quinta-feira, agosto 19, 2010

Guido de Marco (1931-2010)

Acabo de saber que morreu Guido de Marco. A última vez que nos encontrámos, em 2002, num jantar em Nova Iorque organizado pelo então meu colega maltês Walter Balzan, prometeu fazer-me uma visita em Viena, para onde eu iria a seguir. Tal não aconteceu e, durante alguns anos, perdemo-nos de vista. Em 2008, teve a gentileza de me mandar, para o Brasil, o seu "The Politics of Persuasion", memórias em cuja simpática dedicatória recordou que éramos "parceiros nos valores de uma Europa mediterrânica". Tinha intenção de o voltar a encontrar, daqui a meses, em La Valetta, onde devo ir fazer uma conferência.

Apesar da diferença de idades, estabeleci com Guido de Marco uma forte relação de amizade, desde que nos conhecemos em Barcelona, em Novembro de 1995, no lançamento do Processo que levava o nome da cidade. Diversas outras vezes nos vimos, em Bruxelas e em Estrasburgo. Ele era então ministro dos Negócios Estrangeiros de Malta e o governo português, de que eu fazia parte, mostrava-se abertamente favorável à entrada do seu país nas instituições comunitárias - um sonho que ele perseguia há muito tempo, tendo para isso que lutar contra a linha dominante nos trabalhistas malteses, muito tributária de um soberanismo isolacionista que vinha dos tempos de Dom Mintoff.

Com a conjuntural vitória eleitoral dessa linha socialista anti-europeísta, no ano seguinte, de Marco, que era de um partido conservador, passou à oposição. Numa visita que fiz a Malta, em 1997, pedi para incluir no meu programa um encontro formal com ele, gesto cujo sentido não escapou aos meus anfitriões do então governo socialista local. E, pelos vistos, esse foi também um gesto que Guido não esqueceu quando, em 1999, tendo entretanto sido já eleito Presidente da República do seu país, fez questão de me receber de forma muito calorosa, aquando de uma outra deslocação minha a La Valetta, excedendo, em muito, aquilo que o protocolo justificaria para um simples secretário de Estado.

De Marco foi uma figura destacada na vida política de Malta, tendo exercido vários cargos ministeriais, para além de ser um dos mais reputados advogados do seu país.  Era uma das personalidades maltesas mais conhecidas no mundo, tendo ocupado o cargo de presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas. Era um homem sábio e de diálogo, cordial e solidário, era um europeísta que tinha um sentido muito profundo daquilo que poderíamos designar por "mediterraneidade", o que lhe concedia uma audição muito fácil em  ambas as margens desse "lago". Com Portugal, manteve sempre uma relação de grande afinidade, contando políticos portugueses, como Jaime Gama e Durão Barroso, entre os seus amigos*, de quem sempre me falava com grande estima.

*Uma oportuna nota num comentário revela que Freitas do Amaral e Mário Soares estavam igualmente entre os amigos portugueses de Guido de Marco.

2 comentários:

Anónimo disse...

Grande estima

A retratada em memórias de vida.

Isabel Seixas

ARD disse...

Conheci Guido de Marco, com quem mantive assíduo contacto durante três anos, pouco tempo depois de ele ter abandonado a Presidência da Republica, tornando-se um membro de um selecto clube de quatro pessoas, os “President Emeriti”, como são solenemente designados os que já exerceram aquele cargo em Malta.
Foi um grande advogado, um dos mais populares e queridos dirigentes do Partido Nacionalista, várias vezes Ministro (teve, entre várias pastas, os Negócios Estrangeiros em que se destacou), Presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas e Presidente da República.
Quando o conheci, dedicava-se com um entusiasmo juvenil ao Mediterrâneo, pondo um empenho contagiante na tentativa de aproximação entre Palestina e Israel. Era Presidente de Honra da Academia Mediterrânica de Estudos Diplomáticos que fundara e onde leccionava ainda.
A vida política, cultural e social maltesa, extremamente polarizada, chegava a níveis de violência verbal (e, até há poucos anos, também física) não muito habituais na Europa; mas Guido de Marco era universalmente respeitado e querido por todos os sectores e os seus adversários políticos não perdiam ocasião de o demonstrar, prodigalizando-lhe publicamente manifestações de amizade.
Também possuo o “The Politics of Persuation” autografado. Na verdade, tenho dois exemplares: o primeiro, adquirido por altura do lançamento do livro, em que ele apôs uma impessoal e rápida assinatura, acompanhada da promessa de uma outra mais, digamos, personalizada; poucos dias depois, recebi um envelope contendo um outro exemplar da obra, desta vez com uma muito simpática mensagem pessoal.
Tinha, além daqueles que o senhor Embaixador nomeia, outros amigos portugueses: o Prof. Freitas do Amaral e, sobretudo, o Dr. Mário Soares que, em cada visita a Malta – e houve várias – nunca deixava de o encontrar. Uma das vezes, acompanhei o Dr. Mário Soares a casa do Prof. De Marco, impedido de se deslocar por um problema de saúde. Nunca deixavam de lembrar aos circunstantes que eram “adversários políticos” e que isso não impedia, antes coloria, uma forte amizade.
Com a morte de Guido de Marco, desaparece um dos poucos protagonistas ainda vivos dos tempos heróicos das lutas pela Indepência e pela República e das épicas batalhas políticas de rua entre Nacionalistas e Trabalhistas.

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