Esta caloraça fora de tempo abre-me o apetite para as férias a sério. Mas, ao falar com algumas pessoas, ao dizer-lhes das minhas ideias para o Verão que aí vem, dou-me conta da imensa e simplória modéstia das expetativas que tenho.
Conheço alguns que passam o ano a fazer intermináveis listas e listinhas, porque têm de ir a alguns locais "imperdíveis", no rol de coisas que há que ver antes de morrer (às vezes de tédio). São "paisagens de sonho", desde pirâmides e calhaus a praias e desfiladeiros que o "photoshop" da "National Geographic" lhes fez despertar nos sentidos. Com algumas "madames" armadas de "nécessaires" da Vuitton, preparam-se para se estafarem entre aeroportos, hotéis e resorts da moda, de onde chegarão, depois, com olheiras e um aspeto de ovos cozidos, com elas sempre na angústia, dilemática e sofrida, do eterno conflito entre a gula e a celulite. Outros regressam atulhados de imensa cultura sazonal - quilómetros de paredes de museus, ruínas onde ainda estão para chegar os caterpillars do Estado Islâmico, paletes de musicais da Broadway ou de peças do East End, vistas a eito. Agora que o bom-senso tecnológico nos livrou já definitivamente daquelas sinistras noitadas nas "rentrée", com suporíferos "slides" ("olha nós a chegar a Petra!", "e aquele belo pôr-do-sol no Bósforo, lembras-te, querida?"), arrasam-nos na hora os iPads com o "Instagram" (com fotos dos "piquenos" ou dos "pequenos", dependendo do bairro onde vivem) ou as "criativas" poses de família no Facebook, ornadas dos monumentos identificativos, em cenário de fundo ("onde era aquela catedral, amor?").
Os mais especiosos reservam, com meses de antecedência, restaurantes "étoilés", onde, depois de engolirem microscópicas espuminhas e reduções, no centro de imensos pratões, que às vezes nem lhes souberam a muito, esportulam fortunas só para fazerem o "vezinho" de terem lá ido. A maioria não teve sequer o bom gosto de experimentar o "São Gião", em Moreira de Cónegos, as delícias do "Vallecula", em Valhelhas, ou o "Tomba Lobos", lá para Portalegre. E a muitos, para quem Vila Franca fica já às portas da Galiza, nunca lhes passou pela cabeça ir passear uns dias ao Douro profundo ou ao Gerês, só viram fotos do Piódão ou da Sortelha na "Evasões" e acham a ideia de ir ao Pico uma "possidoneira" sem limites. A estranja é que está a dar.
Invejo-lhes, com sinceridade, o entusiasmo e, em especial, a voluntarista "juventude" que os faz tentar esquecer a idade, "queimar os últimos cartuchos", como bem dizia o meu pai. Mas só isso. Por mim, sou muito prosaico. Anseio apenas por uma areia lisa, bem perto de Lisboa, sem ter de andar muitos quilómetros, para estar a "driving distance" da "mesa dois" do Procópio, quando tal me der na gana (nos dias em que a "Sedonalice" se dignar abrir a loja, claro). Suspiro já pelas longas manhãs na cama ou numa espreguiçadeira, a ler os jornais na net, pelas "madrugadas" da chegada à praia pelas três da tarde, pelo banho com o sol a declinar, pela conversa com amigos e um "gin tonic" no "Pereira", a anteceder jantaradas ainda melhor regadas, bem mariscadas e conversadas, a criar lastro para a longa noite onde se põe a leitura em dia. Jornadas que, claro!, alegram o nosso colesterol, os trigliceridos, os açúcares e o ácido úrico, os quais, como é de regra, quando "cheirar a setembro", se tentarão normalizar por espartanas dietas... entre refeições. Ou, se não se conseguir, como diria um amigo meu, "olha! são menos dois anos de lar de idosos..."
Nunca mais é agosto, bolas!
18 comentários:
Espero bem que seja o último verão dos próximos 4 anos em que tenha tempo para tudo o que foi referido.
É que é muito mais importante que volte a servir o país já a partir de outubro.
Abraço
Muito bem dito, aquilo que muitos não confessam... Mas garanto-lhe que o Verão na ilha de Porquerolles, onde se anda muito a pé, e há uma praia "exclusiva" a cada passo, é divino !
E o tal restaurante na ponta da ilha...
Quando não “mete” política o Sr. é prodigioso! Lê-se num fôlego e a querer mais!
A falar de férias toda a gente diz que já foi a todo o lado. Costumo perguntar no fim: já foste ao Velal? Não? Pois falta-te o melhor!
Ficam sempre na dúvida se é brincadeira!
É assim! Conhecem aquela praia linda na Tunísia, mas o Portinho da Arrábida não sabem onde fica.
