Ao ver as notícias sobre os combates na cidade líbia de Brega, não pude deixar de lembrar-me da minha velha tia Zé.
Estávamos em torno da televisão, nesse agosto de 1968, em Viana do Castelo. As imagens eram da entrada das tropas soviéticas em Praga, com a subida dos tanques pela praça Venceslau, sob protestos populares.
A tia Zé vivia, desde sempre, num mundo diferente, um pouco alheado, distante daquele que nos mobilizava, frente ao televisor. Não era dada a seguir eventos noticiosos, nem sentia estímulo para participar em quaisquer conversas que excedessem o quadro familiar ou das amizades. Por uma vez, porém, os nossos comentários e exclamações, bem como a notória brutalidade do que observava, tê-la-ão feito compreender que alguma coisa não ia bem, lá pelo mundo exterior. A certo ponto, numa pausa do noticiário, ao entrar na sala com o tradicional café de saco, de cuja feitura não prescindia, a velha senhora deixou escapar: "As coisas estão mal lá por Braga, não estão?"
A tia Zé vivia, desde sempre, num mundo diferente, um pouco alheado, distante daquele que nos mobilizava, frente ao televisor. Não era dada a seguir eventos noticiosos, nem sentia estímulo para participar em quaisquer conversas que excedessem o quadro familiar ou das amizades. Por uma vez, porém, os nossos comentários e exclamações, bem como a notória brutalidade do que observava, tê-la-ão feito compreender que alguma coisa não ia bem, lá pelo mundo exterior. A certo ponto, numa pausa do noticiário, ao entrar na sala com o tradicional café de saco, de cuja feitura não prescindia, a velha senhora deixou escapar: "As coisas estão mal lá por Braga, não estão?"
Se a boa da tia Zé, com o seu mau ouvido, não tivesse deixado, há décadas, de cuidar dos dias dos outros, imagino que hoje, ao escutar notícias sobre as movimentações militares em torno de Brega, voltaria a inquietar-se.
7 comentários:
Bela e tocante memória pessoal
CSC
Quem não gostava/gosta de Mr. Magoo?...
Quando as pessoas são estimadas, os seus defeitos acrescentam-lhes qualidades.
No que concerne ao conteúdo político, a situação está mesmo levada da "breca"...
Que história tão engraçada.
O Professor Doutor João Barreto, meu estimado Professor de gerontologia e geriatria, expert em cuidar nas Demências, alertava-nos para a injustiça do comentário
" só ouvem o que querem"
utilizada para se referir a pessoas de certa idade, determinada fase do ciclo vital a que aliás já cheguei, havendo uma predisposição natural para reduzir a acuidade auditiva a certas consoantes.
Agora bem interessante o click da rememoração.
Isabel Seixas
A mim, em termos de recordações de infância, faz-me lembrar, embora em menor escala, mas igual e desnecessariamente destruidor, a guerra civil espanhola, particularmente o memorável ataque e destruição do Alcazar de Toledo, visto, não na televisão, que ainda não existia, mas no cinema e documentários Pathé, aos quais não faltava, em Tondela! Bons tempos de um sedioso adolescente que igualmente acompanhava o julgamento de Nuremberga!
O post sobre a "tia Zé" fizeram-me lembrar algumas interpretações que a minha avó também fazia motivadas pelo "mau ouvido" :)
Isabel BP
No meu comentário anterior, deve ler-se "fez-me" e não "fizeram-me" (em vez de post, tinha episódios).
Juro que não estou feita com os "Homens da Luta" :)
Isabel BP
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