Alguns haverá que, mesmo contra toda a evidência, irão nas próximas horas afirmar, com um ar aparentemente convicto, que o primeiro-ministro grego teve em Bruxelas uma "importante vitória". Esses mesmos recusar-se-ão, com toda a certeza, a reconhecer que a Grécia cedeu em toda a linha e acabou por aceitar um cenário de capitulação e verdadeira humilhação. Mas também tenho a certeza de que irão procurar descortinar, em dois ou três pontos deste compromisso, vestígios dessa "vitória" de Tsipras. Quem não quer ver, nunca verá.
Não quero ser sádico, mas acho impossível não lembrar os termos de referência na base dos quais o Syriza ganhou as eleições em janeiro: recusa, em absoluto, de um novo resgate e fim das medidas de austeridade. E quero também recordar, porque isso é importante perante observadores teimosos, que a diplomacia europeia do primeiro-ministro grego teve perante si, à mesa negocial, cenários de compromisso bem melhores, rejeitados com base numa estratégia que se revelou inconsequente e - digamos isto com todas as letras - altamente lesiva dos interesses da Grécia. A simpatia que a tragédia do governo grego nos possa merecer não deve iludir-nos ao ponto de nos tornar cegos perante a realidade dos factos.
Dito isto, que fique bem claro que acho absolutamente inaceitável, contrária ao espírito europeu, a chantagem a que o governo de Atenas foi submetida, num ultimato que revela deprezo pela dignidade de um povo e pela consideração mínima que um governo eleito deve merecer por parte dos seus "parceiros" - e tenho cada vez mais dúvidas que o conceito de "parceiros" possa continuar a ser usado nas presentes circunstâncias. Uma certa Europa morreu hoje rm Bruxelas e tenho muitas dúvidas que ainda possa vir a ser recuperada.
Três notas finais.
Desde logo, para a Alemanha, que se prestou a um papel que vai marcar muito, e de forma negativa, a sua imagem na Europa. Angela Merkel revelou incapacidade de liderança e um seguidismo pouco prestigiante perante as pulsões anti-gregas da sua própria opinião pública. Por detrás de Berlim, surgiram ainda alguns comparsas em registo semelhante, incapazes de fazer perceber aos seus países que há mais Europa para além deste caso grego.
Depois, a França e François Hollande. Tendo embora um caso nacional próprio a cuidar, o que nunca terá deixado de estar presente na sua atitude, mostraram que sabem ver a política para além da espuma dos cifrões. Um belo momento para o presidente francês e, também, para o seu experiente ministro das Finanças, Michel Sapin.
Finalmente, Passos Coelho. Saudemos, com sinceridade, o seu silêncio e contenção nos últimos dias. Este acabou por ser, "malgré lui", ser o mais glorioso tempo da sua "política europeia", nos últimos quatro anos.
18 comentários:
Senhor Embaixador, o seus dois primeiros parágrafos não batem com o resto. É a quadratura do circulo. Começa por falar em estratégia inconsequente do governo grego, para de seguida criticar duramente a estratégia das instituições europeias. Ora, como ficamos? Uma coisa ou outra. Ou acha, afinal, que foi o comportamento do governo grego que provocou a humilhação de um pais inteiro pelas instituições e governos de outros países? Qual é a lógica? Que espécie de racionalidade explica que após o referendo as condições impostas tenham sido mais duras? Ou quer dizer, afinal, que o governo Tsipras foi pouco previdente porque devia saber que estava a lidar com lobos sedentos? Eu vi um governo que foi derrotado, mas sem ter deixado de lutar até ao fim por melhores condições para o seu povo. Estes perceberam, tanto assim que a popularidade do governo grego não sofreu grande abalo. O Senhor Embaixador é um homem com mundo, espanta-me que não perceba isto. Outros, mais pequeninos, ficam perplexos com a reação do povo grego. De si é que não esperava.
Pedro
Ex.mo Senhor Embaixador:
Se avaliarmos o acordo pela reacção dos apoiantes de ambos os lados, só podemos concluir que foi um excelente acordo.
Os apoiantes dos gregos estão muito contentes com as cedências da UE: com o resgate.
