A ideologia liberal contemporânea tem colonizado por cá o pensamento económico. É hoje a matriz quase exclusiva do ensino universitário, em especial nas “business schools”, onde doutrinas divergentes são abordadas como meras curiosidades históricas, contrapontos risíveis face a esse novo normal. Sobram, claro, alguns que não se vergam ao papel absolutizante do mercado e ainda destacam a ação política que releva o papel do Estado. Mas esses são espécies “raras”, de um outro tempo. O pessoal da “mão invisível”, nos dias que correm, anda por aí nas suas sete quintas. Na teoria.
Um certo jornalismo económico também quase que desapareceu. É incomum ver alguém fornecer ao utente mediático chaves alternativas que permitam a este fazer, pela sua própria cabeça, uma leitura da realidade económica. É raríssimo ver um jornalista abordar uma decisão política, com implicação económica, com total equidistância face às diferentes razões que podem explicá-la. O que se observa são leituras assentes numa única perspetiva, diabolizantes do papel do Estado e críticas da sua dimensão, rejeitando modelos intervencionistas, tendo como ‘benchmark” fórmulas de matriz austeritária, de redução obsessiva dos défices, de desregulação e de fé infinita nas virtualidades do mercado. Quando os argumentos escasseiam, vão ao fundo da panela e repescam, sempre sem as detalhar, as tais “reformas estruturais”. Tudo tão previsível!
Os saudosos anos da “troika”, com as fórmulas mágicas que nos trariam um mundo de felicidade terrena, foi, para esse antigo jornalismo - hoje mera opinião, com o “eu” expresso ou subentendido no comentário que, às vezes, se disfarça de notícia -, uma espécie de “jardim do éden” perdido, que a aziaga realidade dos factos não permitiu levar à prática até ao fim (aqui concordo: seria o fim!). Esse pessoal sente-se hoje órfão do extremo rigor perdido lá por Bruxelas e considera laxista o “quantitative easing” do BCE, porque facilitou a vida ao governo que detesta.
Valha a verdade que certos setores económicos navegam nas mesmas águas, razão pela qual algum jornalismo económico (ainda não todo, felizmente) mais não é hoje do que o seu espelho impresso, às vezes por convicção, outras por servilismo. Com uma imensa diferença: na vida das empresas lida-se com a realidade, não com as palavras.
O papaguear dos liberais do burgo pode até confortar as íntimas convicções de muitos, para quem deve ser cómodo ler colunistas e opinadores televisivos que lhes “dão razão”. Porém, há uma realidade com que, gostem eles ou não (e muito não gostam!), têm de conviver: quem representa politicamente essas ideias que lhes são caras não tem hoje, em Portugal, um suporte maioritário, na hora do voto. Por isso, no fim do dia, por muito que lhes custe (e custa!), estão a ter de aprender a viver com a Geringonça ou outro modelo similar. E, nos próximos quatro anos, devem já ter percebido que, muito provavelmente, e salvo imponderáveis, também não poderão contar com o presidente da República para colocar pauzinhos na engrenagem. Um azar nunca vem só, não é?
Estando muito longe de partilhar a santificação política do mercado, estou convicto de que há espaço para ir melhorando, com diálogo e sem roturas, a competitividade da nossa economia e a eficácia da máquina pública. Tenho para mim que os que tentam “partir a loiça” acabarão afinal por partir a cabeça, podendo sair feridos do exercício. Por isso, só posso recomendar uma atitude realista: a inteligente adoção do “possibilismo”. No passado, essa doutrina gradualista trouxe alguns socialistas à consciência pragmática daquilo que, de facto, era viável fazer, sem saltos radicais, aprendendo a operar sob as condições políticas da conjuntura. Nos dias portugueses de hoje, aconselho uma postura idêntica a quantos trabalham no universo privado.