domingo, dezembro 04, 2011

Ainda o Irão

Em Junho de 2000, coube-me chefiar uma missão de "diálogo político" da União Europeia a Teerão. Da "troika" (já as havia...) que me acompanhava, faziam parte um diretor do Quai d'Orsay (a França iria suceder-nos na presidência, dias depois) e um representante da Comissão Europeia, cuja nacionalidade não consigo precisar. A delegação iraniana era chefiada por um vice-ministro dos Negócios Estrangeiros.

O diálogo com as autoridades do Irão era, previsivelmente, difícil. Cabia-me colocar-lhes todas as questões que a União Europeia via como polémicas, desde os direitos humanos à observância de princípios democráticos, com o tema dos dissidentes e presos políticos, bem como do tratamento de minorias e estrangeiros, na agenda. A conversa começou assim algo tensa, se bem que a experiência diplomática dos dois principais interlocutores a tentasse manter num registo funcional de cordialidade. No meu caso pessoal, não esquecia que, enquanto país, Portugal tem um histórico de relacionamento bastante positivo com o Irão, que devemos tentar salvaguardar, para além de todas as divergências conjunturais. 

Para evitar veleidades que pudessem fragilizar a condução da reunião pela presidência, eu havia decidido, de uma forma algo imperativa, quais os dois temas da agenda cuja apresentação, como é de regra, ficava a cargo dos outros membros da "troika", contrariando explicitamente as propostas que, nesse sentido, me haviam sido feitas pelo secretariado-geral do Conselho, que assessora (e, às vezes, quer conduzir) as presidências semestrais. Nem a representação francesa nem a da Comissão me pareceram apreciar esse meu estilo afirmativo, mas isso era o que menos me importava: para as capitais europeias, o "saldo" geral da conversa, que tinha que ser "craftly worded" na ata, recairía sempre sobre mim. Não estava disposto a que outros condicionassem o trabalho e, por essa razão, decidi "controlar o jogo", desde o primeiro minuto, sem conceder espaço para criatividades.

A agenda foi percorrida no tradicional "ping-pong" de argumentos. Os temas eram introduzidos, alternadamente, pela União Europeia e pelo lado iraniano, com "statements" de cada lado, complementados por comentários de "réplica" e, por vezes, "tréplica", que ficariam registados em ata. 

A certo passo da abordagem de um ponto da agenda, o vice-ministro iraniano acusou um Estado membro da União Europeia, que não identificou, de estar a levar a cabo "atos de espionagem", em articulação com inimigos do país, contra a segurança do Estado iraniano. Interrompi-o, de imediato, e pedi-lhe para identificar o país em causa, dada a gravidade da acusação, porque isso se refletiria, de forma inescapável, sobre toda a nossa política exterior comum. Respondeu-me que não lhe era possível dizer o nome desse Estado, "para não agravar ainda mais as coisas". 

Para grande surpresa dos membros da delegação europeia, reagi de forma muito firme: ou ele identificava o nome do país ou retirava formalmente a acusação, com efeitos na ata da sessão. O "diálogo político" não podia prosseguir sem uma dessas opções. Não podíamos aceitar que ficasse registada uma acusação genérica, que não permitisse uma contestação específica. A solidariedade entre os Estados membros da União a isso obrigava. Pelo que sugeri que o intervalo da reunião que estava previsto para mais tarde, tivesse lugar de imediato.

O ambiente, naquela sala do ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, toldou-se. A delegação do Irão saiu da sala, perplexa e de cara fechada. Nela ficaram os representantes europeus, entre os quais se contavam também os embaixadores português e francês, além do delegado local da Comissão, que me rodearam, perguntando-me alguns se tinha medido bem o risco de dramatização que estava a fazer correr ao já muito crítico e sensível diálogo com Teerão. Eu disse que sim, mas, interiormente, perguntava-me se o "bluff" iria resultar.

Tinha razão. Resultou. Minutos depois, o chefe da delegação iraniana reabriu a sessão dizendo que, com vista "a facilitar um eficaz funcionamento dos trabalhos", propunha que, da ata, não constassem as referências que antes tinha feito sobre o "tal" Estado membro europeu. Agradeci-lhe o esforço e prosseguimos o debate num ambiente que, de certo modo, ficou bem mais distendido. O desfecho provocou um aliviado e expresso agrado do diretor francês, que nos sucederia na presidência e que, seguramente, temeu, por alguns minutos, ficar nas mãos com uma "batata quente", para os próximos seis meses.

Vale a pena notar que, desde o início, todos nós sabíamos que a acusação iraniana se dirigia ao Reino Unido, país com o qual, de há muito, Teerão tem um recorrente contencioso, como os acontecimentos dos últimos dias vieram, uma vez mais, a evidenciar. Ora o vice-ministro iraniano, meu contraparte na chefia das negociações, havia-me revelado, em conversa privada antes da reunião, que, no final desse ano de 2000, deveria ir para Londres como embaixador (o que realmente veio a acontecer), solução que muito lhe agradava. Ao colocá-lo "contra a parede", exigindo a retirada das acusações e a revelação do nome do país, eu tinha tido isso em conta. Se acaso ele mencionasse o nome do Reino Unido, e ficasse na ata ter sido ele quem lançara internacionalmente essa atoarda não provada, com toda a certeza que o governo de Londres nunca lhe daria "agrément".

A vida diplomática também se faz com alguns truques, como se vê.

Dominick Chilcott

Há minutos, ao passar em "zapping" pela BBC, dei-me conta que conhecia bem a cara de quem falava. Parei um pouco. Era o embaixador britânico que acabara de ser expulso de Teerão, onde chegara apenas em outubro passado. Era Dominick Chilcott.

Então ainda jovem diplomata, Dominick era contacto regular da nossa Embaixada em Londres, no "desk" do "Europe Directorate", nos dois primeiros anos da minha estada no Reino Unido. Um dia, convidou-me para almoçar e, com pedido de discrição, revelou-me que ia ser colocado na embaixada britânica em Lisboa. Lá o voltei a encontrar, durante mais dois anos, depois do meu regresso ao MNE, em 1994. Dominick Chilcott viria a ser chamado de volta a Londres e a ingressar no gabinete do MNE britânico e, por diversas vezes, cruzámo-nos nas coisas europeias, onde a atípica posição britânica justificava maior atenção. Em 1998, num elevador do "Justus Lipsius", em Bruxelas, disse-me que acabava de ser colocado na missão do seu país junto da União Europeia. Com frequência, fomo-nos por lá vendo, até à minha partida para Nova Iorque, em 2001. Perdi-o de vista desde então, como às vezes acontece com colegas estrangeiros.

Dominick Chilcott é um diplomata discreto, com sentido de humor, muito bem preparado e de uma só palavra, como tive ocasião de provar.

Agora, à pressa e sob riscos para si e para sua família, teve de abandonar o posto. A vida tem destas coisas, Dominick! "Bon courage"!

sábado, dezembro 03, 2011

A questão iraniana

Na vida internacional, as relações entre os Estados processam-se sempre no quadro de certas expetativas de comportamento, pela sua previsível reação face ao posicionamento dos outros atores, que possa vir a ser afirmado bilateralmente ou no quadro multilateral. Se bem que algumas surpresas sempre possam surgir, na grande maioria dos casos é possível, com algum realismo, antecipar atitudes e, dessa forma, medir as condições necessárias para os compromissos ou as probabilidades de rutura. É assim que se procuram evitar guerras e conflitos, cabendo aos diplomatas um papel central no domínio desta diplomacia preventiva.

O grande problema que se coloca à comunidade internacional é o pontual surgimento, no comportamento de certos Estados, de atitudes que, não apenas não era possível prever, mas que igualmente se tornam difíceis de interpretar, em todas as suas possíveis motivações. Esta circunstância cria dificuldades de "leitura", induz interrogações e pode levar a reações diferenciadas por parte de outros Estados.

O comportamento recente do Irão, com o saque às instalações diplomáticas britânicas em Teerão, claramente feito sob a aparente complacência das autoridades policiais, na sequência de sanções bilaterais determinadas pelas mais que legítimas preocupações face à evolução do programa nuclear do país, é um exemplo desses comportamentos de difícil interpretação e de elevado risco. E suscita questões que somos chamados a colocar, nãso tendo para elas uma resposta clara.

Que pretende o Irão com este tipo de atitudes, onde se inclui o seu desafio à AIEA? Que mais riscos está o regime iraniano disposto a correr, nesta linha de comportamento? Até onde estará disposto a avançar? Que avaliação faz Teerão dá utilização do petróleo no seu "jogo" internacional? Como estarão as autoridades iranianas a medir o grau de probabilidade da ameaça de um ataque israelita às suas instalações nucleares?

