quarta-feira, julho 06, 2011

Para a Maria José

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
Da emoção que a hora tece.

Fernando Pessoa

Notações

Uma agência de "rating" internacional acaba de baixar a classificação de Portugal, assinalando um aumento de risco em torno da nossa economia, fazendo disparar os juros das obrigações portuguesas.

A publicação deste parecer, na véspera de um leilão de dívida, encarecerá os custos do Estado. Mas, essencialmente, acarreta um peso acrescido no normal processo de endividamento de outras entidades públicas e privadas, cujo respaldo do Estado português surge agora enfraquecido, com garantias mais difíceis de concretizar.

Não importa aqui "chover no molhado" sobre os critérios dessas agências, apenas sendo justo lembrar uma vez mais que o seu atual rigor serve, de certa forma, para compensar o olhar distraído que elas tiveram, durante anos, perante os riscos de muitos produtos financeiros sem credibilidade, que estiveram na origem da atual crise. 

O que agora afeta, na perspetiva dessas agências, a situação portuguesa, não tem em mínima consideração os esforços que as autoridades portuguesas estão a levar a cabo, colocando em prática, com um apoio político maciço e com um imenso sentido de responsabilidade, um programa de um rigor orçamental sem precedentes. 

No passado, como foi o caso das intervenções externas nos anos 70 e 80, o nosso país já havia dado mostras de ter capacidade para superar graves crises macroeconómicas. E a disposição corajosa que agora Portugal está a demonstrar é a melhor prova de que tudo faremos, uma vez mais, para superar esta nova situação. Mas nem a serenidade responsável com que o povo português está encarar o esforço que lhe é solicitado parece convencer os "olheiros" das agências de notação da nossa determinação.

Agora tudo se passa como se os rumores em torno de uma possível reestruturação da dívida grega, fruto de uma situação nacional muito específica que todos reconhecem diferente da nossa, tenham necessáriamente que arrastar Portugal para um tratamento idêntico pelos mercados.

Não deixa de ser irónico que, tendo o nosso país acordado com as instituições europeias e com o FMI um pacote de profundas reformas e de cortes drásticos na despesa pública, algumas das quais antecipadas já por nossa decisão autónoma, as agências de notação acabem, afinal, por mostrar-se "mais papistas do que o papa".

Será talvez legítimo pensar que a União Europeia, e, dentro desta, os atores principais que definem as opções de reforço da zona euro, talvez devesse refletir bem no facto de que esta permanente "navegação à vista", com decisões cumulativas "ad hoc", suscitadas em resposta à corrente dos acontecimentos, vai ser o melhor aliado do jogo especulativo dos mercados. Esta política de medidas avulsas acaba, sem a menor dúvida, por tornar muito mais caro agora aquilo que uma atempada decisão, firme e consequente, já poderia ter estancado há muitos meses. 

O que se passou nas últimas semanas, com alguma cacofonia contraditória entre a linha política do BCE e as iniciativas em torno dos "heterónimos" criativos com que alguns tentam tratar a ideia de reestruturação da dívida grega, aí está a mostrar os seus indesejáveis frutos.

(este texto serviu-me de "inspiração" para o artigo que, no dia 8.7.11, publiquei nos "Les Echos" - ver mais acima)

terça-feira, julho 05, 2011

Condecorações

Olhar para as condecorações dos outros, de forma mais ou menos discreta, é um vício que é muito típico de alguns diplomatas. Há dias, numa cerimónia no Mónaco, vi que um colega meu se fixava atentamente numa condecoração vermelha que eu trazia na lapela. A certa altura, não resistiu: "Que condecoração é essa? É a "Légion d'Honneur" francesa?", inquiriu.

