terça-feira, setembro 30, 2014

Alpoim Calvão

Morreu Alpoim Calvão. No dia 25 de abril de 1974, foi a sua estranha e nunca bem explicada deslocação matinal às instalações da Direção Geral de Segurança (ex-PIDE), na rua António Maria Cardoso, que deu alento aos respetivos agentes, os levou a optar pela resistência e permitiu que tivessem tempo para destruir importante documentação. Mais tarde, Calvão viria a ser um dos mais decisivos operacionais do MDLP, o movimento com que Spínola pretendeu reverter o curso do processo político e que ficou ligado a vários atentados, alguns mortais, no norte do país. O momento da desaparição de Alpoim Calvão não pode branquear este seu passado.

Alpoim Calvão havia sido, ao tempo da guerra colonial, um militar valoroso, titular da mais alta condecoração portuguesa, a Torre e Espada, sendo, até hoje, o mais condecorado militar da Armada portuguesa. A sua coragem era lendária e, em alguns meios, era conhecido como o "007 português". Em 1970, comandou a chamada "Operação Mar Verde", um golpe de mão ordenado por Spínola, dentro da República da Guiné, que tinha como objetivo central prender Amílcar Cabral. A ação provocou morte e destruição em Conacri, não cumpriu o objetivo essencial* e transformou-se num imenso embaraço para as autoridades portuguesas.

Soube agora que Alpoim Calvão escreveu três livros. O único que li, "De Conacry ao MDLP", é um relato essencial, pelo que diz e pelo que deixa implícito, para se entender melhor o ambiente do desastre colonial e uma certa perspetiva do período revolucionário.

* Em tempo: relevo um erro. Com efeito, o objetivo de libertar prisioneiros portugueses que estavam nas mãos do PAIGC foi plenamente atingido na operação.

Brasil

Qual dos candidatos às eleições presidenciais brasileiras poderá, à partida, ser mais favorável aos interesses que a Portugal compete defender nas suas relações com aquele país? A recondução de Dilma Roussef será preferível à hipótese de eleição de Marina Silva ou à escolha, agora cada vez mais improvável, de Aécio Neves? Este exercício é apenas teórico, porquanto o bom senso recomenda que não nos imiscuamos numa compita que, sendo profundamente democrática, terá como resultante final a vontade  de um país que, em qualquer circunstância, permanecerá no quadro da nossa atenção próxima.
 
Mas nem sempre foi assim. Durante muitos anos, a vida política interna brasileira, podendo ocupar o interesse de alguns, estava longe de constituir, entre nós, um motivo para a mobilização de opiniões. A razão por que isso mudou é interessante de ser observada.
 
Data de há cerca de duas décadas o início de um novo ciclo de intensificação das relações entre Portugal e o Brasil. No plano económico, radica na presença de capitais portugueses no processo brasileiro de privatizações. A partir daí, verifica-se também uma crescente retoma dos fluxos comerciais bilaterais. No mesmo sentido, uma "moda" brasileira instalou-se, por algum tempo, nos hábitos turísticos portugueses.
 
Depois, foram as pessoas. Portugal encheu-se de um Brasil indiferenciado, em busca de trabalho, que nos trouxe um país que as imagens das novelas nos tinha levado a pensar que conhecíamos. Uma efémera afloração de riqueza encheu entretanto de portugueses o Nordeste brasileiro, com outros a acreditarem que pelo Brasil podiam encontrar o "ouro" nos negócios fáceis. Nessas aventuras de um lado e de outro, houve coisas que correram bem, outras nem por isso. Passámos a entender melhor as nossas qualidades e os nossos defeitos mútuos. Caímos "na real", como se diz no Brasil.
 
Na política, muito dependeu sempre do modo como os dirigentes de ambos os lados se articularam. Historicamente, havia sido nos conservadores brasileiros que Portugal podia contar com os seus maiores amigos. Mas iria ser Lula da Silva, homem oriundo de outro setor, a revelar-se o nosso mais sólido apoio e a concretizar gestos de grande afetividade por nós. Daí decorreu, por exemplo, um impulso importante para o interesse empresarial brasileiro por Portugal ou um estímulo à ação da TAP, que hoje nos enche o país de turistas a falar a língua do gerúndio.
 
Mas, não nos iludamos, há muitos problemas que subsistem. Com África de permeio e a Europa em fundo, demos já passos interessantes para um melhor trabalho em conjunto, nomeadamente em torno da língua que nos junta. Mas a CPLP titubeia pela dificuldade de acomodar o gigantismo brasileiro numa estrutura luso-centrada.

Por tudo isso, não nos é indiferente quem venha a titular a voz do Brasil nos próximos tempos. Temos um candidato? Claro que sim. O nosso candidato é aquele que confira mais estabilidade, que lhe induza maior crescimento e bem-estar e que seja capaz de garantir um reforço do estatuto internacional do país. Esse é o candidato que nos interessa. Deixamos que sejam os brasileiros a escolhê-lo.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

segunda-feira, setembro 29, 2014

O Butão

Na passada sexta-feira, num colóquio em que participei, alguém referiu, a título caricatural de exemplo, as "nossas relações com o Butão".

Pude então esclarecer, também por curiosidade, que o reino do Butão continua a ser - se não estou errado - o único país membro das Nações Unidas com o qual Portugal não mantém relações diplomáticas, com a possibilidade de aí acreditar um embaixador sediado noutra capital. Porquê? Porque o Butão tem uma política muito restritiva nesse domínio, como eu próprio tive ocasião de constatar quando, sobre o assunto, desenvolvi diligências ao tempo em que trabalhava junto da ONU. Talvez os leitores deste blogue que exerceram e exercem funções como embaixadores em Nova Deli (que seria a embaixada acreditada no Butão) possam deixar, nos comentários, uma melhor explicação sobre estas reticências butanesas.

Mas a que propósito vem hoje isto? Muito simplesmente pelo facto de ontem este blogue ter tido, pela primeira vez na sua modesta história, um visitante do Butão (ver à direita, no "Flagcounter"). Seria um acaso informático ou terá sido a minha amiga Cláudia Estrela, uma arquiteta brasileira que visita às vezes o Butão, que deu um ar da sua graça? De qualquer forma, bem vindo, leitor/a do Butão!

Para que tudo fique claro

Deixo aqui esta pérola, "roubada" ao Facebook do Paulo Dentinho. Tudo fica assim mais claro, não é?

Uma grande vitória

A vitória expressiva de António Costa nas eleições primárias do PS provou, à evidência, que existia um divórcio acentuado entre o "povo socialista" e a liderança cessante do partido. E que a decisão de lançar um repto a António José Seguro, longe de constituir um gesto de deslealdade de Costa, como Seguro argumentava, constituiu para ele um imperativo, em face de um grande movimento de opinião que a tal o impulsionou. Ficou assim muito claro que o modo como António José Seguro protagonizou a oposição ao governo não estava a agradar a uma grande maioria, não apenas de militantes, mas igualmente da massa eleitoral que usualmente se congrega à volta do PS. E que a figura de António Costa representa hoje, aos olhos desses cidadãos, uma nova e muito concreta esperança. O que significa também que, a cerca de um ano das eleições legislativas, o PS escolhe uma liderança que está em forte sintonia com a sua tradicional base de apoio. E isso não é indiferente para garantir uma boa mobilização para 2015.

