segunda-feira, novembro 07, 2016

François Hollande


Com a publicação de um livro da autoria de dois jornalistas, em que são reportados comentários de François Hollande a várias figuras e instituições francesas, o atual ocupante do Palácio do Eliseu deu uma machadada final naquela que era já uma muito remota hipótese de recandidatura. A França é muito dada a este tipo de indiscrições escritas, pelo que o livro de José António Saraiva nunca seria um escândalo por lá. 

(Tenho algures um outro livro, também de dois jornalistas, com conversas com Nicolas Sarkozy, igualmente "politicamente incorretas", mas que não iam tão longe como as do político socialista e que, se bem me recordo, em nada contribuiram para a sua derrota, em 2012. Contra Hollande, recorde-se.)

Sei que isto não deve ser muito popular, mas devo confessar que gosto de Hollande como pessoa. Conheci-o em Lisboa, creio que em 1999, quando cá veio a uma conferência no Hotel Ritz, numa iniciativa promovida por Mário Soares e António José Seguro, em que ambos falámos sobre o estado da Europa. Revelou-se um homem cordial e afável, brincalhão e bem disposto. Tenho um fraco por pessoas assim.

Politicamente, Hollande nunca foi "grande espingarda". Assessor de Mitterrand, nunca por este (nem por Jospin) foi levado para o governo, o que pode querer dizer alguna coisa. Gestor hábil da máquina socialista - um "saco de gatos" muito difícil - acabou por emergir como uma espécie de "média aritmética" nas primárias que levaram à sua seleção como candidato da esquerda às eleições presidenciais, numa França então muito cansada da hiperatividade arrogante de Sarkozy. Ganhou com um discurso bastante mais à esquerda do que presidência que depois faria. Portugal deve-lhe uma política fiscal contra os "ricos", que fez com que para cá emigrasse muito capital, que comprou meia Lisboa.

Como presidente, Hollande demonstrou não ter uma estratégia clara para os problemas internos do país, da questão da competitividade à integração social das comunidades, dando sinais contraditórios com algumas escolhas que fez para o executivo. Mas portou-se bem nas questões da segurança. No plano externo, revelou um elevado sentido das responsabilidades globais que competia à França assumir - de que a sua ação no Sahel fica como um marco significativo. Na área europeia, não conseguiu disfarçar a crescente fragilidade da França. O saldo global, como se vê com os seus 4% (!) de aprovação, é, contudo, abaixo de medíocre.

Custa-me dizer isto de um país de que gosto muito: o problema francês, isto é, a inadequação que me parece evidente das suas ambições face à realidade, tornam o seu problemático futuro - quem que seja quem a dirige - numa questão para todos quantos dependem da sua capacidade como poder para reequilibrar a balança europeia, principalmente agora que dizemos adeus a Londres no quadro comunitário.

Em 2012, François Hollande afirmou querer ser um presidente "normal", para contrastar com a imagem de Sarkozy. Infelizmente, acabou por ser um presidente banal, tocando mesmo alguma vulgaridade, em especial no modo como geriu as dimensões públicas da sua vida sentimental. 

Posso estar a ser simplista, mas, nestas derivas afetivas, creio ter vislumbrado em Hollande algum "mitterrandismo" tardio, uma teatralização à Feydeau da vida meio-política-meio-pessoal em que os franceses são mestres, a qual não deixa de colher os favores da minha nostalgia. É que Hollande manteve sempre em tudo isso um registo humano com que não consigo deixar de simpatizar. É também por isso, para além das dimensões políticas, que tenho pena que acabe por sair da cena da História desta maneira.

10 comentários:

Anónimo disse...

Saco de gatos a céu aberto é o ghetto francês e os jovens que ai nascem, que sao boa parte dos que nascem em frança.
O nivel de pensamento tribal e de odio a frança que os alimenta (ou talvez melhor, a uma certa frança, que os alimenta, é ...

https://www.youtube.com/watch?v=9PODnRarD78

Ha uns que continuam a sonhar com "oh la france!, c'est un grand pays" quando a frança é outra coisa muito diferente e que grande parte parece não ter a menor ideia. Depois surpreendem-se com a Marine...

Que fazer com estes jovens?


ps: Hollande, para eles, é um fraco. A cultura de pouca frontalidade a la française não é a cultura do ghetto. Valha-lhes isso!