Já os contestatários (especialmente do Syriza) ficaram muito felizes porque o governo cedeu em toda a linha, aplicando ainda mais austeridade do que a que foi recusada no referendo.
Se ambas as partes estão satisfeitas com o acordo, só podemos concluir que se trata de um excelente acordo: o Euro está salvo e a Grécia vai começar a crescer a olhos vistos (como crescera até aqui com medidas de austeridade menos violentas, op que lhe permitiu pagar a monstruosa dívida).
Ortega y Gasset (1883-1955), in «A rebelião das massas», disse: «Ser de esquerda é, como ser de direita, uma das infinitas maneiras que um homem pode escolher para ser um imbecil: ambas são, com efeito, formas de paralisia moral.»
Manuel Silva, como todo o respeito pelo próprio, essa afirmação do Ortega Y Gasset é imbecil. Acontece aos melhores.
Bom dia Sr Embaixador, antes de começar o meu comentário ao tema(ontem lá tivemos corridas na nossa terra). Tal como o senhor sou Vilarealense e o senhor conheceu bem o meu Pai( António Botelho, antigo Gerente da Gomes e mais tarde proprietário da Pompeia). Vamos ao assunto, como Licenciado em Estudos Europeus que sou, há muito que toda a gente sabe que esta Europa está muito longe dos principios que a fundaram e nortearam durante as primeiras décadas. Infelizmente tenho que começar por dizer(porque as pessoas se esquecem rápido, de que quem colocou a Grécia neste estado em que está não foi o Syriza, atenção que com isto não estou a dizer que sou seu fiel apoiante. Sou uma pessoa de Esquerda, mas não da Esquerda que se passou para o lado "neoliberal". Assim quem deixou aquela situação foram os dois partidos que governaram o País desde A REVOLUÇÃO DE 74(Nova Democracia e Pasok). Mas que realmente este governo grego veio colocar na prática aquilo que há muito se discutia em teoria veio, claramente demonstrou que esta Europa não interessa á esmagadora maioria dos Países e povos que a constituem. Por outro lado veio claramente também demonstrar quem são os "submissos" aos poderosos, onde claramente está inserido e em primeira linha o atual governo português.
Ortega y Gasset foi incapaz de assumir qualquer posição durante a Guerra Civil Espanhola. É isto ou não paralisia moral?
Senhor Embaixador,
Diga-me lá, por parte da sua sapiência, quantos portugueses se preocupam com isso? A grande maioria, sim, mais de 90% da população nem sabe o que se está a passar.
As pessoas preocupam-se com o seu mundo, em pagar as suas contas, em que não falte nada aos filhos. Tudo o resto são balelas.
Cordiais cumprimentos,
Miriam
Nesta história, como em muitas outras, não há inocentes.
Sr. Francisco Seixas da Costa,
Pelas reações de membros do governo alemão na noite do dia do referendo, era claro que o governo alemão tinha um plano para empurrar a Grécia para fora do Euro. Esse plano contava com a colaboração de Mario Draghi e do BCE, para fazer o trabalho sujo de fechar a torneira aos bancos gregos. Nesse mesmo dia, escrevi aqui um comentário dizendo isso mesmo e acrescentei que só Hollande podia travar o plano alemão.
O que se passou no sábado e ontem provaram que eu estava certo. Só que Schauble e Merkel não contavam que Mario Draghi lhes batesse o pé e se negasse a colaborar no plano. Por isso teve de deixar cair a máscara e dar a cara. Aquele documento vergonhoso, aparecido na reuniºao do Eurugrupo, escrito por Schauble ditado pelo desejo de vingança e de humilhar o governo grego provam isso mesmo.
O Sr. Francisco Seixas da Costa põe no mesmo plano os erros do governo grego, chantageado e obrigado a escolher entre o fuzilamento ou uma morte lenta e a despudorada chantagem a que foi sujeito pela Alemanha e seus satélites. Não nego que o governo grego cometeu erros, mas o principal foi ter deixado o assunto arrastar-se e não obrigar a Alemanha a revelar as suas verdadeiras intenções mais cedo. Aí teria obrigado a França e a Itlia a descolar da Alemanha, mais cedo.
