domingo, fevereiro 16, 2014

São Valentim?

Sexta-feira passada foi dia de São Valentim. A propósito, veio-me à memória a história que um amigo português, residente em Londres, me contou um dia. Ao aproximar-se a data do "dia dos namorados", que também se ligava com um fim de semana, decidiu oferecer-se, bem como à sua mulher, uma estada e um passeio pela zona sudoeste da Inglaterra, por Cornwall. Desafiou um casal amigo, também português, a juntar-se-lhes. No "Michelin", ele havia descoberto um hotel que parecia muito simpático, numa pequena localidade, já próxima do cabo mais ao sul do Reino Unido.

Cornwall era uma região onde ainda nenhum dos quatro viajantes tinha ido. Esse meu amigo, contudo, já se deslocara bastante pela Inglaterra. Durante os meses que haviam antecedido a chegada da mulher a Londres, tinha passeado sozinho, quase todos os fins de semana, por várias zonas do país. Porém, esse "sozinho" era um conceito que a mulher nunca "digerira" por completo, porque sempre alimentou uma suspeita residual sobre todo aquele afã turístico fora de Londres, a montante da sua chegada. Coisa de mulheres ciumentas, claro!

Nesse tempo sem GPS dos anos 90, as pequenas cartas das localidades que os Guias Michelin traziam eram de grande utilidade, para evitar perdas de tempo. A localidade onde iam alojar-se não era grande e o meu amigo havia-se dado ao cuidado de decorar o caminho que, desde a entrada no pequeno burgo, era preciso fazer para chegar ao hotel. E, por essa carta, até ficou a saber que o hotel ficava à esquerda, no fundo de uma determinada rua.

A viagem foi agradável, com uma conversa divertida, entre casais que, não sendo íntimos, se davam bem. Chegados à localidade, esse meu amigo, que conduzia, começou a cortar à esquerda e à direita, nas esquinas das várias ruas, recordando-se com precisão do mapa para que tinha olhado com atenção, na véspera. Os companheiros de viagem estavam surpreendidos com tanta destreza. A mulher ia em silêncio. A certo passo, o meu amigo teve um derradeiro momento de "glória", ao anunciar: "o nosso hotel fica na segunda rua do lado direito; ao fundo da rua, à esquerda". E ficava mesmo.

O casal acompanhante estava siderado! Como é que ele tinha "dado" com o hotel, conduzindo, rua a rua, sem hesitação, sabendo mesmo de que lado da artéria se situava o hotel? Não, não era possível que ele nunca tivesse ido àquela localidade! O meu amigo, para gozar o momento, ia adiando a revelação do truque que tinha utilizado. Foi então que a mulher, ainda no hall do hotel, de cara muito fechada, lhe disse: "Com que então nunca cá tinhas vindo?" E disparou para o quarto, amuada, antes que ele tivesse tempo de revelar o engenhoso método de orientação utilizado. As explicações que depois lhe tentou dar caíram em saco roto.

Esse dia de São Valentim havia ficado, em definitivo, estragado. O ambiente do jantar a quatro ressentiu-se também. Ao café, os dois maridos encostaram-se ao bar a tomar um whisky, tendo comentado entre si o incidente. Foi aí que o companheiro de viagem do meu amigo, críptico, se saiu com esta: "Será que a sua mulher foi influenciada pelo nome português desta zona?". O meu amigo hesitou um leve segundo, antes de se juntar ao companheiro numas boas gargalhadas, cuja razão não revelariam nunca às mulheres. É que, em português, Cornwall, traduz-se por Cornualha...

20 comentários:

Anónimo disse...

O seu texto sobre o Dia de S.Valentim tem imensa graça e ironia.

Deve no entanto ler, num género trágico-cómico, Blog "Estado Sentido", "Fábulas de Portugal" por John Wolf.

Alexandre

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Alexandre: de quando em vez, valia a pena visitar e citar blogues de outra cor...

Isabel Seixas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Isabel Seixas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Francisco Seixas da Costa disse...

Ó Isabel Seixas: que diabo é isto?! Eu publicar publiquei, mas não vem nada a propósito desta historieta, desculpe lá! Mas, pronto!, o poema aí fica... Foi o Shakespeare que o escreveu? Não é nada o estilo...

Unknown disse...

É bem claro que o senhor tinha uma memória de elefante,não possuindo nem bússola nem azimutes.

Em vez de ser louvado por isso,levou com uma suspeita tremenda e,ainda por cima,logo aquele lugar haveria de ter o nome de Cornualha.

Nem de propósito ou de encomenda !!

Isabel Seixas disse...

Ri-me a sério...
Credo... Cornualha?...

O Amor é cego
mas o casamento devolve a vista... AD

Então
"Coisa de mulheres ciumentas, claro!"

"subtil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma."