A persistência destas interrogações nada ajuda à descoberta de soluções para a estabilidade e para a paz na região. E Teerão sabe, com certeza, que assim é, o que torna tudo mais preocupante.

sexta-feira, dezembro 02, 2011

José Mensurado (1931-2011)

José Mensurado faz parte do cenário de um Portugal televisivo que atravessou as décadas de 60 e 70. Era um homem culto, com um estilo e uma postura muito próprios, produto e fautor de um certo jornalismo televisivo, elegante e conservador. Para muitos portugueses, que seguiam as aventuras espaciais ao tempo em que elas eram entusiasmantes na televisão, José Mensurado era a voz que sublinhou esses feitos, que acompanhou e relatou a memorável noite de 20 de julho de 1969, em que o homem chegou pela primeira vez à lua.

Há já alguns anos, em Lisboa, no bar Procópio, a Alice Pinto Coelho (ela lembrar-se-á, estou certo) disse-me: "Está ali o José Mensurado, que gostava de o conhecer". Mudei de mesa e, durante quase uma hora, falei com José Mensurado, trocando memórias e imagens de gentes cruzadas por ambos, ideias sobre a Europa que lhe mobilizava a curiosidade, bem como sobre a vida internacional em geral, que manifestamente o entusiasmava.

Consegui arranjar a coragem para lhe justificar, num tom bem mais cordial do que utilizara à época, uma chamada telefónica que eu um dia fizera, em direto para um programa de rádio em que ele participava, confrontando-o com a tristemente célebre mesa redonda televisiva que ele em tempos moderara, que passou a ser lida pela História como justificativa da extinção, pela ditadura, da Sociedade Portuguesa de Escritores. Nessa mesa redonda haviam participado, entre outros, Amândio César e Mário António - o poeta angolano que havia sido meu professor de quimbundo e que reagira bastante mal, quando, também um dia, lhe falei no assunto.

Senti também a obrigação imperativa de falar a José Mensurado naquilo que a manhã subsequente ao dia 25 de abril representara para ambos: um dia em que eu estava entre os militares que ocupavam os estúdios do Lumiar da RTP, sabendo que ele estava à porta, impedido de entrar pela nova "situação".

Além destes temas mais sérios, que Mensurado discutiu com assinalável abertura, rimo-nos com a história dos "árabes da Rua do Século", que já aqui contei, em que ele fora involuntário comparsa.

O José Mensurado que encontrei no Procópio era um homem sereno, uma personalidade interessante, que ganhara uma tolerância de ideias e um modo digno e sério de as afirmar. No final dessa conversa, que acabou na promessa mútua, nunca cumprida, de um jantar futuro, fiquei com a sensação de que teria bastante gosto em vir a conhecê-lo melhor. Isso não aconteceu. Morreu ontem, com 80 anos.

Negociar na Europa

O ministro dos Negócios Estrangeiros português referiu, há poucas horas, a necessidade da complexa negociação que aí vem, sobre a reforma dos tratados europeus, dever ser objeto de uma "frente" política interna de elevado consenso, que permita ao Estado português garantir, no plano externo, uma voz comum que potencie o seu espaço de manobra.

O projeto europeu nunca teve uma leitura unívoca em Portugal. Não obstante a opção europeia ser historicamente objeto de uma atitude maioritariamente favorável no nosso país, setores houve que sempre se mostraram reticentes a certas políticas europeias ou ao modo como elas eram acompanhadas por Lisboa. Sei do que falo, porque, durante mais de meia década, passei longas horas na Assembleia da República a apresentar a  política europeia que era encarregado de defender, sendo regularmente confrontado, no jogo democrático interno, com posturas críticas do modo como então a dirigíamos. Em todo esse período, porém, com maior ou menor dificuldade, foi sempre possível garantir um diálogo construtivo com aqueles que, tendo divergências no pormenor, se mostravam de acordo com o essencial. E, sem limitar o espaço de afirmação das naturais diferenças, conseguiu-se projetar essas linhas comuns, não apenas nas fase decisivas das principais negociação mas, igualmente, nos processos internos de ratificação parlamentar.

Tais negociações, que então envolveram dois tratados - Amesterdão e Nice -, não tinham, há que reconhecê-lo, a delicadeza quase "existencial" daquela com que Portugal se vai confrontar daqui a pouco tempo, a qual pode representar uma mudança do paradigma europeu e, muito provavelmente, da própria natureza da União. Como há dias tive ocasião de referir publicamente em Lisboa (ver mais abaixo), dá-se o acaso infeliz dela ter lugar num momento de alguma fragilidade da posição do nosso país, por virtude do processo de ajuda externa de que estamos dependentes, o que torna a questão ainda de muito maior sensibilidade.

Por esse conjunto complexo de razões conjunturais, é decisivo, agora mais do que nunca, que Portugal se apresente nessa negociação com o mais alargado consenso que o diálogo político interno torne possível desenhar, com vista a maximizar a nossa influência, num esforço que é imperativo que inclua um a atuação conjugada no seio das grandes formações políticas europeias em que os partidos portugueses de matriz europeísta estão integrados.

Refundar a Europa (3)

O debate no painel em que participei no Congresso sobre o "25 anos na União Europeia" não foi isento de polémica. A política agrícola portuguesa para a Europa foi um dos temas mais controversos, com João Cravinho e eu próprio a não concordarmos com a abordagem de Rosado Fernandes, o que, aliás, esteve longe de ser uma surpresa. Devo dizer que, discordando genericamente da leitura que o antigo deputado europeu e dirigente da CAP faz sobre o "saldo" da nossa presença na Europa, respeito a sua perspetiva soberanista e reconheço nela uma genuinidade que me não é indiferente.

Rosado Fernandes e eu próprio repetiríamos uma outra cordial conflitualidade, quando o professor universitário disse que tinha optado por ser deputado ao Parlamento europeu para que Portugal "se visse livre o MFA".

Não resisti à provocação e disse que o Comandante Costa Correia, destacada figura do Movimento das Forças Armadas, presente na sala, e eu próprio, ambos militares no dia 25 de abril de 1974, embora com graus muito diferenciados de responsabilidade, tínhamos uma imenso orgulho na "herança do MFA". Não o disse, mas poderia tê-lo dito, que Portugal apenas foi admitido como membro das comunidades europeias depois da Revolução ter aberto o país à liberdade que a ditadura lhe negava. 

quinta-feira, dezembro 01, 2011

Refundar a Europa (2)

Encerrou no dia 30 de novembro, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o "Congresso internacional 25 anos na União europeia", organizado pelo respetivo Instituto Europeu (que também comemora um quarto de século de existência), sob a orientação do professor Eduardo Paz Ferreira.

Devo dizer que, nas quase cinco horas de trabalhos a que assisti, confortei a minha ideia de que Portugal dispõe de uma "massa crítica" de reflexão sobre estas temáticas que pede meças a qualquer país europeu. Julgo que isso mesmo pôde constatar o meu colega francês em Lisboa, Pascal Teixeira da Silva, que seguiu atentamente os trabalhos.

No que me respeita, destaco alguns pontos do que abordei no meu painel:

- a crise da governabilidade democrática na Europa contemporânea.

- as tensões induzidas ou a induzir pela crise europeia nos sistemas constitucionais de cada país.

- a forma diferenciada como as opiniões públicas nacionais são mobilizadas pelo fatores de insegurança que atravessam a Europa.

- a perceção pelos eleitores nacionais das diferenças de poder, no âmbito europeu, dos seus titulares da representação política, com naturais efeitos na respetiva legitimidade.

- a fragilidade particular que sofrem os países sob tutela de programas de ajustamento, que vivem um quase ambiente típico de "pós-guerra".

- a necessidade de perceber que há uma linha muito fina que separa a assunção de medidas de rigor e austeridade, aceites como indispensáveis e assumidas como legítimas, da ideia de se estar perante um "diktat" externo gerado por um "estado de necessidade", que pode alienar a respetiva aceitação popular, com riscos sociais graves.

- a necessidade de preservar a confiança entre os Estados membros, por forma a não gerar clivagens entre as várias opiniões públicas, se se pretende garantir condições para uma futura reforma, ainda que limitada, dos tratados europeus.

- a especial posição em que Portugal se encontra, fruto da necessidade de cumprir, com rigor, compromissos que derivam na nossa fragilidade económico-financeira, ao mesmo tempo que os seus dirigentes têm forçosamente de assumir posições políticas que garantam a não marginalização do país, no quadro dos novos arranjos europeus que, queiramos ou não, aí virão.

