domingo, março 06, 2011

A tia Zé e a Líbia

Ao ver as notícias sobre os combates na cidade líbia de Brega, não pude deixar de lembrar-me da minha velha tia Zé.

Estávamos em torno da televisão, nesse agosto de 1968, em Viana do Castelo. As imagens eram da entrada das tropas soviéticas em Praga, com a subida dos tanques pela praça Venceslau, sob protestos populares.

A tia Zé vivia, desde sempre, num mundo diferente, um pouco alheado, distante daquele que nos mobilizava, frente ao televisor. Não era dada a seguir eventos noticiosos, nem  sentia estímulo para participar em quaisquer conversas que excedessem o quadro familiar ou das amizades. Por uma vez, porém, os nossos comentários e exclamações, bem como a notória brutalidade do que observava, tê-la-ão feito compreender que alguma coisa não ia bem, lá pelo mundo exterior. A certo ponto, numa pausa do noticiário, ao entrar na sala com o tradicional café de saco, de cuja feitura não prescindia, a velha senhora deixou escapar: "As coisas estão mal lá por Braga, não estão?"

Se a boa da tia Zé, com o seu mau ouvido, não tivesse deixado, há décadas, de cuidar dos dias dos outros,  imagino que hoje, ao escutar notícias sobre as movimentações militares em torno de Brega, voltaria a inquietar-se.

7 comentários:

Anónimo disse...

Bela e tocante memória pessoal

CSC

Anónimo disse...

Quem não gostava/gosta de Mr. Magoo?...

Quando as pessoas são estimadas, os seus defeitos acrescentam-lhes qualidades.

No que concerne ao conteúdo político, a situação está mesmo levada da "breca"...

estouparaaquivirada disse...

Que história tão engraçada.

Anónimo disse...

O Professor Doutor João Barreto, meu estimado Professor de gerontologia e geriatria, expert em cuidar nas Demências, alertava-nos para a injustiça do comentário

" só ouvem o que querem"

utilizada para se referir a pessoas de certa idade, determinada fase do ciclo vital a que aliás já cheguei, havendo uma predisposição natural para reduzir a acuidade auditiva a certas consoantes.

Agora bem interessante o click da rememoração.
Isabel Seixas

gherkin disse...

A mim, em termos de recordações de infância, faz-me lembrar, embora em menor escala, mas igual e desnecessariamente destruidor, a guerra civil espanhola, particularmente o memorável ataque e destruição do Alcazar de Toledo, visto, não na televisão, que ainda não existia, mas no cinema e documentários Pathé, aos quais não faltava, em Tondela! Bons tempos de um sedioso adolescente que igualmente acompanhava o julgamento de Nuremberga!

Anónimo disse...

O post sobre a "tia Zé" fizeram-me lembrar algumas interpretações que a minha avó também fazia motivadas pelo "mau ouvido" :)

Isabel BP

Anónimo disse...

No meu comentário anterior, deve ler-se "fez-me" e não "fizeram-me" (em vez de post, tinha episódios).

Juro que não estou feita com os "Homens da Luta" :)

Isabel BP

A Europa de que eles gostam

Ora aqui está um conselho do patusco do Musk que, se bem os conheço, vai encontrar apoio nuns maluquinhos raivosos que também temos por cá. ...