sexta-feira, maio 15, 2015

De Acordo?


Às vezes, neste país em que a crise nos trocou os dias e insoniou as noites, nos cortou os salários e a esperança, nos ajouja de impostos, neste Portugal vendido ao desbarato, na grande feira liberal exportada de Chicago para Massamá –, às vezes, afinal, é por outra razão que não essa que se levantam os mais fortes clamores de revolta.

É como se a pérfida Albion nos tivesse impedido, de novo, o sonho do mapa cor de rosa, como se os “turras” voltassem a decepar colonos incautos, como se o pandita Nehru reafundasse o “Afonso de Albuquerque” nas águas mornas de Pangim. É a pátria ofendida que regressa, desta vez pela aguda gravidade de um acento perdido, consolando a orfandade de vogais que choram o fim de alguns circunflexos telheiros gráficos.

Vá lá que, por essa bandeira, não se sai à rua para escacar montras e cabeças, não se atulham Alamedas de clamores, poetas de peito feito não anunciam “Marias da Fonte”, não se descem Avenidas, de cravos irados e de braços dados, rumando a Rossios de indignação e vilas morenas.

Esse rumor cívico trepa, contudo, há muito, pelos posts de blogues soberanistas, excita-se nas laudas severas da estimável folha diária da Sonae, num feroz “no pasarán!”, verbaliza-se, com anónimo arrojo, no vernáculo das caixas de comentários. São a brigada do asterismo, os que anuncia, lá ao fundo do texto, a sua orgulhosa não adesão ao ultraje gráfico.

No passado, andariam pelas catacumbas do MUD, hoje dão a vida cívica por uma muda consoante. São netos dos nostálgicos do “ph” da farmácia, dos chorosos, tal como Pessoa, da graça do “y” que o cisne em tempos perdeu, dos que há muito se haviam sentido tramados pela falta do trema que germanicamente lhes ornava os “u”, separados do futuro por um elidido hífen.

Essa brava aldeia de Asterix escava hoje as últimas trincheiras legais, implora a ajuda da preguiça lusófona para a sua derradeira batalha, reza pela heterodoxia de Angola e desconfia do Brasil, essa vil potência do gerúndio e das vogais indecentemente abertas. Quem sabe se ainda os veremos a ter um candidato presidencial – um Octávio com “c” ou um Baptista com um “p” dos que algumas tias velhas ainda cuidam em pronunciar ao chá.

O Acordo Ortográfico entrou agora, definitivamente, em vigor. Quem o não quiser utilizar que o não faça. Mas será assim uma questão tão importante? Afinal, se bem repararam, no artigo que acabam de ler, nem por uma vez se divergiu da velha escrita. Não estão de Acordo?
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

35 comentários:

jj.amarante disse...

Gosto da pergunta: acordo com quem?

Mas a propósito do amor dos brasileiros pelo gerúndio e, já agora, da nossa fobia, chamaram-me no outro dia à atenção que os ingleses ainda gostam mais do gerúndio que os Brasileiros pois dizem "sendo humano"(human being) em vez do nosso "ser humano".

RH disse...

As tretas de sempre a invocar velhos fantasmas históricos para colar um certo nacionalismo serôdio aos opositores ao acordo. Falha-lhe que os argumentos são e serão sempre de ordem científica, depois de ordem filosófica e só muito depois de ordem política, embora seja o próprio acordo a ter um crivo eminentemente político (logo acientífico e filosoficamente inepto) e até neocolonialista. E atira ainda: «O Acordo Ortográfico entrou agora, definitivamente, em vigor. Quem o não quiser utilizar que o não faça. Mas será assim uma questão tão importante?» Então se não é importante, por que raio se fez o acordo? E porque o apoia de forma tão vincada?
Ingloriamente, cospe para o ar, sem se lembrar da lei da gravidade.

Anónimo disse...

Chico amigo

Desta feita estamos em desacordo com o Acordo... Que ideia mais triste. De fato agora que pouco uso dou ao fato, não vou usar fato (ou terno)...Ótimo!

Abç

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Henrique: acho que vão passar muitas décadas até que tu, como muitas outras pessoas, aprendam esta coisa bem simples (mas que os detratores do Acordo lançam tradicionalmente como confusão): A PALAVRA "FACTO" NÃO É ALTERADA COM O ACORDO. Não sabias?

