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sexta-feira, abril 29, 2011

David Lopes Ramos (1948-2011)

Morreu David Lopes Ramos. 

Fui instrutor militar do David em 1973, na Escola Prática de Administração Militar, em Lisboa. Dei-lhe então aulas de "Acção Psicológica" (isso mesmo!). Vimo-nos fugazmente nos corredores da Revolução. Cruzámos histórias divertidas desses tempos nas poucas vezes que nos voltámos a encontrar - lembro, em particular, uma longa conversa numa esplanada no Funchal, ainda nos anos 70, onde descobrimos que ele era dois dias mais velho que eu, e uma noitada em Lamego, no final dos anos 90, num debate jornalístico-político, sob um pretexto vinófilo. Nunca cheguei a responder a um convite que me formulou para escrever um certo texto para o "Público", durante o tempo em que eu estava no Brasil. 

David Lopes Ramos era, para mim - e para muita gente com uma opinião bem mais qualificada que a minha -, sem a menor sombra de dúvida, o maior crítico gastronómico português.

terça-feira, março 29, 2011

José Alencar (1931-2011)

A morte deve ter andado um tanto desorientada, nestes últimos anos, com José Alencar. O vice-presidente de Lula fintava-a com regularidade, sempre com um sorriso nos lábios, num desafio constante, uma espécie de teimosia irónica. Mas tudo tem o seu fim e estava escrito que, um dia, José Alencar ia perder uma das batalhas. Que iria ser a final.

Quando, em 2003, Lula foi aconselhado a ter Alencar na sua "chapa", dificilmente poderia prever que este industrial mineiro, escolhido para lhe dar credibilidade junto do setor privado, se iria transformar num dos seus mais leais apoios, num sustentáculo valioso, que nunca vacilou, mesmo nos piores momentos dos seus dois mandatos.

Praticamente desde a minha chegada ao Brasil, tive o inestimável privilégio de poder manter com José Alencar uma relação marcada por uma forte estima e simpatia, muito influenciada pela grande amizade que se estabeleceu entre os nossos cônjuges. Fizémos parte do grupo dos amigos que o casal escolheu para uma memorável deslocação ao Rio, comemorando o aniversário do seu casamento. Recordo jantaradas divertidas em nossa casa, com José Alencar a contar-nos, com a graça imensa que tinha, as insuperáveis historietas mineiras, daquela gente que "nunca se zanga mas também nunca se reconcilia". Pena tenho de não saber reproduzir as aventuras do "Fernandinho", cuja saga, acabada num posto consular nos Estados Unidos, era um êxito garantido para as audiências. Mário Soares, Jorge Sampaio e Freitas do Amaral, entre outros visitantes portugueses, foram testemunhas do ambiente aberto e franco que a segunda figura da hierarquia brasileira sabia criar à sua volta.

Há uns meses, recebi uma simpática nota manuscrita de José Alencar, em resposta aos votos de restabelecimento que lhe havia formulado, aquando de uma das suas, cada vez mais frequentes, recaídas. Dela transparecia, para além da sua profunda ligação a Portugal, a sua imensa fé religiosa, que talvez tenha sido uma das fontes onde ia beber a sua admirável coragem.

Lamento não ter hoje comigo a garrafa da "melhor cachaça do mundo", que fez questão de me enviar, depois de eu ter elogiado o néctar, num almoço em casa de outro amigo comum, o ministro da Defesa, Nélson Jobim. Nesse dia, ainda abalado por um internamento recente, José Alencar disse-me, em voz baixa: "Temos de arranjar dois copos daquela cachacinha que ali está, com rótulo verde. Mas não diga à Mariza que um deles é para mim..."

Logo que puder, vou beber um copo dessa cachaça pela memória desse amigo, um homem bom e corajoso, que se chamou José Alencar.


Em tempo: em 31.3.11, publiquei um artigo, baseado neste post, no jornal "Correio da Manhã"

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Alberto Oliveira e Silva (1924-2011)

Alberto Oliveira e Silva tinha um belo historial de luta contra a ditadura. Era advogado. Foi ministro da Administração Interna, em 1974, e governador civil de Viana do Castelo. 