O facto da vitória de António Costa assentar numa expressão numérica tão flagrante tem, por outro lado, a virtualidade de desfazer a ideia de que o PS fica, depois deste processo, um partido "dividido ao meio", como muitos auguravam. Pelo contrário, creio que o PS, através da mobilização obtida nestas eleições, pode vir a conseguir transformar o seu próximo Congresso numa grande alavanca política, capaz gerar um movimento forte de oposição ao governo, que hoje não tem a menor razão para estar a passar uma noite tranquila. Julgo mesmo que a "novidade" Costa tem, aliás, melhores condições para reunificar o PS do que teria sido uma mera solução de continuidade, no caso de uma eventual vitória de Seguro.

António José Seguro, que, a meu ver, não esteve bem nos debates e na condução da campanha, como ontem aqui assinalei, saiu com dignidade, cumprindo com o que tinha dito. E pode levar consigo a consciência de que, ao impor as eleições primárias, introduziu na vida política portuguesa uma nova - e, no futuro, provavelmente incontornável - forma de auscultar a vontade do eleitorado. As eleições primárias têm um "preço", pelo ambiente de tensão que induzem na máquina política e por alguma fragilização que trazem ao quotidiano do partido, debilitante da sua função de oposição, durante um tempo demasiado largo. Mas a legitimidade do líder que delas emerge é muito maior do que a que resultaria de um simples processo decisório interno.

António Costa saiu do exercício de ontem muito mais forte do que se tivesse, simplesmente, sido eleito num Congresso. Essa seria uma razão mais que o deveria ter levado, no seu discurso de vitória, a ter a generosidade de uma palavra simples para com o seu adversário, para com António José Seguro, como é da praxe e como Seguro, aliás, não deixou de fazer. Há coisas de que "não há necessidade"...

domingo, setembro 28, 2014

Caro António José Seguro

Escrevo-lhe no dia das eleições primárias do PS.

Recordo bem as conversas que fomos tendo ao longo de meses, o estímulo que dei para o seu esforço em construir uma oposição, simultaneamente eficaz e responsável, à triste governação que nos saiu em rifa. Tenho presente a confiança que em mim colocou, ao ter-me formulado honrosos convites, que nunca pude aceitar, com exceção da pontual colaboração na dimensão europeia do "Novo Rumo", uma iniciativa em que tive uma grande honra em participar e de cujo resultado me orgulho. Pela razão que sempre lhe disse: estou, em definitivo, indisponível para qualquer atividade política ativa. E esse é também o motivo pelo qual, com total liberdade, posso hoje dizer abertamente o que penso.
 
Desde logo, quero deixar claro que a sua tarefa, ao longo destes mais de três anos, foi sempre muito difícil. Você fez opções corajosas, com o objetivo de credibilizar a imagem internacional do PS, ao não obstaculizar o orçamento de 2012 e ao votar favoravelmente o Tratado Orçamental. Nenhum líder socialista responsável teria procedido de forma diferente, tenho absoluta certeza. E foi você, na solidão do lugar onde se encontrava, que teve de tomar a decisão. E fê-lo da forma certa, por muito que agora, com a comodidade da distância, alguns achem que isso não deveria ter sido feito. 
 
O seu espaço de manobra, ao longo de todo esse tempo, com um presidente da República que agora se revela em pleno, foi sempre muito reduzido: caminhar entre um "memorando" que o país político tinha aceite maioritariamente a contragosto, sob um estado de necessidade, e um governo que, dia após dia, surgia incensado por Merkel & quejandos, numa espiral de elogios que parecia diretamente proporcional ao desastre que ia provocando no país. Dir-se-á que, aqui ou ali, poderia ter procedido de forma diferente: talvez, mas você não era um líder populista, lesto a cavalgar "a rua", e tinha a estrita obrigação de cuidar a imagem histórica de responsabilidade do partido que o escolheu. E isso de se dizer que você comprou cedo a "narrativa" do governo sobre a crise é muito fácil de afirmar agora, num tempo em que as pessoas parece já terem esquecido o ambiente político-mediático, cá dentro e lá fora, sob o qual Portugal vivia. A memória é curta, meu caro.  
 
Mas nem só fora do PS estiveram as suas dificuldades. Estavam também no seio do grupo parlamentar socialista, onde você nunca pôde contar com um núcleo importante de deputados, que sempre o combateram. Por três razões: alguns porque nunca aceitaram a sua vitória e não se subordinaram democraticamente à sua liderança, outros porque você não se soube mostrar solidário com muitos aspetos positivos da governação socialista anterior (um importante erro seu!) e, finalmente, com outros que você decidiu não cooptar para a ação política de primeira linha (e fez mal!). Hoje, toda essa gente está com António Costa, alguns deles, há que dizê-lo, por terem entretanto percebido que você lhes não renovaria o mandato em 2015. Houve, de facto, muito sectarismo dentro do PS, mas você, meu caro António José Seguro, também não está isento de culpas nesse domínio. 
 
O PS, consigo, ganhou duas eleições? É verdade. Mas, sejamos francos, nas recentes europeias, o resultado conseguido ficou muito aquém daquilo que seria expectável que o principal partido da oposição pudesse ter conseguido, perante um descalabro da (antiga) maioria e um sentimento de revolta e desânimo que atravessa o país. A distância virtual entre o resultado obtido pelo PS e aquele que se pode computar ao PSD no seio da coligação é quase de 10 pontos? Também é verdade. Só que 72% dos eleitores mostraram o seu desagrado com a ação do governo e, dentre esses, o PS só conseguiu representar 32%. Isto é, 40% do país revoltado escapou-lhe de mão. E isto é um facto, mesmo com a atenuante da especificidade das europeias (mas, se formos por esse caminho, também o resultado das autárquicas pode ser lido como uma opção personalizada pelos candidatos e não uma ação virtuosa do PS central).
 
Como eu, com toda a franqueza, lhe referi logo após as eleições, muitos socialistas (e muita gente que vota PS) não se reviram no seu deslocado discurso da noite eleitoral. Foi um mau resultado e, como também então lhe disse, esse resultado e a forma como você o interpretou abriram o caminho natural à candidatura de António Costa. Não tem qualquer sentido você insistir em dizer que foi uma deslealdade o surgimento desse desafio: foi a resposta polarizadora de um sentimento que atravessava muita gente. Gente muito diversa, desde aqueles que, dentro e fora do PS, nunca acreditaram politicamente em si e a quem o seu estilo de liderança nunca convenceu, até outros que, mantendo por si simpatia e respeito - pela sua seriedade, pelo seu empenhamento, pela sua dedicação - chegaram à conclusão que não podiam arriscar-se a ver o destino do PS, numas futuras eleições legislativas, colado à escassez das vitórias que você lhes prometia. E que, com todo o direito, entenderam apoiar um outro candidato, que consideraram poder vir a protagonizar uma oposição mais eficaz à maioria cessante. 
 
Nessa altura, colocava-se um problema formal e você resolveu-o com inesperada maestria. Não prescindindo - e fez bem! - da legitimidade que os estatutos lhe conferiam (isto é, não se demitindo e convocando congresso e eleições diretas), tomou a decisão sábia de "resolver" o desafio pelo recurso a estas eleições primárias. Provou assim que não fugia à disputa e, mesmo para além disso, abriu-a para além do "aparelho", que o acusavam de ter "na mão".