Não, não era, expliquei-lhe. Era "apenas" a nossa Ordem de Cristo. "Mas tu, em Paris, andas sempre com outra condecoração na lapela!", retorquiu. Expliquei que assim era porque, em França, usava, por regra, uma condecoração que, em tempos, me tinha sido atribuída pelo governo francês, muitos anos antes de eu pensar em vir viver para Paris. E lembrei-lhe algo que pouca gente sabe: existe uma legislação francesa, datada do século XIX, que proíbe os cidadãos franceses de usarem, no seu território, as insígnias da Ordem de Cristo e de uma ordem da Santa Sé cujo nome não lembro, apenas porque ambas têm a mesma côr que a "Légion d'Honneur" e podem confundir-se com ela.

Lembro esta mania dos diplomatas curiosos, a propósito de uma história que o meu amigo Jaime Nogueira Pinto me contou, há uns tempos. Era a propósito de um militar que trabalhava no gabinete do presidente Óscar Carmona, nos anos 40 do século passado e que tinha então a seu cargo o serviço do protocolo. Por diversão e interesse cultural, esse coronel tornara-se num especialista em condecorações estrangeiras. Identificava-as e sabia a história de cada uma.

Numa certa receção, nesses tempos idos da ditadura, o seu olhar fixou-se nas condecorações vistosas de um embaixador latino-americano, que tinha a casaca pejada de insígnias. Com a complacência do hiper-condecorado, lá foi revelando os nomes das ordens de que esse diplomata era portador. Mas, a certo ponto, embatucou: "que condecoração é esta? Nunca a vi!". O diplomata, sobranceiro, respondeu-lhe: "Pois se o senhor as conhece todas, também tem de conhecer esta. Mas não lhe vou dizer o nome. Descubra!..."

A evolução da receção fez com que o militar e o diplomata acabassem por se separar antes do mistério ser esclarecido. É nessa altura que, com um sorriso, este último se volta para um colega português e lhe diz: "Gostei de ver a cara do vosso militar. Não conseguiu descobrir que condecoração era esta. Pudera! Fui eu que a desenhei e que a mandei fazer para mim mesmo...".

Depois de ouvir esta história, já tenho dado comigo a pensar se todas as condecorações que brilham no peito de alguns dos meus colegas são verdadeiras.

Tomar nota!

Portugal é o 5º maior produtor de vinhos da Europa e o 10º a nível mundial.

domingo, julho 03, 2011

Etimologias

O ambiente era excelente, naquele restaurante tradicional de uma velha cidade do mundo árabe, em que as autoridades nos ofereciam um almoço, com as melhores especialidades locais. Sentávamo-nos em largos almofadões e cruzávamos as pernas para poder aceder às vitualhas que, com abundância, nos eram trazidas por ondas cíclicas de fâmulos, intervaladas por momentos em que nos aspergiam com água perfumada. A ocasião estava a ser muito agradável, a temperatura fresca da sala ajudava a compensar a manhã de intenso calor, que fora passada em visitas a empresas e a obras públicas. A diplomacia económica estava a ter uma merecida pausa gastronómica.

Era patente uma hesitação, entre alguns membros daquela delegação oficial portuguesa, quanto ao modo como abordar certos pratos. Eu era um desses hesitantes. É que, em muitos casos, e por exclusão de partes, não se via outra solução senão usar as mãos para comer aquilo que nos ia chegando às mesas redondas de latão desenhado, pelas quais informalmente nos distribuíamos. E a verdade é que havia quem nisso tivesse alguma relutância, como era o meu caso.

Um dos colegas desse grupo português, com uma profissão técnica que nem recordo, dava-se, contudo, ares de grande familiaridade com os hábitos daquele tipo de refeições, forte de experiências de que se gabava, tidas em desertos e oásis, sobre as quais contava histórias das arábias, num "estrangeiro" algo macarrónico. Isso seria o menos, se tal familiaridade não o levasse a assumir algumas atitudes de muito mau gosto, de escassa elegância e educação. O seu avançar ansioso para a comida, dando uma imagem quase famélica, começava a incomodar-nos, aos olhos dos nossos delicados anfitriões. É que, perante tudo quanto nos era servido, ele chafurdava de imediato as travessas, de forma quase obcena, com as mãos e até a cara a resplandescerem já de coisas oleosas. Falava com a boca cheia e aberta, monopolizava o diálogo, como se o mundo lhe fugisse e todos tivéssemos obrigação de ouvir os seus percursos de mil-e-uma-noites. O espetáculo estava longe de ser edificante para as cores nacionais, que ali representávamos, nesse tempo, já longínquo, em que a diplomacia portuguesa  procurava reforçar a sua relação económica com o mundo árabe.

