Há dias, numa conversa com alguém com responsabilidades políticas, fui surpreendido pelo raciocínio de que "o interior é hoje um mito", de que "com as acessibilidades agora existentes, em menos de duas horas qualquer pessoa se desloca das zonas de fronteira até ao litoral e vice-versa", pelo que é "um imenso erro estar a despejar dinheiro em áreas onde ninguém quer viver".
A regionalização é um tema divisivo na sociedade portuguesa e eu próprio nunca me senti muito seguro sobre a bondade da criação de um modelo organizativo que implica novas e dispendiosas estruturas, cuja relação custo-eficácia está ainda por estabelecer. Mas tenho de reconhecer que o preço da "não regionalização"é hoje também muito elevado, no que isso significa em termos de expressão da vontade e interesses de certas regiões do país.
Foi A.H. de Oliveira Marques quem fez notar que, já desde antes da criação da nacionalidade, se estabeleceram no território do que é hoje Portugal redes viárias que vieram a favorecer a divisão vertical do país. Com os séculos, foi-se criando cada vez mais no país um "muro", em termos de desenvolvimento, que hoje separa o "Portugal de Leste" do litoral desenvolvido. Um tanto surpreendentemente, a democracia e a integração europeia não contribuíram para contrariar esta realidade, que também não foi alterada, como se esperava, pela cooperação transfronteiriça.
Quando passei pelo governo assisti, com algum espanto, à explanação de propostas estratégicas que tinham no seu centro modelos de desenvolvimento exclusivamente assentes no litoral, na criação de uma espécie de "metrópole" ao longo da costa, concentradora das atenções, dos recursos e, naturalmente, de pessoas. O interior, se não era "só paisagem", não ficava muito longe disso.
O modelo das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional hoje existentes é uma aberração que favorece o prolongamento desta discriminação, que traz consequências trágicas em termos de ordenamento do território.
Que tem a zona industrial do Porto a ver com a desertificação do nordeste transmontano, qual é a similitude de abordagem das questões que afetam Aveiro e Coimbra com as zonas fronteiriças das Beiras? Não estará a região transmontana muito mais próxima, em matéria de interesses, da Beira interior (ou mesmo, no limite, do Alentejo oriental)? Precisamente porque hoje existe uma multiplicidade de evidentes interesses comuns, não seria de estabelecer uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Interior Norte e Centro, amputando para tal as duas CCDR dessas áreas?
Mais difícil do que lutar contra interesses instalados é combater mentalidades enquistadas em modelos mentais que alguns se obstinam em não abandonar. É preciso lutar para derrubar o “muro” que separa internamente o nosso território, é necessário lutar pelo "Portugal de Leste" e, de uma vez por todas, caminhar para a unificação do país.
(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")
6 comentários:
Caro Chico
Participei em diversas reuniões que defendiam a regionalização. Compreendi então os interesses que se ocultavam opor trás de cada opinião. Mais tarde fui confrontado com as posições dos diversos partidos, uns defendendo, outros rejeitando a regionalização. >Até cheguei a ouvir que se a Madeira e os Açores eram regiões autónomas, por que bulas não havia regiões autónomas da Grande Lisboa, do Grane Porto, do centro, do Alentejo,do Algarve e outras mais.
Fiquei a pensar que uma região autónoma da Bairrada era excelente tendo a presidi-la o leitão, a região autónoma de Foz Coa, com o represente máximo sediado nas gravuras pré-históricas, ou a região autónoma de Montemor o Novo por ter o maior número de semáforos por metro quadrado...
Exagero? Sim, exagero. Com a dimensão mais ou menos rectangular de Portugal porque não a região autónoma de... Portugal; isto se a Alemanha deixasse...
Abç do alfacinha
Uma relação de proximidade entre eleitos e eleitores é fundamental e as alegadas estruturas dispendiosas que a regionalização acarretaria são um mito. Salazar ainda não se foi embora e está ali à porta, mesmo em frente.
Eu acho que a desertificação do interior português é normal: as regiões ocidentais da Espanha também são as menos povoadas e as mais pobres do país.
Portugal foi criado como país devido ao seu litoral: foi sempre ele que lhe trouxe recursos, devido à superior facilidade dos transportes por mar. Se não fosse o litoral, não haveria qualquer razão para Portugal ser um país separado de Espanha.
Essa da metrópole no litoral é do Cravinho! Nem ao diabo lembraria!
Nós, Durienses, só queremos que nos deixem tratar dos nossos assuntos! Tal como não nos deixam e não nos metemos, também, nos vossos covis “urbanístico” do litoral!
A que propósito é que uns tipos aí de baixo é que decidiram que a Casa do Douro devia ser desmantelada! Que insolência! Nós é que devíamos ter decidido! Porque somos só nós que arcamos com as consequências!
(nota: todos (sem exceção) ganharam eleições à conta da regionalização! Depois, afinal, era um erro colossal! Tal como o acordo da troika!)
O Duriense
Só seria útil a regionalização, se a lavadora Lavajacto, pudesse descentralizar as lavagens.
A Espanha está regionalizada e não me parece que esse facto se traduza em maior desenvolvimento para as suas regiões mais pobres e "interiores" (a metade ocidental do país) do que se não estivesse.
Parece-me portanto que o debate sobre a regionalização não tem grande coisa a ver com o debate sobre o desenvolvimento do interior.
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