- a importância de Portugal praticar, neste difícil contexto, uma política muito pragmática de alianças e, tal como no passado, ter de fazer opções de matriz inclusiva e centrípeta face aos modelos mais coesos de integração (ou de cooperação intergovernamental) que possam vir a ser desenhados, evitando, o mais possível, qualquer risco de periferização.

Tal como acontecera no painel anterior àquele em que participei, que havia sido dedicado à questão financeira e onde houve intervenções de grande qualidade e profundidade, fiquei muito agradado com a discussão tida com os meus colegas de painel - onde António Vitorino traçou um rigoroso inventário prospetivo do que pode esperar a Europa como saldo desta crise, onde João Cravinho ilustrou com a sua experiência pessoal as dificuldades de participação no quadro interinstitucional na União, onde Raul Rosado Fernandes "partiu a loiça" com a sua heterodoxia eurocética e afastamento do "politicamente correto" e onde Nuno Severiano Teixeira traçou um interessante e elaborado quadro histórico do papel central da Alemanha nos diversos tempos de revisão do "contrato europeu".

Pegando no último tema, deixei clara no final dos trabalho a minha perspetiva de que o trabalho franco-alemão se constituiu sempre, no passado, como um contributo da maior importância para a dinâmica do processo europeu. Porém, o modo como a "coreografia" do exercício dessa influência se estava a apresentar, nos últimos tempos, no cenário de afirmação dos poderes tinha, com toda a evidência, criado algum incómodo e mal-estar em certos parceiros, que se sentiam pressionados por uma espécie de "duopólio" auto-designado, que era particularmente chocante no tocante ao que parecia ser uma clara subalternização das instituições.

Neste ponto, parecia-me cada vez mais delicada a posição da Alemanha, cuja imagem histórica evolutiva sempre constituiu um pano de fundo referencial para todo o processo integrador. Não me sossegava verificar - mesmo em França, onde o esforço de reconciliação teve talvez o seu maior expoente -, a clara geração de um ambiente de desconfiança quando ao "excesso de poder" de Berlim. A questão alemã é uma questão europeia e o modo como a movimentação do poder alemão é vista em todo este contexto não deixará de ter consequências no ambiente de confiança indispensável à consensualização de soluções de futuro.

Aproveito para deixar um link para o texto que, em paralelo a esta Conferência, publiquei no livro "25 anos na União Europeia - 125 reflexões", editado no dia 30 de novembro pelo Instituto Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa. É um texto "perecível", quiçá a ser infirmado pelos factos, no curto prazo. Porém, como afirmei na Conferência, ao abordar este tipo de assuntos sinto-me hoje como estando a debater teorias climatéricas no meio de um ciclone...

Em tempo: a JustiçaTV trouxe a intervenção inicial que fiz (depois complementada por outras duas intervenções)

quarta-feira, novembro 30, 2011

1º de dezembro

Refundar a Europa (1)

Em 1 de julho de 2000, publiquei no "Le Monde" um artigo sob o título "Refonder l'Europe". Nele propunha, a montante da aprovação do Tratado de Nice então em curso de negociação, a possibilidade de convocação de uns "Estados Gerais" da Europa, abrangendo os executivos e os parlamentares, para a definição de uma nova ordem institucional europeia. Entre 2002 e 2003, a "Convenção para o futuro da Europa", gizou o Tratado Constitucional (abandonado depois dos referendos negativos nos Países Baixos e em França) e alguns círculos europeus falam, de novo, na possibilidade de convocação de uma "convenção" para rever pontualmente o Tratado de Lisboa.

Hoje, na Faculdade de Direito de Lisboa, vou participar, juntamente com António Vitorino, Raul Rosado Fernandes, Nuno Severiano Teixeira e João Cravinho, sob a moderação de António José Teixeira, num debate no âmbito do "Congresso Internacional 25 anos na União Europeia". Curiosamente, o título desse painel, que encerra a Conferência, é "Refundar a Europa". Agora já sem ponto de interrogação. 

segunda-feira, novembro 28, 2011

A TAP e eu

Ontem, fui visitar a TAP nas suas novas instalações em Paris, numa espécie de "inauguração" oficial, um pouco atrasada no tempo, mas feita com o maior dos gostos. Porque eu, confesso, gosto muito da TAP.

Tendo embora uma sólida conta de viagens aéreas em dezenas de companhias, devo dizer que me sinto sempre muito bem quando viajo na TAP. Outras empresas têm aviões mais confortáveis, muitas tiveram ou têm um serviço requintado que a TAP nunca atingiu nem atingirá, mas a TAP é "cá da casa", faz parte daquilo que nos habituámos a identificar no estrangeiro como português - como o pastel de nata, o fado ou a Vista Alegre. Fico satisfeito quando vejo os aviões da TAP nos aeroportos, nunca hesito quando a posso escolher como opção. É, além disso, um belo cartão de visita do país, uma companhia cada vez mais pontual, com um "record" de segurança invejável.

Porque tenho a TAP como "da família", perco mais facilmente a paciência com ela do que com outras companhias, detesto a displicência e os "pontapés na gramática" (principalmente francesa) nas mensagens lidas pelas hospedeiras, tal como fico furibundo com a arrogância das greves que afetam as viagens dos portugueses expatriados, que querem visitar as famílias nas festas ou nos verões. Mas acabo sempre por perdoar.

Nos postos diplomáticos em que estive, sem exceção, mantive sempre um excelente relacionamento com as pessoas da TAP, a quem só fiquei a dever simpatia. Talvez o Brasil tenha sido o país onde, porventura, a minha ação possa ter sido mais útil à TAP, a qual, nessa época, "disparou" em direção a várias cidades brasileiras, tornando-se na verdadeira "ponte" transatlântica que sucedeu ao fim triste da excelente Varig. 

Da vida, todos guardamos na memória alguns momentos especiais de bem-estar. Um dos meus liga-se à TAP. 

Em 1983, eu estava em Luanda, já há nove meses seguidos. Era uma cidade difícil, com imensas carências materiais, num tempo de guerra civil, com recolher obrigatório e a necessidade de limitarmos as nossas deslocações a um perímetro de segurança, já de si relativa. A vida em Angola era complicada, a assistência médica deficiente, o conforto relativo, as tensões, políticas e outras, eram pesadas de suportar. Ao final de todo esse tempo contínuo, de intenso trabalho, já saturado e algo stressado, vim de férias a Portugal. E recordo, como se fosse hoje, o prazer que me deu sentar-me, confortavelmente, num dos (então a estrear, hoje já desaparecidos) Lockheed 1011 TriStar, saborear um gin tónico e, pelos auscultadores de bordo, ouvir, pela primeira vez, Ivan Lins e Sérgio Godinho cantar, de um disco que eu ainda não tinha, "Que há-de ser de nós?".

A TAP vai em breve estar perante algumas escolhas de futuro. Só podemos esperar que a opção que viera ser tomada lhe preserve a qualidade e a sua identidade nacional. Tal como na canção, muitos nos perguntamos: que há-de ser da TAP? 

Ora Eça!

Custou, mas foi! Já consegui arranjar - não me perguntem como! - a verba necessária para poder mandar compor a placa que, na avenue de Roule, em Neuilly, assinala a casa onde viveu e morreu Eça de Queiroz, e que estava praticamente ilegível, como aqui se assinalou. 

Espero, dentro de algum tempo (em França, estas coisas demoram muito tempo, podem crer), poder trazer uma fotografia da placa renascida, oferecida pela Escola de Belas Artes do Porto e aí colocada em 14 de setembro de 1950, pelo então embaixador de Portugal em França, Marcello Mathias.

domingo, novembro 27, 2011

O que tu queres...

"Gostei do teu post de ontem sobre o fado. Bem subtil, hum...", diz-me um amigo, críptico, há minutos, de Lisboa. Já um comentador tinha ido pelo caminho do "ele não dá ponto sem nó...", ou "ele tem alguma na manga...", como poderão verificar.

Caramba! Será que não se consegue escrever uma coisa sem que alguém dela possa intuir apenas o que lá está escrito? Por que diabo cresce, dia a dia, em muita gente, esta ideia peregrina de que o que se escreve, o que se diz ou o que se faz tem sempre, necessariamente, "alguma coisa por detrás"? O que leva a este mundo de teorias conspirativas, de segundas intenções, de "hidden agendas"? O que aduba este Portugal do "o que tu queres sei eu!"?. 

Só se for... cala-te boca!

Ponto de encontro

Há dias, um amigo tinha-me dito que o "Fio de Prumo" tinha falado, uma vez mais, deste blogue. A minha visita à blogosfera é muito errática e nada regular. Mas, como diria o Augusto Gil, fui ver... e por lá encontrei uma peça bem simpática, que muito agradeço e que dá conta que este "Duas ou Três Coisas" desencadeou, entre algumas das suas comentadoras "residentes", encontros pessoais e a descoberta de afinidades. 

