Camilo Mortágua, pai da atual líder do Bloco de Esquerda, foi um valente lutador contra a ditadura, participou no assalto ao navio mercante “Santa Maria”, no desvio do avião da TAP de Casablanca para Lisboa, no assalto ao Banco de Portugal, na Figueira da Foz, bem como em outras ações revolucionárias com as quais, como português e democrata, me sinto perfeitamente solidário e cuja execução lhe agradeço e louvo - e que isto fique aqui escrito, preto-no-branco, porque é preciso não ter medo de dizer as palavras justas.
Só uma ditadura que foi culpada por imensos mortos, por uma criminosa guerra colonial, por décadas de perseguições, torturas e prisões que arrasta no seu inapagável cadastro histórico, com a PIDE e a censura cobardemente a seu lado como mão executora, teve o desplante de qualificar como crimes comuns alguns atos justamente praticados, como hoje está mais do que provado, para enfraquecer o regime que iria cair de podre e de ridículo perante a História no dia 25 de Abril. E aproveito o ensejo para prestar também homenagem a essa outra figura de homem de bem que se chamou Hermínio da Palma Inácio, igualmente diabolizado pelos caluniadores anti-democratas.
Alguma direita portuguesa, que nunca conseguiu fazer o exorcismo do Estado Novo, vive ainda uma orfandade envergonhada desses tempos, disfarçada na proclamação da “honestidade” de Salazar, nas acusações comprovadamente falsas sobre um indevido uso das verbas do assalto na Figueira da Foz, numa miserável equiparação das ações da LUAR a delitos comuns - não tendo vergonha de recorrer precisamente à mesma linguagem que a PIDE utilizava. Aqui pelas redes sociais, como se irá ver nas caixas de comentários hoje e nos próximos dias, há ainda muito quem se sinta solidário com a narrativa da António Maria Cardoso. Gente que nunca entenderá que também foi graças a lutadores como Camilo Mortágua que hoje usufrui da liberdade que lhe permite escrever, com total liberdade e impunidade, aquilo que escreve. Como dizia o outro, "eles não sabem nem sonham".
22 comentários:
"como se irá ver nas caixas de comentários hoje e nos próximos dias"
"como se irá ver nas caixas de comentários hoje e nos próximos dias, "
Não pela minha parte. Concordo em absoluto com o Senhor Embaixador.
Gostaria, apenas de subscrever as suas sábias palavras.
Subscrevo - palavra por palavra - aquilo que aqui escreve, com frontalidade, coragem e objectividade, sobre Camilo Mortágua e, por junto, sobre Palma Inácio. E sobre a miserável Ditadura Salazarista. Recordo-me de meus pais me falarem dos casos em que ambos esses anti-fascistas estiveram envolvidos, que aqui invoca e nos recorda. E falta ainda recordar, já agora, Henrique Galvão e o seu envolvimento no assalto ao navio Santa Maria. Meus avós (paternos) Durienses (de Alijó) sempre tiveram uma postura anti-Estado Novo e sempre que algo abalava esse inqualificável regime ditatorial deliciavam-se. Tenho bem presente essa sua, deles, atitude, que hoje mantenho relativamente ao “antigo Regime”.
Curiosamente, a talhe de foice, a propósito do regime Salazarista, meu pai, que tinha uma fábrica metalúrgica no Carvalhido, no Porto, hoje desaparecida, quando houve uma greve, pesada, que levou à paragem da fábrica por uns 2 dias, promovida pelo então PCP (uma greve a nível nacional), não a denunciou à PIDE, como mandava a lei à época, a fim de evitar prisões de alguns dos seu operários, alegadamente envolvidos na organização da greve na sua fábrica. Foi preso, e por uns 2 dias ficámos sem saber dele, que tinha sido levado para os calaboiços da PIDE, no Porto.
Bravo, Francisco, por este seu Post de excelência! E que viva o 25 de Abril, por muitos e bons anos!