Tudo estaria mais ou menos bem se o debate, a partir daí desencadeado, se tivesse processado com elevação. E aqui, meu caro António José Seguro, quero dizer-lhe que você esteve muito longe daquilo que eu esperaria de si. E, confesso, desiludiu-me muito. Foi você o primeiro a abrir as hostilidades com acusações de caráter ao seu adversário (como que esquecendo que ele era, antes de tudo, um seu camarada), a espalhar insinuações populistas sem rosto e a desenvolver uma campanha "ad hominem". E isso manchou, em definitivo, a sua imagem. Espero que hoje tenha plena consciência disso. 

Reconheço sem dificuldade que, do outro lado da barricada, alguns agitados prosélitos de António Costa - nos blogues, no facebook, no twitter, nos jornais e nas televisões - colocaram-se, desde cedo, ao mesmo nível a que você fez cair a campanha. Lamentei muito não ver a voz de António Costa a tentar travar essa deriva, mas há que reconhecer que, neste particular, nas intervenções que ele próprio fez, esteve bastante melhor que você. Se acaso ele ganhar, cedo vai perceber que, se quer que um PS sob a sua liderança seja tomado a sério, terá de se afastar de muita dessa "ganga" de "talibãs" de conversa económica radical - uma espécie de émulos, do outro lado do espelho, da "rapaziada" neoliberal que hoje enxameia os corredores do poder. Uma campanha pode ser conduzida assim, o Estado não.
 
Nos debates televisivos, devo dizer que não encontrei o António José Seguro que eu conhecia, o homem sereno, equilibrado, com sentido de defesa dos interesses do seu partido, colocando as ideias - e você construiu um "banco" de ideias que são património de "qualquer" PS - à frente da chicana. Posso estar enganado, mas quem vi por ali foi um homem ferido, amargo, com uma agressividade deslocada e não construtiva. Alguém que teimou em "deitar sal" sobre as feridas, como se, com essa atitude, quisesse consagrar uma vingança pessoal. Não gostei nada do que vi. E, por isso, meu caro António José Seguro, com toda a consideração pessoal que sabe que mantenho por si, lamento ter de dizer-lhe que, hoje, não vai poder contar com o meu voto.  
 
Com um abraço amigo do
 
Francisco Seixas da Costa

sábado, setembro 27, 2014

Seniores

Há dias, foi Sofia Loren. Hoje, é Brigitte Bardot que faz 80 anos. Respeitáveis "seniores", como agora se diz. Deixo imagens, assumidamente nostálgicas, de quando eram promissoras "juniores".

sexta-feira, setembro 26, 2014

Probidade

Ser livre tem imensas vantagens: permite-me, por exemplo, dizer que discordo frontalmente da "exigência" hoje colocada por António José Seguro ao primeiro ministro no sentido deste abrir ao escrutínio público as suas contas bancárias, relativas aos anos em que o então deputado Pedro Passos Coelho tinha dedicação exclusiva na AR. Percebo que isso pudesse ser muito esclarecedor, mas parece-me algo desproporcionado face à gravidade objetiva das suspeitas que andam no ar. Embora saiba que muitos amigos meus não vão gostar de ler isto. É que eu considero que a divergência política que tenho com o primeiro ministro e com o seu governo tem de ficar à porta deste tipo de questões que relevam da ética pessoal.
 
Devo dizer, embora sem nenhum elemento concreto a apoiar esta minha perceção, que tenho o dr. Passos Coelho por uma pessoa séria. Talvez eu esteja influenciado pelo facto de conhecer a sua família, que é gente de bem. E, olhando para a sua vida, nunca nela vislumbrei o menor dos sinais exteriores de riqueza ou de ostentação deslumbrada que, infelizmente, marcam a imagem de muitas pessoas da nossa classe política - desde logo, muita gente do seu partido, mas não só.
 
Uma acusação de falta de seriedade nas "contas" é sempre algo de muito grave. Por isso, e até prova concreta em contrário, acredito na palavra do cidadão Pedro Passos Coelho e na sua probidade. E digo-o com toda a sinceridade e sem a menor ponta de ironia. Mas ele tem de ajudar.
 
O dr. Pedro Passos Coelho, com apoio dos arquivos da ONG em que colaborou, deve procurar explicitar, muito rapidamente, quais as despesas pela quais foi reembolsado por essa mesma organização. Até ao cêntimo. Posso admitir que, nas suas notas pessoais, não disponha desses elementos. Mas não é crível que a ONG em causa não tivesse uma contabilidade organizada que agora possa permitir dilucidar, de uma vez por todas, esta questão, que está a inquinar a nossa vida política e a lançar uma sombra, quiçá desnecessária, sobre o dr. Pedro Passos Coelho.
 
Pergunto-me ainda porque é que na imprensa, que até agora tão atenta se tem mostrado às questões patrimoniais deste caso, nunca surgiu uma reportagem completa, que possa revelar o espetro de ações levadas a cabo por essa ONG, ligada à "Tecnoforma", cuja existência e prolongamento de atividade ao longo do tempo induzem a realização de um vasto programa de realizações. No que me toca, estou muito interessado em saber o que fez, de facto, o "Centro Português para a Cooperação" e, nomeadamente, que tipo de fundos públicos utilizou durante a sua existência. E isso não pode ser objeto de qualquer tipo de reserva de informação. É de interesse público, porque terá mobilizado bens públicos.

quinta-feira, setembro 25, 2014

"Os gatos não têm vertigens"

Cada vez mais, na minha vida, opto pelas reações mais simples e automáticas. Um amigo, há minutos, no Chiado, dizia-me que, no cinema, escolhe sempre cadeiras de coxia, para poder sair se o filme lhe não agrada. Há muitos anos que, sempre que posso, procedo de forma idêntica: se não estou a apreciar o que vejo, "desando" logo, vou "à vida", porque já não tenho idade para me aborrecer com histórias que me entediam. Se, na televisão, "zapamos" quando nos não apetece o que estamos a ver, se fechamos, sem cerimónias, um livro que nos não agrada, porque não sair de um filme (ou até de um teatro) a meio? É o que eu faço.

Vem isto a propósito, curiosamente, de um filme que me provocou uma reação contrária. Trata-se do "Os gatos não têm vertigens", de António Pedro de Vasconcelos. Há mais de quatro anos, escrevi neste blogue: "António Pedro de Vasconcelos pertence a uma raça muito rara de cineastas portugueses que conseguem cumular três características: terem indiscutível qualidade, não serem chatos e, seguramente por isso, terem, entre nós, um público que paga para ver as suas obras - essa coisa pouco comum, algo "suspeita" e até menos dignificante, no peculiar mundo da produção cinematográfica lusa".

O filme a que faço referência fez-me passar momentos deliciosos e divertidos. Construído com arte e graça, servido por um conjunto magnífico de atores onde se destaca - e não o digo por uma velha amizade - Maria do Céu Guerra, é uma obra que recomendo vivamente. Por ali estão a Lisboa contemporânea, os tiques da sociedade portuguesa de hoje, o problemas e as figuras de um país cheio de interrogações mas, igualmente, onde ainda é possível descortinar gestos de solidariedade e de generosidade que, afinal, também são belas caraterísticas nossas.

quarta-feira, setembro 24, 2014

A busca e a abdicação

Há minutos, o "Le Figaro" deu a notícia de que foi descoberta uma prancha do original desenhado por Hergé para "O Ceptro de Ottokar", de Tintin, que estava perdida atrás de um móvel, na casa de um colecionador. Segundo o jornal, pela sua raridade (os Dupond/t juntos com Tintin), esta prancha é valiosíssima.