D. Constança disse...

Ainda bem que o facto não perde o c porque senão como iria o portuga saber se estava perante um fato de vestir ou um fato "acontecimento"??? Não dá, né? (É mermão, cê nem vai acreditar, mas os portugas têm andado aperreados com este pobrema, que só visto …). É … tal como até hoje não se sabe, na terrinha, quando o Joaquim diz "a minha secretária é podre de boa" se o cara tá falando de uma mina 5 estrelas ou de uma antiguidade herdada da bisavó. Ou, mesmo, quando o Manuelzinho diz à Maria, "querida, eu não demoro, vou ali ao banco, volto já", ela pensa, mas que mania do Manuelzinho, com 6 bancos aqui em casa, adora ir até ao banco da pracinha … Ah, e a ofensa para a palavra "óptimo" perder o p, o qual vive há séculos esquecido e humilhado entre um t todo pimpão e um o com pretensões de vocativo??? Melhor para ele sumir de vez, né??? Pois, mas portuga não abre mão do p! Bom, e depois se admiram de portuga virar anedota, né??? E fiquemos por aqui!!
(Atenção: isto n significa que estejamos de acordo com tudo, mas por favor, se enxerguem e dispam de vez o "fato" de barões ultrajados! É ridículo de mais no sec XXI !!).

Anónimo disse...


Zangam-se as comadres,
sabem-se as verdades !

Portugalredecouvertes disse...

penso que é uma ótima notícia
continuarmos a ter factos !:)
é assim que por esta e por outra, já encontramos grande número de teclados do tipo "anglofónico" que nos deixam mal, ou seja não aceitam a porra dos acentos, e não há acordo que nos salve :)

António Pedro Pereira disse...

Caro Senhor Embaixador:
O seu post / artigo tem, subliminarmente, uma acrimónia que não condiz com aquilo que conseguimos intuir da sua personalidade (quem o não conhece pessoalmente, como eu).
O chamado Acordo Ortográfico, na prática, é um (Des)Acordo Ortográfico, desde o aspecto conceptual até ao prático.
Foi feito para uniformizar a grafia mas criou muito mais de 2000 formas diferentes de escrever palavras, que antes não existiam (se desejar saber o número exacto, irei procura-lo): através das facultatividades e das múltiplas grafias autorizadas no mesmo.
Depois veio o regabofe no dia-a-dia.
Uns aderiram de forma acrítica, mas não o sabem usar.
Outros, aderiram convictamente, mas caem frequentemente nos mesmos erros.
Outros ainda, podaram consoantes que não constam na poda oficial do Acordo Ortográfico: transformado num Aborto Ortográfico.
Uma maravilha.
Os progenitores, envergonhados, contemplam em silêncio a bela «obra-prima».
Melhor seria impossível.

Isabel Seixas disse...

Plenamente de acordo.

o acordo é deveras inclusivo porque simplifica a língua permitindo discernir a língua escrita através da língua falada.

Agora que se perdeu algum snobismo ó se perdeu.

E o FACTO de se escrever o que se lê é fundamental daí a AÇÃO mediadora e simplificada da língua através do acordo.

Anónimo disse...

Completamente de acordo! E quem não está que se limpe a este excelente texto!
E se não fosse por mais, é sempre melhor um mau acordo do que uma boa demanda.
(Como considerar este caso “deprimente e de traição à Pátria” e esquecer tantos outros, esses sim, destruidores da economia de regiões e mesmo de identidade nacional como foi, por exemplo, o desmantelamento da Casa do Douro. É preciso não ter qualquer noção do que se está a passar!)
O Duriense

Anónimo disse...

O problema, Sr. Embaixador, é que a forma absolutamente descabelada, incompetente e prepotente como este pseudo-Acordo foi feito levou a esses e a outros erros. E agora abastardou-se a língua devido a uma precipitação absolutamente idiota e injustificada.

E o que justifica nomes de meses sem maiúscula, o pára perder o acento ou o hífen do há-de?

Concordo que as línguas são mutáveis e evolutivas e que por vezes as regras necessitem de mudar, pelo que encaro com absoluta naturalidade a queda de "ph" e quejandos noutras reformas. Mas já acho estranho que as alegadas consoantes mudas (que não o são) desapareçam.

