A passada segunda-feira foi um dia bem "português".
Uma magistrada, já cerca da meia-noite, depois de um dia frenético de audições, ditou, do alto da sua independência como órgão de soberania, que o leilão do importante lote de obras de Juan Miró, que estava nas mãos de um empresa que foi criada para privatizar tudo o que for possível privatizar antes que este governo acabe, podia prosseguir, lá em Londres, onde a Christie's fora encarregada de o vender. Estava assim anulada a previdência cautelar ("liminar", para leitor brasileiro) solicitada por atentas personalidades da oposição e logo seguida por um Ministério Público sempre bem alerta quando alguém o avisa.
Caramba! Para que o assunto merecesse este tratamento tão expedito da nossa magistratura, com uma decisão sobre a hora, era, com certeza, sinal de que a operação fora feita sob total surpresa. Qual quê! O assunto "tem barbas". Eu próprio, por razões que não vêm para o caso, tinha dele conhecimento há bem mais de um ano. Outros compradores tinham já aparecido no circuito e a intenção oficial de recorrer a este método para a liquidação do espólio era, de há muito, conhecida.
Porque é que o país só agora "acorda" para a venda dos Miró, a escassas horas do leilão? Porque nos chamamos Portugal, porque nada aqui se faz a tempo e horas, porque temos uma imprensa que só há dias aprendeu que o BPN nos tinha feito ganhar uma coleção rara de obras do genial pintor, porque temos uns políticos da oposição que, em lugar de, desde há meses, terem suscitado a questão junto da opinião pública, andaram "a dormir" na forma até agora*. E já nem falo do governo, porque todo o mundo da arte sabe que a sua decisão de vender um lote tão importante de obras de Miró, tudo no mesmo dia, baixa naturalmente o seu valor individual de mercado, afetando o potencial encaixe de capital. Mas que interessa isto a quem quer vender (já!) tudo o que possa "cheirar" a público?
A Christie's, que nestas coisas não brinca em serviço, suspendeu entretanto o leilão. Esteve-se nas tintas para o fim da providência cautelar e, escaldada com confusões judiciais, quer esclarecer o assunto. Na serenidade dos gabinetes da King Street, deve já ter havido alguém a perguntar(-se): "mas quem é que nos mandou meter-nos com esta gente?" Mesmo arriscando-me a equiparar-me por uma vez, em despreendimento patriótico, a Vasco Pulido Valente, tenho de reconhecer que têm toda a razão!
* foi-me chamada a atenção para o facto de o assunto ter sido suscitado, desde há meses, em sede parlamentar.
* foi-me chamada a atenção para o facto de o assunto ter sido suscitado, desde há meses, em sede parlamentar.
28 comentários:
É Portugal no seu "melhor"(?) !
Alexandre
O melhor resumo que li, sobre o caso Miró, até ao momento.
Vá lá! Afinal a "gestão" do BPN, teve, ainda assim, uma ação "positiva": "comprou "uns" MIRÓ"... e pelos vistos a SLN não percebe da(e) arte...
Se o valor atual não é comparável com o valor da aquisição, faz-me lembrar a expressão de um nosso conterrâneo ao ver a conta de uma refeição de robalos de que não estava à espera: "vale mais roubá-los!"
antonio pa
"Previdência cautelar"? "Despreendimento"? Nem só de Miró se faz a cultura...
É uma trapalhada à Portuguesa a saída ilegal das obras do País, pela qual devem ser responsabilizados politicamente o SE da Cultura (que ainda não percebeu o seu papel no Governo) e criminalmente os responsáveis das empresas que as mandaram para Londres sem as autorizações necessárias, mas uma vez que estamos em Portugal, tudo será como de costume. Vamos ter que pagar o regresso dos quadros a Portugal (a Christies cancelou e não adiou o leilão) além de provavelmente iniciarmos uma batalha jurídica sobre indemnizações à leiloeira, que, entre outras coisas, perdeu muito tempo e trabalho com esta vergonha e teve que pagar, segundo as regras, transporte para Londres, seguro, embalagem, armazenamento, catálogo e exposição. Tudo isto é mau para a imagem de Portugal (que anda ao tio ao tio e em saldo a vender além de quadros, Embaixadas e Consulados) como ontem disse (e bem!) Marques Mendes na Televisão, e bom para o escritório de advogados que o Governo e as suas empresas púlico-privadas irá escolher para o defender perante a Christie's, caso esta última não mostre uma penosa caridade para com a incompetência lusitana.