Ora aí está um "side effect" com que eu não contava, mas com o qual, naturalmente, muito me regozijo. 

Voltem sempre e sintam-se bem nesta vossa casa.

O nosso fado

O nosso fado já é património da humanidade. As vozes que se erguem a cantá-lo, as letras que nele exprimem os nossos desalentos e alegrias, as guitarras e violas que o choram e a música que tudo isso envolve, fazem parte de uma cultura que agora já não é só nossa, já pertence ao mundo. Um mundo que, contudo, dificilmente entenderá alguma vez esta "estranha forma de vida" e por que é que, neste nosso fado, a lua rima sempre com a rua, o Tejo com o desejo e o amor com a dor. Vai bem longe o nosso fado.

sábado, novembro 26, 2011

Solidariedade

Alguém notava, num evento caritativo a que assisti na noite de hoje, o caráter "sazonal" do nosso compromisso com a solidariedade e com as carência que afetam os outros, afirmando que essa atitude não deveria surgir apenas na época natalícia, mas ser praticada ao longo de todo o ano - porque os sofrimentos e a fome não entram de férias. Talvez essa pessoa tenha razão, mas a experiência e a vida mostraram-me que mais vale estimular a preocupação com os outros em tempos como as festividades de Natal, mesmo que esses gestos surjam como pontuais absolvições de consciência, do que corrermos o risco da indiferença permanente, sem resultados materiais que permitam atenuar as dores alheias.

Vem isto a propósito do jantar em que hoje participei na "Rádio Alfa", com mais de 300 pessoas, destinado a recolher fundos para a Santa Casa da Misericórdia de Paris, cujo dinamismo desinteressado faz com a Embaixada se mobilize, com regularidade, em favor das causas que promove. A preocupação desta instituição com os mais carenciados dentro da nossa comunidade, com aqueles a quem a sorte não tocou na onda de assinalável sucesso da generalidade dos portugueses em França, com as dificuldades da nova emigração, com os idosos e doentes sem meios, com os presos portugueses e com aqueles para quem é necessário encontrar sepultura digna - eu sei que estas temáticas não são confortáveis, mas elas existem e, como se vê, há quem delas cuide com desapego material - deveria merecer um maior empenhamento de solidariedade coletiva dentro da nossa comunidade.

Uma boa ocasião para tal será dar uma colaboração, ainda que pequena, para o "cabaz de Natal" em que a Santa Casa recolhe produtos não perecíveis ou outras contribuições materiais, para ajuda daqueles nossos compatriotas que se sabe estarem mais carenciados. Neste tempo em que todos somos chamados a pensar, cada vez mais, nas dificuldades do nosso próprio futuro coletivo, talvez fosse apropriado termos um gesto em favor daqueles para quem a crise já faz parte do respetivo presente.

sexta-feira, novembro 25, 2011

As "estrelas" do Michelin

Foram hoje revelados dos nomes restaurantes portugueses que, na edição de 2012, terão as desejadas "estrelas" nos guias franceses Michelin, numa avaliação da sua qualidade gastronómica. A "estrelas" podem ir de uma a três, sendo que Portugal nunca teve, até hoje, qualquer restaurante a que hajam sido atribuídas três estrelas.

Em 2012, com duas "estrelas" aparecem o Ocean e o Vila Joya, ambos no Algarve. Com uma "estrela": o São Gabriel, o Willie's e o Henrique Leis, todos também no Algarve, o Il Gallo d'Oro, no Funchal, o Tavares e o Feitoria, em Lisboa, o Arcadas da Capela, em Coimbra, o Yeatman, em Vila Nova de Gaia, e a Casa da Calçada, em Amarante.

Portugal é um país que só muito lentamente tem vindo a "ganhar estrelas". Será isso importante? Claro que é! A profusão de restaurantes com referências positivas nos guias da Michelin é um fator de atração turística e induz mais deslocações ao nosso país. Além disso, estimula outros restaurantes a melhorarem e a colocarem-se em posição de poderem vir a conquistar "estrelas" ou, simplesmente, a concorrer com aqueles que as têm.

Devo dizer que não me recordo de ter comido nenhuma vez mal num restaurante assinalado com "estrelas" nos guias Michelin, embora algumas vezes apenas "assim-assim". Mas, com grande frequência, tenho comido bem melhor noutros restaurantes, alguns dos quais estão e estarão longe desta "corrida às estrelas" - e são quase sempre bem mais baratos.

Um aviso da parte de alguém que acompanha com alguma atenção estas coisas: em geral, pode confiar -se nos restaurantes assinalados com "estrelas" nos guias Michelin, mas não se deve confiar, necessariamente, nas listas dos restantes restaurantes que os guias mencionam para cada localidade. Sei do que falo: está lá de tudo, do bom ao medíocre (embora raramente do mau).

E, agora, permitam-me que vá jantar... a casa de amigos!

quinta-feira, novembro 24, 2011

America! America!

Não está muito na moda citar Elia Kazan. Mas quase que me apetece colocar pontos de admiração no seu admirável "America, América" para expressar a minha perplexidade em face da pobreza (chamemos as coisas pelo seu nome) do nível do debate, sobre temáticas de política internacional, que se processa entre os candidatos à investidura republicana. O que tem sido dito nesse contexto é, no mínimo, surpreendente e chocante, no tocante à impreparação da maioria dos atores políticos que se perfilam para a corrida à Casa Branca.

Alguns dirão que isso não tem a menor importância, que, a seu tempo, o mundo republicano produzirá "wise men" que darão conteúdo programático em matéria de política externa às candidaturas e que, como se viu no passado, por menos habilitados em temas internacionais que os candidatos inicialmente se mostrem, acabarão por ser enquadrados por "think tanks" que produzirão doutrina sólida, para o caso de virem a ascender ao poder. Alguns lembrar-se-ão de Reagan, outros de George W. Bush. A alguns, isso sossegará, a outros isso preocupará.

Confesso que, com anos desta vida internacional, e com os riscos que hoje existem, o panorama atual não me sossega. Kennedy disse, em 1963, face à fronteira da Guerra Fria que eram as portas de Brandeburgo, "Ich bin ein Berliner" (um amigo meu sempre apostou em como, se estivesse em Hamburgo, ele não se atreveria a dizer "Ich bin ein Hamburger"...). Dada a importância que os Estados Unidos têm para a nossa vida, pelo peso que as suas decisões no plano internacional têm sobre todos nós, eu atrever-me-ia a dizer que, meio século depois, quando um novo presidente entrar em funções, "todos seremos americanos". Uma vez mais. Queiramos ou não. E, por essa razão, a substância dos debates a que me refiro neste post está longe de me ser indiferente.

Júlio Resende

O nome lembra o do pintor recentemente desaparecido. Trata-se de um jovem pianista português que tem o jazz no sangue e que ontem tocou, e foi muito apreciado pelas largas dezenas de presentes, num concerto que organizámos na Embaixada, que hoje se reproduzirá na Casa de Portugal, na "Cité Universitaire" de Paris, com a qual entrámos mais uma vez em parceria. Com os recursos a escassearem, e como se dizia no maio68, é preciso levar "a imaginação ao poder".

O fim da tarde de ontem trouxe-nos um percurso musical muito diverso, desde temas que se colavam a Jarrett e, em certo ponto, a uma sonoridade minimalista que lembrou Steve Reich, mas onde figuraram outras referências, de Gershwin a Jobim, não esquecendo tonalidades de fado. Uma surpresa foi o convite feito pelo Júlio Resende a Elisa Rodrigues, uma nova e curiosa voz portuguesa.

A Europa e os jovens

Ontem à tarde, estive a falar, em Saint-Germain-en-Laye, a uma dezenas de jovens sobre a Europa e os seus problemas. Procurei ser simples, numa questão que é (e está, cada vez mais) muito complicada. Longe vão os tempos em que alguma regularidade no processo de construção europeia nos dava a segurança de poder afirmar certas certezas e de poder testar algumas alternativas plausíveis. É quando procuro alinhar ideias sobre os tempos que estamos a viver, sobre as opções que podem ter de ser tomadas amanhã, que melhor me dou conta da imensidão de dúvidas que eu próprio hoje alimento. E isso deve transparecer, com naturalidade, daquilo que digo. Por isso, por mais "sábios" que possamos ser sobre o passado da processo integrador e por mais lições que dele queiramos tirar para o seu destino, a verdade é que os dias que correm nos tornam, a todos, simples prisioneiros de um futuro bastante incerto.

quarta-feira, novembro 23, 2011

Greve geral

No início da minha carreira, creio quem em 1978, houve em Portugal uma greve geral. Nesse dia, por coincidência, eu estava convocado  para ir a tribunal, por excesso de velocidade - embora com um imbatível e verídico alibi da ocorrência ter tido lugar quando levava uma pessoa ao serviço de urgência de um hospital. 