Não concordo com o seu juízo e digo-lhe que a avaliar pelo que ontem li nas redes sociais e no twitter, a chantagem da Alemanha já produziu um resultado: a vitória do Não no referendo no Reino Unido, no ano que vem. Ontem, milhões de europeístas convictos, como eu, assistiram incrédulos à maior machadada alguma vez dada no projecto europeu desde que ele existe, como escreveu Paul Krugman no NY Times.
Não estou seguro que o parlamento grego vá aprovar as exigências e concordar com mais uma dose cavalar de austeridade sobre uma economia que já est+a destuída. Se o fizer fá-lo não por convição mas por imposição dos credores. Contudo se tuiver a coragem de rejeitar as condições, aí Alemanha vai aparecer na opinião pública, ainda mais, como responsável pela morte do Euro e do projecto europeu.
Pretender, como o Senhor escreveu e deixou implicito, que as culpas são de ambas as partes em dose iguais é falsear a verdade dos factos, como eu os leio.
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~ Concordo com a sua análise,
com excepção do que concerne à atitude de Passos...
~ Segundo o Público, o homenzinho
«reclama os louros da medida que ajudou a desbloquear o acordo.»
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Mas será que alguém realmente pensou que o último paráfrago do texto era um elogio a PPC? Já não se consegue ser irónico?
Vamos ao que interessa, se me permite Senhor Embaixador.
Escrevi aqui há dias o seguinte:
1. O Governo GR queria um resgate. CÁ ESTÁ ELE À VISTA.
2. Há 5 meses atrás sabia que a UE não pactuaria com tal pedido.
3. Que fazer? Provar à UE que, mesmo sendo o elo mais fraco, não estava disposto a ceder na procura de soluções que apenas contemplavam mais austeridade a troco de dinheiro para pagar juros de empréstimos vincendos.
4. Causou, então, o caos nas negociações. Deu o dito pelo não dito. Esticou bem a corda, para provar que não tinha medo que ela partisse.
5.Impôs um referndo ao povo que sabia estar farto de austeridade, beneficiando do capital de confiança que lhe davam as múltiplas idas e vindas a Bx, Berlim; Paris, etc.
6. E o povo acreditou que o Governo fará qualquer coisa para os livrar da austeridade imposta a troco de quase nada. E FEZ. VAI LEVAR-LHES AUSTERIDADE MAS A TROCO DE DINHEIRO PARA OS PRÓXIMOS 3 ANOS E UMA PROMESSA DE DIMINUIÇÃO DA DÍVIDA.
A GR consegue incluir no texto "Declaração da Cimeira do Euro", assim se chama, muito mais do que tinha há uns meses atrás, isto é:
- o 3º resgate (já não volta de mãos vazias para Atenas . Há um acordo de princípio, apenas, mas dantes não havia nada )
- um finaciamento-ponte, isto é um empréstimo intermédio que se destina a permitir que a GR honre os seus compromissos com o BCE a 20 Julho e, assim, se mantenha na zona Euro
- a necessidade de reestruturação da dívida grega confirmada pelo FMI ( isto é, o apoio dos EUA a um futuro perdão de parate da dívida grega).
Quem acompanha estes assuntos da negociação comunitária sabe, que a despeito da péssima linha seguida pelo Tratado de Lisboa que permitiu o "directório descarado", ainda hoje as negociações dos 28, as mais difíceis, são concluídas com sucesso à mesa do Justsus Lipius e apenas na 25ªh.
Às tantas da manhã, depois de 17h de negociação. Quando a fome aperta. E o sono.
Permita-me, pois, que lhe diga Senhor Embaixador: nada de novo a oeste de Pecos.
Os gregos são grandes negociadores.
Tiveram apoio técnico dos franceses, é certo, mas as opções políticas são do PM grego. Batendo o pé na Europa e à Europa ( para consumo interno), visitando os inimigos da mesma ( sabe-se lá de que terão falado), mantendo canais abertos com Washington e prometendo a todos que faria o que ia ao encontro dos seus interesses.