A conversa daquele nosso técnico, resvalou, a certo passo, para o consabido lugar-comum com que a generalidade dos portugueses avança, quando têm um árabe à mão: a origem de certas palavras começadas por "al". Desde há muitos anos, na vida diplomática e social, costumo medir o tempo que este tema demora a chegar à tona, sempre que estamos perante pessoas de origem árabe. Pela minha experiência, raramente passa dos cinco minutos...

Agarrando com uma mão uma coxa de frango, com a outra à busca de fritos que, aparentemente, não queria deixar arrefecer nas travessas, falava ele então de Alcantarilha, de Alcoutim, de Almeirim e de coisas do género, num imparável chorrilho de lembranças em "al", que tem sempre como momento de suprema erudição o significado de Alcântara (para "a ponte") e de Algarve (para "o ocidente"). Os nossos anfitriões, coitados, não podendo fazer outra coisa, sorriam.

O nosso homem, a certa altura, soergueu-se das almofadas, atravessou-se por cima da sua mesa, pela frente das pessoas, e, ao tentar agarrar um pedaço de borrego que acabara de chegar numa travessa, com ótimo aspeto, escorregou e o braço deslizou-lhe para um prato oleoso, logo apanhando na manga do fato uma imensa nódoa, das que fazem as delícias profissionais do "5 à Sec". 

Mesclada com manifestações oficiosas de pena, atravessou-nos uma irreprimível risada coletiva, como se todos estivéssemos à espera que, mais cedo ou mais tarde, a justiça divina acabasse por se abater sobre aquele triste comportamento.

Eu era então um jovem diplomata, irreverente e de graça rápida, que me sentia incomodado pela imagem que aquele colega estava ali a dar do nosso país. E não resisti. Fazendo uma cara um pouco mais séria, dando-me ares de, muito simplesmente, querer prolongar a conversa etimológica que ele tinha iniciado, perguntei: "Diga-me lá: você acha que "alarve" também é uma palavra de origem árabe?".

Os portugueses à volta das pequenas mesas encangalharam-se a rir. Os árabes não percebiam o que se estava a passar. O homem, que não era parvo nenhum, fusilou-me com o olhar e, por pouco, não terei apanhado com uma daquelas travessas de especialidades oleosas. Nunca mais me falou. Até à sua morte, há já alguns anos.

sábado, julho 02, 2011

Montfermeil

Nunca tinha ligado o nome de Montfermeil, um dos cenários do "Les Misérables", a famosa obra de Victor Hugo, à localidade existente com esse nome, nos arredores de Paris.

Nesta como noutras cidades próximas na região suburbana parisiense, residem cidadãos portugueses e na respetiva municipalidade há já eleitos luso-descendentes. Monfermeil tinha sido, em 2009, uma das minhas primeiras deslocações fora de Paris, após a minha chegada.

Na passada sexta-feira, correspondendo a um convite do "maire" da cidade, Xavier Lemoine,  estive presente numa representação "son et lumière" do "Les Misérables", realizado no espaço urbano de um "chateau" (o que, no conceito francês, não significa necessariamente "castelo", mas pode, como é o caso, designar um solar ou mansão). Foi uma magnífica experiência, que bem justificou a longa deslocação, em hora de ponta. Tratou-se de um espetáculo de grande qualidade, uma teatrealização levada a cabo por amadores locais, com uma surpreendente originalidade cénica. Tendo visto, no passado, representações musicais do "Les Misérables", em Londres e em Paris, confesso que esta versão teatral esteve bem à altura desses momentos. 

sexta-feira, julho 01, 2011

Mónaco (2)

Atendendo ao facto do embaixador português em França estar também acreditado no Mónaco, ele estará hoje, como convidado oficial, a representar o país, num certo casamento que ocorre naquele principado.