Em Outubro passado, por motivos ligados à sua qualidade de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Viana de Castelo, tivemos uma derradeira e longa conversa ao telefone. Relembrámos então a sua velha amizade com a minha família e, em especial, um último jantar em que havíamos estado juntos, aquando de uma iniciativa do jornal "Aurora do Lima". Prometi visitá-lo no Natal, compromisso que não cumpri. Faleceu em Viana, hoje, com 86 anos.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Óquei

Uma curta notícia num jornal dava ontem conta da morte de Correia dos Santos. Mas quem era Correia dos Santos? - perguntará a maioria dos leitores, para quem este nome nada dirá.

Pois fiquem sabendo que foi uma das grandes figuras do óquei português, lado a lado com o seu primo Jesus Correia (na foto, à esquerda, em baixo, e que também pertenceu aos "cinco violinos", esse ataque mítico do futebol do Sporting). Correia dos Santos, com o seu inconfundível cabelo de risca ao meio, está à frente, à direita. Entre ambos, está Raio, que, há anos, fui encontrar a chefiar uma unidade hoteleira em Sintra. De pé, ao lado do selecionador José Prazeres, figuram, da esquerda para a direita, Sidónio, Emídio e Edgar. 

Este foi um "dream team" dos anos 50, que antecedeu outras magníficas equipas do nosso óquei, com jogadores da qualidade de Livramento, Adrião, Rendeiro, Cristiano e tantos outros. Quantas noites passei, agarrado ao rádio, a "imaginar" o deambular dessas nossas equipas por rings do mundo, em especial nessa que era a "catedral" de Montreux, na Suíça, onde as grandes "batalhas" tiveram lugar.

O óquei em patins era, no tempo do Estado Novo, a modalidade que trazia para Portugal a maioria das muito escassas vitórias que o nosso desporto internacional conseguia obter. A qualidade do nosso óquei era indiscutível e, por muitos anos, apenas se nos opunham, com algum êxito, a Espanha e a Itália. 

Honra, assim, a Correia dos Santos!

quarta-feira, dezembro 15, 2010

Carlos Pinto Coelho (1944-2010)

... e assim, "acontece"! Morreu Carlos Pinto Coelho, um homem que tinha em si todo o entusiasmo do mundo e que, por muitos anos, com aquele sorriso aberto, ajudou, diariamente, a divulgar a cultura portuguesa.

Alguns recordarão também aquela forma tão característica de apresentar o "Jornal" da RTP2, que levou Herman José a criar um "boneco" nele inspirado, sem que o Carlos com isso se ofendesse. E outros reterão para sempre aquele que foi o eterno homem da rádio.

Lembro-me do curioso dialogo que uma noite estimulou, na RTP, entre o embaixador Calvet de Magalhães e eu próprio, sobre a diplomacia e as suas histórias. O que me deu algumas ideias...

Um dia, quando uma patetice de alguém o afastou de fazer o que gostava e fazia bem, o Carlos Pinto Coelho disse-me que ia para o Alentejo. Depois, voltou, creio para a TSF e para a sua eterna RTP. E agora, partiu. "Acontece"...

Até sempre, Carlos!

terça-feira, dezembro 14, 2010

Richard Holbrooke (1941-2010)

A morte de Richard Holbrooke é uma perda importante para a diplomacia americana. Embora alguns discutam a eficácia efetiva da ação que recentemente vinha a desenvolver no Afeganistão e Paquistão, o seu passado de cidadão da diplomacia revela uma vida de intenso trabalho, com papéis importantes em vários cenários geopolíticos. No seio da administração democrática americana foi sempre um defensor do uso ponderado da força, atitude que, algumas vezes, não soube gerir com total equilíbrio. Mas ficam-se-lhe a dever os acordos de Dayton-Paris, sobre a Bósnia-Herzegovina, que permitiram estancar uma tragédia que já parecia eterna, embora eu saiba, por antecipação, que entre os leitores habituais deste blogue há quem não coincida comigo na avaliação da "bondade" desta ação diplomática.

Conheci-o pessoalmente num interessante almoço, em Nova Iorque, em 1999, ao qual, enquanto membro do governo português de então, acompanhei o presidente Jorge Sampaio e José Ramos Horta, que era amigo de sua mulher. Estávamos num tempo muito complexo da vida de Timor Leste e essa refeição fazia parte de uma estratégia de abordagem da diversificada da administração americana, essencial para alguns aspectos entendidos como vitais para uma solução positiva do problema. Holbrooke era então chefe da missão americana junto das Nações Unidas, função que ocuparia até Janeiro de 2001. Por pouco mais de um mês, não coincidi com ele em funções no "palácio de vidro".

