Eram lendárias as hesitações daquele diplomata. Rebuscado cultor do perfecionismo, colocava em cada texto um esforço de "afinação" de escrita que ia sempre muito para além daquilo que o próprio bom-senso recomendaria. As matérias mais simples levavam-no a um trabalho insano, que demorava horas, porque não desejava deixar, a quem potecialmente o lesse, a ideia de um descaso ou de menor atenção face àquilo que os arquivos dele iriam recolher para a História. De duas circunstâncias ele se não dava conta: por um lado, que o que ganhava em rigor perdia em leitura, porque a atualidade e interesse dos seus textos iam fenecendo na razão inversa do tempo que ele lhes dedicava. E, por outro, os postos onde operava estiveram quase sempre longe da linha de prioridades de quem tinha a responsabilidade por tomar conta da nossa política externa, o que levava a que essa sua elaborada escrita tivesse sempre um escasso universo de leitores.
Uma dia, no país de um posto onde estava colocado, ocorreu uma grave tragédia natural, com perda de muitas vidas e haveres. Não obstante as agências noticiosas terem multiplicado pelo mundo, desde a primeira hora, relatos pormenorizados sobre a situação, o embaixador foi adiando, ao longo de todo o dia, para grande desespero dos seus colaboradores, o envio de uma comunicação a Lisboa, menos para relatar o que já seria conhecido mas, essencialmente, para dar conta da sua avaliação sobre as medidas que, no entendimento da embaixada, Portugal deveria tomar para se associar ao esforço internacional de solidariedade que já se desenhava.
As comunicações, à época, estavam longe dos meios vário hoje utilizados. Nem o telefone era fácil de usar! Só ao final do dia o embaixador concluiu, com o requinte estilístico habitual, um longo texto que, rasurado e emendado mil vezes, chegou à funcionária do "serviço da Cifra", que fazia a expedição dos "telegramas", a qual passou então um largo tempo a dactilografar para a máquina a obra-prima do seu chefe. Exausta, acabou, já ao início da noite, o telegrama, o qual foi então enviado ao ministério, a Lisboa, onde seria decifrado e colocado sobre as secretárias, na manhã seguinte. Tinha-se, assim, perdido, praticamente, um dia.
À uma da madrugada, o telefone tocou na casa da funcionária da Cifra. Era o embaixador. Pedia-lhe, delicado, se podia regressar à chancelaria, dada a necessidade de enviar algo "muito urgente" para Lisboa. A cidade onde a embaixada se situava não era fácil, em matéria de segurança, principalmente durante as noites. Ciente de que se vivia um tempo excecional, a senhora, que já estava a dormir, lá regressou ao local de trabalho, guiando o seu carro, pelas ruas desertas, num gesto de dedicação excecional. O embaixador esperava-a, no gabinete. Grato, com um sorriso, entre o nervoso e o embaraçado, estendeu-lhe uma folha com o texto de um novo telegrama. À distância, ao ver que era uma mensagem muito curta, a funcionária sentiu-se aliviada. Ao menos isso! E lá foi para a Cifra enviar o texto. Quando finalmente o leu, ia-lhe dando uma coisa má: "muito agradecia que, no meu telegrama anterior, todas as vezes em que surge a palavra "terramoto", esta fosse substituída por "tremor de terra"...
Uma dia, no país de um posto onde estava colocado, ocorreu uma grave tragédia natural, com perda de muitas vidas e haveres. Não obstante as agências noticiosas terem multiplicado pelo mundo, desde a primeira hora, relatos pormenorizados sobre a situação, o embaixador foi adiando, ao longo de todo o dia, para grande desespero dos seus colaboradores, o envio de uma comunicação a Lisboa, menos para relatar o que já seria conhecido mas, essencialmente, para dar conta da sua avaliação sobre as medidas que, no entendimento da embaixada, Portugal deveria tomar para se associar ao esforço internacional de solidariedade que já se desenhava.
As comunicações, à época, estavam longe dos meios vário hoje utilizados. Nem o telefone era fácil de usar! Só ao final do dia o embaixador concluiu, com o requinte estilístico habitual, um longo texto que, rasurado e emendado mil vezes, chegou à funcionária do "serviço da Cifra", que fazia a expedição dos "telegramas", a qual passou então um largo tempo a dactilografar para a máquina a obra-prima do seu chefe. Exausta, acabou, já ao início da noite, o telegrama, o qual foi então enviado ao ministério, a Lisboa, onde seria decifrado e colocado sobre as secretárias, na manhã seguinte. Tinha-se, assim, perdido, praticamente, um dia.