Até amanhã.

quinta-feira, junho 30, 2011

Mónaco

Eu tinha oito anos, mas recordo bem as páginas a-preto-e-branco de "O Século Ilustrado", onde o casamento de um príncipe e de uma bela atriz de cinema, em cenário de luxo, provava a existência de histórias que pareciam perfeitas. 

A vida dos príncipes ou dos reis, como se constata noutras cortes com maior ou menor "glamour", acaba por ser, essencialmente, aquilo que a sorte, o bom senso e a inteligência de cada um conseguir projetar no quotidiano. É claro que as suas tragédias ou percalços são magnificados pelos media, da mesma forma que aquela imagem de "vida-sempre-em-festa" pode ter muito de enganoso. Mas, no fundo, para além da maior ou menor riqueza que possuem, são gente como nós. Até no direito a quererem ser felizes.

Amanhã, tem início um novo capítulo da vida do Mónaco, um principado nosso amigo, onde hoje trabalham vários milhares de cidadãos portugueses. Só podemos desejar felicidades aos noivos e ao Mónaco. 

Árabes

O salão árabe do Palácio da Bolsa, no Porto, é uma das grandes curiosidades daquele belo edifício. Várias vezes estive por lá em eventos ou refeições e sempre me havia perguntado o que significavam as inscrições que estão repetidas por todas as paredes. No passado sábado, fotografei uma delas.

Ontem, perguntei a uma amiga do Bahrein o que aquilo queria dizer. Eis a sua leitura, fruto da diversidade com que o árabe é lido nos vários países: "Alá proteja a segunda sultana mariana". Mais tarde, esclareci melhor o mistério. Os responsáveis pelo palácio pretenderam homenagear a raínha dona Maria II, que autorizou a construção daquela sala (entre 1862 e 1880), a qual foi inspirada no palácio de Alhambra. Assim, o que o texto procura significar é "que Deus proteja a rainha Maria II". 

Tudo acaba por ter uma explicação.

quarta-feira, junho 29, 2011

Polónia

A Polónia é o maior Estado de quantos passaram a integrar a União Europeia, em 2004. Vai assumir amanhã a sua primeira presidência semestral rotativa, num tempo em que isso tem já um significado um tanto residual, atentas as alterações introduzidas pelo tratado de Lisboa.

Ontem à noite, o meu colega polaco, Tomasz Orłowski, um amigo de há quase vinte anos, na abertura de um concerto que ofereceu em Paris, disse que o seu país tinha como objetivo vir a exercer uma presidência simples e útil. Uma finalidade bem sensata, nos tempos que correm.

Do "logo" da nova presidência transparece graficamente a memória do Solidarność, essa magnífica aventura liderada por Lech Walęsa, que hoje se constata ter sido a primeira verdadeira brecha no muro de Berlim. 

Recordo ainda a emoção partilhada com Jorge Sampaio quando, um dia, em Gdańsk, passámos à porta do estaleiro Lénine. Afinal, tudo havia começado ali.

Empresas e diplomacia

O ministério dos Negócios Estrangeiros francês - o Quai d'Orsay, no jargão vulgar - proporciona aos embaixadores aqui acreditados, bem como a personalidades parlamentares ligadas às relações externas, encontros matinais, à volta de um café e de um croissant, com dirigentes dos maiores grupos económicos franceses. Estive hoje em mais uma dessas reuniões.

Não somos muitos aqueles que, impreterivelmente, entre as 8.30 e as 9.45 da manhã, comparecemos, com regularidade, a esses encontros. Devo dizer que, sem uma única exceção, saí até hoje dessas palestras, seguidas de perguntas, sempre mais enriquecido com as informações e as análises transmitidas por essas figuras relevantes do tecido empresarial francês. Para além de ficar a conhecer as suas empresas e o modo como elas olham o mundo e o seu futuro, esses encontros também me têm feito entender melhor as razões do êxito dos principais setores da economia francesa.