A biografia de Holbrooke está hoje por todos os jornais. O seu papel de grande negociador foi central na sua vida pública e - disse-me quem o conheceu bem - Richard Holbrooke era uma homem de palavra firme, o que lhe garantia uma grande credibilidade nos momento complexos de decisão.  O facto de representar uma grande potência e de se saber adepto de soluções musculadas também deve ter ajudado à eficácia prática de alguns dos seus êxitos. Fica a sensação que Holbrooke esperaria ter uma função nesta administração americana muito superior à que acabou por ter. Isso ter-se-á ficado a dever à escolha de Obama, em detrimento de Hillary Clinton.

Gostaria de destacar um dos seus "feitos", que pode parecer lateral mas que teve uma importância decisiva na facilitação do funcionamento da máquina da ONU: a resolução do diferendo que envolvia as contribuições americanas para a organização, a que ele ajudou a pôr termo, no final de 1999. Com habilidade, utilizou nessa difícil negociação a contribuição dada por Ted Turner, o patrão da CNN, que assim financiou parte da dívida, através de uma milionária doação às Nações Unidas. A convite pessoal de Kofi Annan, tive o prazer de ser um dos dois embaixadores escolhidos para integrar o "board" executivo do "United Nation Fund for International Parnerships", que selecionava os projetos a financiar por esse fundo. Indiretamente, fico a dever a Holbrooke essa magnífica oportunidade.

Finalmente, gostava de mencionar que Holbrooke deixou um livro muito interessante, que vivamente recomendo: "To end a war", sobre a sua experiência na Bósnia-Herzegovina.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Ernâni Lopes (1942-2010)

Há dias em que um país entra de luto. Este deve ser um deles. A morte de Ernâni Lopes é uma perda imensa para Portugal, para a nossa lucidez, para o nosso patriotismo. É-o também para a nossa diplomacia, onde ele exerceu, com brilho muito raro, funções da maior importância, que ajudaram o país em momentos negociais delicados. É-o, igualmente, para a política portuguesa, onde a sua coragem e a sua visão souberam afrontar momentos de rara dificuldade.

Nas últimas duas décadas, cruzei-me bastante com Ernâni Lopes, que teve a simpatia de discutir abertamente comigo algumas coisas sobre a Europa em que ambos acreditávamos. E, também, sobre esse triângulo entre Portugal, o Brasil e a África, que tanto o entusiasmava e que ele desenvolvia nas iniciativas da SAER. Sobre alguns temas, nem sempre estive de acordo com a sua leitura das coisas, mas reconhecia nela uma genuinidade que era forçoso respeitar, pela seriedade que sempre lhe estava subjacente.

Longe de uma intimidade pessoal que nunca tivemos, reconciliei-me ao tratamento por tu que ele generosamente me impôs, como que a sublinhar a proximidade de algumas das ideias que partilhávamos. Recordo-me, muito em especial, os tempos que passámos juntos numa "task force" criada, em 2003, para assessorar o primeiro-ministro de então, na fase terminal do defunto Tratado Constitucional. Notava-se que o exercício estava a ser algo penoso para ele, a quem esse mesmo governo não tinha autorizado a apresentar, no termo da Convenção Europeia em que ele representara Portugal, e que lançara as bases desse malogrado tratado (inspirador, no essencial, do Tratado de Lisboa), uma declaração de voto em que, de forma frontal, clarificava o seu afastamento (e o que achava dever ser o de Portugal) quanto ao equívoco consenso que resultou do trabalho dos "convencionais". Talvez valesse a pena, para a história da nossa política europeia, conhecer-se, agora, o texto desse projeto de declaração de voto.

A palavra livre de Ernâni Lopes vai fazer muita falta a Portugal.

terça-feira, novembro 30, 2010

Leslie Nielsen (1926-2010)

Muitas vezes o humor era um tanto primário, os "gags" eram algo forçados, o conjunto de situações era frequentemente previsível. Houve um pouco de tudo, de bom e de mau, na imensidão de comédias "assim-assim" que protagonizou. Porém, num mundo cinzento como o que temos, será que não devemos uma singela homenagem a quem, durante tantos anos, nos fez dar umas saudáveis gargalhadas e nos alegrou por muitas horas?