Mudanças sim, quando para melhor. No caso, foi para pior. O facto do AO não ser aceite pela maioria do universo lusófono e, pior, o facto de ter criado uma escrita paralela deveriam ser argumentos suficientes para pensar que há mudanças que não se justificam ou, pelo menos, deveriam ter sido, melhor ponderadas.

Por outro lado, em mais nenhum lado no mundo se vê uma obsessão com a uniformização linguística como esta. Como se algum dia fossemos falhar como os brasileiros ou eles como nós. Acaso um espanhol fala como um chileno? E falo de entoações, de sons. A língua é a mesma, é mutuamente compreensiva (e aí, até por causa da diferente largura de banda utilizada no português europeu e no português brasileiro, nós temos vantagens). O acordo visava, como tanta coisa no nosso país, interesses obscuros e foi adoptado, como tanta coisa no nosso país, de forma cega, acrítica e na expectativa do "logo há-de funcionar melhor". Não funciona, gera erros e equívocos.

A questão do AO não tem a ver com nenhum nacionalismo. Se for esse o argumento então o português brasileiro é xenófobo! Que não é, porque se limitou a evoluir em função do próprio espaço onde se fala. Ou seja, a língua foi atrás da nação Brasil. Aqui, a questão, a reacção é simples: sem se perceber porquê, porque não se simplifica, antes se complica, pelo contrário.

Obviamente o Sr. Embaixador não dará o braço a torcer, mas quando daqui a uns anos se falar em eliminar o "h" e em fazer uma conversão total da ortografia à fonética, a porta que abriu esse caminho foi dada pelo AO 1990 e pela sua aplicação acrítica.

Pessimismo? Não, de "fato" ao olhar para os erros que já se cometem e para todo este processo e a forma como foi feito, sem um pingo de arrependimento de como foi feito, temo o pior.

a) Nestrangeiros

joaogeirinhasr disse...

Sr. Embaixador, estou muitas vezes de acordo consigo mas aqui não estou. Mas percebo a sua posição. Afinal o acordo ortográfico, a avaliar pelos resultados conseguidos, é um acto falhado da nossa diplomacia.

jj.amarante disse...

Caro embaixador

Depende do significado de "a palavra FACTO não ser alterada pelo acordo". De facto a palavra mantém, na letra do "acordo" o "c", uma vez que é pronunciada, por enquanto, pela quase totalidade dos falantes. Porém nota-se, desde que o "acordo" começou a ser aplicado, que existe uma tendência, antes inexistente, para suprimir o "c". Poder-se-á assim dizer que a supressão do "c" em FACTO é um efeito colateral, talvez indesejado, pela aplicação do "acordo". Levará poucas décadas a suprimir o "c" de FACTO na próxima versão do "acordo".

Majo disse...

~ Caro Francisco Seixas.

~ Grata pela explicação de facto. Era uma das palavras
que eu deixei de usar para não ferir a retina e neurónios
dos conservadores e saudosistas ortográficos.


~ Não te zangues comigo, «Henriquamigo»! Beijo.

Segadães Tavares disse...

E os egípcios só podem ser os cidadãos do Egipto.
Quando digo geleira à moda de Angola e oiço frigorífico como em Portugal e geladeira como os brasileiros dizem, tal nunca impediu de me fazer entender ou de compreender.
Espero que Angola continue a resistir...
Cumprimentos,
A. Segadães Tavares

Anónimo disse...

Não. Não estou de acordo. O novo AO não serve para nada e, além disso, é pejado de incongruências aviltantes (ex Egito, egipcios), falta de critério (eliminam-se consoantes mudas: só as que querem?), perde-se a etimologia de inúmeras palavras com a eliminação de "c" e "p" antes de consoante. Não é mais possível definir um critério para se saber como se deve pronunciar, por exemplo, "espetador" (de, espectador) por oposição a "espetador" (de, aquele que espeta), para (de, pára), etc., etc.. Muito mais haveria para justificar a aberração que é, em termos, linguísticos, científicos e etimológicos, este pseudo Acordo. De resto, se não é assim uma questão tão importante, porque se perdeu tanto tempo e dinheiro a tentar impingir tal aberração?? É evidente, que a substituição do "y" pelo "i" ou do "ph" pelo "f" no anterior AO não implicou qualquer tipo de confusão linguística (a pronúncia não se alterou, de todo) ou falta de critério (todos os "ph" foram substituídos por "f" e todos os "y" por "i", por exemplo). A argumentação utilizada no artigo não serve para nada, não justifica nada, apenas dá cobertura à estupidez criteriosa de quem elaborou o NAO (que não acorda coisa nenhuma. Basta visitar o Brasil e verificá-lo in loco).
CPC

Anónimo disse...