Não sei porquê, olhando para o desenho, para o trágico momento do governante confiando na investigação, sem o que a sua abdicação seria certa, dei comigo a imaginar que Dupond e Dupont podiam hoje ser membros da PGR. Eu diria mesmo mais: da Procuradoria Geral da República! Mas é claro que tudo isto se passa na Sildávia.

"Ó rapariga és tão feia!"*

Existem histórias de piropos brejeiros, outras de piropos incómodos e inconvenientes, mas há piropos que têm o sabor de uma história, uma história de vida que se preserva como um acontecimento e que deixa marcas.

Esta é a história de como um piropo foi importante na minha vida e dela fez parte.

Ó rapariga és tão feia!

Este piropo perseguiu-me durante anos. Andava ainda na escola, tinha que obrigatoriamente passar por uma velha taberna onde estava sempre sentado num banco, também velho e desgastado, um homem gordo de rosto avermelhado e brilhante, voz surda e de idade indefinida ou, eu pelo menos, não lha sabia definir. Retenho dessa imagem, típica de tempos idos, dos homens que, fugindo ao convívio familiar, faziam das tabernas locais de encontro. Retenho, na passagem, os cheiros, aquele cheiro agridoce do vapor do vinho, das comidas, exalando fumos e aromas. 


E aquele homem sempre ali, como sentinela constante, presente nas conversas e sempre atento ao movimento da rua.

Eu passava, eu tinha que passar. Por vezes atravessava a rua e furtava o olhar daquele lugar. Deliberadamente procurava ignorar a presença certa daquele homem, subtraí-la ao meu olhar vagueando-o para um lado e para outro, para a parede, disfarçando, resistindo ao olhar furtivo. E encontrava, encontrava sempre ou era ele que me encontrava naquela furtividade mal denunciada, mal disfarçada. Outras vezes eu remexia nos bolsos do casaco ou na mala, na esperança que ele não desse por mim. Antecipando o tempo, que falta me fez um telemóvel, tornava o disfarce mais natural, mais corriqueiro. Mas ele dava por mim. Sempre dava por mim,

Ó rapariga és tão feia!

E lá se ficava a rir, desabridamente, de um modo meio estranho e provocador. Eu podia sair de casa mais cedo, atravessar outras ruas, cansar-me num caminho mais longo, eu podia, eu podia... Mas havia sempre qualquer coisa que me levava ou me atraia à passagem por ali. A sedução de um não piropo que afinal o era.

Esse tempo passou. Nunca mais voltei a passar por ali e a lembrança daquele local, daquela taberna e daquele homem deram origem a uma difusa memória de um caricato acontecimento.


Muitos anos mais tarde, passando pelo local, já diferente, onde a taberna deu lugar a um café com um ar decadente, encontro sentado à porta, numa reedição de uma imagem antiga, a figura de um velhinho com ar simpático. Passo, em passo ligeiro, indiferente ao significado do local, das suas presenças habituais, dos cheiros e aromas que lhe davam o estatuto de local único composto de hábitos de pessoas, do ruído das conversas, das discussões mais ou menos acaloradas e de rituais. Uma vaga e distante imagem do que ele tinha representado para mim. Esquecida! Para minha surpresa oiço uma voz rouca, sumida,

Ó rapariga “cada” vez estás mais feia!

Voltei-me para trás. Era ele, o homem que tantas vezes me tinha embaraçado, cabelo branco, coluna vergada pelo peso dos anos. Reconheci-o e no reencontro senti de imediato uma imensa ternura. Aquele homem, aquela presença já não me inspiravam a vergonha e a timidez de outros tempos, as mãos não suaram por conta do embaraço que ele me provocava. Aquele homem, aquela presença eram a expressão viva de pedaços da minha adolescência e não resisti a contar-lhe o quanto me tinha perturbado nos meus tempos de juventude. Rimo-nos os dois.

Ó rapariga tu nunca foste feia eu é que gostava de me meter contigo!

Abracei-o com ternura e emoção.


Recuperei, dezenas de anos depois, a minha imagem de adolescente, afinal bonita. Nunca mais o vi mas hoje, lembrei-me deste episódio e senti saudades dos lugares e das pessoas, das muitas pessoas que viveram naquele tempo, naqueles locais e que ainda hoje povoam a minha memória.

* Esta deliciosa história é da autoria de Maria Odete Santos Silva e surgiu hoje no meu Facebook. Com a simpática autorização da autora, que a havia escrito aquando da primeira vez que o Bloco de Esquerda havia sugerido a criminalização do piropo, publico-a agora aqui.

A europeização da carreira diplomática portuguesa

O Curso de Verão 2014 do IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais), que decorre em Óbidos, no Museu Municipal, de 25 a 27 de setembro, é este ano dedicado ao tema "Os Instrumentos da Política Externa Portuguesa: Estruturas, Representação e Desafios de Futuro".

No dia 26, cabe-me participar com José Matos Correia numa mesa redonda sobre a europeização da carreira diplomática, moderados por Teresa Gouveia.

Piropo

Leio que o Bloco de Esquerda vai levar de novo à cena parlamentar a sua proposta de criminalização do piropo. Há pouco mais de um ano, o assunto já havia sido suscitado, como então referi aqui.
 
Com esta iniciativa, aquele grupo político mantém-se na prestigiada senda de trazer a lume temáticas que estão bem no centro das preocupações maiores do povo português. É assim que se dignifica um parlamento. Grande Bloco (e isto não é um piropo!). Bem hajam!

Ilustro este post com a "American girl in Italy", uma imagem clássica de Ruth Orkin, de 1951.

(Cliquem na imagem para ver melhor)

Debates

Não foi bonito de ser ver. Teve pouca graça. O PS não saiu bem deste confronto. Quem ganhar no domingo vai ter de "colar os cacos". E não vai ser fácil. É a vida...

terça-feira, setembro 23, 2014

O debate de hoje

É hoje, ao final do dia. No fundo, há que convir, as ideias dos dois não são muito distantes, embora não seja de esperar, necessariamente, que delas resulte uma leitura idêntica sobre as coisas. Por muito que a política os aproxime - com os diabos!, ambos fizeram parte do mesmo governo, chefiado por António Guterres -, trata-se de pessoas diferentes, com um registo público diverso, fruto da variedade das experiências que os seus percursos próprios lhes proporcionaram. No final do debate, que se espera vivo e animado, caberá a cada um dos espetadores avaliar e julgar. Saiba um pouco mais sobre o debate de hoje clicando aqui.

O debate pode ser visto aqui.

Guerra petro-santa

 
Eu cá não sou de intrigas, mas quem olhar para a proximidade entre as manchas verdes (poços de petróleo) e as zonas de controlo e apoio ao ISIS (Estado islâmico) até poderia ser levado a pensar que todo este alarido e levantamento internacional contra o banditismo radical islamita pode ter também alguma coisa a ver com interesses petrolíferos. Mas não! Deve ser impressão minha...

segunda-feira, setembro 22, 2014

Manuel Ferreira Enes

Tendo estado vários dias ausente de Lisboa, só agora soube que morreu Manuel Ferreira Enes.