Neste tempo propício a dívidas, quero declarar que tenho uma dívida de gratidão para com Leslie Nielsen. Deixo-a aqui expressa, na hora em que morreu. De riso, espero eu.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Alfredo Margarido (1928-2010)

O Daniel Ribeiro, correspondente do "Expresso" em Paris, acaba de dar-me conta da morte, ontem, em Lisboa, de Alfredo Margarido.

Margarido foi uma espécie de figura mítica para a minha geração. Oriundo das artes, viria a revelar-se como uma personalidade de recorte cultural eclético - da ficção à sociologia, da pintura à antropologia, da história das ideias às questões africanas. Viveu em vários lugares, que sempre marcaram o seu percurso intelectual. Paris foi, a partir de 1964, o seu "porto de abrigo". Aqui dirigiu os "Cadernos de Circunstância", uma revista policopiada, de edição irregular, que marcou um tempo importante nos meios portugueses no exilio em França (e de que,  por sorte, tenho todos os exemplares das muito raras edições originais, embora os seus textos tenham sido editados  em Portugal depois do 25 de abril, creio que pela "Afrontamento", não sei se em versão completa).

Presumo que datará da sua estada em S. Tomé, nos anos 50, o encontro com aquela que iria ser sua mulher, Manuela, uma figura muito interessante, também já falecida, de que já aqui falei um dia.

Leia mais sobre Alfredo Margarido aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

terça-feira, outubro 05, 2010

Paula Escarameia (1960-2010)

Paula Escarameia tinha 50 anos e foi a primeira mulher a ser eleita, no âmbito das Nações Unidas, para a respetiva Comissão de Direito Internacional. Acabo de ter conhecimento da sua morte.

Tive o prazer de conduzir, durante o ano de 2001, a sua candidatura àquele órgão, do qual continuava a fazer parte, e em cuja eleição obteve a maior votação que Portugal alguma vez dispôs num escrutínio no âmbito da ONU. Recordo o momento de alegria que a sua escolha representou para todos nós, em Nova Iorque.

Doutorada em Harvard, teve um percurso académico riquíssimo. Anos antes daquela sua eleição, havia sido Conselheira junto da missão portuguesa junto da ONU. Era uma personalidade extremamente prestigiada e reconhecida pelos seus pares. Pessoalmente, a Paula era uma "força da natureza", dotada de um sorriso alegre, de uma boa-disposição contagiante. Vai fazer muita falta, também à sua (e minha) escola, o ISCSP.

terça-feira, agosto 31, 2010

Fignon

"Não tenho medo da morte, não tenho é vontade de morrer", dizia, há meses, Laurent Fignon, o penúltimo francês a ganhar o Tour de France, proeza que conseguiu duas vezes.

Hoje, o cancro matou-o, aos 50 anos. Para Fignon, o intelectual do ciclismo francês, a última corrida terminou cedo.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Guido de Marco (1931-2010)

Acabo de saber que morreu Guido de Marco. A última vez que nos encontrámos, em 2002, num jantar em Nova Iorque organizado pelo então meu colega maltês Walter Balzan, prometeu fazer-me uma visita em Viena, para onde eu iria a seguir. Tal não aconteceu e, durante alguns anos, perdemo-nos de vista. Em 2008, teve a gentileza de me mandar, para o Brasil, o seu "The Politics of Persuasion", memórias em cuja simpática dedicatória recordou que éramos "parceiros nos valores de uma Europa mediterrânica". Tinha intenção de o voltar a encontrar, daqui a meses, em La Valetta, onde devo ir fazer uma conferência.

Apesar da diferença de idades, estabeleci com Guido de Marco uma forte relação de amizade, desde que nos conhecemos em Barcelona, em Novembro de 1995, no lançamento do Processo que levava o nome da cidade. Diversas outras vezes nos vimos, em Bruxelas e em Estrasburgo. Ele era então ministro dos Negócios Estrangeiros de Malta e o governo português, de que eu fazia parte, mostrava-se abertamente favorável à entrada do seu país nas instituições comunitárias - um sonho que ele perseguia há muito tempo, tendo para isso que lutar contra a linha dominante nos trabalhistas malteses, muito tributária de um soberanismo isolacionista que vinha dos tempos de Dom Mintoff.