Quem fala do gerúndio e o cola tanto aos brasileiros, é favor passear pelas seguintes regiões de Portugal: Alentejo, Algarve, Açores. Chega?

Anónimo disse...

DIPLOMACIA - o AO é um ato falhado da nossa diplomacia?! Pois se a iniciativa do dito foi, precisamente, de diplomatas! O que é que interessa Angola (esse portento cultural!)?

Os anti-A não gostam tanto de enaltecer a "riqueza da diversidade" (tangas)? Não achavam que éramos mais ricos com mais diferenças para o Brasil? Então, qual é o problema de Angola? É uma riqueza, já se vê...

Anónimo disse...

Mas qual é a necessidade do hífen em "há-de"???!!!

Alguém escreve "tem-de"?!
Alguém escreve "deve-de"?!

Irra!!!

Anónimo disse...

"Joao Geirinhas", que tal - antes de criticar o AO -, começar a escrever o seu nome corretamente? É "João" (vê o til?), e não "Joao".

Gente que nem sequer se preocupa com escrever bem o seu próprio nome, tem o direito de se pronunciar sobre estes assuntos?

Anónimo disse...

O que a página "Tradutores contra o Acordo Ortográfico" escreveu em relação a um texto da APP, aplica-se - com as necessárias adaptações - ao que escreve o senhor Seixas da Costa:

«DO DESNORTE E DA INDIGÊNCIA INTELECTUAL

A Associação de Professores de Português (APP), presidida pela acordista seguidista Edviges Ferreira, dedicou-se a publicar um texto de uma sócia honorária destinado a ridicularizar a oposição de «alguns intelectuais» ao Acordo Ortográfico (http://www.app.pt/6622/reflexao-sobre-o-acordo-ortografico-de-1990/). De que forma? Escrevendo na ortografia pré-1911.
A sério que é esse o parco argumento escolhido? É isto que a APP tem a dizer sobre a situação caótica da ortografia portuguesa? É esta a posição boçal que toma? É esta a análise que faz do texto do acordo?
Fazer pretender que quem é contra o acordo pretende um regresso à "pharmacia" é, desde logo, de profunda desonestidade intelectual. Até porque nesse caso se substituíram apenas duas letras por uma para o mesmo efeito fonético, ou seja, nada a ver com os preceitos do Acordo Ortográfico. Acresce que ingleses, franceses e alemães continuam a usar e abusar do "ph", não constando que as suas línguas sejam arcaicas, desactualizadas ou sinónimo de incultura... Só o português faz três reformas ortográficas em 100 anos, ilusoriamente pensando alcançar, assim, patamares de "inovação". Como se a ortografia fosse um computador a que se acrescentam mais ou menos peças para ficar mais potente. Nada mais estapafúrdio. Só a vantagem de se ter uma norma ortográfica estabilizada para o ensino, por exemplo, justificaria não mexer na ortografia, especialmente nos termos acientíficos, ilógicos e incongruentes do AO. E a questão é só mesmo essa: a natureza deste acordo.
De resto, a APP devia preocupar-se com a ortografia que publica no seu site oficial (https://goo.gl/4XMXgS), especialmente se se arroga representar os professores de Português. Mas talvez a limitação intelectual não o permita...»

Não, não estamos de acordo!

Para o final, também uma pergunta: por acaso lembra-se o senhor Costa de quem, nas histórias do Astérix, acaba sempre por ganhar?

Anónimo disse...