Vamos todos sentir falta da sua simpatia, do seu sorriso amável, das apresentações generosas que nos fazia aos novos diplomatas estrangeiros, que ele logo conhecia pelas artes da sua imbatível rede social, grangeada pelos anos nas relações públicas do turismo e hotelaria.

Nem sei bem porquê, tratávamo-nos por tu, o que, sem corresponder a uma especial intimidade, espelhava o ambiente agradável e franco que ele sempre sabia criar à sua volta.

Adorado pelos círculos das embaixadas, era uma figura sempre presente nas receções diplomáticas. Tinha a intenção de vir a contar-lhe, proximamente, uma graça que um amigo nosso espalhava desde há uns tempos. Vendo-me frequentemente envolvido em colóquios e palestras, costuma brincar: "Tu estás para as conferências como o Manuel Ferreira Enes está para os cocktails..." Acho que o Manel ia achar piada. Mas agora é tarde.

Chove chuva

Em Lisboa, chove "que Deus a dá", como diria a minha avó. Troveja mesmo. O Outono que hoje começa já está a "armar" a Inverno, para contrariar o Verão passado, que andou a copiá-lo. Os semáforos estão avariados, o que permite passar nos cruzamentos à luz da filosofia liberal ensinada na Universidade Católica, isto é, tudo ao molho, fé em Deus e quem tiver unhas que se safe.

"Portugal no mundo"

Aqui fica a lembrança para o debate que terei com Nuno Severiano Teixeira, sobre a política externa portuguesa depois do 25 de abril.

O debate terá lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, na avenida de Berna, às 18 horas desta terça-feira, dia 23 de setembro.

Na ocasião, será feita uma homenagem à memória do professor José Medeiros Ferreira.

Memórias diplomáticas

 
Há semanas, falei por aqui dos três postos que gostaria de ter tido na minha carreira diplomática. Dentre eles, mencionei a Espanha e Marrocos. Lembrei-me disso ao acabar de ler as memórias do meu colega João Rosa Lã, que teve o privilégio de ser embaixador nesses dois países tão importantes para a nossa política externa. O livro chama-se "Do outro lado das coisas - (In)confidências diplomáticas".
 
Existe um notório défice de memórias diplomáticas no nosso país. Raros são os profissionais da carreira que passaram para o papel o saldo das suas experiências e isso prejudica fortemente a construção da nossa história diplomática e a compreensão da evolução das relações externas de Portugal. Com uma carreira muito diversificada, que incluiu algumas das grandes embaixadas portuguesas (como Washington, Bissau, Madrid e Paris), João Rosa Lã adquiriu uma visão alargada das grandes questões que têm marcado o nosso relacionamento internacional - e tem opiniões concretas sobre elas, que deixa abertamente registadas neste trabalho.
 
Para além de algumas curiosas revelações, fruto de contactos havidos durante a sua carreira de mais de quatro décadas, o livro de João Rosa Lã, ultrapassa o mero testemunho pessoal de um percurso profissional para se transformar num utilíssimo repositório de informação sobre os principais dossiês em que se viu envolvido, muitos deles de grande relevo para diversas dimensões da nossa ação externa. Construído numa escrita ágil e "reader's friendly", a obra oferece ainda, aos mais curiosos, uma "janela" sobre a vida interna do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da sua rede pelo mundo. Para um colega do "métier", estas memórias têm o aliciante suplementar de trazerem - nas suas linhas e entrelinhas - comentários e observações que se cruzam com a nossa própria perspetiva das pessoas e dos factos.
 
Para dar um abraço de felicitações ao João, irei estar, com muito gosto, no lançamento do livro, que terá lugar na Sociedade de Geografia, pelas 18 horas da próxima quinta-feira, dia 25 de setembro. A apresentação da obra, que tem um prefácio do professor Adriano Moreira, será feita por Jaime Gama. 

domingo, setembro 21, 2014

Descer à terra

O que levará um homem político a voltar atrás com a sua palavra? O que conduzirá Nicolas Sarkozy, que garantiu diante do povo francês, na Mutualité, na noite da sua derrota, que  - nunca, jamais, em tempo algum - voltaria a candidatar-se à presidência francesa, a reverter, com o maior dos desplantes, a sua decisão, dita como definitiva? 

Ainda não tive tempo nem paciência para ouvir, mas todos podemos imaginar com facilidade o argumentário patriótico que por aí virá: o dever, a França, o apelo das "francesas e dos franceses", o momento "excecional" (o que seria dos políticos sem o alibi da excecionalidade dos momentos?) e tudo o resto que é habitual.

Por detrás desta como de outras cambalhotas estará sempre uma imensa falta de respeito pelos cidadãos que, eventualmente, possam ter acreditado no que ele disse. Mas, mais do que isso, ao reverter de ânimo leve (deve também dizer que "refletiu" muito) o que tão solenemente assegurara, está a revelar uma imensa falta de respeito por si próprio. Neste caso, bem merecida.

Sei bem que, entre nós, a pequena história (não coloco maiúscula, por respeito à História) está recheada destes vai-e-vem, destas patomimices, desde quem chegou mesmo a desafiar a reaterragem divina até a quem se agarra como uma lapa aos lugares, depois de repetidamente ter anunciado mais do que uma vez o seu desapego. No fundo, estamos quase sempre e apenas perante um mar de ambição, de vaidade, do incontível desejo de não enfrentar as incógnitas do futuro imediato e de procurar controlar (e, se possível, "alindar") aquilo que já se pressentiu que a linhazeca no registo histórico acabará por fixar. "Encore un effort!", para a Wikipedia.

Em tempo: vi há pouco a longa entrevista de Nicolas Sarkozy à France 2. Sarkozy não mudou uma linha, signifique isso o que significar.

Problemas de liquidez

Tive ao longo da vida e, por um conjuntural acaso, continuo a ter, uma vida de hotéis. Nos últimos três dias, estive em três, todos pela primeira vez. Ontem, ao ler uma nota de Bagão Felix no "Público", reconheci-me nela.

Passa-se de um hotel para outro e, por mais experiência que acumulemos, o sistema das torneiras do banho continua a ser um mistério recorrente. Às vezes, entro numa nova casa de banho a ansiar por que tenha um sistema "à antiga", nada sofisticado, mesmo com o "preço" de ter um fluxo de água pífio. Tenho a sensação de que os arquitetos que engenham os mecanismos para tomarmos banho nos hotéis modernos fazem de propósito para instalarem sistemas cada vez mais complicados. Como sou um irreconvertível "late riser", o meu tempo matinal é marcado por um ritmo rápido, sem tempo para pausas ou congeminações (aliás, impossíveis para mim antes do primeiro "expresso"). Por isso, o sistema de banho tem de ser muito "óbvio", isto é, não tenho tempo a perder para raciocinar sobre como funcionam as misteriosas torneiras que giram entre o chuveiro e a água que sai mais abaixo, com crípticos mecanismos que misturam temperaturas com fluxos de água. (Recordo-me sempre do meu querido amigo Raul Solnado, quando nos explicava a descoberta dos "repuxos" nos bidés da modernidade). 