Com a conjuntural vitória eleitoral dessa linha socialista anti-europeísta, no ano seguinte, de Marco, que era de um partido conservador, passou à oposição. Numa visita que fiz a Malta, em 1997, pedi para incluir no meu programa um encontro formal com ele, gesto cujo sentido não escapou aos meus anfitriões do então governo socialista local. E, pelos vistos, esse foi também um gesto que Guido não esqueceu quando, em 1999, tendo entretanto sido já eleito Presidente da República do seu país, fez questão de me receber de forma muito calorosa, aquando de uma outra deslocação minha a La Valetta, excedendo, em muito, aquilo que o protocolo justificaria para um simples secretário de Estado.

De Marco foi uma figura destacada na vida política de Malta, tendo exercido vários cargos ministeriais, para além de ser um dos mais reputados advogados do seu país.  Era uma das personalidades maltesas mais conhecidas no mundo, tendo ocupado o cargo de presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas. Era um homem sábio e de diálogo, cordial e solidário, era um europeísta que tinha um sentido muito profundo daquilo que poderíamos designar por "mediterraneidade", o que lhe concedia uma audição muito fácil em  ambas as margens desse "lago". Com Portugal, manteve sempre uma relação de grande afinidade, contando políticos portugueses, como Jaime Gama e Durão Barroso, entre os seus amigos*, de quem sempre me falava com grande estima.

*Uma oportuna nota num comentário revela que Freitas do Amaral e Mário Soares estavam igualmente entre os amigos portugueses de Guido de Marco.

domingo, agosto 08, 2010

Tony Judt (1948-2010)

Ler "Postwar - a history of Europe since 1945" (livro que está traduzido em português) é a garantia de se ficar a entender muito do que são os equilíbrios permanentes em que assentam as sociedades europeias. O seu autor, Tony Judt, o historiador britânico que agora desapareceu, era um pensador extremamente original da questão europeia, tendo ainda produzido excelentes trabalhos sobre a intelectualidade francesa - escrevendo sobre ela com uma distância crítica muito difícil de encontrar.

Em 1997, a convite de João Carlos Espada, acompanhei Tony Judt num painel de discussão sobre a Europa, na Fundação de Serralves (as nossas intervenções estão publicadas em "O Desafio Europeu - passado, presente e futuro", Principia, Cascais, 1998). 

Anos mais tarde, em Nova Iorque, num serão em casa de um amigo alemão, ouvi Judt dissertar, de forma brilhante, sobre alguns novos problemas políticos que o alargamento da União Europeia, que estava para acontecer, iria colocar. Nunca mais o voltei a encontrar, embora me tivesse então desafiado para assistir a uns debates na sua New York University. Apenas o fui lendo, irregularmente, no "New York Review of Books", em lúcidos textos sobre temáticas internacionais, dos quais transparecia uma desilusão crescente com certas posições da esquerda "ideológica", de par com uma denúncia aberta das políticas da administração Bush.

quarta-feira, agosto 04, 2010

"Sunny"

Há alguns cantores e compositores que ficaram conhecidos apenas por uma canção, êxitos que se lhes colaram à pele profissional e lhes marcaram as vidas - e que talvez os tenham "perseguido" ao longo de toda a carreira.

Estou muito longe de ser um especialista em música, pelo que pode ser defeito meu não conhecer outras canções importantes de Bobby Hebb, que agora morreu, além do seu sempiterno "Sunny", de 1966. Desse tema, tenho interpretações de Frank Sinatra, Dell Shannon (outra "vítima" da "canção de carreira" com "Runaway"), Marvin Gaye, Dusty Springfield, James Brown e os The Four Tops. E recordo muito bem, nos idos de 90, ter ouvido ao vivo a célebre versão de Georgie Fame, numa bela noite no "infamous" Ronnie's Scott, a catedral londrina do jazz.

Ouçam aqui a versão original de Hebb.

sexta-feira, julho 16, 2010

Basil Davidson (1914-2010)

Alguém dizia, há semanas, que, por vezes, é preciso alguém morrer para darmos conta de que, afinal, ainda estava vivo. É uma frase cruel, de que me lembrei ontem, ao dar de caras, num jornal, com um obituário de Basil Davidson, que pensava desaparecido há muito.

Davidson faz parte do elenco dos mais proeminentes europeus que apoiavam as lutas anti-coloniais. Historiador de grande mérito, que teve a África pré-colonial como objeto privilegiado de análise, viria a destacar-se num trabalho de divulgação internacional dos movimentos independentistas nas colónias portuguesas e na denúncia do "apartheid". Essa sua simpatia pelo anti-colonialismo levou Edward Said a dizer que "in effect, (he) crossed to the other side". Antes disso, porém, Basil Davidson teve um percurso aventuroso pelos mundos da "intelligence" britânica e uma carreira jornalística muito diversificada, em grande parte como correspondente parisiense de jornais britânicos.