Uma última nota: nesses encontros, estão sempre presentes os dirigentes de topo desses grupos económicos. Nunca se fazem substituir, por exemplo, devido a "impedimentos de última hora". "À bon entendeur".

O país

Há dias, li que uma atriz portuguesa sofreu gravíssimas queimaduras e se mantém em estado crítico. Recordo-me de ter lido o nome da senhora nos jornais e, ao ver a sua fotografia, a sua cara não me era estranha. Mas nada mais.

Hoje, faleceu, vítima de acidente, um ex-vocalista dos D'zrt, um grupo cujo nome me diz alguma coisa, mas do qual não conheço qualquer música. A morte provocou uma forte emoção nos seus admiradores, como se constata da comunicação social.

A condição de "estrangeirado" provoca esta sensação de "dépaysement", um sentimento que não é necessariamente cómodo e que se liga a uma certa distância que fomos criando face ao país real. Tenho esta mesma reação quando, nos aviões ou nos consultórios médicos portugueses, me confronto com certa imprensa que trata o mundo da moda, da televisão ou dos "reality shows". Não conheço imensa gente que hoje é muito popular no país que represento.

Há um Portugal desconhecido que (não) espera pos nós.

terça-feira, junho 28, 2011

TPI

O Tribunal Penal Internacional (TPI) iniciou um processo contra o líder líbio Mouhamar El Kadhafi e familiares. Nada de espantar, tendo em atenção os inaceitáveis atentados perpetrados, sob a sua ordem, contra populações civis. 

A independência e a legitimidade de ação do TPI, uma instituição cujo prestígio é da maior importância reforçar, muito ganhariam se tivesse a imediata iniciativa de proceder, de idêntica forma, face a outras práticas similares atualmente em curso. Mesmo que aí não haja petróleo nem se verifique uma tão vigorosa reação, salvo no plano declaratório, dos "powers that be" internacionais.

segunda-feira, junho 27, 2011

Dedicatória

Vi-o ao longe. Estava mais gordo, com uma forte bigodeira. Mas não havia dúvida: era aquele velho conhecido que estivera comigo na tropa, com quem passara longas horas à sueca, na messe da EPAM, nos tempos que antecederam a Revolução de 1974. Nas três décadas que tinham entretanto decorrido, havia-me cruzado com ele num restaurante e num aeroporto. Momentos breves, em que falávamos de amigos comuns, por onde cada um de nós andava e de uma almoçarada que nunca acontecia.

Eu estava sentado a uma mesa, com uma longa fila de gente à frente, para dedicatórias que fazia em exemplares de um livro que lançava nesse dia. Tal como as centenas de pessoas que tinham tido a simpatia de querer estar comigo na sessão, esse amigo, que devia ter lido num jornal que eu publicara um livro, quis ir dar-me um abraço e obter uma palavra escrita minha no seu exemplar, como a nossa velha relação pessoal mais do que justificava.

Só que, de repente, uma imensa angústia me começou a invadir: como é que aquele amigo se chamava? Eu sabia o nome, várias vezes falara dele a outras pessoas, mas, naquele preciso momento, não me "saía". À medida que eu ia "aviando" quantos o antecediam, ele sorria-me, com uma proximidade física vez mais temível, seguro da nossa cumplicidade de outros tempos. Eu estava já a ter alguma dificuldade em me concentrar nas dedicatórias feitas às pessoas que estavam à sua frente, temendo mais alguma "branca", que o meu crescente nervosismo pudesse provocar. É que, francamente, não me estava ver com a "lata" de lhe perguntar: "ó pá! desculpa lá! relembra-me o teu nome". Mas que diabo podia eu fazer?

E o momento fatídico chegou. O meu amigo estava, enfim, no topo da fila, frente à mesa, sobre a qual colocou o exemplar que comprara à entrada. Eu levantei-me para lhe dar um abraço, agradeci-lhe ter vindo e voltei a sentar-me, derreado pela tragédia da impossível dedicatória. Até que o ouvi dizer, para meu imenso descanso: "Dedica isso ao Luís, o meu filho, que quer entrar para a carreira diplomática e a quem tenho falado imenso de ti". 