Assumo, sem dificuldade, que o defeito deve ser meu (até porque se estende, frequentemente, ao funcionamento das luzes dos quartos: há semanas, acreditem!, passei quatro noite num hotel sem conseguir perceber, por completo, como funcionavam todas as luzes!) Muitas vezes, tenho a sensação angustiada, pelas manhãs, de que necessitaria de ter um MBA qualquer para perceber como vou conseguir tomar um simples banho. Mas já não tenho idade para tirar novos cursos. 

sábado, setembro 20, 2014

Loulé

Correspondendo a um simpático convite do Carlos Albino, um jornalista gostosamente "exilado" na sua terra, que preside à Comissão concelhia para as comemorações do 25 de abril, charlei e discuti ontem em Loulé sobre a política externa portuguesa.

A sala estava bem cheia, no belo edifício da Assembleia Municipal, a que preside o meu amigo Adriano Pimpão, antigo reitor da universidade do Algarve e de quem fui colega de governo, ao tempo longínquo em que ambos nos aventurámos pelos caminhos da política. Fui por ele apresentado, num debate moderado pela politóloga Rebeca Martins e introduzido pelo presidente da municipalidade, Vitor Aleixo, neto do poeta António Aleixo.

Só espero que, no final, quem esteve no auditório se não tenha lembrado desta quadra do Aleixo:

Sem que o discurso eu pedisse
Ele falou e eu escutei.
Gostei do que ele não disse
Do que disse não gostei.

Ante-estreia

Foi há dias, na ante-estreia do novo e magnífico filme de António Pedro de Vasconcelos (de que aqui falarei em breve).

Marques Mendes entrou, com o atraso que lhe é de regra. Simpático como sempre, saudou muita gente. À minha frente, um deputado do PCP alertou-o: "Ó homem! Veja lá! Não nos conte o final do filme!"

Ser a pitonisa do regime tem destas consequências...

Sábado

Porque hoje é sábado, porque a vida nem sempre dá tempo para estas coisas, porque os leitores também têm direito a uma pausa do escriba, por aqui me fico. Tenham o melhor fim de semana possível. Até já!

sexta-feira, setembro 19, 2014

Escócia

Tal como já tinha acontecido com o Quebeque, a Escócia acabou por optar por uma solução de "conforto", recusando a aventura de se cindir de um país com expressão à escala global. É um resultado que não surpreende.  A ter sido outro, a História a médio prazo da Europa iria ser diferente e tornar-se-ia bastante mais imprevisível. Este é um mau dia para os independentistas catalães.

quinta-feira, setembro 18, 2014

"Portugal ainda tem uma política externa?"


Amanhã, sexta-feira, pelas 21.30 horas, na Câmara Municipal de Loulé, irei falar, a convite da Comissão Concelhia para as Comemorações do 25 de abril, presidida pelo jornalista Carlos Albino, sobre o tema "Portugal ainda tem uma política externa? A crise europeia e a política externa portuguesa".

quarta-feira, setembro 17, 2014

"Bifes mal passados"

Já tinha ouvido falar de João Magueijo, um cientista português que trabalhava no Imperial College, em Londres. Há meses, numa livraria, reparei que ele tinha escrito um livro sobre a sua experiência de vida no seio dos ingleses. Intitula-se "Bifes mal passados". O trocadilho com o nome popular que entre nós é dado aos britânicos (os "bifes") era evidente.

Talvez por vício da profissão que já tive, sou muito curioso sobre este tipo de obras caricaturais sobre os países, tendo alguns interessantes livros da coleção "Xenophobe's guides", onde os estrangeiros juntam preconceitos sobre outras terras. Em especial, dedico-me a comprar (e ler, às vezes) alguns livros sobre o modo como Portugal é visto pelos outros. E, diga-se, nem sempre saímos muito bem da fotografia, às vezes nas entrelinhas, outras de forma abertamente agressiva e cruel, como aconteceu bastante mais num passado distante, frequentemente aos olhos britânicos.

Comprei três exemplares do livro de João Magueijo. Ofereci um deles a um leitor habitual deste blogue, pelo que pode ser que em algum comentário ele se manifeste. Dei outro a um inglês meu amigo, que já me disse considerar o texto "brutal". E li o terceiro, claro.

A minha opinião aqui vai. Tal como Magueijo, vivi mais de quatro anos em Londres, embora nem de longe nem de perto tivesse a experiência do que é a "imersão total" no país, que só se obtém quando se lida essencialmente com locais, o que não era bem o meu caso. De todo o modo, reconhecendo alguns traços verdadeiros na caricatura que desenhou, estou muito longe de concordar com a forma mordaz como ele interpreta o comportamento dos britânicos, acho que exagera imenso nos respetivos defeitos coletivos de caráter, que carrega de forma desproporcionada nas tintas sobre os seus hábitos comuns. E entendo que o autor não sublinha, por contraponto, as imensas qualidades do espírito do povo do Reino Unido. Ou eu estou muito enganado ou João Magueijo quis-se vingar de algo que possa ter sofrido num país onde o "stiff upper lip" e a sobranceria snob são apenas uma das múltilas faces daquela sociedade. Um país que não é fácil, mas uma das mais interessantes sociedades que tive o privilégio de conhecer. Mas eu devo fazer aqui um "disclaimer" pessoal: se tivesse de trocar Lisboa por qualquer outra cidade do mundo para viver, essa cidade seria Londres.

Uma coisa gostava de sublinhar. Apreciei imenso o estilo de escrita de Magueijo, por muito que ele insista em utilizar um vernáculo agressivo, aliás muitas vezes dificilmente traduzível. O livro lê-se muito bem, é divertido e muito "entertaining", como diriam os cidadãos britânicos se acaso não fossem alvo do mesmo. Por mim, recomendo-o francamente.

Duas notas finais.

Tive uma imensa surpresa pelo facto de alguma imprensa britânica ter saído a terreiro, nas últimas semanas, a atacar o livro. Não estava, francamente, à espera. Os britânicos costumam ter uma "capacidade de encaixe" muito grande e não excluo - não excluo mesmo! - que seja a emergência crescente da sua própria xenofobia que os possa ter levado a ficarem incomodados desta forma. E logo eles! Durante séculos, provavelmente nenhum povo (talvez os franceses...) disse mais "cobras e lagartos" do mundo exterior do que os britânicos. E Portugal que o diga.

A última nota é para o "anti-Magueijo". Refiro-me a Alex Ellis, o anterior embaixador britânico, Portugal, atualmente a chefiar a representação diplomática do Reino Unido ("unido" pelo menos até amanhã à noite) no Brasil. Durante o tempo em que esteve entre nós, escreveu um delicioso blogue com o irónico nome de "O bife mal passado", o que o aproximava formalmente do livro de João Magueijo. Mas só no título: o blogue mostrava uma permanente afetividade por Portugal, país que olhava muitas vezes com um olhar mais complacente e carinhoso do que aquele que nós próprios temos sobre nós. Mas o Alex tinha duas "vantagens" ou "limitações": era diplomata em Lisboa e é casado com uma portuguesa...

"Portugal no mundo"

                
Francisco Seixas da Costa e Nuno Severiano Teixeira debatem “Portugal no Mundo”
                                  
Com o professor Nuno Severiano Teixeira, vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, proferirei na terça-feira, dia 23 de setembro, pelas 18.00 horas, no auditório 1 da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, na avenida de Berna, a 8.ª conferência dedicada aos 40 anos da Revolução de Abril.
 