Na véspera, informei a minha chefia de que teria de deslocar-me ao tribunal, enviando cópia da convocatória. Fui informado que o secretário-geral de então, embaixador Caldeira Coelho, considerava "pouco aceitável" a minha desculpa e que, se havia greve, provavelmente o tribunal estaria encerrado, pelo que não valia a pena eu ir lá. A resposta que pedi que fosse transmitida ao secretário-geral, e que não sei se lhe chegou, foi a de que, a proceder dessa forma, estava a presumir que o juíz era um dos grevistas. E que quem não poderia arriscar essa hipótese era eu. Lá estive no tribunal. Não houve audiência.

Hoje, um significativo grupo de professores portugueses, sindicalmente organizados, alguns vindos da Alemanha, em dia de greve geral a que presumivelmente aderem, pediu ser recebido hoje por mim. Julgo que todos eles têm a consciência do facto curioso e irónico de que é precisamente por não estar em greve que posso conceder-lhes a audiência. 

Lisboa em Pessoa

Desenho de João Beja

Ontem, fui inaugurar, na Sorbonne (Paris 3) uma exposição fotográfica, organizada no âmbito da deslocação de cerca de 40 alunos a Lisboa, que retratava o seu olhar pelos lugares de Fernando Pessoa na capital portuguesa.

Confesso que, por vezes, ainda me impressiona a força desta internacionalização do poeta, a sua universalidade e o modo como a sua mensagem (neste caso, em sentido lato) toca mundos muito diferentes. Tenho visto isso, em diversos lugares do mundo.

Sou de um tempo em que Pessoa, em Portugal, era lido através de umas pouco apelativas edições de capa branca da Ática, já com bastante interesse, mas sem o fulgor que a sua consagração internacional viria a acarretar. Pode não ser confortável reconhecer isto, mas há que aceitar que o Portugal menos erudito "aprendeu" a apreciar Pessoa muito graças ao modo como o mundo exterior o começou a tratar.

Há dias, dei comigo a pensar em Fernando Pessoa, ao olhar para as magníficas paisagens do Douro. Sempre fizeram parte do meu cenário de infância, sempre lá estiveram, mas não éramos educados a atentar nelas. Às vezes, olhamos e apreciamos melhor aquilo que temos quando os outros, de fora, a isso nos conduzem. É pena, mas é verdade. 

terça-feira, novembro 22, 2011

Danielle Mitterrand (1924-2011)

Alguém disse, um dia, que Danielle Mitterrand, que agora desapareceu, era a consciência de esquerda do seu marido. Mulher de causas, atenta à vida e às injustiças internacionais, nunca deixou de ser uma personalidade bastante discreta na vida pública francesa, onde media as suas aparições com grande parcimónia. Apaga-se agora o sorriso daquela cara com olhos felinos, atrás do qual se adivinhavam os segredos de uma relação complexa com um dos homens mais misteriosos da história francesa contemporânea.

segunda-feira, novembro 21, 2011

Edgar Morin

A vida tem destas coisas. Ando há anos para ouvir Edgar Morin, de quem li muito e sempre com proveito. Ao final da tarde de hoje, ele faz uma conferência do centro cultural da Fundação Gulbenkian, aqui em Paris. Estava a deliciar-me com a possibilidade de o escutar sobre a crise, a Europa e a crise na Europa. Pois não é que essa é a única hora que consegui para uma visita de urgência a um dentista?! Há dores que são duplas.

domingo, novembro 20, 2011

Ovos com bacon

Foi já há muitos anos. Posso imaginar que a conversa ia solta entre aquele velho embaixador e o seu secretário, numa tarde talvez sombria, quiçá à volta de dois maltes, numa periférica capital europeia, cujo nome ora me escapa. 

Falava-se de política portuguesa, tema que era caro ao jovem diplomata mas para o qual o seu chefe olhava com alguma distância, tantas as coisas que vira e outras que preferiria não ter visto.

O tema era uma figura política então na oposição, que o diplomata mais novo incensava nas conversas, desde há meses, apostando numa sua subida aos terrenos do poder como a chave para a superação dos males pátrios. O embaixador era, porém, muito mais cético quanto às virtudes daquele político e às suas reais qualidades pessoais.  Em especial, os insistentes rumores sobre as suas ligações a determinados lóbis deixavam-lhe muitas dúvidas quanto as reais razões pelas quais tanto se encarniçava nos seus esforcos de ascensao na vida publica.

Mas o secretário insistia: "Senhor embaixador, eu tenho acompanhado com atenção o perfil dele. É um homem comprometido com o destino do país", saiu-lhe a certo passo, um tanto grandiloquente. 

O embaixador interrompeu-o: "Comprometido ou interessado?"

- Não vejo a diferença, senhor embaixador, retorquiu o jovem.

- É imensa, meu caro, é imensa! Já pensou nos ovos com bacon?

- Nos ovos com bacon?!

- Claro! Nos ovos com bacon, a galinha é interessada, o porco é comprometido...

sábado, novembro 19, 2011

Pascal Lamy

Na passada sexta-feira à noite, estive presente numa palestra-debate com Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), a convite da associação "Notre Europe", criada por Jacques Delors, a que agora preside António Vitorino.

Lamy é um homem brilhante. Foi chefe de gabinete de Delors e, anos mais tarde, comissário europeu com a pasta do comércio exterior. Com ele tive então algumas "accrochages", quando se discutia a fixação do mandato europeu para a reunião ministerial da OMC, a ter lugar em Seattle, em fins de 1999. Nada que fosse muito diferente dos problemas que já tivera com o seu antecessor, o britânico Leon Brittan, na preparação das duas anteriores reuniões ministeriais da OMC, cuja delegação nacional me competiu chefiar - em Singapura (1997) e Genebra (1998).

Portugal atinha-se então fortemente à defesa de alguns produtos "sensíveis" para a nossa indústria, pelo que tentava salvaguardar certas "posições pautais", nomeadamente relativas a produções têxteis, dado que o nosso país se recusava ter de pagar, através da total abertura do mercado europeu a produtos idênticos oriundos de países terceiros, certas vantagens que outros nossos parceiros mais avançados pretendiam obter nesses mercados.

Recordo longas e penosas horas de negociação passadas nas salas de Bruxelas, com Portugal a terminar o processo praticamente isolado, comigo a fazer "bluff" com a ameaça de abandono da sala e, simultaneamente, pressões a serem feitas pelo telefone junto de Lisboa, queixando-se da minha intransigência.

Um dia, contarei aqui como não pude evitar o sentimento de algum gozo ao testemunhar, semanas depois, nas manifestações nas ruas e no caos das salas de trabalho da reunião de Seattle, o ruir fragoroso dessa negociação. Ia pagando caro, em termos europeus, uma declaração que então fiz à SIC, dizendo "não poder deixar de ter uma certa simpatia nostálgica pelos manifestantes, que haviam criado um ambiente anos 60, que recordava Berkeley e o Maio 68". Recordo que essa foi, talvez, a primeira grande movimentação de massas anti-globalização.

A reunião de sexta-feira parecia de "amigos de Alex", gente de um outro tempo europeu. Por lá encontrei Niels Ersbøll, antigo secretário-geral do Conselho das Comunidades Europeias, Philippe de Schoutheete, representante permanente belga, e Elisabeth Guigou, antiga ministra francesa - todos membros do "grupo de reflexão" no seio do qual, em 1995, havíamos discutido e preparado a revisão do tratado de Maastricht. Mas, igualmente, os portugueses Maria João Rodrigues e Vitor Martins, duas figuras a quem a política europeia portuguesa muito ficou a dever. E, também, os meus amigos espanhóis Enrique Barón Crespo, antigo presidente do Parlamento Europeu, e Eneko Landaburu, que agora chefia a representação da UE em Rabat, uma figura que foi sempre de uma grande correção para conosco, como diretor-geral da Comissão encarregado dos fundos estruturais.

A charla e o debate processavam-se de acordo com a consagrada "Chatham House rule", o que significa que o conteúdo do que foi dito não deve ser passado cá para fora (embora eu visse dois jornalistas conhecidos a tomar afanosamente as suas notas...). Por isso, apenas aqui anoto a ironia de Pascal Lamy quando afirmou que os países do antigo G8 parece não terem ainda decidido muito bem como deverão tratar os chamados "emergentes" (que muitos consideram já "emergidos"): ou como países ricos com muitos pobres ou como países pobres com muito ricos.