Claro que dediquei, com todo o gosto, lembrando, no que escrevi, a minha velha e imprescritível amizade com o pai. Nunca soube se o rapaz chegou a entrar para as Necessidades. Mas, um destes dias, vou dar uma vista de olhos àquele inventário de nomes, a que chamamos lista de antiguidade. É que, entretanto, eu nunca mais me esqueci do apelido do homem.

Rádio Alfa

O forte calor parisiense marcou ontem a tradicional festa da Rádio Alfa, que comemorou 26 anos consecutivos de realização. Mas a animação e a alegria daqueles milhares de pessoas, que picnicaram sob as árvores do belo parque de Créteil, resistiu bem ao sol.

Esta bela festa dos santos populares, que o comendador Armando Lopes e a sua equipa realizam em Créteil, constitui, lado a lado com a festa de Pontault-Combault, um dos momentos altos das celebrações que a comunidade luso-francesa promove, um pouco por toda a França, por esta época.

Tal como aconteceu em Pontault-Combault, uns milhares de pessoas ouviram os breves discursos dos oradores, entre os quais o embaixador de Portugal. Breves, porque a finalidade do auditório era escutar quem vinha cantar a seguir, nomeadamente "Santos e Pecadores", Quim Barreiros e Rui Veloso, com uma especial cerimónia de homenagem da Rádio Alfa a Cesária Évora.

Fado no Procópio

Li "anunciado" no "Sol" que, no âmbito das festas de Lisboa, houve fado - e do bom! - no pequeno largo em frente ao lisboeta bar Procópio. 

Já não bastava a proprietária, a "Sedonalice", ter deixado de organizar a tradicional festa de verão (se é por causa da crise, então andamos em crise há muito tempo...), com entrega dos renomados "prémios Procópio", como agora fazem fadistadas "p'ra animar a malta", sem avisarem os clientes históricos que estão "offshore"... 

De Paris, aqui fica a queixa. Não é bonito!

(Em tempo: mandou-me dizer a "Sedonalice" que nada teve a ver com a fadistice. "Prontos", já não está cá quem falou...)

domingo, junho 26, 2011

Do Brasil

Num comentário a um post sobre o S. João do Porto, um leitor deixou esta mensagem:

Sou Português, mas resido muito tempo no Brasil. Acho que os portugueses estão muito pessimistas, encasquetam por pouca coisa, seus comentários são muito rancorosos. Isto aí é apenas uma festa para celebrar o Santo e a alegria. Aproveitem e sejam felizes. Deixem os azedumes para a política e os políticos.

Que bem que me fez ler isto!

Ainda o Porto

"Infanção" foi a categoria atribuída ao embaixador de Portugal em França pela venerável Confraria do Vinho do Porto que, neste sábado, o entronizou, com direito a capa e tomboladeira, numa cerimónia de grande aparato, que teve lugar no palácio da Bolsa, seguida de cortejo, com cavaleiros e banda, que desfilou para um ato de grande gala da Alfândega do Porto. Aqui fica a nota, "for the record".

sábado, junho 25, 2011

S. João

Tenho pena de não ter comigo o belo texto que François Mitterrand dedicou ao S. João do Porto, no "L'abeille et l'architecte"*. O antigo presidente francês, que visitava Portugal a convite de Mário Soares, terá percebido, nesse mergulho na noturna multidão tripeira, muito do nosso caráter como povo.

Há anos que não vinha a um S. João. E não me arrependi de ter voltado a experimentar esta noite, que é única no mundo. 

Conheço portugueses que vivem obcecados em fazer visitas turísticas a longínquos destinos da moda, como se disso dependesse o seu currículo cosmopolita, e que confessam nunca ter estado num S. João no Porto. Coitados...

* Um leitor corrigiu-me: eu pensava que o livro era "La paille et le grain"

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...