JOAN Miró. Já sabemos que o senhor é "amigo de Espanha" mas, mesmo por lá, escreve-se o nome do artista corretamente. É um nome catalão, para ser lido "joan" e não "ruan".
Olhe que não há muita gente a enganar-se, apesar de tudo...
Responsabilidades/responsáveis????Como se diz por aqui, nesta cidade: "Vai no Batalha"...
Ou, como suspeito que pensam, tb, em King Street: "That's the same ol'shit"
É politica no seu melhor!
Não há inocentes neste caso. Nem da oposição nem do Governo. Há sim um desrespeito primário pelo povo português e pelos sacrifícios que nestes anos tem vindo a fazer.
Depois têm a hipocrisia de se dizerem surpreendidos pelo contínuo e agravado distanciamento da população aos seus representantes políticos.
É antes de mais uma falta de respeito primária com quem com os seus impostos paga, quer queira ou não, os salários desta gentalha!
Obrigado pelo post e pela capacidade de em breves palavras conseguir espelhar o que pior temos, ainda, neste País.
o que mais me impressionou até agora, foram os cuidados com que a christies desmontou e atirou os quadros para dentro de uma carrinha estacionada à porta. só falta fazerem fotocópias para devolver aos parvoslorem e ficarem com os originais para caucionar custos e prejuízos.
Eusébio, Cristiano, Praxes, Miró...
Qual será a questão magna que irá ocupar TODA a imprensa (o jornalismo quase não existe) daqui a uma semana?
Nota: providência e não previdência. Das primeiras, tem havido às carradas, das segundas muito pouco.
David Caldeira
Os museus em Portugal estão às moscas (um pouco como o Argos da peça mas sem os habitantes chorosos). Vamos ao MNAA em período de férias e estamos sozinhos. Uma pessoa pode fazer amor em frente aos painéis de S. Vicente que não será incomodada. Não é preciso dizer mais nada. Vamos aos grandes museus europeus (Louvre, Prado, Rainha Sofia, Vaticano, Uffizi, National Gallery, Neues museum, etc) e, pouco importa a data, parece que estamos no colombo em véspera de natal. Ninguém tem a ganhar com ideias megalómanas. Qualquer ideia para o futuro dos museus em Portugal tem de partir de uma reflexão sobre o que existe agora. E o que existe é uma dissociação total entre os museus e as populações e até mesmo os turistas. Lisboa é uma cidade très charmante (délabrée mais vraiment charmante) onde os turistas vêm ver a luz, os miradouros, o pitoresco de uma europa encostada a marrocos. Não vêm ver museus. Désolé.
"(...) temos uma imprensa que só há dias aprendeu que o BPN nos tinha feito ganhar uma coleção rara de obras do genial pintor"
Isto, obviamente não é verdade. Há que tempos que se sabe disto. Inclusivamente, lembro-me de ver umas imagens do suposto "cofre" do BPN onde os quadros estavam guardados.
E, também sublinho que se escreve Joan e não Juan
Ó Zé, os turistas não vêm ver museus porque, se calhar, não há museus que apelem aos turistas. Se calhar, passava a haver um...
Zé e David Caldeira deixaram aqui 2 comentários pertinentes.
João Ribeiro
Não sabia que foi criada uma empresa, em Portugal, "para privatizar tudo o que for possível privatizar antes que este governo acabe"...
Penso que não será uma empresa com muito futuro! Não me refiro ao eventual curto prazo de existencia do governo mas sim ao facto de, a este ritmo, não haver já muito que privatizar...
José Barros.
Justa observação de João Ribeiro.
Por mim observo que não sabia que o nosso interesse cultural vai tão longe que tenha que defender a arte global em si, incluindo o particular Miró, catalão até mais não. Pensava que a nossa, portuguesa, obrigação se ficava modestamente pelos promoção dos nossos Amadeus, Vieiras, Pomares e outros que tais.
E quanto ao valor das obras: elas valem no momento o que o mercado dá por elas. O mercado pronunciou-se? E existe melhor ponto de venda que a Cristhies?
E os roubados do BPN tem obrigação, ainda para mais, de contribuírem para a cultura nacional? E os ditos tem também que aturar as manobras politiqueiras? E a superioridade moral e cultural da esquerda?