(imagino as críticas que irão chover, quer neste seu Blog, quer por essa imprensa).
Abraço!
a) P. Rufino
É só pena que a maioria destes revolucionários, cuja coragem admiro, quisessem derrubar a ditadura para instalar outra de sinal contrário.
Conheci o Camilo, ainda antes de o conhecer…
Quero dizer, ouvi falar dele antes de o conhecer. Tinha partilhado algum tempo de exílio com os meus avós e tios e, nos momentos de família em que essas histórias eram partilhadas, muitas vezes o nome dele era referido.
Nos anos 80, o Camilo apareceu no Fojo (casa dos meus pais) para rever os amigos. Foi uma vez e, a partir dessa, muitas outras. Vinha na maior parte das vezes acompanhado pelo Alípio de Freitas, passavam os fim-de-semana em Tondela. Estes momentos eram de intensa conversa sobre memórias (e como eram ricas as memórias destas pessoas), de relatos e também de construção de futuros. Sim, porque nunca eram pessoas de se refugiar nas memórias, mas sim, de a partir delas, construir caminhos de futuro e processos de transformação. Para nós, eu e os meus irmãos, jovens adolescentes a tentar construir em conjunto com muitos outros um caminho de alternativas em Tondela a partir da cultura, na ACERT, era absolutamente fascinante ouvir aqueles relatos que nos pareciam filmes de aventuras. Aventuras de resistência que nos tinham permitido colectivamente atingir a democracia.
Ouvir o Camilo falar das suas acções, muitas delas muito conhecidas, de resistência, sim de resistência, mas também de aventuras como a de andar em digressão pela América do Sul com uma equipa de futebol feminino, ou o Alípio de Freitas falar da prisão política de que foi alvo no Brasil, ajudaram-nos a perceber que não há razões, por mais duras que sejam, para desistir ou deixar de acreditar naquilo que defendemos colectivamente para a nossa comunidade.
Fomos sempre mantendo contacto. Mais tarde, anos 90 com o arranque dos processos de desenvolvimento local associativo a que o Camilo esteve ligado, no arranque do programa LEADER e na ANIMAR, trabalhámos conjuntamente na ManiFesta 1996 em Tondela. O Camilo integrava um grupo de trabalho de gente com imensa experiência nestas áreas que vieram ajudar os “miúdos” de Tondela a montar um acontecimento como esse.
Lembro-me muito bem de nessas reuniões em que todo esse conhecimento estava à volta da mesa (o Camilo, o José Portela, o Alberto Melo, o Zé Carlos Albino, o Artur Cristóvão, o Zé Brás, a Priscila, o João Ferrão, etc.) e nós, ficávamos embasbacados. De que falavam estes tipos, de que desenvolvimento falam eles, a que transformação se referem?… Eu lembro-me de olhar para o Camilo como o “velho crocodilo” imóvel, calado, parecendo adormecido… mas no momento certo sem que nada o fizesse prever, dizia algo normalmente acertado.
O Camilo, era além de tudo um amigo…
Um amigo daqueles que mesmo que estejas sem ver muito tempo sabemos partilhar uma história comum.
Acreditava até ao limite na importância dos processos de desenvolvimento baseados nas comunidades, construídos a partir das comunidades.
Durante algum tempo fomos falando ao telefone, cada vez menos, dadas as suas enormes dificuldades de audição. Recentemente tinha uma visita marcada ao Alvito com o Luís Chaves para o vermos.
Tanto eu como o Luís referíamos “tem que ser antes que nos atrasemos”. Na data que tínhamos acordado não foi possível…
Hoje, recebi uma mensagem do Luís:
Miguel, já deves saber… atrasámo-nos, morreu o Camilo!
Porra!
Miguel Torres, Tondela, 1 de Novembro e 2024
Não conheci o revolucionário. Nesse capitulo deixo a palavra a quem o conheceu politicamente. Apenas o conheci como dirigente associativo, com quem interagi no âmbito da ESDIME. E não gostei . Considero que a eventual bondade dos fins não justifica todos os meios. Mas foi o que encontrei.