Como isso era a quadratura do círculo, acabou por recolher à casa-mãe ( a Europa ) mas numa posição negocial que percepcionara desde o inicio: a de quem sabe que os outros EM nunca o deixariam cair. Iriam fazê-lo sofrer, exigiriam mais da GR, mas a luz ao fundo do túnel esteve sempre lá e Tsipras sabia-o.Só precisava de esticar a corda até ao limite do insustentável. Foi o que fez.
Correndo o risco de me repetir, digo e reafirmo que esta foi a maior negociação de que há memória na história da UE. Parabéns aos seus protagonistas. o Governo GR.
Falando na longa madrugada de hoje aos deputados, o PM GR reconheceu que a Grécia vive num «ambiente económico de asfixia sem precedentes».
E foi assim que os convenceu a aceitar o 3º pedido de assistência à Grécia, o qual foi aprovado pelo Parlamento. Com 251 votos a favor e apenas 32 votos contra.
O Conselho Europeu reunirá de emergência amanhã.
Estes GR são indomáveis.
O verdadeiro nome do comentador anónimo das 17.45 é Muhammad Saeed al-Sahhaf. Depois de exercer funções como ministro de Informação de Saddam Hussein, vive hoje a sua reforma numa ilha grega, de onde se entretem a escrever peças de ficção.
Não percebi o seu comentário Senhor Embaixador.
Esta é a minha opinião sobre a negociação em curso. E, tanto quanto tenho visto aqui, todos são livres de emitir a sua opinião neste blog. Também nunca o vi a acusar ninguém de ser um reformado que esteve ao serviço de ditaduras execráveis.
Acho que foi um momento menos feliz de um grande senhor.
Não sei se pensa que eu sou alguém que claramente não sou, e por isso reagiu assim, mas não o reconheço, porque achei o seu comentário despropositado e mesmo insultuoso.
Pode chamar-lhe peça de ficção, se assim entender, porque não concorda com a minha leitura, mas não precisa de apelidar-me de perigoso taliban.
Esta é só mais uma opinião. A minha.
E não precisei, para a expressar, de o ofender em nenhum momento.
Teria sido fácil, uma vez que expendeu em muitos momentos uma tese que vai no sentido contrário ao que aconteceu na negociação de que falava.
O Governo grego deu provas de uma irresponsabilidade negociá-lo enorme. Chantageou, disse que não, convocou um referendo e agora viu ser imposto ao seu país um pacote de austeridade ainda maior e o controlo (sequestro) de bens para se ter uma garantia de que cumprem e pagam.
Os gregos devem agora ver que o que Tsipras lhes deu foram apenas promessas ocas. Com o seu desgoverno a Grécia afundou-se ainda mais.
Depois de aprovar o que lhe é pedido, devia demitir-se
A corajosa atitude dos garotos gregos criou mais desconfiança e falta de solidariedade do que outras posições antagónicas seja no PE seja no CE. Não sei se o recuo da vontade alemã(85% dos alemaes querem a Grecia fora) vai trazer menos se mais benificios que para a UE quer para os próprios gregos. Os 400 mil milhoes creditados aos gregos nunca mais os vamos ver, mas com um governo tão incompetente, incapaz e sem vontade que reformas se espera? A Alemanha nada e talvez este recuo seja para não constar na historia como a culpada.Assim como assim tambẽm já não iam ver os euros emprestados.Eles vão tratar de se enforcarem sózinhos, não vale a pena empurra-los.
Ricardo Costa, Director do Expresso, assina um artigo cuja leitura recomendo e que embora vá num sentido contrário àquilo em que acredito, traça um cenário, também credível, dum possível devir da Grécia e da zona Euro.
Esta crise, como todas as outras na UE, é minha opinião que servirá para o aprofundamento da UEM, da UB, do MEE e de todos os outros mecanismos ao serviço da coesão económica e monetária dos EM, maxime a união fiscal, há tantos anos num limbo.
Mas Ricardo Costa pensa o contrário, que o MF alemão quer que a GR saia do Euro. Até pode ser verdade, mas não o conseguirá.
Ouvi ontem um comentador na SIC dizer que os gregos foram humilhados com este acordo. No caso de os "expulsarem" do Euro, gostaria de saber o que o dito comentador diria nessa situação, ao invés de humilhados. Isto só significa que eu não entendo nada de política...
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