João Vieira
Parvaloram...até o nome da referida empresa faz jus a quem a criou e a toda esta situação
Este sim é um assunto importante, em breve em Portugal!
http://youtu.be/dSancf4xQZY
alexandre
Esse Miró não vale nada e mesmo o Picasso e o Dali, que o Dr. Miguel Sousa Tavares ainda aprecia, não têm o menor interesse. Apareceram uns tansos a dar dinheiro por essa coleção, dinheiro que nos faz tanta falta para pagar as dívidas do BPN, que esse sim, foi obra de verdadeiros artistas, e, claro, aceitou-se logo a primeira oferta de valor base para um leilão, com certeza, quando o produto é bera, como esse tal Miró, a proposta feita, como a cavalo dado, não se olha o dente. E essa gente ainda se queixa!! Povo ingrato, senhor Embaixador, povo ingrato...
a) Henrique de Menezes Vasconcellos (Vinhais), apreciador da verdadeira arte, Malta, Medina, etc.
Opinião que a 'velha senhora' acaba de me ditar ao telefone, com um misto de ternura e raiva na voz:
como gosto de o ver bravo
sem meias-tintas na pena
contra o crime e o desconchavo
duma gente tão pequena
força nisso - não o travo
se destrava e livre engrena
sem apelo nem agravo
a dar na choldra e a condena
qual vergonha - não a têm
estão cá só pra se encher
o bom povo bem os topa
reações é que não vêm:
forças vivas a morrer
vão capar até a tropa
Esta ida dos quadros para Londres e e sua retirada do leilão contribuem decisivamente para que Portugal alcance o primeiro lugar nos concursos de
1.países de anedota;
2.república de bananas e
3.provincianismo visceral.
Bem sei que a imagem de Portugal lá fora é irrelevante para quem nos governa mas aqueles que nos emprestam dinheiro, ou seja os ricos, devem interrogar-se sobre a incompetência patética do Governo (PM, MFinanças, MJustiça, MNE, SEC, etc.) na gestão deste episódio.
Patos bravos. Patos bravos é o que estes tipos são. E o "novo" Museu dos Coches, construído pelos patos bravos anteriores, à espera de ser inaugurado... Ponham lá os quadros!
Senhor Embaixador,
Pf. explique como funciona a "mala diplomática" e como é possível transportar os referidos quadros na tal "mala diplomática".
Ob.
Vergonha, na verdade, é uma coisa escassa, quiçá inexistente, neste governo http://expresso.sapo.pt/obras-de-miro-sairam-do-pais-por-mala-diplomatica=f854337. Usar a mala diplomática!?
Oh Cara velha amiga
como partilho a sua opinião
cresce um rei na barriga
aos inocentes após cada eleição
Temo por Camões e Pessoa
Amália Eusébio outros do Panteão
Ainda nos levam a capital Lisboa
na mala da troika sem apelação
Se ainda nos pagassem bem
aquilo que não tem preço
agora governo com esse desdém
faz-nos saldo como qualquer adreço...
85 obras de juan miró, dos melhores períodos, muitas de grandes dimensões, não são refugo, desenhos, estudos, fazem com que seja possivelmente a 2a maior colecção do artista, depois da fundação museu miró em barcelona. nunca foram expostas ao publico, parece. o banco foi as comprando com que intenção? ter ali um activo que valesse em caso de necessidade? para ir distribuindo pelos 4 ou 5 grandes acionistas? alguns estariam em gabinetes ou casas de administradores acionistas executivos?
com essas obras, bem aproveitadas, poderia ser feito o 2º melhor museu miró do mundo, presumo, e em portugal. nem a fundação miró tem capacidade para comprar tal colecção!
um grande museu é uma mais valia para o país/cidade onde está, o de bilbau, p ex, pena aqui não se pensar que a arte tambem enriquece, incluindo em receitas de visitantes, pena que por cá já reine um certo talibanismo, não destruimos a colecção miró mas expulsamo la, para fora,
ps. com quem foi tramado tudo isto? já teria compradores amigos ou negociados assegurados? etc etc
"patrício branco", é Joan, não "Juan". É assim tão difícil as pessoas respeitarem a forma correta de um nome?
Têm dúvidas? Vão à wikipedia... espanhola
http://es.wikipedia.org/wiki/Joan_Mir%C3%B3
Nos anos vinte do século passado o Estado russo também vendeu alguns tesouros de arte existentes lá. Havia fome e não havia com que pagar a comida. Enfim....
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