Lembro-me bem do impacto que teve, nos meios oposicionistas portugueses, a publicação do seu "The Liberation of Guine", editado pela Penguin em 1969, um dos mais de 30 livros que escreveu, alguns editados em Portugal, mas só depois do 25 de abril.

quarta-feira, julho 07, 2010

Jorge Fagundes (1936-2010)

À hora de almoço, chegou-me a notícia: morreu o Jorge Fagundes.

A última vez que estivemos juntos foi há quase um ano, com o seu grande amigo José Vera Jardim e o Eduardo Graça, à volta de umas cervejas, numa esplanada, numa tarde quente do fim de Julho de 2009, depois do funeral de Palma Inácio. Em Dezembro, porque tinha acabado de sair do hospital, já o não consegui "convocar" para o jantar anual do Procópio, lugar onde era visitante cada vez mais incerto, mas sempre muito saudado.

O Jorge Fagundes era um "bom gigante", uma figura amável e bem disposta, que conheci através do Nuno Brederode de Santos, com quem sempre o ouvi cruzar velhas e divertidas histórias de Campo de Ourique. Advogado de causas, defendeu presos políticos durante a ditadura, como Saldanha Sanches, Carlos Antunes ou Isabel do Carmo. Pertenceu à CDE de Lisboa, nas eleições de 1969. Após abril, veio a andar por áreas políticas bem à esquerda, tendo sido diretor do jornal "Página Um", uma publicação próxima do PRP.  Acabo de saber que também foi fundador e candidato autárquico do Bloco de Esquerda.

Sportinguista sem quaisquer limites de tolerância, foi presidente da Federação Portuguesa de Futebol, numa direção a que, se não me engano, pertenceu também Marcelo Rebelo de Sousa. Não esqueço uma chamada telefónica de solidariedade que dele recebi, num momento especial da minha vida.

Um abraço, Jorge!

terça-feira, junho 29, 2010

Paulo Jorge (1929-2010)

Com a morte de Paulo Jorge, antigo ministro das Relações Exteriores de Angola, morre também um certo MPLA.

Uma noite, numa conversa em Luanda, nos anos 80, em casa do Fernando Valpaços, Paulo Jorge contou-me uma história que nunca mais esqueci, porque tem um significado interessante.

Eram passadas poucas semanas após o 25 de abril de 1974 e uma delegação do MPLA, chefiada pelo próprio Paulo Jorge, chegou a um certo país do norte de África, para uma visita oficial. A delegação desceu do avião e, para grande surpresa dos seus integrantes, ninguém parecia aguardá-los. Dirigiram-se para a sala de desembarque e aí esperaram. Alguns minutos depois, foram hesitantemente aproximados por umas pessoas que inquiriram se aquele grupo não seria, por caso, a delegação angolana. Paulo Jorge e os seus companheiros confirmaram que sim, para evidente alívio daqueles que eram, afinal, os seus anfitriões. Na realidade, eram as mesmas pessoas que eles já haviam visto ao fundo da escada, à saída do avião, mas que, nesse momento, não tinham feito qualquer gesto de aproximação. Os anfitriões explicaram, um pouco embaraçados: é que não estavam à espera que a delegação do MPLA fosse constituída só por brancos...

Outros tempos. 

sexta-feira, junho 18, 2010

José Saramago (1922-2010)

O segundo prémio Nobel português (o cientista Egas Moniz recebeu, "a meias", um Nobel da Medicina, em 1949), ontem falecido, foi sempre um homem polémico. Por razões políticas, muitos não o apreciavam e alguns terão tido motivos pessoais para tal. Na literatura, algumas das suas ousadias estilísticas nunca foram bem aceites em certos meios. No plano pessoal, atitudes suas chocavam algumas pessoas e não ajudaram a consensualizar a sua imagem. Nunca se preocupou muito com isso. Por essa razão, o coro de loas que, na hora da sua morte surge por aí, cheira a muita hipocrisia.

Tive o ensejo pessoal de me cruzar com José Saramago, em diversas circunstâncias e em vários lugares do mundo. Tinha com ele uma relação pessoal de simpatia, extensiva a sua mulher, Pilar del Rio. Com ambos tinha combinado, ainda em 2008, no Rio de Janeiro, o projeto de o levar a Paris, para uma "Marathon de la lecture", ideia que a fragilidade da sua saúde não permitiu concretizar.

