Por algumas décadas, a portaria do MNE foi dirigida pelo senhor Jaime Matos. O ministério era então uma "casa" quase "familiar", em que, à entrada, havia mais pessoas com nome e menos rotativos agentes da Securitas.
O senhor Matos era também o mais prestigiado dos "procuradores", essa "instituição" de que já aqui falei, que quase todos os diplomatas eram forçados a contratar e que, na realidade, lhes facilitava a vida e lhes permitia resolver uma imensidão de problemas, em especial quando colocados no quadro externo. Mas ter o senhor Matos como procurador era um verdadeiro "must" de prestígio. Enquanto muitos contínuos e motoristas batalhavam para representar os novos diplomatas chegados à casa, o senhor Matos dava-se ao luxo de selecionar aqueles que aceitava como seus representados. E, não raramente, "cedia" mesmo diplomatas a outros colegas dedicados à mesma tarefa.
Como contei noutro post, o senhor Matos tinha a peculiaridade de informar os seus representados dos rumores que circulavam sobre futuras nomeações para embaixadas ou lugares de chefia superior na casa. A isso chamava, nas cartas que enviava, "o movimento que se diz que vai haver". Raramente se enganava, tal a qualidade e a "reliability" das fontes de que dispunha.
Com os anos, com a experiência e tendo já ouvido muito, o senhor Matos chegou mesmo ao ponto de ousar ter opinião sobre a própria justeza de certas indigitações. Um dia, ficou famoso um comentário que, por carta, deu a alguns dos seus representados: "Dizem que o senhor doutor Fulano de Tal pode vir a ser o próximo diretor político. Seja o que Deus quiser!..." Noutra ocasião, depois de anunciar ua determinada colocação, acrescentou, eloquente na sua apreciação: "enfim!..."
12 comentários:
Gostei particularmente do comentário do "Matos", mas creio que, actualmente, ninguém ousaria fazer um comentário desses.
Ora, como diria o "Matos", "Seja o que Deus quiser!..."
Isabel BP
Senhor Embaixador,
Fez-me recordar a invariável frase que encerrava as missivas manuscritas do mítico Sr. Matos:
"Atento, venerando e obrigado, criado de Vossa Excelência, Jaime Martins de Matos".
ZPF
O Senhor ( no caso dele tem mesmo que se dizer Senhor! ) Matos, que, salvo erro, entrou para o MNE no final dos nos Quarenta ( era então Caeiro da Matta Ministro) foi o meu procurador enquanto estive no MNE. Como o Senhor Embaixador escreve, fui escolhido por ele, mas acho que também me preparei bem para o exame...Nos tempos em que não havia internet nem telemóvel, o Senhor Matos resolvia tudo através de uma chamada telefónica, dele ou minha, ou com uma carta mais ou menos longa, em que, além das novidades, me dava conta da minha situaçào financeira e da melhor forma, segundo ele, de investir o magro vencimento de um Secretário de Embaixada. Diziam que o Senhor Matos era rico. Só podia e devia ser. Os conselhos, financeiros ou outros, foram sempre, se bem me lembro, os melhores e ainda hoje recordo a forma brilhante como resolveu rapidamente problemas que pareciam irresolúveis a qualquer pessoa normal. Tudo escrito e falado num Português que faria corar de vergonha muitos intelectuais da nossa praça. A última vez que o vi foi, há muitos anos, numa cerimónia no Ministério, de uniforme de gala, com as insígnias de Cavaleiro da Ordem do Mérito - que mereceu inteiramente. Tenho saudades do Senhor Matos e ainda bem que o Senhor Embaixador voltou a falar dele. João Pedro Garcia
Reliability - gostei, muito melhor do que... Fiabilidade!
A.M.
Tendo trabalhado quatro anos no gabinete de um ministro, diria que as coisas mudaram um bocadinho. Quem sabe mais são sempre os motoristas.
Há rumores na imprensa de que um secretário de Estado pode demitir-se? Até as próprias secretárias podem não saber de nada. Mas os motoristas SABEM.
Os tempos são outros e eles, apesar de discretíssimos, acabam por ouvir muitas conversas telefónicas a caminho da reunião X ou Y.
E podem bichanar confidências a uma secretária que sabem de total confiança quando a levam a casa à uma da manhã. :) Foi assim que eu soube antes da imprensa e de quase todo o gabinete o nome de um novo secretário de Estado do nosso ministério. :)
Além "de informar os seus representados dos rumores que circulavam sobre futuras nomeações para embaixadas ou lugares de chefia superior na casa" o Sr. Matos "informava" a PIDE sobre coisas mais substanciais.
Mais do que prestável, era servil. Mais do que peculiar, era caricato.
Era uma relíquia do MNE salazarento.
João de Deus Pinheiro?
No MNE os motoristas são diferentes. Havia até um irmão do Sr.Matos, ele próprio chamado Sr. Matos, que conduzia viaturas governamentais e cujas qualidades nào eram exactamente as mesmas do Sr.Matos mencionado pelo autor deste blogue.
Caro ARD: há provas?
Provas de quê? De que as informações eram mais substanciais?
Caro ARD: as coisas são muito simples. Ou está provado (e eu julgo que não está, mas estou aberto a aceitar que assim tenha sido, com base em provas irrefutáveis) que o sr. Matos era informador da Pide e, nesse caso, o assunto tem de ser tratado com outra seriedade e a memória do homem terá de sofrer o efeito correspondente, ou estamos apenas no domínio do diz-que-diz-se e dos rumores e, nesse caso, desculpe lá!, é de uma grande gravidade estar a acusar sem ter provas.
Não terei essa conversa através da caixa de comentários de um blog.
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