Anónimo disse...

Caro Embaixador,

O livro em causa representa um verdadeiro suicídio político. Tal como Sarkozy, Hollande não vai ficar na História. E os socialistas estão em vias de desintegração. E não parece que o provável sucessor de Hollande, Alain Juppé, venha a ter a possibilidade de desempenhar um grande mandato porque a direita também está dividida.

atenciosamente

Portugalredecouvertes disse...


Muitos de nós temos na França, a nossa segunda pátria:)

Anónimo disse...

Esta gente vai desbravando caminho à Le Pen.

Pergunto eu:

1 - O que será da Europa sem a GB, com a Le Pen aos comandos da França e com uma Alemanha economicamente egoísta?

2 - Com o rumo que as coisas estão a tomar, que futuro fica reservado a Portugal?

A. Henriques

Anónimo disse...

25000 franceses em portugal segundo o leparisien

http://www.leparisien.fr/flash-actualite-economie/l-engouement-des-francais-pour-le-portugal-ne-tarit-pas-31-10-2016-6273591.php

se for para se cumberterem a nossa seleçõum e poderem ser compeões da europa de futebole, eu cumpreendo... mas se for para fugirem aos muaros, é um muito estranho... entõm vão para lisboa?.. muito estranho...

Anónimo disse...

http://www.lepoint.fr/presidentielle/en-soutenant-valls-le-drian-a-voulu-envoyer-un-message-a-hollande-07-11-2016-2081438_3121.php

Reaça disse...

A França foi sempre um "cancro experimental".

Desde o Carlos Magno, até ao pescoço de Maria Antonieta e desde Napoleão até ao Hitler, a França foi só um campo experimental.

Depois temos Dien Bien Phu e Argélia, uma desgraça.

Agora com aquele tampão de betão inglês no tunel de Calais, é o fim e o princípio de outras experiências estranhas.

O Hollande (e qualquer dirigente actual europeu) são apenas...simples consequências.

Helena Sacadura Cabral disse...

Meu caro Francisco
Encontrar alguma espécie de fio condutor entre Hollande e Mitterrand parece um pouco perverso. Tomara Hollande...
A única coisa que lhes é comum será a paixão pelas mulheres. E ,se no caso do Presidente morto, a compreendo muito bem, já no caso do vivo, é algo que jamais conseguirei entender. Sobretudo porque teve sempre mulheres inteligentes e bonitas. Alguma qualidade ele deve ter. Mas não será, seguramente, no campo politico!

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Helena. É no aspeto afetivo que algumas similitudes podem ser encontras. Na política, coitado! Um abraço

Francisco Tavares disse...

Caro Embaixador, o problema da França parece ser, a quem como eu está à distância, o mesmo que atravessa toda a europa do sul e não só e os próprios EUA: um ataque sem quartel à grande massa da população, empobrecendo-a, em nome de pura ideologia (a austeridade, as finanças públicas ditas sãs, a privatização de tudo o que cheire a dinheiro, a privatização das pensões, a descida de impostos às empresas, o rebentar da negociação coletiva). E estes mitos apesar de há muito terem sido desmontados mantêm o seu domínio, sendo despejados diariamente pelos grandes meios de comunicação. Já em 2001, havia quem com simplicidade mas muito rigor desmontasse todos estes mitos que hoje em dia apenas significam poder, ignorância e má fé, e muito, mas muito sofrimento (vide Heiner Flassbeck, Quatre Grands Débats en Alemagne: le rôle de la logique dans la politique économique moderne, 2001). E Hollande, como outros políticos ditos social-democratas (Blaires, Scroeders, ...) "compraram" esta ideologia e aplicam-na zelosamente. Afinal porque há tantas pessoas que apoiam Le Pen, Trump, Carnage, e outros? São todos uns desmiolados? Ou não serão antes uns desesperados que não têm nenhuma perspetiva de um futuro melhor? E quanto à política externa: lamentável, para dizer o mínimo, a cobertura dada ao golpe de estado na Ucrânia, à destruição da Líbia e agora da Síria.

Senado

Dois terços dos senadores do Partido Republicano americano não foram eleitos no dia 5 de fevereiro, isto é, na onda política Trump II. É de ...