"E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas"

"Aprende que as circunstâncias e os ambientes
tem influência sobre nós,
mas nós somos responsáveis por nós mesmos."

William Shakespeare

A senhora em vez de ficar toda contente pela eventual abertura de precedente...
Pronto.

Defreitas disse...

Na realidade, o ciúme é uma prova de amor. Com a condição de não vir estragar a festa! Uma questão de "dosage"!

Foi , "encore" ,William Shakespeare , em "Romeu e Julieta" que disse:

« Un peu de chagrin prouve beaucoup d’amour, mais beaucoup de chagrin montre trop peu d’esprit. »

Isabel Seixas disse...

Caro defreitas
"encore"

Defreitas disse...

Cara Isabel Seixas, eu sabia bem que a "nuance" não lhe escaparia! E ao nosso Embaixador céptico também!

Anónimo disse...

Aqui há uns anos, no Círculo de Bellas Artes em Madrid, o Assis Pacheco chegou à mesa do pequeno-almoço e vendo um grande escritor, já falecido, com um ar um pouco sorumbático, quiçá porque um outro escritor, já falecido também, lhe tirara as luzes da ribalta, disse ele do primeiro, aliás seu grande amigo: "Ele [...] hoje está com dores de Cornualha." Foi a gargalhada geral na nossa mesa.Já partiram os três. Nunca mais me esqueci do bom-humor do Assis.

Anónimo disse...

O seu amigo bem que poderia encenar o não saber o caminho certo... é que as mulheres nestes e noutros pormenores, são bem mais perspicazes que os homens e ela lá teria as sua razões...

Defreitas disse...

Sem duvida que é muito aborrecido quando se é oriundo uma região com um nome desses: Cornualha, sobretudo quando traduzido em Português e com o "espírito" "mal tourné" que nos caracteriza!
Ainda bem que Camila, esposa do Príncipe Charles, Príncipe de Gales e Duque da Cornualha, donde retira largas rendas, não está ao corrente da "analogia" do nome do ducado com o "acidente" linguístico da língua portuguesa! E tanto mais que, a divisa da Cornualha, é " « Onan Hag Oll » , que traduzido dá " Um e Todos" !

Defreitas disse...

Ao anónimo das 16:41 , que escreve: "é que as mulheres nestes e noutros pormenores, são bem mais perspicazes que os homens e ela lá teria as sua razões..."

Não acha que é mais que tempo de dar valor às ideias das mulheres , à custa das dos homens, que entraram em falência tumultuosa nos tempos de hoje?

As mulheres têm sempre "une longueur d'avance" em relação aos homens.

Esse génio particular da mulher que compreende o homem melhor que o homem não se compreende. Victor Hugo.

Anónimo disse...

A Camila, Duquesa da Cornualha, veio confundir, ainda mais, muitas cabecitas...e, como os homens poucas coisas fazem direito, como admitir, à primeira, tal "façanha"?...
Não há dúvida que a "hipocondria cornuda" é uma epidemia séria e, alguns, sem remédio, ao menos tomam o proveito...
antonio pa

Guilherme Sanches disse...

Eram ambos pessoas conhecidas na pequena vila, e tendo-se proporcionado um encontra mais íntimo, esse meu amigo convenceu a senhora a ir até um local mais discreto, para não serem vistos juntos, convite a que ela acedeu.
Ele não conhecia, mas "tinha ouvido falar" de um motel bem requintado, para onde se dirigiram, após seguir mais ou menos intuitivamente para o local de que lhe tinham falado.
Parece que se pagava à entrada.
- Quanto é? - pergunta ele
- É o costume, Sr Daniel... (nome fictício, claro)

Um abraço

Isabel Seixas disse...

Além de que é bem mais simples do que parece...
É só mudar de paradigma...

Alguns homens amam tanto a sua mulher que para não a gastar usam a dos outros...

Helena Sacadura Cabral disse...

Ó Isabel Seixas esta sua tirada merece 20, ou seja nota máxima.
Claro que se pode sempre dizer o mesmo das mulheres, que para pouparem os seus maridos, vão "usando" os das outras. Por norma, amigas...

Anónimo disse...

HSC, o seu comentário vale 21...

Isabel Seixas disse...

Convém chamar ao debate o
"quando alguém nasce nasce selvagem não é de ninguém"
convinha assim permanecer para não haver dissabores nem gerar novas modalidades de ditaduras, feudos e propriedades privadas que acabam por colidir com os direitos humanos...

por outro lado e se calhar Bem, de alguma forma é com as amigas que se comungam os mais altos e subidos gostos sendo normalmente motivo de júbilo e de reforço da amizade...

Além de que, Os "Amigos" das nossas amigas nossos amigos são...
(mais especificamente os que se consideram bons, ou seja por vezes, os que geram cobiça obsessiva )

Pode crer que o busílis está mas é no paradigma...

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