MR
O que escreve legitima a instrumentalização da violência e do crime para impedir o avanço de progressistas, comunistas, pós-modernistas e globalistas na sociedade moderna. Ainda bem.
Um profundo agradecimento pelas palavras que têm de ser ditas, não só como boa fé de quem escreve, mas também como encorajamento para livrar o espirito verdadeiro da luta anti fascista do esmorecimento. Obrigado pelo texto!
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida.
Estes são os imprescindíveis. Bertolt Brecht
Escreveu um esquecido Guerra Junqueiro que "as Pátrias só se regeneram sofrendo". Infelizmente, parece ser verdade, de forma que não há razões para ser muito otimista...
Antifascista. Sim, sem dúvida. Mas também terrorista e criminoso. Uma coisa não invalida a outra, pois não? Nem ninguém tem só uma dimensão. Podemos ser várias coisas ao mesmo tempo. Camilo Mortágua foi-o. Dado o contexto político da altura, os crimes que praticou, supostamente em nome de algo maior, poderão ser menorizados, mas nunca seriam em democracia. Sim, em democracia, o que Camilo Mortágua praticou é crime sem tirar nem pôr. E terrorismo. Mas mais, Mortágua nunca foi um democrata, mas um totalitário de esquerda, daqueles que causam, ou causavam, urticária a qualquer social-democrata (no sentido político) moderado. Ser antifascista não equivale a ser democrata. E esta coisa de classificar à partida opiniões que se irão expressar como sendo isto ou aquilo também não tem muito de democrático, como se a realidade fosse monocromática (é assim que a vêem os adeptos do totalitarismo). Em resumo, antifascista, sim, e antidemocrata também. Mas presumo que na hora da morte de alguém se relevem mais os aspectos que enaltecem do que os outros. É da vida.
Ganda Francisco ( peço desculpa pela familiaridade mas, o que tem de ser, tem muita força ) !!!
Há rica cabeça que assim pensa e ricas mãos que assim escrevem.
Bem haja, Senhor Embaixador!
Sr. Embaixador, bem-haja por este seu texto. Como diz, e bem, há palavras que têm de ser ditas/escritas. Que nunca a caneta lhe doa! Espero que a caravana continue a passar.
"os crimes que praticou, supostamente em nome de algo maior,"
Estranha noção de crime. Por esta ordem de ideias, as forças armadas que derrubaram Marcelo Caetano cometeram crimes pois desobedeceram à legalidade chegando ao ponto de deitar o Governo abaixo pela força. Os movimentos de libertação das antigas colónias foram uns criminosos. O Exército Português não (cumpria uma missão civilizadora). A PIDE também não, pois ajudava a civilizar os indígenas etc. etc.
Em resumo, contra ditaduras não se deve utilizar a força, antes devemos todos amochar e respeitar a ditadura!!
Sr. Embaixador. É só para para dizer o seguinte: EXCELENTE E TOCANTE, texto. Muito obrigado.
Ah*
Palavras de HOMENS QUE VALE A PENA CONHECER . Ficamos melhores quando os lemos.
Apoiado, sr. embaixador.
Senhor Zeca: digo "supostamente" porque as intenções de Mortágua e dos seus não era instaurar uma democracia, era derrubar uma ditadura de direita para instalar outra de sinal contrário. E só ingenuamente se pode esperar que actos que são crime em democracia não o fossem também em ditadura. Juridicamente, assim é. A apreciação política é outra e é à luz dela que esses crimes podem ser suavizados, como também referi. Mortágua pode ter sido tudo, mas nunca foi um democrata.
Graças à falta de nivel e credibilidade de revolucionários como este e vários outros, bem conhecidos e afamados, não faltava "adubo" para o Salazarismo sobreviver 6 anos à queda da cadeira.
E já levava 33.
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