Pois eu, espero ser uma "velha gaiteira" com uma lista enorme de sítios onde ir (em Portugal e no mundo). Que nunca me falte o entusiasmo que tenho para ver pirâmides, desfiladeiros, museus, ruínas, musicais do West End, restaurantes de ricos e de pobres, praias de ricos e de pobres longe e perto e tudo o que a minha carteira me permitir. Quanto mais tempo andar a passear menos passarei no lar de idosos.
Cristina
Ah.. grande esquerdista de bons costados & grã-finura, só ultrapassado pelo Sr.Freita em Porquerolles ..... são todos de esquerda-radiante-de-bons-usos-e gozos.... como qualquer pessoa "normal".
A pequena burguesia-educada-no flore-nunca-mudará. Parabéns !
Mau... Mas qual Photoshop da National Geographic, senhor embaixador?
Tão giro o seu post, Embaixador. Bom a gente ler, escrito por outros, aquilo que tantas vezes nos atravessa a mente e nos põe a pensar no que nos faz mais felizes. A dúvida é cruel: ele é o tempo a passar veloz, ele é a vontade de voar para longe e viver outras vidas, enquanto é tempo, ele é a vontade de que algo nos surpreenda e maravilhe (aqui estou com a Cristina, das 17.08). Mas também, como é gostoso viver toda a desconstrução quotidiana, deixar rolar toda a preguiça boa, conversas e drinks de fim de tarde com família e amigos que estejam à mão (aqui estou consigo, nas sua férias de sonho). Enfim, quero tudo. Será que é grave??? E sim, creio que a expectativa do tal Lar de Idosos, nos incute o sentimento de viver o mais possível, enquanto der … e isto é uma urgência, que começa cada vez mais cedo. Sua admiradora … nem sempre indefectível.
O post está o máximo, parabéns.
Irra tanto lugar e apeadeiro
que só de ler dá-nos cá uma estafa
acaba por saber bem não ter dinheiro ir de férias pra casa, pra net, pra
desgraça...
Caro Chico
Muitos e muitos aplausos para o magnífico post [ou será poste? Mas é melhor não meter as comunicações ou o futebol neste assuto que sendo muito engraçado, não é para graças... :-)]
Pois eu, nós que a Raquel também foi) passámos uma das piores "férias" (???) em Goa. Por mor da bendita perna (estiveram para ma amputar...) nos escassos 13 dias que fomos à praia com uma água a 28/29º só pude molhar os pés...
Ora porra para estas "férias"; pró ano (se não der entrada no forno crematório) vai ser melhor. Melhor? Muitíssimérrimo bom/melhor/óptimo...
Abç
Pois eu venho do Sudão, onde tenho à minha disposição os melhores resorts de férias do continente africano, para ir passar o mês de Agosto numa pequena praia alentejana, bem perto de Vossa Excelência, que contudo jamais se digna visitar este seu amigo
a) Feliciano da Mata, political advisor, Karthoum, Sudan
Há sempre alguém que dá corpo aquilo que muitos de nós pensa e sente.
Caro embaixador
As suas preferências não são tão diferentes assim dos compatriotas que refere. Afinal toda a gente tenta nas férias quebrar um pouco a rotina do dia a dia. Para um diplomata, ainda que reformado, as viagens e estadias em lugares distantes e os contratempos das viagens lembram-lhe provavelmente o seu ambiente de trabalho, donde querer espairecer aqui no torrão. Para os outros que têm um ano menos viajado, essa quebra de rotina, mesmo com os seus inevitáveis contratempos são uma lufada de ar fresco, mesmo quando a temperatura aperta.
Prepare-se para "outras andanças", aonde também se esturrica... e, com sorte, também se comem umas "boas pratadas". Queiram os eleitores. Oxalá!
Se o caro anónimo das 17:51 soubesse como é agradável apanhar a primeira "navette" da manhã, 10 minutos de travessia, com o "sac à dos" (mochila), com um agradável almoço adaptado ao programa do dia, e saboreá-lo depois de um grande passeio a pé, (os automóveis são proibidos), e de um banho reparador , numa das dezenas de "buracos" de areia que se chamam criques" e depois almoçar, sem esquecer a sesta, à sombra de preferência...
Depois do sol posto, mais 10 minutos de travessia para regressar a casa! O preço ? Depende do que meter na mochila (duas em princípio) sem esquecer uma boa garrafa de rosé! E os bilhetes da navette. Baratos.
Mas se não gostar de marchar a pé e de dar a volta à ilha não vale a pena! Não, não é um ressort !!!!
Marchar a pé, o rosé, e as baguettes de pão, como o resto são acessíveis a todos os fascistas e também a todos os esquerdalhos com um mínimo de rendas. Se tiverem um emprego! Eu sou reformado!
Um dia irei a Constância e se por lá houver um lar novo para velhos, pode ser que por lá fique (dois ou três dias, obviamente ...).
Morrer de tédio deve ser uma morte tão sofrida!
os projectos de férias, nimeadamente leituras, ficam por vezes muito aquem do pensado, porque será?
A andropausa provoca ALZHEIMER !
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