Subordinada ao tema “Portugal no Mundo”, discutiremos a evolução da política externa portuguesa em 40 anos de Democracia.
 
Originalmente, seria com o professor José Medeiros Ferreira que eu deveria estar neste painel. A sua morte, no mês de março, converterá esta conferência também numa homenagem à sua figura.

terça-feira, setembro 16, 2014

Ian Paysley

Por décadas, habituei-me a ouvir a voz tonitruante e quase bíblica do reverendo protestante Ian Paisley, saída daquela figura agigantada com um ar de mal-disposto (que também se sabia transfigurar num imenso e jovial sorriso), denunciar, enfaticamente, não apenas as veleidades dos católicos do Ulster (que não é exatamente a mesma coisa que a Irlanda do Norte, para quem não saiba), favoráveis à unidade com a República da Irlanda, mas igualmente o menor sinal de cedência que sobre a matéria pudesse detetar da parte de Londres.
 
Não deve ter havido em todo o Reino Unido uma figura que mais militantente tivesse lutado pela intocabilidade do modelo do União. Durante anos, Paisley opôs-se a todos os compromissos e tentativas de acordo que deles podiam decorrer. Ficou famosa a frase que o prémio Nobel da Paz, o católico moderado John Hume, um dia lhe lançou: "Ian, se a palavra "não" desaparecesse da língua inglesa, ficavas sem voz, não é verdade?". Ian Paisley acabou por dar o "sim" ao acordo de St. Andrews, que abriu caminho à paz no território.
 
Não deixa de ser irónico que o maior defensor da intocabilidade do Reino Unido tenha agora desaparecido, a poucas horas de um referendo na Escócia que a pode vir a pôr em causa.
 
Deixo uma imagem que muito consideraram, por muito tempo, mais do que improvável: Paisley (à esquerda), "first minister" (o que não é a mesma coisa do que "prime minister", diga-se), lado a lado com Martin McGuinness, lider do Sinn Féin, a ala política do temível IRA, seu "deputy first minister", no Stormont, o parlamento da Irlanda do Norte. A História prova que não há impossíveis.

"Saudades do Vitor?"

Vitor Bento era o nome que credibilizava a arriscada operação BES. Não era a sua experiência bancária (que era pouca, mas para isso lá estava a inquestionável capacidade de José Honório) que o recomendava, nem sequer uma grande proximidade com o poder político (que não era excessiva, mas para isso lá estava Moreira Rato a servir de garante). Era a sua reconhecida e indiscutível competência e o prestígio na área económica. Agora, aí está uma nova administração tecnocrática, integrada por alguns "safe pair of hands", que farão apenas o que "lá de cima" lhes mandarem. Vitor Bento não terá conseguido convencer da bondade da solução que propunha. A qual poderia ser pior ou melhor do que a que se seguirá. Nunca o saberemos. Mas será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Bento?

A atitude do governo perante o caso BES foi de uma inaudita cobardia. Não gosto de usar palavras fortes como esta, mas é o que penso. Recordo os silêncios algarvios, as referências fugidias a que tudo não passava de uma crise "numa empresa privada", passando "a bola" para o Banco de Portugal. Só quando tudo pareceu começar a compor-se é que o governo surgiu à boleia do sucesso potencial da solução. Seguiram-se as dissonâncias públicas entre o governo e o presidente da República, para tudo culminar num discurso incendiário de Maria Luísa Albuquerque, durante a posse dos novos administradores por ela impostos ao Banco de Portugal, criando um mal estar profundo dentro da instituição. Não basta ter um discurso "certinho" e projetar um ar de firmeza (a colar-se a uma espécie de síndroma "thatcheriana" que já fez a glória efémera de Manuela Ferreira Leite) para obter resultados concretos, aqueles que não dependam exclusivamente da evolução favorável da conjuntura externa. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Gaspar? 

Partindo de um passado de inquestionável seriedade, Carlos Costa deu sinais de ser inábil a jogar com o fator tempo. Perdeu dias preciosos, que hoje se contam numa máquina calculadora, e, como agora se vê, prolongou um equívoco sobre o modelo gizado para o "Novo Banco". Além disso, é corresponsável por não se ter blindado juridicamente as consequências patrimoniais para quem caiu no "Banco Mau" (e vamos ouvir falar muito disto) e foi sua a decisão de colocar o BESA no lado negativo do banco, o que fez "estoirar" inapelavelmente a anterior garantia financeira de Luanda. Fica também a relação conflitual com a CMVM (por onde andará a investigação do "leak" que fez ganhar milhões a alguns, em poucos minutos, naquele célebre dia?) e, sabe-se agora, a KPMG terá deixado um alerta que deveria ter levado a medidas prudenciais do regulador. A supervisão também falhou com Carlos Costa. E falhou num tempo em que, em todo o mundo, está instalada uma cultura de supervisão bancária muito mais forte do que a que existia (cá como em todo o mundo) ao tempo do desencadear da crise, isto é, na altura do BPN (e dos vários bancos que faliram, em algumas grandes economias com poderosos bancos centrais, precisamente pela mesma razão). Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Constâncio? 

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

Escócia

"Por que é que não falas da Escócia?", perguntava-me um amigo, há pouco, no "foyer" de um cinema. Já tinha colocado a questão a mim mesmo e, confesso, andava a adiá-la, sei lá bem porquê.
 
Gosto imenso da Escócia, como território. Visitei-a cuidadosamente, dos lagos às destilarias de whisky, dos castelos ou das suas ruínas às grandes mansões onde hoje funcionam magníficos hotéis. Edimburgo é uma cidade fascinante, na oferta cultural, no monumentalidade da sua pedra, na vivacidade das ruas. Fui por lá, uma primeira vez, com Ernâni Lopes, para promover as oportunidades económicas portuguesas. Voltei depois, por mais de uma vez, como turista atento, com muitos quilómetros em carros alugados, às vezes dormindo em deliciosos B&B, comendo e bebendo em singulares "pubs" (como aquele que tem um balcão em que metade encerra uma hora antes da outra metade, porque fica na fronteira de dois condados, onde os horários de abertura dos bares são diferentes, o que leva à "migração" dos clientes e dos copos). E também para acompanhar o Sporting, numa deslocação a Glasgow (a noite não correu bem, mas, enfim, já estou habituado). E guardo, para a vida, o mais impressionante silêncio a que "assisti", após um jantar "gourmet" na Isle of Skye.
 
Esta é a Escócia de que eu gosto, como gosto de os ouvir a falar "à Trancoso" (que me perdoe o Vitor Gil), como faz, de forma ímpar, o imenso Sean Connery, esse genial sósia do meu querido amigo José Manuel Galvão Teles, que só rivaliza em popularidade local com o monstro de Loch Ness - mas esse aparece menos.
 
Serve isto para dizer que não tenho a menor opinião sobre a independência da Escócia (a mesma coisa já não é verdade sobre a possibilidade de independência da Catalunha), salvo a ideia de que, a ocorrer, algo de muito profundo será abalado na Europa - de que, mais cedo ou mais tarde, a Escócia irá sempre ser membro. Em tese, como profissional de relações internacionais, achava graça em assistir  "construção" de um novo país secessionista, mas sem o dramatismo de outros anteriores casos. E teria curiosidade de ver como o conceito de "Reino Unido" iria evoluir, embora não acredite na versão tipo "Inimigo Público" de que, a exemplo da Macedónia, se colocaria um "former" antes do nome. É que a sonoridade "FUK" rima mal com seriedade tradicional da coroa... Mas não sei se a graça vale o risco.
 