Porturegale-se

Aqui.

sexta-feira, novembro 18, 2011

As contas da Europa

No meio de toda a turbulência que afeta a generalidade da União Europeia, por via da crise que está instalada em torno do euro (que, curiosamente, continua a revelar-se uma muito sólida moeda, no contexto mundial...), há uma discussão séria que se aproxima: a das "perspetivas financeiras", isto é, o quadro orçamental plurianual que será fixado para vigorar de 2014 até 2020.

Esta não vai ser - nunca foi... -  uma discussão fácil, particularmente num contexto de restrições orçamentais como aquele que todos os Estados membros da UE atravessam. A Comissão Europeia já apresentou algumas linhas de reflexão. Algumas movimentações no terreno deixam claros interesses que pretendem ser preservados no futuro, nomeadamente com vista a fazer escapar algumas políticas comunitárias ao esforço global de contenção que terá de ser feito. Nada de surpreendente.

Pela nossa parte, com a serenidade de um país que, em todas as negociações de anteriores quadros financeiros revelou sempre uma atitude de firmeza responsável, e em particular porque estamos num contexto em que consideramos que não há condições para um reforço do orçamento, Portugal defende que todas - mas todas! - as políticas da União devem contribuir para o necessário esforço de contenção. 

quinta-feira, novembro 17, 2011

Viva o Estado!

"Nisto não se mexe, isto é do Estado!". Tenho esta frase no ouvido desde a minha infância. Eu devia ter 7 ou 8 anos e o meu pai, chefe de um serviço público numa cidade de província, havia-me levado, uma tarde, a assistir à abertura de uns caixotes de madeira que, uma vez por ano, chegavam, "de Lisboa", com o material de papelaria, para ser utilizado pelos funcionários, nos 12 meses seguintes. Eram resmas e blocos de papel, lápis, cartolina, borrachas, elásticos e tinta para canetas. Para quem, como eu, vive, desde que se conhece como gente, fascinado pela "stationery", a visão desse material deve ter-me criado imensa água na boca. Mas o meu pai, nas coisas do Estado, era inflexível: nunca tive, pela sua mão, um lápis ou uma borracha "do Estado" e, recordo-me muito bem que, quando passei a poder usar uma velha máquina de escrever da família, o meu pai trazia para casa fitas já usadas, consideradas demasiado gastas para o serviço.

Foi assim que, em minha casa, aprendi, para vida, o que era o Estado. Dessa forma me foi ensinado o que era ser servidor público, como o meu avô já o fora, este mostrando-me, pelo exemplo constante de vida, que servir o Estado era sinónimo de servir o país. Com ele aprendi a recusar uma dualidade pessoal com o Estado, porque, como sempre lhe ouvi, "o Estado somos todos nós".  

Faz hoje, precisamente, 40 anos, dia por dia, em que "entrei para o Estado". Passei, num concurso com muitas centenas, a ser funcionário público, uma designação que os meus amigos estranham que eu sempre escreva e diga, em lugar de "diplomata", quando tenho de declarar a minha profissão. Faço-o porque tenho uma imensa honra em ser servidor público, em ser funcionário do Estado, porque continuo a pensar que essa é a mais nobre forma de servir Portugal.

Os tempos que correm - eu sei! - não vão fáceis para o Estado e para quantos o defendem. Diabolizado por muitos, o Estado passou a ser o bode expiatório de todos os males e de todos os défices, com alguns a apelar por "menos Estado e melhor Estado", quase sem esconderem o desejo de colocar ao seu serviço o que dele sobrar. Os professores, as forças de segurança, os servidores da Justiça, os militares, os funcionários da saúde pública, os técnicos e administrativos de imensas áreas e, por maioria de razão, essa casta irritantemente snobe que são os diplomatas - tudo isso não passa, no discurso dos turiferários das virtudes angelicais da "sociedade civil", de um bando de inúteis gastadores, de preguiçosos absentistas, de mangas-de-alpaca que pilham o erário e o que foi criado pelo suor de quem "produz a riqueza". 

É claro que sei que vou contra "l'air du temps", que vou correr o risco de eriçar alguns sobrolhos e de excitar alguns blogues ou colunistas desses novos "libertadores", mas deixem-me que aqui diga hoje, quatro décadas depois de ter começado a servi-lo, sem uma ponta de arrependimento, com um imenso orgulho e com a liberdade a que o 25 de abril me deu direito: viva o Estado!

Sobre as águas

Em tempos complexos, vogam por aí novas "Velas e navios sobre as águas". 

Os dias não vão para luxos, mas, c'os diabos!, ainda podemos gozar um certo Fausto.

François Bayrou

François Bayrou é um dos mais experientes políticos franceses. Antigo ministro e presidente do partido centrista MoDem, obteve mais de 19% dos votos nas eleições presidenciais de 2007. Em 2012, irá de novo a votos. Entretanto, vai publicando, pelo seu punho, alguns livros que são tão polémicos como admiravelmente bem escritos.

Ontem, Bayrou almoçou com os embaixadores da União Europeia e, num tom solto e bem humorado, disse-nos o que pensa da situação política interna francesa, explicando também a sua visão sobre as mais importantes temáticas europeias. Fê-lo num tom franco e "sem papas na língua", o que me levou a dizer-lhe, em jeito de elogio, numa questão que lhe coloquei, que, ouvindo-o, ninguém diria que a expressão "langue de bois" era francesa...

Aproveitei este encontro com François Bayrou para pôr com ele algumas contas em dia.

Alguns se lembrarão que, em 2000, no início da presidência portuguesa da União Europeia, ocorreu o chamado "caso austríaco". 14 dos 15 países da então União, descontentes com o facto de estar iminente a entrada no governo austríaco de um partido tido como de extrema direita, resolveram impor algumas "sanções" às autoridades de Viena.  Tratava-se de medidas de natureza bilateral, que não afetavam os direitos austríacos como país membro da União, mas que significavam o descontentamento dos parceiros europeus da Áustria pelo facto do paradigma governamental do país poder conflituar com a ordem de valores pelo qual a Europa comunitária se deveria pautar. Mal sabíamos nós, à época, o que o futuro nos traria noutras paragens do continente...

O tema era muito polémico, por toda a Europa. Como polémica foi a necessidade de Portugal ter sido colocado, pela generalidade dos seus parceiros europeus, no centro do problema, como "coordenador" da posição dos 14. O Parlamento Europeu também não escapou a ele e, numa tarde de fevereiro, em Bruxelas, com o areópago a abarrotar, a presidência portuguesa, que tivera de assumir as "dores" dos 14, esteve no centro de um longo debate. Coube-me assegurar as nossas "cores" e defrontar um ambiente muito tenso, com centenas de deputados a vaiar a posição que nos competia defender, lado a lado com outros que hostilizavam a opção austríaca.

A base de argumentário de que eu dispunha para o debate era muito escassa: um mero comunicado de alguns parágrafos, laboriosamente acordado entre os 14, com aquela linguagem ambígua que esse tipo de textos fortemente negociados sempre tem. Era muito pouco, para cerca de duas horas de debate, mas era essa a minha margem, pelo que tive de improvisar em torno do texto comum, cuidando em o interpretar criativamente, correndo o risco de alguém me poder dizer que estava a ir longe demais. 

Acresce que a Comissão europeia, na bancada em frente, escudada na prudência, havia decidido tomar um caminho de retração opinativa num tema em torno dos valores, aguardando talvez que o vento soprasse de forma clara num qualquer sentido. Pela voz do presidente Romano Prodi, assumiu uma posição equívoca, a qual, a partir de certo momento, me deixou numa situação algo embaraçosa. Nem uma intervenção mais "assertive" do comissário Neil Kinnock em nosso apoio, a quem eu fizera entretanto chegar uma nota do desagrado por essa tibieza inicial, foi suficiente para reverter o ambiente de isolamento em que a presidência portuguesa se encontrava.

No plenário, o "ping-pong" entre a esquerda e a direita foi-se processando, com a presidência a ser considerada, ora tímida e complacente, ora demasiado agressiva com Viena, sendo raros os que se reviam na "craftly worded" linguagem do comunicado dos 14. 

Por razões que só a "petite histoire" acolherá um dia, a maioria dos deputados portugueses dispensou-se de intervir em defesa a posição da "sua" presidência, pelo que, sozinho, tive de fazer as "despesas da conversa". Nada que fosse impossível, mas era uma posição bastante difícil de ir sustentando sem apoios claros no plenário. Mas estes eram raros. Contra nós, por exemplo, falaram figuras como Jean-Marie Le Pen, que vociferou graves coisas denunciando a atitude que titulávamos - repito, não em nome de Portugal, mas de 14 dos 15 países da União cuja posição e razões nós ali tentávamos sustentar.

