsáveis pelos nossos erros. O que vier a correr bem, na Europa e no mundo, pode vir a beneficiar-nos, mas temos uma imensa exposição a tudo quanto possa vir a desregrar-se no exterior. Chama-se a isto ser um país frágil.
“Fechamos para obras”? Não. Já aqui andamos há quase 900 anos e atravessámos crises bem piores, até existenciais, convém lembrar aos mais tremendistas. Na História, todos os becos têm saídas, só que, às vezes, não são as mais felizes.
Portugal vive hoje no fio da navalha orçamental, tendo de esperar que a “lei de Murphy” não se lhe aplique – o que pode correr mal, corre mal. Devo dizer que, não tendo sido um entusiasta desta solução governativa, cujos riscos continuo a achar elevados, tenho hoje uma imensa admiração pelo trabalho que António Costa está a desenvolver. Acho notável o seu esforço patriótico de tentar aliviar marginalmente o sofrimento provocado por políticas que agravaram a pobreza e o desemprego.
Sempre entendi que a leitura comparada dos resultados previstos no “MoU” da Troika com as estatísticas reais devia ser obrigatória no Eurogrupo e em algumas faculdades de Economia que por aí se titulam em inglês. Só uma cegueira de burocratas europeus e de académicos obstinados em ter a razão dos números contra as pessoas é que parece não entender o que podem significar algumas décimas temporárias de flexibilidade, com efeitos na sustentabilidade de políticas públicas de um país sem “safety nets” para os mais carenciados, cuja evolução macroeconómica – seja ela qual for! - nunca afetará minimamente a estabilidade do euro.
O que se passa entre Portugal e as instâncias europeias não é uma querela económico-financeira, como muitos querem fazer crer, é uma questão puramente política. E é assim que deve ser tratada.
Não sei como isto irá acabar. Veremos se o acordo grego apazigua os mercados, se a irresponsabilidade do referendo de Cameron nos não sai cara a todos. E, claro, se Trump vier por aí, então o caso muda de figura e não vão chegar os coletes salva-vidas.
(Artigo que ontem publiquei no "Jornal de Negócios")

Confesso os figos

Ontem, uma prima ofereceu-me duas sacas de figos secos. Não lhes digo quantos já comi. Há poucas coisas no mundo gustativo de que eu goste m...