Não, o nosso problema não é o acordo, tenho pena; antes fosse. O nosso problema, que não é de agora, é bastante mais grave: é de iliteracia pura e simples. Antes de se invocarem questões filosóficas, científicas, etc, para as quais somos tão talhados como o Bouvard e o amigo Pecuchet, que tal, se não der trabalho, começar por se ler o próprio acordo? A iliteracia, e consequente confusão com as alterações (o fato ou o cagado, por exemplo), não é provocada pelos autores e subscritores do acordo, é coisa que já vem da escola primária. Era capaz de jurar tais auto-confundidos críticos, incapazes de ler uma coisa com a qual discordam veementemente, são os mesmos que repetem e repetem, muito solenes, que já não se lêm os clássicos do cânone ocidental, coisa com que, aliás, não aprenderam nada.

Sousa

Francisco Seixas da Costa disse...

Para alguns comentadores que acham que o Acordo Ortográfico foi uma iniciativa de "diplomatas": digam por favor um nome de um diplomata português que tenha preconizado ou negociado o Acordo.

Anónimo disse...

O "alguns comentadores" serei eu?

Não teve o AO, desde o início, o patrocínio da diplomacia no que toca à necessidade de encontrar uma plataforma comum para a produção de textos nas diversas instâncias internacionais? Julgo já ter lido isto em mais do que algum sítio.

Estarei enganado? Se sim, é pena...

Anónimo disse...

Sr. Embaixador,

É intelectualmente desonesto colar a posição de quantos se opõem ao AO a um nacionalismo com laivos salazaristas e colonialistas, à xenofobia anti-Brasil, e ao saudosismo puro e simples.

Resumindo a mensagem ao essencial: para além de todos os defeitos e incoerências que podem ser apontados ao AO - e são muitos - qual é o seu valor acrescentado ?

O que é que o AO unifica ? A ortografia de algumas palavras.Só se tanto portugueses como brasileiros fossem muito burros deixariam que tais diferenças ortográficas fossem um obstáculo à compreensão mútua. Mas para além de manter certas diferenças ortográficas (o famoso "facto"), o AO ainda cria mais diferenças ortográficas - e nunca ouvi nenhum "acordista" referir, muito menos justificar, este ponto.

O mais gritante é que o AO não unifica o mais diverso: a sintaxe, a fonética e o léxico. As diferenças lexicais são as que mais afastam o português europeu do português brasileiro: mas essas, para o bem e para o mal, não se unificam com Acordos. Ultrapassam-se com a aproximação de portugueses e brasileiros, com uma convivência que fomente a compreensão mútua...

Talvez isso seja esforço a mais para quem apenas está disposto a escrever uma aberração linguística em cima do joelho, em vez de investir realmente na relação luso-brasileira.

Luís Guerra

Joaquim de Freitas disse...

Contemplo, com muita curiosidade, este duelo entre os "puristas" da língua portuguesa e os outros. Sou imprudente de entrar na discussão, porque o meu "Português" foi o que consegui conservar no exílio! Vivi duas vezes mais com a língua francesa que com a minha de origem. Estou consciente das lacunas, mas é por isso mesmo que há uns anos para cá insisto em escrever Português cada vez que isso é possível. Internet, os blogues, Facebook e todos os media deste género ajudam-me neste esforço, finalmente agradável.
Já o escrevi aqui, se por aqui ando é que me delicio com o Português do nosso embaixador.

Tenho uma opinião sobre o AO : No fundo, desagrada-me que venham mexer naquela língua que aprendi na escola do meu país. Mas viajei muito no mundo e sempre me intrigou a maneira como os franceses geriram a sua bela língua nos países da francofonia.

Recordo as dificuldades dum engenheiro canadiano francês ,em Montreal, no Quebeque, para entrar ao serviço duma certa firma importante, onde o exame do francês era obrigatório à entrada. O problema é que os exames são corrigidos e avaliados em ...França. E se na prova escrita vinha lá com termos do "Dictionaire da l'Académie Françoise", no qual "vicieux" significa "corrompido", e, pior ainda, débacle, avoir la débacle, significa "avoir la foire" ou a "courante" ou seja a diarreia! que corresponde ao inglês "to have the runs", ou "déséquilibré" é "débalancé" (unbalanced) ! , e "décapoté" significa "retirar o sobretudo"! , o exame deve ser difícil!

O francês Laurentino , o do Quebec, evoluiu mesmo assim desde o tempo da chegada dos colonos no XV° século.