Foi então que uma voz do centro do espetro político europeu se ergueu, com grande vigor e determinação, apoiando as razões assumidas pela presidência portuguesa, destacando que ela estava a representar os princípios de ética democrática da União e uma linha justa de abordagem do problema: essa voz era a de François Bayrou. Com as suas reconhecidas qualidades de tribuno, colou-se às nossas posições e foi uma preciosa ajuda para equilibrar o ambiente.

Ontem, tendo com ele coincidido numa das mesas do almoço organizado pelo meu colega polaco, tive o ensejo de lhe relembrar a ocasião e o seu gesto. Ainda que com mais de uma década de atraso, foi-me grato poder expressar esse agradecimento que estava a dever a François Bayrou.

terça-feira, novembro 15, 2011

Hotéis

A grande hotelaria é hoje uma das nossas imagens de marca como país, no mercado exterior. Por ela passa a utilização do turismo como um dos instrumentos para a superação dos problemas da nossa economia.

Ontem, aqui em Paris, tive o prazer de poder testemunhar a consagração de um projeto como o Porto 41, um hotel situado nas margens do Douro, a escassas dezenas de quilómetros do Porto, cuja ousada e criativa arquitetura recebeu um prémio internacional, numa competição onde figuravam alguns dos maiores projetos do mundo no setor.

Da seleção final, noutra categoria, figurava o Altis Belém Hotel, também uma magnífica unidade hoteleira de Lisboa.

segunda-feira, novembro 14, 2011

Cultura portuguesa

Na passada semana, homenageei na Embaixada, em ocasiões diferentes, duas figuras cuja importância para a promoção da cultura portuguesa em França pude testemunhar, durante a minha estada em Paris.

Reuni jornalistas, livreiros e editores franceses para saudar Michel Chandeigne e os 20 anos das "Éditions Chandeigne", que têm levado a cabo uma importante tarefa de divulgação da língua e da cultura de Portugal e dos países que, pelo mundo, se exprimem em português. Na pessoa de Michel Chandeigne e dos seus colaboradores, lembrei igualmente o magnífico trabalho desenvolvido pela sua livraria que, desde há um quarto de século, torna acessíveis obras de diversas origens, servindo todas as culturas que se exprimem em português.

Noutra ocasião, juntei dezenas de amigos e figuras próximas de João Pedro Garcia, o qual, durante sete anos, dirigiu o Centro cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris. A Gulbenkian, como eu costumo dizer, é uma outra "Embaixada" portuguesa nesta cidade e, graças ao entusiasmo, dinamismo e competência do seu diretor, transformou-se num espaço insubstituível, pela organização de grandes eventos culturais, que muito dignificam a imagem de Portugal. Agora que João Pedro Garcia regressa a Lisboa, para retomar em pleno o seu lugar de diretor internacional da Fundação, quis deixar-lhe uma nota de grande apreço, em especial pela inexcedível colaboração com que dele sempre pude contar.

A cultura portuguesa tem, infelizmente, um elevado défice (outro...) de afirmação no exterior. Figuras como Michel Chandeigne e João Pedro Garcia dão uma grande ajuda para reduzi-lo.

domingo, novembro 13, 2011

Verde Eusébio

"Não gosto do Sporting. No meu bairro, era o clube da elite, da polícia e dos racistas". "Eu nem do Sporting de lá gosto, quanto mais do de cá", diz Eusébio no 'Expresso' ".

Pois é, Eusébio! Mas nós, quer você queira quer não (e já se percebeu que quer...), gostamos de si, mesmo sendo do Benfica. Aqui deixo uma foto de quando você era de um Sporting...

Vemo-nos na Tia Matilde!

sábado, novembro 12, 2011

O fim do MES

Éramos quase 300. Algumas caras diziam-me muito, outras alguma coisa e outras, francamente, nunca as devo ter visto. Foi o almoço com que saudámos os 30 anos passados desde que, em 1981, um jantar consagrou o termo de um partido cuja existência efetiva já era então algo duvidosa. Foi um almoço sem muitas nostalgias, sem discursos, que seriam inapropriados em gente de uma geração que seguiu percursos nem sempre comuns, mas que, de comum, terá para sempre a bela memória de um tempo magnífico. E que, em geral, não renega as suas heranças.

Alguns faltaram, por razões muito diversas, em certos casos, imperativas e definitivas. Em nome e simbolizando os que partiram, deixo a imagem de alguém que nos fez e faz muita falta: o Agostinho Roseta.

Uma jovem jornalista perguntou-me, antes do almoço, se ao país sente falta, nos dias de hoje, de um partido como o MES. Ri-me e disse-lhe, claro, que não. Embora os portugueses hoje cada vez mais se preocupem com o fim do mes...

Em tempo: aqui deixo um forte abraço de agradecimento ao núcleo organizador do almoço, que foi responsável pela sua impecável realização.

Vale a pena ver aqui um filme sobre o MES publicado no blogue dedicado a este almoço.

quinta-feira, novembro 10, 2011

"Le Monde" não é o mundo

Numa destas operações de limpeza de papeladas que os fins de semana propiciam, encontrei há dias um recorte de um número do "Le Monde", já com uns meses, onde se defendia, em editorial, que "é preciso chamar ditador a um ditador, sempre e bem alto".  Arriscando-me a suscitar a cólera dos puristas, quero dizer que, se a frase é bonita em termos de jornalismo, ela é impraticável em termos políticos.

Vamos então aos factos, no que, por exemplo, respeita a Portugal.

Como é sabido, o nosso país mantém relações diplomáticas e económicas com diversos Estados onde vigoram regimes mais ou menos sinistros, alguns travestidos de "democracias", outros com modelos abertamente autoritários ou populistas, onde têm lugar regulares atentados, uns mais graves que outros, a direitos de cidadania que, no nosso mundo, consideramos fundamentais. Convém, aliás, ter presente, para quem o não saiba ou possa ter esquecido, que, na maioria dos países do mundo, a democracia não se pratica, pelo menos no conceito que dela temos no ocidente.

Em alguns desses Estados, vivem, contudo, cidadãos portugueses, por vezes em número bem significativo. Empresas do nosso tecido empresarial mantêm, com entidades públicas ou privadas desses países, regulares negócios, do sucesso dos quais dependem muitos postos de trabalho em Portugal. Não raramente, capitais oriundos desses tais países com regimes muito pouco recomendáveis ajudam a engrossar o investimento direto estrangeiro que o nosso país procura, a todo o custo, estimular. E turistas, chegados desses Estados menos democráticos, desembarcam em Portugal e gastam os seus dinheiros nos hotéis, restaurantes e lojas portuguesas.

Imaginemos, assim, por um instante, que Portugal era tentado a seguir a política de "murro na mesa" (como a recomendada pelo "Le Monde") e que, num acesso de "honestidade" e de insana franqueza na afirmação de princípios, os responsáveis políticos portugueses decidiam declarar publicamente que, no país X, os direitos políticos dos cidadãos são frequentemente desrespeitados pelo autoritarismo populista aí reinante, que a liberdade de imprensa não vigora em plenitude no Estado Y e que existe uma clique corrupta que rouba o Estado Z.

O que sucederia? Com toda a certeza, na sequência do ressoar mediático dessas declarações, os nossos cidadãos residentes nesses Estados iriam sofrer retaliações nos respetivos interesses, empresas portuguesas iriam ver os seus negócios prejudicados, alguns capitais migrariam de Portugal para outras paragens e, atento o poder de controlo que os governos desses países têm sobre os seus cidadãos, eles deixariam de nos procurar como destino turístico. Além disso, e por muito tempo, a capacidade de interlocução política de Portugal, para a defesa dos seus interesses e dos seus cidadãos residentes nesses países, baixaria para zero. 

Porém, outros Estados que não houvessem seguido o angélico conselho do "Le Monde" fariam, de imediato, todas as diligências necessárias para recuperarem, para as suas empresas, os negócios que as suas congéneres portuguesas haviam perdido ou para recuperarem os capitais que Portugal tivesse alienado. E, podem crer, nesses Estados que se movimentariam para nos substituir estariam vários parceiros nossos da União Europeia.