À uma da madrugada, o telefone tocou na casa da funcionária da Cifra. Era o embaixador. Pedia-lhe, delicado, se podia regressar à chancelaria, dada a necessidade de enviar algo "muito urgente" para Lisboa. A cidade onde a embaixada se situava não era fácil, em matéria de segurança, principalmente durante as noites. Ciente de que se vivia um tempo excecional, a senhora, que já estava a dormir, lá regressou ao local de trabalho, guiando o seu carro, pelas ruas desertas, num gesto de dedicação excecional. O embaixador esperava-a, no gabinete. Grato, com um sorriso, entre o nervoso e o embaraçado, estendeu-lhe uma folha com o texto de um novo telegrama. À distância, ao ver que era uma mensagem muito curta, a funcionária sentiu-se aliviada. Ao menos isso! E lá foi para a Cifra enviar o texto. Quando finalmente o leu, ia-lhe dando uma coisa má: "muito agradecia que, no meu telegrama anterior, todas as vezes em que surge a palavra "terramoto", esta fosse substituída por "tremor de terra"...
10 comentários:
Há cada "engonha"...
Secretária sofre...
Estória verdadeiramente deliciosa. Ia-a perdendo, não fosse uma grande fã deste seu blogue, a minha amiga Otília Pires Martins, Professora na Universidade de Aveiro, que de vez em quando me acorda por e-mail para eu não perder a leitura de uma nova entrada neste blogue de que ela particularmente gostou.
onésimo
escravo da escrita, do perfeccionismo, numa palavra: pessoa insegura. mas afinal trata se de um episódio algo triste, ver esse senhor sem dormir a pensar na substituição dum termo, sem duvida que essas pessoas, profissionais, acabam por ser alvo de piadas, chacota mesmo, devido aos seus tiques escrupulosos, obsessivos.
Pois é, mas naquele tempo havia "tempo" para tudo. Agora o Embaixador não precisa de chamar a secretária assim fora de horas. Aliás, agora nem de secretária precisa, nem de conselheiros: culturais, sociais, de imprensa... agora é ele quem "clica" enquanto a Troïka não puser no seu lugar uma qualquer maquineta para lhes transmitir as informações via satélite...
Só se houver um tremor de terra que venha pôr ordem social nesta desumanização !
José Barros
A história em redor da locução epicentral é engraçada. E, infelizmente há cada vez mais! É o pedantismo da ignorância!
Agora, o texto que a conta, é que que me parece soberbo! Como já me habituou há muito! (com a reserva de que não sou nada especialista, como bem se vê).
António pa
" A expressão", que não pode ser olvidada, Blog "Corta-Fitas":
Porque a memória é curta:
por João Távora, em 15.10.13
Do compromisso assinado por José Sócrates com os nossos credores:
Memorando de entendimento:
[...] [Política Orçamental para 2012]
1.11 Reduzir as pensões acima de 1500 euros, de acordo com as taxas progressivas aplicadas às remunerações do sector público a partir de Janeiro de 2011, com o objectivo de obter poupanças de, pelo menos, 445 milhões de euros.
1.12. Suspender a aplicação das regras de indexação de pensões e congelar as mesmas, excepto para as pensões mais reduzidas, em 2012.
[...]
[Política Orçamental para 2013]
1.29. ix – manter a suspensão em 2013 das regras de indexação das pensões, excepto no que se refere às pensões mais reduzidas.
1.30. Adicionalmente, o Governo alargará o uso da condição de recursos nos apoios sociais e direccionará melhor o esforço de apoio social, no sentido de obter uma redução nas despesas sociais de, pelo menos, 350 milhões de euros.
Com a devida vénia (Mentir para quê?)
Alexandre
Senhor Embaixador, vou ter que mudar os meus parceiros de sueca e bisca lambida e Vossa Excelência os seus parceiros de bridge (se não joga bridge, devia jogar), parceiros não são para sempre, é a vida, ele há parcerias e parcerias...
a) Feliciano da Mata, parceiro para todas as ocasiões
O excesso de zelo tem destas coisas. Imagine-se a secretária (coitada) ser assaltada por via disso. Há cada Embaixador!... Valha-nos Deus!
A expressão da 'velha senhora':
é terramoto embaixador é terramoto
quanto se passa aqui na pátria nossa amada
tremor de terra nem de longe dá a foto
desta catástrofe indizível provocada
por esta corja de ladrões esta cambada
Estranhando que ninguém chamasse a atenção do caro Alexandre (14:02 de ontem) para o facto de o memorando referido NÃO prever cortes retroativos, pois a retroatividade das leis é inconstitucional em qualquer país democrático, a 'velha senhora' ditou-me, indignada:
comentador alexandre
alexanfre comentista
à direita sempre ativo
com jeitinho talvez ande
um pouquinho e tenha em vista
em portugal ou na flandres
o que é que é retroativo
diga ao chantre que não chanfre
alexandre comentista
comentador alexandre
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