Algo me diz que os escoceses vão rejeitar a independência. Mas isto vale o que vale. Há três meses, também não acreditava que, tal como nas histórias de cowboys, os bancos também pudessem ser divididos em "bons" e "maus".
 
Pronto, já falei da Escócia.

segunda-feira, setembro 15, 2014

José Soares Martins (1932-2014)

Morreu José Soares Martins. Aos 24 anos, como padre, partiu para Moçambique. A comunicação social e a escrita eram, contudo, a sua verdadeira vocação. Começou por trabalhar no "Diário de Moçambique". Em 1962, lançou o semanário "Voz Africana" e, mais tarde, a revista "Economia de Moçambique". Regressou a Portugal em 1968, onde viria a ser responsável na "Voz Portucalense". No Porto, Soares Martins colaborou ativamente no setor cooperativo e editorial, desenvolvendo ainda atividade na luta anti-colonial.
 
Entre 1978 e 1996, foi adido cultural na embaixada portuguesa em Maputo. Foi aí que o encontrei, por duas vezes. Recordo-me de uma longa conversa que tivemos, no hall do Polana. Era grande a minha curiosidade em conhecer pessoalmente "José Capela", o curioso pseudónimo sob o qual desenvolveu um importante trabalho de resgate da memória da luta do povo moçambicano, com singulares contribuições no campo da história da escravatura. Eu tinha várias desses livros. Recordo o homem sereno, modesto, que relativizava a importância do seu exemplo e da sua obra.
 
Às vezes, pergunto-me se as antigas colónias souberam dar o devido reconhecimento à atividade dos portugueses que, desde muito cedo, se colocaram ao lado da luta anti-colonial, correndo elevados riscos, o menor dos quais não era o da incompreensão por parte dos seus compatriotas. Até hoje! Gostava de ter perguntado isto a Soares Martins.

Nós



É um livro já com cerca de quatro anos. Não chega a 200 páginas. Deve ser a obra que já ofereci mais vezes a amigos. Escreve-a Marcello Duarte Mathias, meu colega de profissão, uma das pessoas cuja escrita me dá mais prazer ler. Hoje, sei lá bem porquê, deixo aqui um dos aforismos deste magnífico volume.
 
"Somos, de facto, uma gente curiosa: oito séculos de História e não temos memória colectiva. Nem tradições tão-pouco, ou troçamos delas com o olho videirinho do espertalhão que não se deixa enganar.
É o acaso que nos governa, e não o lastro da memória e dos séculos. É o acaso que nos faz e desfaz como se fôssemos órfãos. Como se afinal, depois deste tempo todo, fôssemos órfãos de nós mesmos. (O acaso é aquilo que substitui a vontade nos homens sem vontade.) Daí o tom da improvisação, que tão bem nos define. Daí esta característica: nada é feito com intenção, nada obedece a um propósito, nada se inscreve numa perspectiva ou num pensamento. Em Portugal nunca nada é deliberado, nem sequer a ordinarice".

domingo, setembro 14, 2014

"Olhar o Mundo"


O programa "Olhar o mundo", ontem apresentado na RTP2 e RTP Informação, pode ser visto também aqui.

O programa será repetido, hoje, dia 14, às 20.05 e amanhã, dia 15, às 13,05 na RTP Informação.

Saudades do Vitor?

Vitor Bento foi-nos "vendido" como o nome que podia credibilizar a arriscada operação de "reconstrução" do BES. Não era a sua experiência bancária (que era pouca, mas para isso lá estava a inquestionável capacidade de José Honório) que o recomendava, nem sequer uma grande proximidade com o poder político (que não era excessiva, mas para isso lá estava Moreira Rato a servir de garante). Era o seu prestígio e a sua reconhecida e indiscutível competência na área económica. Todos saíram agora, batendo com a porta. Vem por aí uma nova administração tecnocrática, imagino que sem nomes públicos sonantes, integrada por alguns competentes "safe pair of hands", mas que farão apenas o que, "lá de cima", lhes mandarem fazer. Vitor Bento não terá conseguido convencer quem manda nestas coisas da bondade das soluções que a sua equipa propunha. Soluções que poderiam ser piores ou melhores do que as que se seguirão. Logo veremos. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Bento?
 
A atitude do governo perante o caso BES tem sido de uma inaudita cobardia. Não gosto de usar palavras fortes como esta, mas é o que sinceramente penso. Recordem-se os silêncios algarvios no início da crise, as referências distantes a que tudo não passava de uma crise "numa empresa privada", a atitude fugidia da ministra das Finanças, "passando a bola" para o Banco de Portugal? Só quando tudo parecia começar a compor-se é que surgiu a ministra, à cata do efeito do sucesso da solução. Depois, vieram as "trapalhadas" que originaram as dissonâncias públicas entre o governo e o presidente da República, para tudo terminar num discurso incendiário de Maria Luísa Albuquerque, durante a posse dos novos administradores por ela impostos ao Banco de Portugal, que se sabe ter causado um mal estar profundo dentro da instituição. Não basta ter uma expressão verbal "certinha" e projetar um ar de firmeza (a colar-se a uma espécie de síndroma "thatcheriana" que já fez a glória efémera de Manuela Ferreira Leite) para conseguir obter resultados importantes e saber resolver casos "bicudos", que não dependam apenas da evolução favorável da conjuntura externa. Veremos como agora vai correr o caso "Novo Banco", de que - esperamos - a ministra das Finanças não vai conseguir desligar-se, por um qualquer golpe de ilusionismo mediático. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Gaspar?
 
Partindo de uma imagem de inquestionável seriedade, Carlos Costa deu claros sinais de não saber jogar com o fator tempo, na gestão do caso BES. Perdeu dias preciosos, que hoje se contam numa máquina calculadora, deixou instalar um claro equívoco no modelo gizado para o "Novo Banco", não terá cuidado suficientemente de blindar juridicamente as consequências patrimoniais das vítimas de quem caiu no "Banco Mau" e, em especial, a sua (porque é sua) decisão de colocar o BESA no lado negativo do banco fez "estoirar" inapelavelmente a anterior garantia financeira de Luanda. Sabe-se também, desde o início desta operação, da relação conflitual criada com a CMVM (por onde andará a investigação do "leak" que fez ganhar milhões a alguns, em poucos minutos, naquele célebre dia?) e, sabe-se agora, a KPMG terá deixado um alerta ao regulador, em tempo útil, que deveria ter levado à tomada de mais medidas prudenciais. Tenho pena de ter de vir a lembrar, mas a supervisão do Banco de Portugal também falhou com Carlos Costa. E, quero recordar e enfatizar, falhou num tempo em que, em todo o mundo, está instalada uma cultura de supervisão bancária muito mais forte do que a que existia (cá como em todo o mundo) ao tempo do desencadear da crise, isto é, na altura do BPN (e dos vários bancos que faliram, em algumas grandes economias com poderosos bancos centrais, precisamente pela mesma razão). Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Constâncio? 

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...