Morreu um homem livre, que pensava exclusivamente pela sua cabeça, mesmo que isso o obrigasse a ficar sozinho, contra tudo e contra todos. O que algumas vezes aconteceu. Tinha a coragem própria dos que não dependem dos outros, de quantos não mendigam lugares ou prebendas, tendo como única ambição serem eles mesmos. Social-democrata de gema, num espaço político-partidário onde essa espécie quase já só se encontra à lupa, era um saudável heterodoxo, senhor de um discurso afiado e irónico, onde ao traquejo da barra se somava uma convivência íntima com os clássicos e um mundo de debate criativo onde sempre brilhava.
Como pessoa, era uma figura encantadora, culta, cosmopolita, muito agradável, com histórias deliciosas. Gostava das coisas boas da vida, era um epicurista felizmente incurável. E era um cultor feroz da amizade.
Um dia de dezembro de 2002, no Porto, num jantar oficial, num tempo em que eu fora objeto público de uma vilania, aproximou-se de mim e disse: "Meu caro, vi o que lhe fizeram. Deixe-me dar-lhe um abraço forte, com a minha solidariedade". E, como homem do Norte que era, deixou na conversa um qualificativo adequado aos fautores da patifaria. Nunca esqueci esse gesto, vindo de quem vinha.
Estive com Miguel Veiga, pela última vez, na evocação de Artur Santos Silva (pai), que ele fez com brilho, na Fundação Mário Soares, há cerca de dois anos. Senti-o já bastante frágil, longe da graça, quase adolescente, que era a sua imagem de marca. Mas sempre com a inteligência viva e a palavra certa.
Homens livres como Miguel Veiga fazem muita falta ao país cinzento e burocrático que aí anda.
9 comentários:
Tudo o que é de esquerda vocês enaltecem. Este era da esquerda do PSD e isso não interessa.
Gosto daquele PSD liberal embora não tanto como eu gosto. Prefiro aquelas politicas levadas a cabo pelo General Augusto Pinochet que catapultaram o Chile para o Séc. XXI e fizeram desse país uma nação bem desenvolvida.
Não conheci Miguel Veiga, pessoalmente, mas ouvi falar e li bastante sobre ele. Fazia parte dos raros homens de direita que podia ser meu Amigo se pertencesse à sua companhia.
Duma coisa estou certo: é que sendo um homem livre, que pensava pela sua cabeça, se tivesse vivido no regime de Augusto Pinochet não teria chegado aos 80 anos. Teria sido “catapultado” dos aviões, por cima do Atlântico.
Mesmo sabendo que a PIDE também não o esquecia e que esta também sabia “catapultar” os cidadãos livres para o Tarrafal ou esperá-los na fronteira do Caia.
O “Caudilho” Pinochet, tem a seu “crédito” 4 000 mortos e 40 000 torturados.
Só recentemente e pela primeira vez em quarenta anos, a Associação dos Magistrados e a Corte Suprema Chilena reconheceu ter cometido « graves erros » durante a ditadura. O presidente do Chile pediu perdão pelo Golpe de Estado do 11 Setembro 1972.
Impressiona-me que ainda existam em Portugal saudosistas do Caudilho, o que quer dizer de todos os Caudilhos que ardem no inferno…
"Prefiro aquelas politicas levadas a cabo pelo General Augusto Pinochet que catapultaram o Chile para o Séc. XXI e fizeram desse país uma nação bem desenvolvida." ...ou seja, o neo-fascismo, animado pela eleição do Donald Trump, a dar ares de si, a revelar-se. Ao Leitor deste comentário, aconselhava-o a ler, com alguma atenção, o que Jorge Sampaio escreve hoje no Público. O dito Leitor passa um pano por cima do assassinato de Salvador Allende, apoia um facínora fascista, financiado pela CIA, ignora os inúmeros prisioneiros e vítimas que perderam a vida naquela altura e depois, durante o regime do fascista Pinochet e segue, alegremente, na defesa do modelo criminoso do tal neo-liberalismo que corrói as estruturas sociais por onde tem passado e imposto a sua receita de austeridade. Que atinge os mais desfavorecidos, poupando os menos fragilizados socialmente: como, por exemplo, a Banca.
Trova do Vento que Passa
Para António Portugal
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi meu poema na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(Portugal à flor das águas)
vi minha trova florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre, in 'Praça da Canção'
Manuel de Melo Duarte Alegre Portugal
Aqui está o grande mistério, estes politicos são todos bons quando morrem. Com tanto politico bom que por ai existia e continuam a ser todos bons, pelo menos quando os atuais morrerem assim serão apresentados, então porque é que este país está onde está?
Comparem o Chile com a Venezuela e Cuba. Ponto.
Quanto a Salvador Allende ele suicidou-se. Ponto.
Ao Sérgio Serrano. E o que acha daquele judeu que aconselhou o Homem a amar o próximo? Está contente por o terem crucificado?
Fernando Neves
RESPECT!
Quem não conheceu Miguel Veiga perdeu e muito.
Apesar de fundador do PPD, nunca foi um homem de direita, nem antes, nem depois do 25 de Abril.
Miguel Veiga é daqueles que se lhe saísse o NOBEL também não ia lá recebe-lo como faz o outro.
Este americano não aceita o nobel da literatura, porque um dia o deram a um tal Pasternak.
O nosso Nobel português devia ter feito a mesma coisa, para ser coerente.
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