Fui há pouco ouvir Helder Macedo apresentar o livro "Ritornelos", onde se acolhem poemas de Joana Emídio Marques. É o seu primeiro livro de poesia. Deixo aqui um texto:
Beirute
e já não há carne que possa chamar um nome,
fico a vê-la
ir pela estrada de pó
que não leva à cave-escombro sem interior
mas aos hologramas que atravessam os olhos
e abrem neles um grande buraco.
Beirute morre
ou serão os hologramas
que a comandam e arrancam a carne à desolação?
Ele atravessa Beirute
sem ver senão o que paira nos lábios do que não responde.
Já não há carne que possa evocar um nome
nem sequer Beirute.
Ele atravessa Beirute
e não vê o corpo que carrega.
Só ela sabe que Ele veio dessa vez
a única vez.
E carregou-a nos braços
depositou-a no sono.
Só ela sabe que Ele veio dessa vez
tomar-lhe a carne
espalhá-la pelas ruas de pó
pela face dos que fogem
pela boca dos que gritam
Beirute
Beirute.
E já não há carne
a que se possa chamar um nome.
a que se possa chamar um nome.
Só Deus atravessando uma palavra,
carregando-a nos braços
devolvendo-a ao sono, anuncia:
Beirute
O nome é Beirute. Podia ser Kiev. Dedico este poema a um amigo ucraniano, Roman Chlapak.
(A imagem que ilustra este post é um quadro de um autor ucraniano. Parece ser uma imagem da Primavera. Por ora, por lá, ainda é Inverno. Porém, mais cedo ou mais tarde, haverá Primavera na Ucrânia)
(A imagem que ilustra este post é um quadro de um autor ucraniano. Parece ser uma imagem da Primavera. Por ora, por lá, ainda é Inverno. Porém, mais cedo ou mais tarde, haverá Primavera na Ucrânia)
10 comentários:
Caro Francisco,
Pelo quadro,pelo poema,pelas suas palavras - excelente começo de dia!
O abraço de sempre.
belíssimo quadro, ficamos sem saber o nome do pintor, também por cá se pintou muito assim, décadas de 20, 30, 40 e 50, maravilhosos paisagistas, continua a ser, a paisagem, um dos grandes temas da pintura, um pouco forte, o poema, como as tragédias e guerras de Beirute que o inspiram, uma certa linguagem e vocabulário pouco correntes na poesia, um lamento e uma imagem de morte na guerra, em Kiev as coisas estão fortes, a paz por lá será difícil por muitos anos, combate se por causas justas é certo,por cá há uma falsa paz, muita dor calada, aguentada, desemprego, exploração laboral, fome, emigração forçada, envelhecimento por varias causas, sofrimentos, tenho de ir ver o que significa hologramas, palavra do poema, por vezes conhecemos palavras, sabemos que existem, mas não temos presente a definição correcta, entretanto joana de Vasconcelos diz que não à presidente da ar, li o título da noticia, e na televisão um comentador insurge se com razão contra o uso e abuso do adverbio extremamente, concordo.
Quando li pela primeira vez a palavra Beirut, lembrei-me automaticamente que bem podia ser Kiev. No fim do poema lá estava também a sua referência a isso mesmo.
São palavras intemporais.
Obrigado pela partilha.
KIEV
Sim, solidários com os ucranianos,
mas não com os que fazem deles peões de um jogo,
que já nem sequer ninguém sabe jogar.
Se os mercados não gostam de política,
porque haviam agora de se interessar
por geopolíticas?
Bonitos o poema e a pintura, respetivamente da desolação à esperança...
Pois então que a primavera venha o mais cedo possível se não antes que venha no tempo dela
Caro Janus: agradeço muito o seu comentário mas, como compreenderá, não o posso publicar. A minha vida agora é outra...
Caro Patrício Branco. O quadro é minha propriedade. É de um autor ucraniano chamado Sergei Shishko (1911-1997) e chama-se "Vista da cidade ucraniana de Chernigov". É de 1970 e comprei-o vinte anos mais tarde, em Londres.
Caro Rui: que tal a nova vida? Daqui a dias telefono-lhe para uma almoçarada. Forte abraço
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3698490&seccao=Ferreira%20Fernandes&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco
O quadro é lindo como sonhar -e morrer- por que haja sempre uma primavera.
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