Faço parte de quantos gostam muito de algumas das obras de Saramago e, mesmo não gostando tanto de outras, o têm por um dos raros génios da nossa literatura. Alguns dão-se ao luxo lusitano de não concordar com isso, no que estão no seu pleníssimo direito. A esses, porém, convém lembrar que a sua opinião é indiferente ao mundo, que consagrou já José Saramago como um dos nomes portugueses mais prestigiados de sempre.

domingo, junho 06, 2010

Dário Castro Alves (1927 -2010)

Acabo de saber da morte, em Fortaleza, de Dário Castro Alves.

Antigo embaixador brasileiro em Portugal e, mais tarde, cônsul-geral no Porto, Dário Castro Alves era um grande amigo do nosso país, onde criou forte prestígio e deixou uma marca de profunda ligação à nossa cultura. Autor de extensa bibliografia, tinha um particular fascínio por Eça de Queirós, tendo sido convidado de honra nas comemorações dos 160 anos do nascimento do romancista, que a Embaixada portuguesa em Brasília levou a cabo em 25 de Novembro de 2005.

Em fins de 2008, organizei, também em Brasília, e em associação como Instituto Rio Branco, uma homenagem a Dário Castro Alves, que contou com testemunhos e a presença de muitos dos seus amigos, de antigo colaboradores e de simples admiradores (ver aqui e aqui). Na altura, editámos também uma sua completa biobibliografia.

Dário Castro Alves, um verdadeiro embaixador luso-brasileiro, era um amigo pessoal. Com a sua morte, desaparece uma figura marcante de uma geração brasileira que cultivava uma relação muito forte com Portugal.

Leia mais aqui e aqui.

quarta-feira, junho 02, 2010

Rosa Coutinho (1926-2010)

Há figuras a que a História associa sempre a polémica. O almirante Rosa Coutinho, que agora desapareceu, era uma dessas figuras.

Rosa Coutinho era uma personalidade desconhecida do país quando, na noite de 25 de Abril de 1974, apareceu na televisão como um dos membros da Junta de Salvação Nacional. Recordo-me da curiosidade com que, nessa noite, nos estúdios da RTP, os oficiais milicianos que, como eu, se encontravam atrás das câmaras, olhavam essa figura sorridente, calva e calma, que a Marinha tinha escolhido como um dos seus dois representantes.

Vim a conhecê-lo pessoalmente mais tarde, nos corredores da Junta, onde eu exercia funções de assessor. Era uma pessoa muito cordial e agradável no trato. Com a crise que sobreveio no governo-geral de Angola, logo em Agosto de 1974, Rosa Coutinho seguiu para Luanda, para substituir o general Silvino Silvério Marques. Rapidamente a sua ação passou a ser contestada por setores portugueses locais, que colaram as suas opções de governo à estratégia do MPLA, considerando-o, em muitas dessas denúncias, como uma figura próxima dos comunistas portugueses.

No ano seguinte, em 11 de Março, depois da tentativa de golpe militar de António de Spínola, recordo bem uma cena tensa que se passou no Palácio de Belém, ao princípio da noite, durante a qual Rosa Coutinho apoiou a realização da famosa "assembleia selvagem" do MFA. Na longa madrugada que se seguiria, devo reconhecer que o almirante foi das vozes mais serenas, tendo então adiantado uma explicação para a aventura spinolista, que cito de memória: "Sabíamos que estavam a preparar qualquer coisa, assustaram-se e nós ficámos à espera que saltassem. E eles saltaram". Muito do que foi o 11 de Março pode aqui encontrar uma explicação. Mais tarde, em 25 de Novembro, dizem-me que terá tido um papel apaziguador e atenuador de tensões, se bem que não fizesse segredo do lado para o qual o seu coração pendia.

Desde sempre que a internet e as caixas informáticas de comentários dos jornais estão cheias de comentários insultuosos sobre Rosa Coutinho, talvez a personalidade mais vilipendiada de todas quantos intervieram no processo de descolonização. Com efeito, ele terá sido a principal "bête noire" de quantos sairam de África, num registo de tragédia, durante esse período. Só a História poderá julgar, com serenidade, o papel do almirante Rosa Coutinho em todo o processo do 25 de Abril.

Isto é verdade?