Mas não será que a "valentia" retórica portuguesa poderia acabar por ter um efeito para a melhoria dos aspetos denunciados? Só por ingenuidade ou desconhecimento alguém pode pensar dessa forma. Alguém, com um mínimo de sensatez, acha que um país estrangeiro iria mudar a sua política só porque a diplomacia das Necessidades decidia congelar relações ou manifestar bilateralmente uma oposição à orientação da sua política? O único efeito de tais gestos iriam ter seria o pontual acalmar das consciências de quantos pensam como o "Le Monde", o que seria um saldo bem curto. Só que esses puristas - que andam por aí a blogar ou a comentar, com foto tipo passe, nas colunas onde escrevinham pagos à linha - não têm, e sabem que nunca terão enquanto emitirem tais juízos, quaisquer responsabilidades políticas na proteção dos interesses dos nossos compatriotas que vivem no estrangeiro, nem ninguém lhe iria pedir que defendam os postos de trabalho das nossas empresas ou da nossa indústria turística. "Mandar bitaites" sobre política externa é muito diferente de ter de a executar.

Mas, então, a opção é estarmos calados? Então Portugal não tem uma "diplomacia ética", respeitadora dos direitos humanos, promotora da defesa das liberdades? Claro que tem e, para tal, há locais próprios para atuar. Salvo para Estados com grande poder à escala global, que dispõem de meios de pressão, económica ou outra, que podem, em certas circunstâncias, garantir a produção de alguns efeitos no plano bilateral, a luta pelo respeito pelas liberdades e pelos direitos fundamentais, bem como a promoção de fórmulas de boa governação, tem hoje outros patamares de tratamento. Apenas o quadro multilateral ou de coordenação regional permite um espaço de intervenção minimamente eficaz,  muitas vezes com a utilização do mecanismo de condicionamento de ajudas ou pela imposição de sanções, por forma a exercer alguma pressão que force a mudança.

Mas, mesmo essas pressões, não nos iludamos, terão sempre uma eficácia que varia na razão inversa da dimensão económica e da importância estratégica do país sobre o qual elas se objetivam. A "coragem" da União Europeia, por exemplo, é tanto maior quanto o país que é objeto das suas medidas "punitivas" é irrelevante para os negócios dos seus principais Estados membros. Basta ver, aliás, como a voz europeia "engrossa" na manhã seguinte ao dia em que os ditadores (até então parceiros) caem, por via da necessidade de colocar esses interesses europeus em consonância com os novos ventos que passam a soprar localmente. Não preciso de dar exemplos, pois não?

O mundo não é o "Le Monde". É uma pena, mas não é.

Poderes

Comentário irónico de um colega europeu (não revelo o país, claro), à margem de uma reunião de trabalho, na tarde de hoje: "Não deixa de ser estranho verificar que o poder de pressão dos poderes fáticos europeus, forçando à mudança de governos, só funcione perante democracias. Gostava de os ver tão eficazes em Damasco e Teerão...".

Nem imaginam a cara de alguns dos presentes.

A bicicleta europeia

Jacques Delors dizia que a Europa era como um bicicleta: no momento em que parasse de avançar cairia para o lado.

Salvo para alguns artistas prendados - e os tempos não mostram muitos no atual circo europeu -, há outra conclusão que se impõe: se a bicicleta começar a andar para trás, espalhamo-nos todos ao comprido.

Democracia

"A crise da dívida parece empurrar gradualmente a Europa para uma mais estreita integração. Mas a Europa pode pagar um preço pesado se, nesse caminho, tratar cada vez mais a democracia como um luxo fora de moda" - escreve hoje Tony Barber no "Financial Times", num artigo onde se destacam os casos português e irlandês, como exemplo de esforços feitos por governos que estão perante "formidáveis dificuldades, mas das quais não faz parte a defesa da sua legitimidade".

Previsões

É muito bom ler isto: "A Comissão Europeia estima que Portugal irá cumprir as metas de défice público para 2011 e 2012, prevendo mesmo um valor ligeiramente mais otimista que o governo português para este ano, ao antecipar um valor de 5,8 por cento do PIB."

E menos bom ler isto: "A Comissão Europeia prevê que o nível da dívida pública portuguesa chegue a 101,6 por cento do PIB este ano e registe um aumento para 111,6 por cento em 2012. As perspetivas de Bruxelas, presentes nas previsões de outono hoje divulgadas, são mais pessimistas que as do governo português."

Portanto, sigamos o João Pinto.

Baisers volés

Alguém que descubra a solução, porque eu não a consigo encontrar, para evitar ficar preso até às três e tal da manhã, a partir do momento em que um canal de televisão nos mostra, pela enésina vez, o "Baisers volés", de François Truffaut.

Pode ser que alguém tenha a coragem de desligar o suave sorriso, marcado por uma bela e incomparável tristeza, de Delphine Seyrig, fixando, sem mancha de ironia, o eterno embaraço grave de "Antoine Doinel". Pode ser. Mas não contem comigo para isso.

quarta-feira, novembro 09, 2011

Um abraço, Georgios

Não é vulgar repetir um post. Mas vou reproduzir o que aqui publiquei, em 5 de outubro de 2009, porque ele é o melhor retrato que consigo fazer de um amigo que foi, até há uns minutos, o primeiro-ministro da Grécia:

"Georgios Papandreou foi ontem eleito primeiro-ministro da Grécia.

Desde o tempo em que foi secretário de Estado e depois ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país, Georgios anima anualmente um clube internacional de discussão, para o qual tive o privilégio de ser por ele convidado algumas vezes - o Symi Symposium. António Guterres e Jaime Gama foram os outros portugueses presentes nessas reuniões, que têm uma composição variável. Por lá passaram já Bill Clinton, Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Richard Holbrook, Fernando Henrique Cardoso, Yossi Beilin, Ségolène Royal, etc. São encontros com cerca de 25 pessoas, cada uma de sua nacionalidade, realizados sempre em locais diferentes da Grécia, nos quais, durante uma semana, se pensa livremente o mundo e, muito em especial, a Europa.

Houve um desses debates, creio que em 1999, que nunca mais esquecerei. Estávamos no tempo imediatamente posterior à grande crise do Kosovo e, à mesa, desencadeou-se uma acesa discussão entre uma resistente sérvia, aberta opositora de Milosevic, e um intelectual kosovar, recém-saído de meses de clandestinidade em Pristina. Num certo momento, o kosovar, num óbvio excesso de argumento, volta-se para nossa amiga sérvia e ataca-a da seguinte forma: "tu podes ser pró ou anti-Milosevic, mas o problema que nunca poderás ultrapassar é o facto de seres sérvia!".

Todos ficámos gelados! O ambiente de diálogo e cordialidade que caracteriza, desde há vários anos, aquelas reuniões, que não impede discussões acesas e vivas, nunca terá chegado a um extremo tal de agressividade, muito fruto de um tempo de tensão balcânica cuja conflitualidade inter-étnica ficámos, naquele instante, a perceber bem melhor.

Foi então que, com o seu ar sereno, no tom suave que nunca perde, Georgios interveio. E fê-lo para contar uma história, que se tinha passado consigo, já há muitos anos.

Durante a ditadura militar grega, o seu pai, Andreas Papandreou, que mais tarde viria a ser primeiro-ministro, encontrava-se na clandestinidade. Uma noite, o exército invadiu a casa da família de Georgios, que era então adolescente, e levou-o de carro para uma qualquer zona da Grécia. Umas horas mais tarde, ao chegarem a uma moradia isolada, cercada pela tropa, Georgios viu o oficial que o detivera e que comandava o grupo pegar num megafone e dirigir-se à habitação, que logo compreendeu ser o esconderijo onde estava o seu pai. O oficial gritou então para que Andreas Papandreou se rendesse, informando-o de que tinha ali o seu filho, que prenderia se ele não se rendesse, tudo isto acompanhado de outras ameaças violentas. Perante este cobarde ultimatum, o pai Papandreou entregou-se e foi preso.

A história que Georgios nos contou tinha um significado que ele pretendia projectar no ambiente de tensão que se criara no nosso debate. Porque acrescentou: "na passada semana, encontrei casualmente o militar que fez essa chantagem comigo e com o meu pai, utilizando-me como refém. Estendi-lhe a mão e cumprimentei-o. Essa é a nossa superioridade como democratas".

Recordo-me que todos olhámos para os nossos amigos da Sérvia e do Kosovo, para tentar perceber se eram sensíveis à lição. Não estou certo que ela tenha sido eficaz.

Se outras razões não tivesse, fruto da minha já antiga amizade com Georgios Papandreou, este testemunho reforçou-me a admiração pelo perfil humanista do homem que, desde ontem, dirige os destinos da Grécia. E a quem já dei os meus sinceros parabéns."

O Sporting, o Porto e o Benfica

Hoje, fui simpaticamente convidado para ir, com um grupo, ver jogar o Sporting com o Arsenal, em Alvalade, no dia 26 de novembro.  O Sportin...