O MIDI (Ministério da Imigração e da Diversidade Cultural) considerou desde há muito que a solução é de conservar um francês internacional. Em linguística, diz-se que uma língua tem uma base "comum", seja a sua gramática, a sua sintaxe, a sua morfologia, os seus verbos. Em contrapartida, uma língua tem um vocabulário diversificado, assim como expressões idiomáticas que mudam segundo o lugar onde se fala. No Canada francês, o Acadien é diferente do francês do Quebec, como é diferente ainda o do Senegal e da Nova Caledónia. E não falemos do "cajun" falado na Luisiana! Não consigo compreender tudo o que me dizem.
Um parisiense não compreenderia um Quebecois que lhe dissesse : " ta tuque est maganée", que significa " Ton bonnet est abîmé"!

O inglês do Texas e o da Nova Zelândia!!!!!! é o mesmo problema.

Creio bem que no fim, vai ser necessário aceitar que existe uma só língua Portuguesa, mas que há diferentes vocabulários no mundo da Lusofonia. E por isso não se deveria tocar na língua de origem. Agora, abram o fogo.....

Anónimo disse...

“E os egípcios só podem ser os cidadãos do Egipto.”

Está enganado, caro Segadães Tavares; aqueles a quem chamamos egípcios, são cidadãos de جمهورية مصر العربية, mais coisa, menos coisa (espero não estar a insultar o profeta). Portanto, podem eles bem passar sem serem “cidadãos do Egipto”, assim como, estou em crer, podemos nós passar sem o p do Egipto. Por outro lado, quando falamos deles, obviamente, falamos entre nós de "egípcios", como sempre foi e sempre será. Se bem que, com a confusão que por ai anda, muitos passarão certamente a referir-lhes como egícios. A culpa é do acordo, claro, que provocou uma síndrome de torre de Babel. Felizmente, escapam as crianças. Sobre este particular, posso revelar que o meu filho já aprendeu pelo acordo e não ficou por aí além traumatizado. Não será pelo acordo ou por falta dele que ganhará o prémio nobel da literatura.
Aproveito para lhe assegurar (começo a ficar preocupado) que o acordo não toca nos nomes das coisas, que uma geleira pode continuar uma geleira e uma jabutibaca uma jabuticaba, nem impede os portugueses de continuarem a cantar fado e os brasileiros bossa nova, etc.
Isto está a ser tratado com o fervor patriótico das manifestações contra o Ultimato Inglês. O john Bull roubou-nos um pedaço de terra em África e alguns agora roubam-nos consoantes e assentos. Felizmente, passado algum tempo, tudo se acalma e vai à sua vida.

Sousa

Anónimo disse...


Luís Guerra, ironicamente, é a muitos opositores do acordo que tem de explicar precisamente isso: que "o AO não unifica o mais diverso: a sintaxe, a fonética e o léxico", pois parece haver, inclusive aqui nos comentários, alguma confusão a esse respeito. Só não entendo porque diz "o mais gritante". Pois não são essas diferenças e variedades, sobretudo do léxico, que fazem a riqueza de uma língua e de uma cultura? Não é precisamente isso que se deve preservar e estimular?
As soluções do acordo são tanto de harmonização, como de simplificação ortográfica. Não toca no que é verdadeiramente essencial na língua: a sua riqueza na formação e transmissão de cultura.
(Já agora:
http://www.portoeditora.pt/assets/acordoortografico/textointegralAO.pdf)

Sousa

Anónimo disse...

Cada qual fica com a sua razão... desde que o "devir" do português continue por aí fora a divergir e evoluir como aconteceu até aqui. Essa é a riqueza de uma língua viva que se quer se mantenha e agregue mais falantes e cultivadores.

Anónimo disse...

