A imprensa europeia tem estado particularmente atenta, nos últimos dias, à situação política portuguesa, com especial destaque para a reprovação pelo parlamento do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), que desencadeou o pedido de demissão do primeiro-ministro José Sócrates.
Diversos líderes europeus, tal como muitos comentadores internacionais, abordaram a situação criada em Portugal, alguns deles emitindo juízos de valor sobre o sentido da decisão parlamentar portuguesa.
Ninguém terá dúvidas que, mais do que em qualquer outro lugar, esta questão foi e é objeto de uma elevada polémica em Portugal. Governo e oposição têm mantido um forte debate sobre as possíveis consequências do voto que não aprovou o PEC: o executivo diz que o mesmo vai no sentido das recomendações da Comissão e do Banco Central Europeu, que estava autorizado a executar, e a oposição considera que o governo ultrapassou o mandato que tinha para assumir compromissos na ordem externa. Esse debate, que não se encerrou ainda, acaba por ser o pano de fundo em que se projeta a ideia de convocação de eleições antecipadas.
Pelo modo como a opinião pública internacional tem vindo a pronunciar-se sobre este assunto, fica a sensação de que não se terá, porventura, interiorizado devidamente que o sistema europeu assenta, primeiro do que tudo, na afirmação democrática das instituições representativas dos seus Estados.
Poderá dizer-se que, algumas vezes, a racionalidade técnico-económica de algumas decisões poderia, em tese, estar isenta de desacordos de natureza nacional, que acabam por influenciar a eficácia do sistema colectivo.
É um erro pensar assim. No estádio que vivemos da construção europeia, a responsabilidade principal dos governantes continua a ser perante as instituições do seu país, que lhes concede a legitimidade para governar e tomar decisões.
Tal como, no passado, alguns tratados europeus caíram ou tiveram de ser retificados por referendos em alguns Estados, a Europa tem de aprender a viver com a diversidade dos seus modelos institucionais, com a diferente força dos seus governos na sua ordem interna e, por essa via, com os efeitos, paralisantes ou não, que certas posições nacionais possam vir a gerar sobre o processo coletivo. Isto é válido para o voto parlamentar que, em Portugal, estaria na origem da crise política, tal como aceitámos, com naturalidade, a decisão irlandesa de realizar um sufrágio, ou como agora aguardaremos o resultado do voto finlandês, com o seu impacto na aprovação do novo Mecanismo de Estabilidade.
No caso português, aconselho que se olhe menos para a árvore e um pouco mais para a floresta. Assim, devemos notar, em prioridade, que Governo e o principal partido da oposição, tendo estado em lados opostos na questão da aceitação do projeto de PEC, afirmaram, contudo, a sua comum e plena adesão às metas de redução do défice, não apenas para este ano, mas também para os próximos dois anos, sem a mais pequena divergência entre si no tocante àquilo a que Portugal se comprometeu perante as instituições internacionais.
* Tradução do artigo que hoje publico no diário económico "Les Echos" (30.03.11). Texto original aqui ou link aqui.
Fico muito grato a Vasco Campilho pelo simpático post que publicou, a propósito deste artigo, no Albergue Espanhol.
Fico muito grato a Vasco Campilho pelo simpático post que publicou, a propósito deste artigo, no Albergue Espanhol.