Caro Amigo Embaixador Seixas da Costa:
Termina o seu artigo, escrevendo: «Afinal, se bem repararam, no artigo que acabam de ler, nem por uma vez se divergiu da velha escrita. Não estão de Acordo?» Quer dizer que o meu Amigo usa o critério quantitativo para justificar o AO. O velho argumento de que são poucas as palavras alteradas. Mas eu prefiro usar o critério qualitativo. Basta um 'espetador', uma 'arquiteta' ou uma 'semirreta' para inquinar uma frase, uma crónica, um livro. Cumprimentos amigos, Pires Cabral.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Amigo Pires Cabral. Eu até poderia concordar com algumas outras incongruências do AO, com algumas soluções que me parecem patetas. Mas todas as que apresentou são apenas reações "estéticas" a palavras que se habituou a escrever de uma certa forma e cuja nova "imagem" agora o choca. Compreendo e respeito que, para a geração de transição que é a sua (e a minha), essa mudança possa ser traumática (embora para mim não seja). Mas que importância terá isso para o futuro, para quantos agora aprendem a escrever dessa forma? Uma criança que ande agora na escola estranhará vir a ser "arquiteta"? Sempre ouvi dizer que as reformas ortográficas são feitas para as gerações seguintes.

Anónimo disse...

Caro Embaixador: Tem toda a razão quando diz que a minha reacção é ‘estética’. Não admira: sou uma pessoa que procura dar um sentido estético ao que levo escrito em mais de 50 livros. Mas o problema não se resume a isso. Diga-me com franqueza: ao ver a palavra ‘semirreta’, que pronúncia lhe acode à mente: ‘semirrêta’ ou ‘semirréta’? Do mesmo modo, ‘esp’tador’ ou ‘espétador’? ‘Arquitêta’ ou ‘arquitéta’? Diga-me também: acha estranho que a palavra ‘receção’ tenda a ser pronunciada como homófona de ‘recessão’? Quer isto dizer, meu caro Embaixador e Amigo, que o AO lesa não só a ortografia como a pronúncia. E isso não tinha o direito de fazer. Ou acha que tinha? Abraço, Pires Cabral.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Amigo Pires Cabral. Ao pronunciar a palavra, o meu Amigo confunde "molho" (de lenha) com "molho" (condimento), abrindo o "o" numa e fechando-o noutra? Com o tempo, as pessoas aprendem a pronunciar as palavras de forma diferente, mesmo em caso de homógrafas. E nem sempre a mesma regra se aplica a palavras diferentes: ao meu Amigo nunca lhe passou pela cabeça não ler o "u" em "arguido" e lê-lo em "Reguengos". O meu pai falava-me sempre da dificuldade que foi a aceitação do fim do trema (embora, em tempo de ditadura, as vozes contra fossem mais fáceis de calar) Quanto à "recepção/receção", reconheço que é uma vítima colateral da regra de eliminar as consoantes mudas. Só funciona para Portugal: no Brasil, o "p" pronuncia-se. Já "secção" (como "facto") não muda em Portugal, porque o "c" se pronuncia, nem muda a forma brasileira ("seção" ou "fato") porque também já não se escrevia ou pronunciava da mesma maneira. Já agora, uma nota da minha experiência brasileira: o grande debate que o acordo por lá suscitou teve a ver com as regras do hífen e o fim do trema (embora jornais como o "Estado de S. Paulo" o já não usassem há muito). Um abraço

Anónimo disse...

Caro Embaixador: Estamos em lados opostos da barricada, e pronto. Cada um fica no que lhe parece. Mas, já que fala em vítimas colaterais, deixe-me dizer-lhe que 'facto' é uma delas. Claro que em Português correcto, continua a ser 'facto', e não 'fato', como alguns pensam erradamente. Mas o AO criou uma tal confusão nos espíritos que até no 'Diário da República' aparece 'fato' por 'facto'. Antes do AO isso não acontecia. Veremos quantos mais danos colaterais o acordo nos reserva... Bom domingo. Abraço, Pires Cabral.

Maria Maia disse...

Ê verdade que o governo agiu como se a sociedade civil não estivesse dividida e confundida com a reforma aprazada. Colocou muitos cidadãos em estado de desobediência civil porque objectam tamanha prepotência. Pode-se dizer que é por comodismo que os resistentes a esta reforma agem, como saudosistas do passado. Só saberemos a verdade quando daqui a 100 anos a escrita do acordo estiver tão interiorizada e traquejada que ninguém se interrogará sobre as novas palavras absurdas que vão ser criadas a partir de palavras que perderam a sua identidade e evoluírem para conteúdos semânticos que nada têm que ver com elas. Vai ser um fartote.

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